Ravenshire’s Lord
Ravenshire
Inglaterra, outono de 1847
Dizem que não se pode fugir do amor…
Contudo, Lord Fairfax jamais ousou imaginar que viveria a maior de todas as ironias de vossa vida. Meu caro leitor, eis-me aqui novamente, vossa estimada escritora, Lady Lewis, para lhes contar uma pequena e breve história. Pequena, porém, não menos intensa do que estamos acostumados a ler.
Bem longe dos olhares de vossa majestade, encontramos a monumental Ravenshire Hall, erguendo-se imponente sobre uma leve colina que domina a vila de mesmo nome, cercada por vastos terrenos que se perdem nas florestas enevoadas do norte da Inglaterra. Uma construção que exala em sua atmosfera, glórias passadas e certa nostalgia, com detalhes que mostram o desgaste dos tempos, tanto nos móveis de época que rangem, nas cortinas pesadas que abrigam sombras, como no cheiro de madeira antiga misturado ao aroma da lareira. Construída em pedra cinza extraída das pedreiras locais, o modesto castelo exibe uma mistura fascinante de estilos arquitetônicos, resultado dos séculos de remodelações e acréscimos sobre as ruínas da antiga abadia medieval.
Suas janelas altas permitiam que a luz cinzenta do céu inglês entrasse em ondas suaves, refletindo o humor melancólico da propriedade e de seus habitantes. Localizada entre Yorkshire e Northumberland, a região era conhecida por seus campos verde-escuros, com pastagens e florestas densas habitadas por corvos. Um dos muitos motivos pelo qual recebera o nome Ravenshire — Terra dos Corvos.
E sob o céu do fim do outono, as nuvens nubladas carregadas pelo clima, agraciaram as colinas com uma leve camada de névoa que se estendeu pelos vales próximos. E lá estava nosso famigerado casal do momento, em mais uma de vossas muitas discussões causadas pelas divergências de ideias. Lord Fairfax, barão de Ravenshire, havia sido agraciado com tal título de nobreza aos sete anos de idade, após o precoce falecimento do pai. Desde então, viu-se com a forte necessidade da busca pela maturidade, com tantas responsabilidades em vossas costas diante de um legado em decadência.
Isso mesmo, meus caros leitores…
A vida da aristocracia não era tão fácil assim, principalmente para aqueles que mesmo sendo da nobreza hereditária, estavam posicionados na base da cadeia alimentar. Entretanto, o mais baixo título ainda carregava o peso de não errar. E para , a escolha da esposa perfeita estava no topo da lista de prioridades, regada às mais vastas exigências. Afinal, a linhagem precisava continuar, e com sangue nobre correndo em vossas veias. Mas se há algo que esta autora ama nas muitas histórias que acompanhamos…
— Senhorita Pembroke!? — A voz do cavalheiro soou em meio a brisa fria que seguia pelas campinas, fazendo-a parar no susto de estar sendo seguida.
Pembroke, uma donzela obstinada e de personalidade peculiar, era filha do famoso senhor Pembroke, dono da maior fábrica têxtil da região de Liverpool. Uma nascida na burguesia que não se importava com a opinião dos aristocratas quanto aos seus modos de insubmissão, ainda que se portasse como uma perfeita dama, suas palavras eram afiadas demais para serem ignoradas pela elite londrina.
E ali estavam ambos.
Como se conheceram?
Em um baile muito estimado oferecido pela bela condessa Adeline Bridgerton. Um convite nada inesperado que me ofereceu muitas fofocas posteriores. Em tal evento, obteve o privilégio de uma dança com a senhorita em questão, bastando poucas palavras para deixá-lo em caos interno, com os muitos pensamentos voltados para ela. O problema disso? Lord Fairfax carregava dentro de si um enorme orgulho por seu título de nobreza, além dos muitos preconceitos com pessoas da classe burguesa. Sentimentos tais, construídos ao longo dos anos ao acompanhar o declínio de muitos nobres que perdiam suas propriedades para afortunados comerciantes e banqueiros.
O ponto chave para a relutância de em reconhecer o que sentia verdadeiramente por .
— O que desejas agora, milorde?! — indagou ela em vosso transbordar de irritação. — Após vossa frustrada tentativa de humilhar minha família.
— Peço que me perdoe por meus modos. — Um olhar arrependido transmitia a sinceridade em seu peito.
Das incontáveis discussões entre ambos, todas com palavras e argumentos cortantes como a lâmina de uma adaga de ambos os lados. Os envolvidos sempre passavam os dias seguintes em vossas reflexões, relutantes em admitir que quanto mais desentendimentos, mais a atração que sentiam um pelo outro era evidente. A tensão doce e sutil que os envolvia quando estavam no mesmo ambiente, as farpas trocadas que aceleravam os corações, os olhares de fúria que escondiam um toque de malícia. Principalmente vindo do barão de Ravenshire.
Reza a lenda que os opostos se atraem, milorde.
— Me deixe em paz. — Um pedido com som de ordenança.
Ao virar-se novamente para dar o primeiro passo de fuga, o som de um trovão paralisou-a por completo. O céu que reprimia a chuva em dias de sua anunciação, descarregou-a sem pedir permissão. ambicionava desaparecer dali, ou melhor, ser cruel o bastante para deixá-lo esperando por ela no altar, envergonhado por ser abandonado pela dama da classe que mais desprezara.
— Não vou deixá-la — insistiu ao segurá-la pela mão, sabendo de vossos bloqueios relacionados ao barulho causado pela tempestade.
Voltando a atenção para ele, por um vislumbro de tempo, sentiu-se estranhamente segura e protegida. Encarando aquele olhar profundo e firme de quem estava ali para ser seu abrigo e refúgio. E quanto ao noivado? Tal arranjo havia sido noticiado pelo senhor Pembroke no findar da primavera. Mesmo em vosso inicial desdém pela burguesia, havia sido convencido pela mãe que um matrimônio com uma donzela da espécie seria a salvação das dívidas deixadas pelo pai, que se acumularam com o decorrer dos anos.
E fora exatamente este fato que fez a senhorita retomar o juízo.
— O que pensas que está fazendo?! — Soltando-lhe a mão bruscamente, sentiu os olhos marejados de raiva, e talvez não se conteria em deixar as lágrimas caírem.
Afinal, as gotas de chuva que escorriam em vosso rosto serviriam de disfarce.
— Permita-me esclarecer-lhe o que guardo dentro de mim — pediu ele, insistindo em não a deixar partir.
Mesmo sob o temporal formado, com as roupas molhadas e correndo riscos de um resfriado forte e severo, era a chance que tinha de falar-lhe antes da famigerada cerimônia de casamento na manhã seguinte.
— Não me importo com vossas inquietações internas. — Deu um passo para trás, afastando-se dele. — Apenas direi sim amanhã para que o nome de minha família permaneça em honra.
— Compreendo que iniciamos isso erroneamente… E que meu orgulho a fez construir as piores impressões de mim, mas garanto-lhe que não sou este homem frio e prepotente que pensas, e em meu coração… Todas as vezes que me toma os pensamentos, certamente já percebeste o magnetismo que se cria ao nosso redor…
— Pare — pediu ela, confusa por aquele discurso. — O que queres de fato com essas palavras?
— Vós. — Direto e preciso. — A única coisa que tenho desejado ardentemente, mais até que o ar que adentra meus pulmões, é a senhorita a qual desposarei nas próximas dezoito horas.
pela primeira vez obteve o prazer da sensação de um coração parando e voltando a bater. Um pulsar crescente a cada passo que o barão dava para mais perto.
— Por qual motivo sentes o prazer de brincar comigo?! — indagou ela, não compreendendo mais se vosso rosto estava encharcado pela chuva ou pelas lágrimas que escorriam.
— Não estou a brincar. — viu-se tão concentrado no olhar de vossa amada, que apenas reparou na proximidade de ambos a milímetros de distância de ambos os corpos.
E pegando a mão da donzela novamente, elevou-a em vosso tórax com suavidade, pousando-a na altura do coração. Se não fosse o barulho da chuva, teria apenas o ritmo de um coração aflito como fundo sonoro do momento.
— Ele apenas bate por vós — disse num tom mais baixo, firme e envolvente, ele manteve a profundidade no olhar. — Eu corri o mais longe que pude e tentei escondê-lo de vós… Mas não consegui escapar do que sinto pela senhorita… Do amor sufocante que surgiu sem pedir licença e hoje tira-me o sono todas as madrugadas ao acordar e não tê-la ainda ao alcance de minhas mãos… Do caos que o vosso sorriso provoca em meu interior, queimando-me pela vontade de experimentar o gosto de vossos lábios… Da intensidade em que ambiciono tocá-la como a uma tecla de piano, transformando a junção de nossos corpos em uma perfeita sinfonia… Do quanto tenho me esforçado para ser um cavalheiro que jamais a colocaria em desonra, mesmo com maliciosos pensamentos envolvendo-a aos lençóis da minha cama.
Um breve silêncio para a absorção do impacto do momento.
— Milorde… — sussurrou, estática pelo que ouvira.
Não esperava por esta clara e singela declaração.
E acreditem, meus caros leitores, nem mesmo esta autora esperava por tal ousadia em meio à tempestade.
— Eu a amo… — Um sussurro arrastado pela proximidade de vossos rostos. — De uma veemência que tem chegado a doer.
Respiração sincronizada, corações acelerados, e um gesto de quebra de protocolo, perigoso demais para um cavalheiro a um passo de se deixar sucumbir à tentação pelo prazer de explorar cada detalhe da dama à sua frente. Os lábios de tocaram os dela num misto de desespero e sutileza, doçura e malícia, gerando sensações de êxtase e mais atração mútua.
Será que podemos esperar por uma noite de núpcias tão calorosa quanto esta declaração para afastar qualquer resfriado que possa estragar a lua de mel?
Então eu corri
Eu corri pra muito longe
Eu apenas corri
Eu corri a noite e dia inteiros
Eu não pude escapar.
– I Ran (So Far Away) / A Flock of Seagulls
”Amor: Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.” [ I Coríntios 13:13 ] – Pâms
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