O Som do Verão
Capítulo 1:
observou a intensa movimentação da casa ao lado com dois grandes SUVs parados na porta da mesma enquanto pegava suas malas em seu carro. Aquilo era normal, afinal de contas as casas viviam sendo alugadas por turistas, mas aquela movimentação em específico havia chamado sua atenção.
Depois de alguns instantes retirando suas bagagens, ela pegou o molho de chaves de dentro da grande bolsa de praia que ela levava no ombro e abriu o portão de serviço, chamando por .
Assim que a governanta e ex-babá apareceu, as duas sorriram uma para a outra e se abraçaram. e se conheciam literalmente desde que ela havia nascido, já que ela trabalhava para os pais de há algum tempo. Para , era muito mais do que uma funcionária — ela era família. O carinho que sentia por ela ia além da gratidão; era um amor genuíno, construído ao longo dos anos, como se fosse uma segunda mãe.
— Você demorou, querida! Tudo bem? — segurou-a pelos ombros com um olhar preocupado denunciando seu afeto.
sorriu de leve, sem mostrar os dentes, apreciando o cuidado da governanta. Assentiu antes de responder, a voz suave, mas firme:
— Sim ! Eu só vim mais devagar um pouco, parei para almoçar e acabei demorando no posto, só isso! Como estão as coisas por aqui?
— Está tudo nos conformes, meu bem. Vem, vamos terminar de entrar! — segurou a alça retrátil de uma das malas de e a puxou com facilidade, como sempre fazia questão de ajudar.
Segurando a outra mala, a acompanhou para dentro da garagem e fechou o portão atrás de si, segurando o molho de chaves com cuidado. As duas caminharam para dentro da casa e passou os olhos pela sala, sentindo o cheiro familiar de madeira e maresia.
O ambiente era amplo e arejado, com grandes janelas que deixavam a luz dourada do fim de tarde entrar sem esforço. O teto de madeira branca dava um toque rústico e acolhedor, enquanto o sofá de linho claro, repleto de almofadas em tons de azul e areia, convidava ao descanso. Tapetes de fibra natural cobriam parte do piso frio, e uma estante baixa exibia conchas, fotografias antigas e pequenas lembranças de verões passados. A brisa do mar balançava suavemente as cortinas leves, trazendo consigo o som distante das ondas quebrando na areia.
seguiu pelo corredor que levava até os quartos e ao banheiro e então adentrou o quarto que sempre fora reservado para ela na casa, desde pequenina. É claro que o aspecto do quarto e a decoração foram mudando conforme ela crescia.
As paredes agora estavam pintadas em um tom suave de azul, lembrando o céu nos dias mais tranquilos. A cama, de madeira clara, ficava encostada na parede oposta à janela, coberta com uma colcha branca delicadamente bordada e almofadas em tons de bege e azul. No canto, uma poltrona de vime servia de refúgio para as tardes preguiçosas de leitura, ao lado de uma mesinha com um abajur de cúpula rústica.
Prateleiras flutuantes exibiam conchas e pedras que havia coletado ao longo dos anos, além de alguns livros já amarelados pelo tempo. A grande janela, vestida com cortinas leves, deixava a brisa marinha entrar, carregando consigo o cheiro salgado do oceano. Sobre a cômoda, um porta-retratos exibia uma foto antiga dela com os pais e , sorrindo ao lado do mar.
Apesar das mudanças ao longo dos anos, aquele quarto ainda era um refúgio — um pedaço de paz em meio ao caos da cidade e de todo o agito que a vida cotidiana representava.
— Vou deixar você se acomodar bem, qualquer coisa estou na cozinha ok? — a voz de soou suave aos ouvidos de que lhe depositou um beijo rápido na bochecha antes de entrar completamente no quarto.
Assim que ela saiu, se sentou na beirada da cama, espreguiçando com os braços erguidos e fechando os olhos pesadamente. Normalmente ela não dirigia, a família tinha um motorista para isso, portanto estava um pouco cansada da viagem, já que ela mesma havia dirigido durante uma hora e meia ou mais de São Paulo até o litoral.
Encarou a janela mais uma vez sentindo o frescor do vento que entrava por lá e sentiu outra vez o cheiro da maresia. Era Carnaval e ela estava ali para mais uma vez fugir. Fugir do caos ensurdecedor que tomava conta de São Paulo nessa época do ano, das ruas abarrotadas de foliões, da música alta ecoando a cada esquina. Mas, acima de tudo, fugir daquilo que pesava sobre seus ombros — um fardo que não queria encarar.
Naquele refúgio à beira-mar, ela podia fingir que tudo estava bem. Que as ruas apinhadas de gente não a sufocavam. Que o segredo que carregava não ameaçava virar sua vida de cabeça para baixo.
⛱️⛱️⛱️
Quando chegou até a cozinha, encontrou sentada lá separando feijões. Sentou-se ao lado da mais velha e então pôs-se a ajudá-la com a tarefa — mais como uma tentativa de ocupar as mãos e distrair a mente dos pensamentos inquietantes que insistiam em rondá-la do que pela necessidade real de ajudar.
— E como o Diogo tem estado? Há muito tempo que não falo com ele, está tudo bem?
ergueu os olhos da tarefa para encarar e então sorriu para ela, antes de suspirar:
— Ah o Diogo! — ela suspirou pesadamente, parecendo melancólica — Ele não para em casa, né? Vive de galho em galho, de balada em balada…
— Ainda ? — ergueu a sobrancelha — Achei que ele estivesse começando a sossegar. Achei até que ele fosse se mudar para Nova Iorque depois da viagem que ele fez para lá, ele voltou tão empolgado com a possibilidade de uma vida por lá. O que houve?
encarou os feijões dispostos sobre a mesa e soltou outro suspiro.
Diogo sempre fora um espírito livre, o tipo de pessoa que não conseguia ficar muito tempo no mesmo lugar ou preso a uma rotina. Desde adolescente, já demonstrava um gosto por aventuras, festas e tudo que envolvesse novidade e excitação. Era inquieto, impulsivo e um verdadeiro amante da liberdade, características que o tornavam uma presença vibrante, mas também imprevisível.
Apesar de seu carisma inegável, Diogo nunca se apegava a nada por muito tempo — fosse uma cidade, um trabalho ou até mesmo relacionamentos. Ele se jogava de cabeça em suas paixões momentâneas, mas tão rápido quanto se envolvia, perdia o interesse e seguia em frente, sempre em busca da próxima experiência que o fizesse sentir-se vivo.
A viagem para Nova Iorque parecia ter sido uma dessas fases. Ele voltara entusiasmado, cheio de planos, mas, ao que tudo indicava, a empolgação inicial já havia passado, dando lugar à sua natureza volátil de sempre.
— Sabe, filha, eu sempre achei que vocês dois iam se casar um dia! — soltou um suspiro, um tanto quanto melancólico, enquanto seus dedos experientes deslizavam entre os grãos de feijão. — Vocês sempre foram tão próximos, tão grudados… Quando crianças, pareciam inseparáveis. E mesmo depois de adultos, sempre havia essa conexão entre vocês, como se fossem feitos um para o outro.
Ela fez uma pausa, levantando os olhos para com um sorriso terno, mas carregado de nostalgia.
— Mas acho que algumas pessoas nasceram para voar sozinhas, não é? E o Diogo… bom, ele nunca soube pousar em lugar nenhum.
também suspirou pesadamente enquanto deixava sua mente vagar de volta ao passado. Ela também achou um dia, enquanto eram adolescentes, ele havia sido o primeiro homem dela em tudo e claro que tudo isso havia contribuído para alimentar os sonhos de uma adolescente apaixonada, ela acreditou que aquilo significava algo maior, que o sentimento deles era forte o suficiente para durar para sempre.
Mas o tempo, implacável como sempre, mostrou que nem toda história de juventude termina como nos contos de fadas. Os sonhos de adolescente foram se desfazendo à medida que Diogo se mostrava incapaz de permanecer, sempre seguindo em frente, sempre em busca de algo mais. percebeu, talvez tarde demais, que amor, por si só, não era suficiente para segurar alguém que nunca soube onde queria estar. E com o tempo os dois acabaram transformando tudo aquilo numa bela amizade, que mesmo com a distância e com toda a inconstância de Diogo, permanecia no coração de ambos.
— Vou conversar com ele, . Acho que ele precisa de uns conselhos, mesmo que não vá segui-los, ou mesmo que eu não seja a pessoa ideal…
As palavras escaparam antes que pudesse refletir sobre elas, e só então se deu conta do que havia dito. Franziu ligeiramente a testa e desviou o olhar para as mãos, sentindo um aperto no peito. Desde quando ela havia perdido a confiança de que poderia ajudá-lo?
Quando ergueu os olhos novamente, encontrou a feição confusa de , que a observava com atenção, como se tentasse decifrar o verdadeiro significado por trás daquela súbita insegurança.
— Como assim, querida? É claro que você é a pessoa ideal, porque não seria? Não entendi. — soltou uma risada divertida, mas manteve o olhar atento sobre .
forçou um sorriso, tentando desfazer qualquer suspeita antes que começasse a fazer mais perguntas.
— Ah, , você sabe como o Diogo é teimoso… — ela disse, dando de ombros, fingindo leveza. — Mesmo que eu fale alguma coisa, ele só vai rir, dar aquele jeitinho dele de desconversar e continuar fazendo tudo do jeito dele.
estreitou os olhos, como se tentasse enxergar além da resposta, mas rapidamente desviou o olhar, voltando sua atenção para os feijões sobre a mesa.
— Mas não custa tentar, né? — acrescentou, pegando um punhado de grãos e torcendo para que deixasse o assunto de lado.
⛱️⛱️⛱️
Mark se jogou no grande sofá da sala, exausto, tanto pela viagem de horas da Coreia até o Brasil, quanto pelo trajeto de São Paulo ao litoral, com isso, o simples fato de descarregarem as malas fez com que ele sentisse um cansaço absurdo tomar conta do próprio corpo.
Jungwoo se sentou ao lado dele, dando-lhe um leve tapa na coxa, fazendo com que Mark abrisse os olhos, sobressaltando-se no assento com o impacto do tapa deixado pelo amigo.
— Não vai me dizer que você veio para esse paraíso, para dormir Mark? — A mão de Jungwoo ainda pousada sobre a perna dele lhe apertou levemente o lugar.
— Eu vim para relaxar hyung! Você, eu sei que não, porque você nunca consegue fazer isso. Além do mais, estou cansado, não mentirei. Só isso!
Mark devolve o tapa e então Jungwoo gargalha, retirando enfim a mão da coxa do amigo, encarando-o com preocupação.
— Mas nós vamos curtir a praia, não é? Você sabe que estamos no Carnaval aqui no Brasil? — Jungwoo pronunciou a palavra de forma arrastada e carregada de sotaque, quase como Carrr-náu-vau, fazendo uma pausa dramática enquanto erguia as sobrancelhas e abria um sorriso animado.
Mark sorriu achando fofo o sotaque do amigo para pronunciar a palavra e assentiu para ele positivamente enquanto levava as mãos até os cabelos, passando-os para trás, com o semblante ainda cansado.
— Eu sei hyung! E nós vamos à praia, eu prometo! Mas você sabe que tem os garotos também, né?
Jungwoo armou um bico e cruzou os braços abaixo do peito, como uma grande criança mimada e emburrada por não conseguir o que queria, e Mark gargalhou, divertido.
— Você precisa dar um jeito Mark Lee! Nós estamos preocupados com você, sabia?
Jhonny se aproximou lentamente, arrastando os pés nos grandes chinelos e se jogou do outro lado de Mark no sofá.
— O Jungwoo tem razão Mark. Nós sentimos falta daquele Mark apaixonado, daquele Mark entusiasmado com a música, que pegava o violão do nada e começava a compor como se o mundo ao redor nem existisse.
Johnny apoiou a cabeça no encosto do sofá e suspirou, lançando um olhar preocupado para o amigo.
— Parece que você só quer se esconder ultimamente… E isso não é coisa sua.
Jungwoo assentiu de imediato, cruzando os braços outra vez.
— Exato! Você não pode deixar que essa fase ruim te prenda, cara. Você ama a música, lembra? Não dá pra simplesmente fugir dela.
Mark, exasperado, voltou a passar as mãos pelos cabelos, bagunçando-os.
— Eu agradeço a preocupação de vocês, de verdade. Mas não é assim de uma hora para outra, caras! Eu preciso de tempo, preciso colocar minha cabeça no lugar, preciso de novas inspirações, preciso de novos lugares, sei lá. Eu espero de verdade que vocês me entendam.
Yuta entrou na sala com os braços cruzados também, encarando os amigos, especificamente Mark. Ele percebeu a tensão crescente no ar e decidiu intervir antes que aquilo se tornasse uma discussão desgastante.
— Calma aí, pessoal — disse ele, soltando um suspiro e se apoiando no batente da porta. — Ninguém aqui está contra você, Mark. A gente só quer te ver bem.
Ele descruzou os braços e caminhou até o sofá, sentando-se na mesa de centro à frente deles.
— Se você precisa de tempo, então beleza, cara. Estamos aqui para isso. Sem pressão, sem cobranças — Yuta deu um meio sorriso. — Mas sabe… às vezes, novas inspirações surgem quando você menos espera. E, quem sabe, esse lugar não acaba sendo exatamente o que você precisa?
Mark o encarou por alguns segundos, absorvendo suas palavras, enquanto Johnny e Jungwoo também pareciam considerar o que Yuta havia dito. A tensão no ar diminuiu um pouco, mas a preocupação nos olhares dos amigos ainda permanecia.
Mark se levantou abruptamente do sofá e encarou os amigos uma última vez antes de sair da sala, deixando os três lá, se encarando. Ele caminhou pelo corredor até o quarto que dividiria com Jaehyun e Haechan, sentindo o peso da conversa ainda sobre seus ombros. Ao entrar, encontrou o cômodo vazio — por sorte, os dois ainda deviam estar explorando a casa ou resolvendo algo lá fora.
Soltou um suspiro aliviado e fechou a porta atrás de si, finalmente se permitindo relaxar um pouco. O quarto era espaçoso, com uma decoração simples, mas aconchegante, típico de uma casa de praia. As paredes tinham um tom claro, contrastando com a madeira rústica dos móveis. Havia três camas de solteiro, cada uma com roupas de cama em tons pasteis, e uma janela grande, por onde entrava a brisa salgada do mar.
Mark jogou-se na cama mais próxima, fitando o teto enquanto sua mente trabalhava a mil por hora.
Ele sabia que os amigos só queriam o seu bem, mas não era tão simples quanto eles pensavam. Sua cabeça estava uma bagunça, seu coração ainda mais. A viagem ao Brasil deveria ser uma oportunidade de espairecer, se desconectar daquilo que o atormentava. Mas e se tudo o que ele estivesse fazendo fosse apenas fugir?
Passou as mãos pelo rosto, sentindo o cansaço pesar sobre ele. As palavras de Yuta ecoavam em sua mente: Novas inspirações surgem quando você menos espera.
Será que era verdade? Será que aquele lugar poderia, de alguma forma, ajudá-lo a encontrar um rumo?
Ele fechou os olhos por um instante, tentando se convencer de que, pelo menos por agora, ele só precisava respirar fundo e deixar que o tempo fizesse sua parte.
⛱️⛱️⛱️
Continua
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