Paths To Memories

  Já fazia algum tempo que eu estava naquela “nova vida” que eu tinha certeza de que não era minha e uma saudade imensa daquilo que eu acreditava ser a minha vida real bateu. Eu estava caminhando pelas ruas de Tóquio, era um dia chuvoso e isso só piorava o meu humor já cinzento. Eu passava por vários prédios, mas um em especial me chamou a atenção por ter um casal sob um único guarda-chuva gargalhando. Aquela cena despertou uma memória que talvez tenha sido de uma vida passada – considerando que o que eu me lembrava parecia nunca ter acontecido nesta vida.

  Eu estava parada sob a marquise do prédio da minha faculdade encarando a chuva que caía e me arrependendo amargamente por não ter lembrado de colocar um guarda-chuva na bolsa quando um pequeno tumulto começa a se fazer visível um pouco adiante. Fiquei confusa com os gritinhos agudos que algumas garotas estavam dando e me perguntei se alguma celebridade estava ali no meio da multidão quando esse pequeno grande grupo começou a vir na direção do prédio em que eu estava.

  Meu instinto imediato foi sair do caminho, seja lá quem fosse, eu não queria atrapalhar… Foi quando eu vi um guarda-chuva piscando de uma forma nada discreta. Tive vontade de correr para me esconder quando ouvi a voz me chamar.

  — ! — A voz de gritou quando conseguiu se desvencilhar da multidão.

  Parei no meio do caminho da minha fuga e não me atrevi a olhar para trás. chegou até mim e tocou em meu ombro me obrigando a virar para ele. tinha um enorme sorriso nos lábios enquanto se aproximava, o olhar maroto e o sorriso o acompanhando.

  — Eu não te conheço. — Murmurei olhando discretamente para o grupo de fãs que tentava chegar até ele ou tentavam tirar fotos.

  — Você tá com vergonha de mim? — perguntou em tom ultrajado, mas riu do jeito que o mundo sempre amou.

  — Esse guarda-chuva, … — Resmunguei tentando ignorar o objeto que brilhava e piscava escandalosamente.

  Ele endireitou o guarda-chuva e deu uma olhadela como se só tivesse percebido o quão chamativo ele estava sendo naquele momento.

  — Ah, eu pensei que você tivesse dito que tinha amado ele… — murmurou fazendo cara de inocente, mas acabei por dar uns tapas leves em seu braço.

  — Eu disse que ia fingir que nunca tinha te visto se você um dia aparecesse com esse guarda-chuva na minha frente! — Acusei, mas acabei rindo da situação. tinha a mania de aprontar coisas inusitadas a qualquer momento e esse era um dos motivos pelo qual eu amava aquele homem. A espontaneidade e energia positivas que vinham dele.

   fez um biquinho fingindo estar magoado, mas logo me puxou pela cintura para ficar ao seu lado sob o guarda-chuva excessivamente chamativo, me abraçou forte e exclamou para a multidão:

  — Essa é a minha namorada, pessoal!

  Eu não sabia onde enfiar a minha cara. Não que as fãs fossem rudes ou qualquer coisa do tipo, elas até que foram bastante compreensivas sobre o relacionamento de e Cha , mas aquela exposição com aquele guarda-chuva…

  — É bom pensar muito bem antes de dizer que está com vergonha de mim… — quase sussurrou para mim e eu o estapeei de brincadeira e nós gargalhamos.

  — De você, nunca. — Respondi e ele me deu língua de forma marota.

  Eram pequenos momentos como aquele que me faziam sentir ainda mais falta do meu . Do brincalhão que me fazia rir das mais simples coisas, do companheiro que estava ao meu lado não importando as circunstâncias. Eu sentia falta de tudo o que tínhamos vivido. Fiquei um pouco triste, mas aquele era um sentimento que me acompanhava naquele universo. Às vezes eu me sentia desamparada e perdida. Como eu poderia aceitar que tudo o que acreditei ser minha vida tinha sido simplesmente um devaneio da minha mente em coma?

  Tentei fazer esses pensamentos e emoções desaparecerem antes de correr de volta para o prédio em que estava morando com . Eu o encontrei pronto para sair.

  — Onde vai, senhor ? — Perguntei assim que tirei os sapatos e calcei os chinelos.

  — Preciso resolver algumas coisas com uma agência com a qual estou trabalhando. — Explicou pegando suas coisas e correndo em direção à porta. — Prometo que volto até a hora do jantar. — Avisou. — A gente podia comer fora hoje, você está com cara de cansada e eu sou uma negação na cozinha, então… — Falou de forma apressada, o que me fez rir um pouco.

  — Você é o melhor, sabia, ? — Murmurei sorrindo para meu melhor amigo que piscou de forma convencida e logo depois acenou um tchau, saindo do apartamento.

  Eu não estava muito a fim de pensar naquele dia, então apenas liguei a televisão em um canal de músicas e fiquei mexendo no celular para tentar descansar um pouco a mente. Fazia menos de quinze minutos que havia saído e a campainha já estava tocando. Soltei um risinho imaginando o que havia esquecido daquela vez.

  — Ai, , você só não esquece a cabeça porq… — eu me interrompi assim que abri a porta do apartamento. Não era que havia tocado a campainha por ter esquecido as chaves. Era .

  Ele sorriu um pouco sem graça.

  — Oi, .

  Eu fiquei parada sem reação para o que estava acontecendo. Fazia meses que eu não via . Ele estar ali fez com que ainda mais memórias voltassem a martelar em minha cabeça.

  — O que faz aqui? — perguntei finalmente.

  — Podemos conversar?

   parecia sério e eu pensava o que poderia tê-lo levado até aquele apartamento naquele instante. Eu dei passagem para que ele entrasse e então caímos em um silêncio incômodo preenchido apenas pelo som da televisão.

  — E? — perguntei me sentindo extremamente incomodada enquanto os olhos do homem que eu costumava amar observavam com atenção e curiosidade ao seu redor.

  — Eu sinto muito.

  Por um instante meu cérebro parou e eu fiquei sem reação novamente. Aquele não pedia desculpas. Aquele não era amável. Aquele não era o meu .

  — Eu agi como um idiota com você. — Ele continuou depois de perceber que eu não diria nada.

  Wow, aquilo era novo. Havia um admitindo um erro na minha frente? Naquele meu novo mundo?

  — Não, você tinha razão, . — Me deixei dizer ainda que admitir aquilo me magoasse bastante.

  — , eu só…

  — , você viu onde… — entrou pela porta e assim que viu ali, parou de falar e ergueu a sobrancelha. — O que você está fazendo aqui?

  — Se não se importa, eu preciso falar com ela. — respondeu um tanto a contragosto, a expressão se fechando.

  — Bem, eu me importo. — cruzou os braços também ficando sério. — O que você quer conversar com ela?

  — ! — reclamei.

  — , não foi ele que te magoou e não fez sequer um esforço para te manter por perto? — perguntou me encarando sério, logo depois voltando o olhar para . — E quando ela finalmente segue com a vida você aparece querendo conversar?

  Eu nunca tinha visto um lado tão sério em , nem no meu universo e nem neste. Ele sempre tentou transparecer o seu eu mais animado e brincalhão, poucas vezes ele permitia que alguém tivesse sequer um vislumbre de algum outro ponto seu.

  — … Por favor, me deixa resolver isso. — Eu disse logo me voltando para . — Mas tem um ponto. — Assinalei. — Você deixou bem claro que não me queria na sua vida. Então…? — Aquele parecia muito mais com o meu do que o que eu havia conhecido naquele universo. — , por favor. — Pedi encarando meu melhor amigo nos dois universos.

   encarou por alguns instantes e por fim suspirou.

  — Eu vou esperar do lado de fora. — Anunciou. — É bom não fazer a chorar. — Fez cara feia e então saiu.

  Depois de fechar a porta eu voltei a encarar que se manteve em silêncio.

  — Quando quiser começar a explicar o que está acontecendo…

  — Você me assustou.

  Encarei com expressão desacreditada.

  — É, muito legal da sua parte me informar isso agora, obrigada…

  Ele me interrompeu e prosseguiu como se eu nunca tivesse dito nada.

  — Eu não estou acostumado a ter mulheres correndo atrás de mim sem quererem algo. Dinheiro, fama, uma boa matéria de capa…

  Fiquei calada, processando o que ele dizia.

  — E então você apareceu sabendo mais de mim do que qualquer outra pessoa no mundo, querendo me agradar, dizendo as coisas mais certas do universo… Não podia ser real!

  ”Mas então eu fiz coisas para você ir embora e seguir com a sua vida sem mim, tentando me convencer que quem quer que fosse aquele homem que você procurava, não era eu. E você simplesmente partiu.”

  — E o que você esperava? Que eu insistisse? Implorasse? — retruquei cruzando os braços e me sentando na poltrona perto de mim. Relembrar aquilo me deixava bastante magoada. Tanto pela rejeição quanto por ter que admitir que eu havia cometido um grande erro ao pensar que eu teria meu de volta estando com aquele .

  — Eu percebi que talvez fosse real. — Ele se aproximou alguns passos. — E que você tinha razão, eu tinha medo de aceitar que alguém podia me amar além da minha imagem e dinheiro. Porque aquilo era tudo o que eu sabia no mundo: que as pessoas podiam amar meu status e meu dinheiro, mas não a mim.

  Abri a boca para tentar dizer algo, mas nada saiu. Agora aquele parecia algo completamente diferente. Não o do meu universo ou o mesquinho daquele. Era alguém novo.

  — Quando você chegou dizendo aquelas coisas estranhas, mesmo sendo apenas “suposições” — ele fez aspas com os dedos —, sobre como você já havia amado um homem igual a mim, eu só conseguia pensar em que tipo de estratégia idiota poderia ser a sua para entrar na minha vida e conseguir o que queria.

  Ouvir aquilo me deixou um pouco magoada. Por que ele estava ali afinal?

  — Eu tentei de todas as formas provar pra você e pra mim que você não me conhecia tão bem assim. Eu até menti sobre a minhas coisas favoritas! — riu sem humor. — Mas depois que você foi embora… Você partiu e deixou um vazio em mim.

  Eu o encarei erguendo a sobrancelha.

  — , o que…

  — Eu acho que fiz uma coisa muito ruim. — Ele murmurou se aproximando um pouco mais.

  — Eu não te culpo por me julgar…

  — Eu fiz algo pior…

  Franzi o cenho sem entender.

  — Eu me apaixonei.

  Naquele instante minha respiração ficou presa e meu coração descompassou. Fiquei sem palavras.

  — Você ainda consegue me aceitar? — ele perguntou simplesmente, se ajoelhando a minha frente para poder me encarar melhor.

  Eu estava chocada demais pra manter a compostura e confusa demais para qualquer outra coisa.

  — Eu não sei mais o que sinto por você, … — Soltei a verdade. Eu amava o que havia me deixado no meu universo e por um tempo pensei que poderia amar o daquele universo. Mas tudo tinha saído tão errado que eu já não tinha mais certeza. E admitir aquilo em voz alta fez meu coração se apertar. Eu sabia que teria que encarar a expressão dolorida de , e também sabia que desmoronaria ao vê-la.

  — Tudo bem… — Ele disse, mas ao contrário do que imaginei, estava sorrindo. — Se eu consegui fazer você me amar uma vez, eu posso conseguir de novo. — Dizendo aquilo, ele aproximou seus lábios dos meus e me deu um beijo rápido, mas que fez aquele friozinho na barriga aparecer. Logo depois se afastou, deu um sorriso confiante e se levantou.

  — Mas você não é ele… — Eu murmurei baixinho, mais para convencer a mim mesma do que qualquer outra coisa.

  — Talvez eu queira ser. — E lá estava o sorriso confiante de novo. — Você não desistiu de mim fácil, agora é minha vez de não desistir de você. — Ele sorriu de uma forma que me fez lembrar do meu . E saiu. Sem se despedir, sem dizer nada mais. Mas a promessa de que voltaríamos a nos ver permaneceu no ar.