Piano Lover

  Um coro de alívio e decepção foi emanado pelos presentes na sala, que agradeciam por ser sexta-feira, mas a chateação de terem avaliações logo na segunda era maior. Sem muitas escolhas, os alunos iam saindo pouco a pouco do local, desejando uma boa tarde ao professor e se despedindo de seus amigos. foi para o corredor e juntamente de suas companhias, engataram uma conversa sobre o que iriam fazer durante a noite, pois mereciam um pequeno descanso antes de voltarem aos estudos para a faculdade. Após cinco minutos discutindo as opções, optaram por irem a um bar perto de onde a garota morava e rapidamente cada um seguia o seu trajeto até suas casas e trabalhos, já que precisavam organizar algumas coisas antes de se encontrarem. observava as ruas e revirou os olhos ao ver que quase perdeu um ônibus, sua sorte foi o breve congestionamento que o fez ficar parado por mais três minutos. A última coisa que queria era demorar mais para chegar no apartamento, a semana tinha sido de longe uma das mais exaustivas e estressantes que esse semestre pode proporcionar, e o seu corpo só almejava um banho demorado e alguma comidinha rápida de ser fazer. Durante os trinta minutos que ficou dentro do transporte, repetiu algumas melodias instrumentais em seu celular, para ser mais precisa, o piano era o que ela mais ouvia. Isso a lembrava de quando era menor e seus avós tocavam calmamente, tendo os olhos curiosos de uma criança que vivia querendo aprender. Mais tarde, deixava que seus dedos a guiasse sem se importar, sabia muito bem qual música ia sair daquele instrumento. Mas há dois anos que não tocava, e a culpa era a falta de tempo e também uma desanimação que sentia desde que sua avó faleceu. Escutar aquelas notas a deixava com saudade e triste, fazendo com que a dor escondida desse as caras novamente. Por isso preferia evitar, eram escassas as vezes que escutava esse piano.

  Até semana passada.

  Desde que completara um ano da morte de sua abuela, alguém em seu prédio parecia saber de seu segredo, já que nesses trinta dias, ela era deliciada com o som terno que vinha de algum dos andares, e que, infelizmente, só era audível de seu banheiro. Na primeira noite, no meio de seu banho sentiu as lágrimas escorrerem por suas bochechas enquanto movia seu corpo de um lado para o outro lentamente, inundando sua mente de melancolia e lembranças. Nas seguintes, permanecia sentada no chão do local, com as pernas abraçadas pelos seus braços e a cabeça deitada no joelho, até a pessoa se cansar de tocar e ir dormir, ou sabe-se lá o que o indivíduo faria.

  Sua investigação não saía muito do papel, suas suspeitas iam das idosas e de crianças, talvez alguém estivesse dando aula, porém o próprio porteiro disse que não estava sabendo de nada. O que lhe restava era apreciar a melodia e desejar que em algum dia conheceria a pessoa que amava tanto tocar quanto ela.

  Perdida em seus devaneios, mal percebeu a hora passar e quase que se atrasou para sair com o seu grupo. Ao escovar os dentes, ficou com expectativas de escutar suas notas favoritas, porém o único som era das buzinas incessantes, e vendo que não tinha motivos para continuar ali, foi embora, indo ao ponto marcado por seus amigos.

  Já se passava das duas e meia quando tocou o interfone, sendo recebida por John na recepção que lhe ofereceu um pouco de seu café e conversaram brevemente. O homem beirava seus vinte e quatro anos e na época que conheceu , estava desesperado atrás de um emprego, e a garota querendo ajudar, o indicou para o síndico que logo gostou do rapaz, o contratando três dias depois. Os dois acabaram ficando mais próximos e uma amizade nasceu ali, e sempre que podia, ela descia durante a madrugada para fazer companhia a ele.

  - Bebeu muito?

  - Nah. Queria ter bebido mais. – A morena rolou os olhos – Meus avós chegaram?

  - Sem sinal deles, inclusive, pediraram pra você checar seu celular.

  - Vejamos… Eles só voltam semana que vem. – Sua voz saiu em um tom de falsa surpresa – Bom, Johnson, sua amiga favorita tem algo para fazer. Te vejo mais tarde?

  - Claro, meu bem. Só não faça merda.

  - Não prometo! – Gritou ao entrar no elevador.

   manteve em sua mente a sua insatisfação ao não ouvir o piano mais cedo, e como toda sexta a pessoa tocava também bem tarde, ela iria seguir o som. Talvez o álcool tenha lhe dado mais vitalidade, já que desceu no segundo andar e foi subindo mais uns bons lances de escadas atrás da sua tão amada melodia, sem ao menos parar para respirar. Conforme pisava nos degraus acima, o som ia se intensificando, e a garota agradecia, afinal, estava prestes a chegar no oitavo andar, e ela morava no segundo. Caminhou pelo corredor passando seu dedo pela parede, deixando sua melancolia tomar conta de suas emoções e seus olhos brilharam ao encarar a tão desejada porta. Percebeu que a mesma se encontrava entreaberta e ao ficar mais próxima, ouviu um murmúrio meio irritadiço vindo de dentro, e julgou ser um rapaz. Dividida no que fazer, deu duas batidas e mordeu o lábio inferior, sem saber se obteria resposta.

  - Pode entrar! – O outro falou mais alto.

  - Licença.

  - Pois não?

  Ao levar o seu olhar para a outra, cresceu uma certa curiosidade no rapaz, ele começava a perceber alguns detalhes em , que não parava de morder seu lábio inferior, talvez com vergonha ou era uma mania qualquer. Continuaram ali, se entreolhando silenciosamente, como se estivessem se comunicando pela mente, e isso era no mínimo intrigante. Ambos mantinham esse pensamento, se conheceram por segundos e estavam daquele modo, sem realmente se importarem com primeiras impressões. levou sua atenção para o piano e ficou maravilhada ao ver que era exatamente igual ao que tinha em seu quarto e abriu a boca em um ato de surpresa. Nem tentou formular alguma frase, o homem havia lhe dado espaço para que ela pudesse se aproximar e admirar de mais perto o instrumento.

  - É igual ao meu, que estranho. – Falou ao passar a mão nele.

  - Uma das edições especiais, foi difícil conseguir. – Ele comentou, trazendo o olhar de pra si – , prazer.

  - .

  - Em como posso ajudá-la, ?

  - Tudo bem, chegou o momento em que você vai me achar estranha.

  - Tente o seu melhor, babe. – riu, fazendo o corpo da menina estremecer ao ser chamada por aquele apelido.

  - Há duas semanas eu venho escutando a minha música favorita sendo tocada, e eu fiquei doida para saber quem era. Tentei procurar, mas meus dias estavam bem corridos, então não deu em nada. Até que hoje decidi vir atrás dessa pessoa, já que não tinha tocado mais cedo. E é por isso que eu estou aqui, por causa de você. – Ela respirou, recuperando o fôlego – Você me fez ficar no banheiro mais tempo que o necessário.

  - E isso é ruim? – sorriu ao vê-la negar – Como posso te recompensar?

  - Recompensar? – arqueou uma sobrancelha.

  - Por ter te feito ficar mais tempo no banheiro do que necessário, babe.

  - Que tal tocarmos juntos? – Ele a encarou surpreso – Acho que você não é um psicopata que poderia me matar, então, não vejo problemas em começarmos a ser amigos.

  - Direta, não? – Os dois riram – Tudo bem, se sinta em casa, babe.

  Eles se acomodaram no banco e iniciaram a melodia calma e cheia de significados para ambos. Ao tocarem, seus sentimentos iam se envolvendo, pois mais tarde, descobririam que suas histórias eram bem parecidas e mal podiam esperar para saberem mais um sobre o outro. fechou seus olhos e seus dedos deslizavam pelo piano, deixando sua alma e saudade tomarem conta dos seus movimentos. suspirou e parou de tocar, apenas ficou admirando e ficou impressionado em como ela tocava lindamente bem. Em todos esses anos que dara aula, nunca havia conhecido alguém que tocava com a dor, assim como ele. Não que fosse algo ruim, mas era ótimo transformar um sentimento desses em algo bonito, com o mínimo de esforço, só liberando suas sensações para que te conduzissem.

  Ao atracar o final, engoliu a seco e uma felicidade genuína ia tomando conta de si. Se virou para o moreno e sorriu, vendo o que o seu olhar falava.

  - Eu não tocava desde a morte da minha vó. Obrigada, .

  - E eu deveria dizer “de nada” pelo o quê? Não tem o que agradecer, você foi incrível. – Pausou – Eu quero saber mais sobre você, .

  - Direto, não? – Ela gargalhou.

  - Posso ser mais, caso queira. – Seu tom diminuiu.

  - Me dê o seu melhor, babe.

   se inclinou lentamente, vendo que lhe deu um breve sorriso e foi ao seu encontro, encostando seus lábios no dele. Li roçou sua boca contra a dela, puxando um pouco da carne levemente e obteve em resposta um gemido falho. A morena levou uma de suas mãos para a nuca dele, cravando suas unhas e arranhando, descendo calmamente para suas costas, fazendo a mesma coisa. Ele trouxe seu corpo para si, engatando um beijo nutrido de desejo que nem sabiam que existia até concretizarem.

  A madrugada deles seria longa, excitante e cheia de descobertas incríveis. Eles estavam sedentos para se conhecerem mais a fundo em todos os aspectos, e seria eternamente agradecida por ter seguido suas vontades e ter achado o seu pianista.