Querido Papai
Querido Papai
Eu não sei o que pensar, sinceramente. Já fora um custo te chamar de “papai”, imagina tentar escrever uma justificativa plausível para o meu sumiço durante esses quatorzes anos. Talvez eu devesse começar me desculpando, ou dizendo que eu te odeio. Porém, pelo menos uma vez, queria que você soubesse da verdade.
Escrevo-te por causa de Hope, ela encheu minha paciência ao voltar da penitenciaria para ler. Se não fosse a sua insistência, eu guardaria tua carta junto com as outras e abriria semanas depois. Sim, eu li todas as suas mensagens. Não ache que eu estou sendo áspera porque eu quero, apenas é difícil baixar minha guarda após tanto tempo sem lhe dar algum sinal. Juro que tentarei ser menos grossa ao desenrolar da carta.
Pai, você sabe que desde pequena eu sempre tive dificuldades em demonstrar meus sentimentos por alguém, então, peço-lhe que não se ofenda com o início ou qualquer coisa que eu escreva, por favor. Viu, chamei-te novamente pelo seu cargo, já é um avanço. Enquanto minha mente embaralha-se com tamanhas lembranças, minha mão vai pondo neste pedaço de papel tudo o que eu guardei.
Até hoje, no guarda roupa, está a roupa de princesa, juntamente com a coroa que você me deu. Foram as únicas coisas que eu não pude e nem tinha o direito de me desfazer. Esse traje é uma das boas memórias que eu tenho, de horas antes do acidente. E por falar no indesejado, há inúmeros fatos que preciso esclarecer. Mamãe me dizia coisas horríveis, após alguns anos, ela começou a piorar gradativamente, entregando-se ainda mais para o álcool. Cresci ouvindo-a gritar para os vizinhos que você havia nos largado, que não nos amava mais, que a culpa toda era tua. Porém, quando iniciei meus discursos a tua defesa, pois eu sentia tanto a sua falta e não aguentava vê-la perdendo os parafusos, a culpa caiu sob mim. Imagina o que é ter a sua própria mãe, em forma de te proteger, bradando que se não fosse por você, ainda seríamos uma família unida. Quando ela brigava comigo, eu corria com Hope para o porão e a deixava lá, com a companhia de uma boneca para a caçula não ter que presenciar aquilo. Por isso Hope é mais acessível a você, a mesma não presenciava aquela tortura psicológica constante.
Chegou uma hora que eu me conformei com as duras palavras da mamãe, e aceitei o fardo de que se eu não tivesse jogado a bola com tanta força, nada teria acontecido. É, foi uma junção do que eu vivia com as lembranças da senhora Buck estirada no chão, dando seu último olhar para mim. Eu olhei o assassino, e ao me ver ali, tão pequena e assustada, ele ficou sem reação. A única coisa que pude fazer foi correr até a sala, entrando no baú e esperando o pior vir. A morte nunca esteve tão próxima, pai…, mas, quando eu te vi abrindo o baú, uma sensação de alívio percorreu meu corpo, e minhas pequenas mãos agarraram seu pescoço e as lágrimas desceram rapidamente.
Nem tudo são rosas.
Os policiais logo me arrancaram de você, e eu não entendia mais nada da situação. A partir desse dia não nos falamos mais. Mamãe, de início, fugia de falar sobre o que tinha ocorrido e jurava que você voltaria em breve. Mas após alguns meses, o inferno teve seu início, como já dito anteriormente. Eu nunca entendi a razão pela qual ela me proibiu de ir te ver, a mesma dizia que seria melhor assim, que você não gostaria de ter contato com a própria filha que o fez ir para a prisão. Eu a rebatia, argumentava que se Hope poderia ir, eu também tinha o direito. Porém, nada fazia mudar sua mente, e eu acabei nutrindo um falso ódio que aprendi a usar.
Eu não te odeio, e só fui perceber tarde demais. Mamãe nos fez acreditar que o ódio era recíproco, em uma forma de tentar me proteger. Eu a entendo, mesmo destruindo uma parte da minha vida, mas eu ainda não sou capaz de perdoa-la totalmente. Hope e eu sempre discutíamos, ela não achava razões plausíveis para eu te odiar, é porque eu a escondia das palavras duras de nossa mãe. E eu não contava nada, não faria com minha irmã o que fizeram comigo. Seria cruel demais fazê-la levar a minha vida repleta de medo do passado. Foi através de Hope que eu comecei a raciocinar melhor essa história, a pequena voltava da prisão contando diversas coisas legais, dizendo que você se preocupava comigo e trazendo a minha carta todo ano. Nesse momento eu pensei que como alguém que me odiava poderia perguntar de mim tanto assim, foi aí que eu realizei que você me amava. Liguei um ponto ao outro e observei que mamãe mentira por todos esses anos.
Pai, nunca falava de você com a Hope por causa disso, porque para mim, o senhor não me queria mais como filha. Eu sinto tanto por essa grande merda, sinto mesmo. Não foi justo contigo e muito menos comigo. Eu cresci num mundo escuro e quase sem vida, se não fosse por Hope, acho que não conseguiria aguentar todo o sofrimento. Em uma das piores brigas que tive com a caçula, nossa mãe já havia falecido, então eu pude interligar os fatos e perceber o quão idiota eu fui em não te responder.
Eu te amo tanto, papai.
E queria que me perdoasse, pois agora eu tenho a capacidade de ver que tu não és culpado e que essa merda toda não fora nossa culpa. Por isso que te escrevo, pus minha cabeça em seu devido lugar. Agora não estava mais cega pelas mentiras, e sim, enxergo através da verdade. Me dói tanto ao saber que durou quatorze anos para tudo se esclarecer e podermos fazer um contato. Parte desse atraso foi meu, mas, estou aqui, juntando forças para continuar essa carta e explanar o quanto você faz falta na minha vida.
Assim como tomei coragem para te responder, eu irei te visitar em breve. Precisamos conversar cara a cara, ter um contato físico… eu tenho que largar as coisas ruins para trás e focar no que tenho de bom, que é você e a Hope. E por falar nela, ela me contou sobre o teu estado de saúde. Saiba que você não passará isso sozinho, eu arcarei com o que tu necessitar, está bem? Acho que é uma forma de eu me redimir, não com o dinheiro, mas sim repondo a minha presença na tua vida. E eu preciso do meu pai na minha.
Papai, o cordão que tu me deste é tão belo, ele está no meu pescoço e eu o seguro fortemente toda vez que algo me atinge. Sei que com ele eu ficarei segura, e muito obrigada por, mesmo após quatorze anos, não desistir de mim.
Ah, avise o Frank que eu adoraria conhecê-lo e mande meus agradecimentos para as felicitações que recebi.
Amo-te, papai.
Até em breve.
Com amor e carinho,
Faith.
Fim
Nota: Olá migos! Essa é a continuação de Querida Faith, espero que tenham gostado!
Bia e Zaryu. <3
Melissinha, obrigada pela capa, como sempre. <3
Li Querido Papai antes de Querida Faith, porém consegui entender muito bem e estou bastante reflexiva depois de lê-la. É muito bom ver que ela tenta se redimir e, mesmo passando por momentos dificeis, sempre protegeu a irmã. Linda carta, linda mensagem. Parabéns pela história!!!
Comentário originalmente postado em 12 de Outubro de 2016
Gente, como eu não vi esse comentário antes? Ahhh, muito obrigada, mesmo! <3
Comentário originalmente postado em 16 de Novembro de 2016