O (Pior) Melhor Dia Da Minha Vida
As luzes brilhavam longe do alto, mostrando uma multidão de pessoas conversando, olhando em seus celulares e esperando o início do show.
Sorri, pois finalmente estava me sentindo em casa.
Olhei ao redor e ninguém parecia se importar comigo. Ninguém me conhecia, o que tornava tudo ainda melhor. Daqui a pouco, eu seria reconhecida como uma fã. É impressionante como, em uma fração de segundo, você passa de um desconhecido, para alguém com um nome, que pertence a um grupo.
“Como senti falta disso.” Penso.
Achei, honestamente, que me sentiria esquisita. Que até não viria, a mim, essa sensação de bem-estar, de pertencer a um lugar. Desde meus 12 anos, quando fui em meu primeiro show, de uma dupla de irmãos famosa no Brasil, soube que o melhor lugar para se divertir, é em um show.
Eu jamais imaginaria que um vírus invisível tirasse a minha maior diversão; o meu maior incentivo para trabalhar e ganhar dinheiro. Tenho orgulho de dizer que trabalho para pagar shows, sejam eles nacionais ou internacionais.
– A Julia está atrasada! – a voz de Ana, minha melhor amiga e companheira de shows, disse ao meu lado. – Ela sempre faz isso de propósito, só para não precisar pegar fila.
Solto uma risada.
– Eu quero é ver ela nos achar.
Pode ser que eu tenha soado um pouco malvada, mas eu e Ana estávamos no meio de uma multidão de gente, na pista premium. Eu gosto de todo o tipo de show, mas o meu favorito mesmo, são os que eu posso ficar o show inteiro de pé, gritando e pulando junto com milhares de pessoas sem ser julgada louca.
Enquanto vinha para o estádio, me perguntei se as pessoas estariam receosas, afinal, todos estávamos para ir a um lugar e fazer exatamente o que a Organização Mundial da Saúde nos alertou a não fazer nos últimos dois anos: aglomerar.
Mas aqui estou eu, com milhares de pessoas desconhecidas grudadas a mim, sem nem espaço para um fio de cabelo chegar ao chão. Algumas usam máscara, como eu, apenas por força do hábito; outras já se adaptaram à vida anterior e arriscam ficar sem máscara. No entanto, nós todos sabemos que em algum momento iremos tirar a máscara; o show vai começar, e ninguém vai querer pular e gritar com um pano cobrindo metade da cara.
– Eu to tão feliz! – falei para Ana, que estava ao celular com Julia; ela colocou a mão no ouvido livre, para tapá-lo e, quem sabe, conseguir ouvir a atrasada, mas claro que foi em vão.
– Eu também! – uma voz gritou ao meu lado, uma garota desconhecida, que me ouviu. – É meu primeiro show em anos!
– Meu também – sorri para a moça, como se fossemos amigas de anos –, já quero chorar, e o show nem começou. Esperei tanto por isso!
Outro ponto que me faz amar o show, é que raramente as pessoas estão de mau humor. É sempre pura animação e energia boa vibrando por todo lugar. Pessoas alegres, rindo e comentando sobre a parte favorita do show ou, no caso, as expectativas da apresentação. É muito fácil de fazer amizade em um show; isso eu já comprovei. Fiz diversas amizades em diversos shows que fui sozinha, e foi muito legal. Hoje, tenho companhia para vários tipos de show: pagode, sertanejo, funk, pop internacional…
– Ai, não dá, vou ter que ir buscá-la.
– O quê? – olhei para Ana, descrente. – Ela quem está atrasada!
– Mas está dando um piti. E você sabe como ela fica quando dá piti.
Reviro os olhos, sentindo meu humor piorar, tipo, 1%. Odeio quando as coisas dão erradas em dia de show; sou do tipo egoísta, que não acompanha a amiga no banheiro, porque não quero perder o lugar.
– Já está para começar. – comento, em mais uma tentativa de fazê-la ficar.
– É rapidinho! Não saia daqui!
Como se fosse possível, eu quis dizer, no tom mais irônico que eu conseguia expressar, mas, em um piscar de olhos, Ana sumiu. Bufei e voltei a olhar para frente. Nós não estávamos próximas do palco, mas também não estávamos completamente ao fundo. Quando as luzes se apagarem, não será nada fácil me achar.
E como se os técnicos de iluminação me observassem, todas as luzes se apagaram e um coro surgiu com o início do show de abertura. Os gritos ensurdecedores não me incomodaram, muito pelo contrário, fiz questão de me unir à berraria, sentindo minha garganta vibrar. Como se fosse fazer alguma diferença, fiquei na ponta dos pés na tentativa de enxergar melhor, mas ninguém havia entrado no palco ainda.
Só que não ter o artista no palco não significa que o público ficará calado e parado; somos Brasil, e a nossa maior característica, é a nossa maneira de expressar a alegria de se estar em um show.
Um filme iniciou no telão, fazendo o público da pista premium se mover; fui obrigada a seguir com o fluxo e aproveitei para dar alguns passos para frente, algo que só quem é profissional em shows consegue fazer.
O problema foi que talvez todos estivéssemos muito animados com a expectativa, e um tumulto enorme se iniciou, resultando em um empurra-empurra danado, me levando ao chão.
Pés pisaram em mim e, por causa dos gritos, ninguém ouviu os meus. Achei, honestamente, que iria morrer, como as garotas no show do RBD anos atrás. Enquanto sentia a dor por todo meu corpo, visualizei a minha foto em vários sites de notícia, com a nota “Jovem morre pisoteada em show no estádio do Allianz Park”.
Mas então, em um piscar de olhos, uma mão me puxa, me fazendo finalmente respirar o ar puro. Percebo um par de braços ao meu redor, me cobrindo como se me protegesse da violência que estava acontecendo em torno de nós; foram minutos de escuridão e feixes de luz colorida passando por meus olhos; vi pessoas com olhares desesperados, algo nada típico de um show. O som dos gritos passaram de êxtase para urgência em parar algo que não parecia terminar tão fácil.
E assim, de repente, meu corpo inteiro sente uma rajada de vento gelada, quando sou levada para um lugar com pessoas mais dispersas. Consigo enxergar as luzes brancas voltando a se acender, o telão se apagar e a voz de um homem pedindo para que parasse com as rodas de socos que estavam rolando na pista.
– Você está bem? – a voz da pessoa que me salvou disse bem próxima do meu rosto.
Olhei para o lado, sentindo meu corpo voltar a dar atenção à dor, que tornou a pulsar forte. Só pude balançar a cabeça, negando.
– Você está com alguém?
– Elas estão em outro lugar – respondo, me lembrando de Ana e Júlia, e rezando para que elas não tivessem entrado naquele mar de loucura.
– Vocês combinaram um ponto de encontro?
Tento olhar ao redor para identificar onde eu estava. Por sorte, conheço o estádio perfeitamente, pois já havia vindo em outros shows aqui.
– No bar, do outro lado.
– Ah…
A voz dele não parecia animada. O vi se levantar e olhar ao redor; ainda havia gritos e, pelo que parecia, a briga e o empurra-empurra não havia acabado. Os seguranças do estádio entraram na nossa pista, empurrando as pessoas para se dispersarem, de modo a facilitar o trabalho. A voz do alto falante dizia que o show não começaria enquanto a briga não acabasse. Isso resultou em mais gritaria, dessa vez de protesto.
Aproveitei o momento para olhar o meu herói. Ele tinha as mãos na cintura e olhava para todos os lados com o semblante sério.
– Está tudo bem, eu posso ir até elas… – me levanto do chão, mas ele me impediu.
– Talvez você ache que consegue, mas… bem, você não está muito bem. – vi seus olhos encararem minhas pernas e, antes que eu pudesse reclamar, percebi que elas estavam em um tom de roxo e amarelo. – Além disso, está muito perigoso. Uma garota e um cara acabaram de sair sangrando dali de dentro… ah, são os paramédicos.
Era um pesadelo.
Não era para ser assim. Quando comprei o ingresso desse show há nove meses, tinha certeza de que este seria o melhor dia da minha vida.
O choro me subiu à garganta e o moço que me salvou pareceu perceber, pois se agachou ao meu lado e fez um carinho em minhas costas.
– Está tudo bem, ficarei com você até encontrá-las. São garotas?
Confirmo com a cabeça e tateio meus bolsos em busca do celular, mas obviamente ele caiu no meio da muvuca.
– Perdi meu celular.
– Você sabe o número de alguma delas?
Queria lhe responder um palavrão. Quem, hoje em dia, sabe um número inteiro de telefone que não seja o próprio e, quem sabe, dos pais? Mas esse comportamento rude seria muito ingrato para o cara que salvou minha vida.
O vi voltar a prestar atenção na movimentação. Várias pessoas agora se afastavam do centro da pista, obedecendo às ordens dos policiais, que continuavam a chegar.
Abri a boca, chocada. Chocada com a minha capacidade de, após quase vivenciar a morte, estar totalmente sem comunicação e toda machucada e horrível, conseguir enxergar no meu salvador, o homem mais lindo que já vi ao vivo – e que não é famoso – na vida.
Ele devia possuir cerca de dois metros de altura, pois mesmo estando em pé, eu podia facilmente comparar sua altura, com a de outras pessoas que passavam ao seu lado. Os cabelos escuros estavam penteados, formando uma onda com a franja. Ele vestia uma jeans e camiseta; esta não estava larga, porém não totalmente justa; era possível ver os bíceps torneados e o peito firme. Os olhos eram levemente puxados e os lábios, um pouco grossos. Muito beijáveis.
Por Deus, , você precisa tomar jeito.
Engulo seco, tentando sumir com estes pensamentos e surgir com algo novo e mais prestativo, como a solução para o meu problema.
– Eu acho que você terá de esperar até o final de tudo, para ver se acha o seu celular. Enquanto isso, quer fazer um boletim de ocorrência online?
Eu poderia ter pensado isso e o surpreendido com minha tranquilidade em um momento de caos. Mas não, é óbvio que eu ficaria extasiada com sua beleza e permaneceria sentada feito uma pamonha no chão.
Que vergonha.
– Sim, por favor.
– Tudo bem, vou te ajudar. Está sentindo muita dor? Quer que eu te leve até um paramédico?
– Acho que consigo fazer o boletim primeiro.
O moço se sentou do meu lado e retirou o próprio celular do bolso. Eu queria lhe perguntar se ele estava acompanhado (de uma namorada, por exemplo), mas não queria que o momento acabasse. Na verdade, não queria que ele se afastasse de mim. Era a primeira vez em toda a minha vida, que um cara maravilhoso e lindo como ele me dava tanta atenção; é normal querer prolongar o momento, não é?
– A propósito, meu nome é .
– . – digo, sem graça. – Me desculpe por te atrapalhar.
– Imagina! – ele diz, sorrindo. – Aqui, entrei no site, você só precisa preencher com seus dados.
Durante alguns minutos, ficamos calados, minha atenção em seu celular, querendo muito que ele gravasse o meu número ali, assim que eu devolvesse o aparelho para ele. Mas não foi o que aconteceu. Quando lhe devolvi o celular, ele o guardou no bolso.
– Você não precisa encontrar seus amigos? – perguntei, tentando puxar assunto.
– Está tudo bem, eles conseguem se virar. Estão acompanhados.
– Ah, se você também estiver…
olhou para mim com um semblante sério. Mas não do tipo bravo, apenas… sério.
– Você é uma boa companhia.
Eu vi flores atrás dele, tenho certeza. Rosas vermelhas e uma fumaça rosa, apenas para ressaltar sua beleza. O sorriso que surgiu nos lábios de não poderia ser captado por uma câmera; ou talvez poderia, se eu estivesse com meu celular aqui.
– Obrigada. – foi o que consegui dizer.
Pude ver pessoas gritando e outras correndo desordenadas, mas nada parecia me abalar. Eu tinha um homem maravilhoso que estava chamando a atenção de diversas pessoas que passavam. O que elas deviam estar pensando? “Que garota sortuda”? “Também quero um lindo desses do meu lado”? “Será que são namorados?”?
Suspiro, querendo que fosse a última situação.
Essa sou eu. Totalmente sem noção e completamente iludida. Crio expectativa em situações inusitadas e bobas, e permaneço em devaneios como se estivesse deitada em minha cama.
– Você é daqui de São Paulo? – ele me pergunta, após um longo tempo em silêncio.
– Não, sou do interior, mas moro aqui por conta do trabalho. E você?
– Nascido e criado. – ele sorri. – Você trabalha com o quê?
– Sou arquiteta, mas gosto mais de design de interiores. Trabalho em um escritório. Você?
– Publicitário. Trabalho em uma agência. Você cria casas?
– Eu planejo. – o corrijo, rindo com sua reação de quem havia se enganado. – E você?
– Eu cuido de redes sociais. Parece fácil, mas é bem um pesadelo.
Conversamos sobre nossas profissões, alheios à bagunça ao nosso redor. Fomos obrigados a parar, quando um segurança nos abordou, dizendo que precisávamos sair, pois o show havia sido cancelado.
– O quê? Moço, mas…
– Não vão voltar atrás na decisão, moça. E é melhor você passar no posto médico antes.
Olhei para mim, tentando enxergar a visão que ele tinha, mas fora o amassado e a dupla tonalidade de amarelo e roxo que tinha em minha perna, não via nada demais.
– Estou tão horrível assim?
– Não… – disse, sorrindo pequeno. – Mas acho que podemos fazer o que o homem falou. Que tal? Talvez suas amigas estejam te procurando pelos postos.
Acabo concordando, porque não tinha motivo para ficar ali com ele conversando, enquanto as pessoas ao nosso redor saíam. Olhei para o chão, na direção de onde eu estava antes da bagunça começar, apenas por olhar, pois sabia que não encontraria meu celular ali.
– Como você conseguiu me ver no chão?
– Meu amigo pisou em você. – ele sorriu, sem graça. – Desculpe, mas pode ser que meu pé tenha encostado em você; mas tenho certeza que não pisei! Achei que era uma mochila, mas vi de relance seu braço tentando se proteger e, em um susto, a segurei.
– Você salvou a minha vida.
abriu um pequeno sorriso sem graça.
– Não é para tanto.
– É, sim. – digo e, como se estivesse apaixonada (não estava, ou, bem… talvez eu estivesse muito atraída, mas apaixonada…), minhas pernas falharam, fazendo com que segurasse em minha cintura, me impedindo de ir ao chão novamente. – Desculpe.
– Tudo bem. Vamos no seu ritmo.
Ele me levou até um canto vazio e deixou que eu respirasse fundo e tentasse entender o que havia acontecido. Minha perna direita formigava. No momento em que ele foi dizer algo, seu celular tocou.
– Cara, eu to perto da saída B, mas não… como? – seus olhos viraram para mim e então de volta para a multidão. – Vão vocês, surgiu um imprevisto. – Não, tá tudo bem, depois eu te conto. Falou.
– Você não precisa ficar. – digo, me sentindo culpada. balançou a mão, como se não fosse nada.
– Eu não ficaria bem em ir embora, sabendo que você mal consegue se manter em pé. Está tudo bem, eu estou de carro, eles vão pegar um Uber, já estão lá fora.
– Obrigada. – digo, desencostando da parede para tentar andar. – Você nem me conhece e está me ajudando tanto.
– Mas eu te conheço. – ele diz, envolvendo minha cintura com sua mão, sorrindo. – Você é formada em arquitetura, trabalha em um escritório e pensa em começar a pós de design de interiores. Divide um apartamento com sua melhor amiga e não pensa em voltar para o interior.
– Uau, você realmente prestou atenção em tudo o que eu falei.
– Inclusive na parte em que diz que está solteira.
P A R A O M U N D O Q U E EU Q U E R O D E S C E R ! ! !
Olho em direção de seu rosto e pouco me importo com a dor que senti no pescoço com o movimento brusco. Vi seus olhos nos meus e me perguntei o que é que eu tinha feito nessa pandemia, para ser premiada dessa maneira. Tudo bem, eu não saí de casa desnecessariamente e doei sangue uma vez, mas será que isso era o suficiente para merecer um cara como ?
Ou será que ele é um psicopata disfarçado que vai me atrair para a casa dele e me matar?
Chega, , foca no presente.
– O que você quer dizer? – pergunto.
Ele manteve o sorriso no rosto e voltou olhar para a frente, erguendo os ombros, como quem diz: “você que sabe”.
– Você está solteiro?
– Estou.
Hum… um homem responderia assim tão rápido se tivesse intenções assassinas/psicopatas/safadas? Acho que não.
Abri um pequeno sorriso e voltei a andar, mancando, na direção que ele me levava. Por ser absurdamente alto – ele disse que tinha 1,90 cm, mas tenho certeza que é 2 metros –, ele conseguia ver mais à frente o local onde deveríamos ir.
– É um pouco longe, dá para aguentar?
– Uhum. – me limito a dizer, mas a verdade é que eu queria responder ‘não’. A dor realmente estava começando a se tornar aguda, principalmente na região do quadril; será que minha bacia se deslocou? Uma pontada me faz fazer uma careta, apenas de pensar na possibilidade de um deslocamento.
– Vamos parar um pouco. – ele diz, me levando para um novo canto.
As pessoas que passam por nós não estão alegres como antes ou como eu imaginava que estariam. O show, de acordo com vários, seria remarcado para outro dia. A polícia estava parando várias pessoas, questionando sobre como aconteceu e se alguém reconhecia os autores das brigas. Havia som de sirene de ambulância do lado de fora, mas ninguém parecia se importar; estavam todos mais preocupados com o show.
me acompanhou pacientemente e permaneceu ao meu lado até eu ser atendida por um paramédico, cerca de uma hora e meia depois. Enquanto esperávamos, conversamos mais um pouco sobre nossas vidas. Ele contou seus hobbies, e eu contei os meus. Dividimos nossos sonhos e os lugares que gostaríamos de ir, fora de São Paulo.
– É só a dor da colisão. – o paramédico disse. – Vou te dar um remédio para dor, mas aconselho você a comprar na farmácia, não precisa de receita médica. Procure descansar deitada e faça uma compressa antes de dormir. A pele deve demorar alguns dias para voltar à cor normal; se a dor persistir por mais de 2 dias, vá a um ortopedista.
– Obrigada. – digo, me afastando com , que cuidadosamente me levou para uma cadeira disponível para as pessoas “mais graves”. Haviam, mesmo, algumas com marcas de sangue no corpo e na roupa. Será que morreu alguém?
Olhei para , que me encarava com curiosidade.
– Eu achei que fosse morrer. – digo, olhando para as pessoas machucadas ao nosso redor. – Fiquei desesperada, porque não conseguia me levantar e ninguém me ouvia.
Seus braços me envolveram e me apertaram, me fazendo sentir inesperadamente segura. Percebi, com esse aperto, que meu corpo tremia levemente.
– Está tudo bem agora.
– Obrigada. Você sabe, por ter salvo a minha vida.
Ele hesitou por um momento, provavelmente pensando se dizia novamente que não havia feito nada demais. No entanto, apenas abriu um sorriso sereno e disse:
– De nada.
Fomos até o posto policial para perguntar sobre meu celular. Eles orientaram ligar para cá outro dia e perguntar sobre o aparelho.
– Muita gente perdeu o celular hoje, moça. Eles vão pegar tudo e mandar para o achados e perdidos do estádio. Aí você vê com eles. Hoje, não podemos fazer nada.
Resmunguei qualquer coisa e me afastei com .
– E agora? – ele perguntou.
– Não sei. – suspirei, encostando na parede. O remédio que tomei parecia estar fazendo efeito, pois já não sentia tanta dor no corpo, apesar de ainda estar mancando.
– Eu posso te levar para casa. – ele disse. – Na verdade, acho que você não tem muita escolha.
– Você poderia só pedir um Uber para mim. E eu transferiria o valor da corrida para sua conta.
– Está tudo bem, você não mora tão longe de mim. – ele disse, me ajudando a voltar a andar. – A não ser que você queira…
– Eu só não quero te atrapalhar.
– Ficarei mais tranquilo sabendo que você chegou bem em casa.
Me peguei o admirando por mais tempo do que o normal. Tudo porque ele me parecia o tipo de cara das antigas, mas nada não-convencional. Era educado e tranquilo, além de respeitar minha vontade.
– Quantas vezes precisarei agradecer a você hoje? É meu herói, sério.
soltou uma gargalhada e balançou a cabeça. Caminhamos para fora do estádio, sempre atentos às pessoas ao nosso redor; eu procurava por Ana e Júlia, ele, preocupado em não deixar que ninguém me atropelasse.
Seu carro estava estacionado no shopping ao lado. Seguimos o fluxo e fomos em direção à área VIP, onde seu carro chegou 15 minutos após eu ter pago o estacionamento; era o mínimo que eu poderia fazer por ele nas condições em que estava.
– Está frio?
– Está tudo bem, obrigada.
– Tomara que suas amigas tenham voltado para casa.
– É, mas acho que voltaram. Ficamos bastante tempo no estádio. Você mora com alguém?
– Sozinho. Meu amigo que estava comigo é meu vizinho.
– Uau, que demais!
– É. Eu sou muito organizado para ele, e ele é muito bagunceiro para mim, mas gostamos da companhia um do outro e essa foi a melhor solução que encontramos.
Abro um sorriso, imaginando como seria chato morar sem a Ana. Somos amigas desde a época da faculdade. Enquanto vim do interior de Minas, para São Paulo, ela apenas se mudou de casa, porque não aguentava mais a madrasta reclamar do padrasto de ele estar “sustentando” uma boca que não era filho dos dois. Foi a melhor coisa que aconteceu, pois assim as duas acabaram se conhecendo melhor.
O caminho até meu apartamento foi rápido. Em menos de meia hora, estávamos parando na porta de casa.
– Você não quer quer mesmo que eu pare em uma farmácia? – seu tom era de preocupação, o que achei muito fofo.
– Você já fez muito para mim, . Não quero dar mais trabalho. Obrigada, de verdade, por tudo. – abri um sorriso, tentando parecer o mais sincera possível.
Ficamos um tempo calados; esperei que ele pedisse por meu telefone, mas não o fez. Talvez porque eu não tinha mais um; mas eu poderia ter o número dele… enfim. Suspirei e abri a porta do carro; porém, quando fiz menção de sair, senti sua mão segurar meu antebraço, me impedindo.
– Eu posso vir te visitar?
Ergui uma sobrancelha e olhei para trás, surpresa.
– Claro. É só falar meu nome na portaria. – sorrio, não querendo passar o número do meu apartamento; um ato infantil, apenas porque ele não quis me passar o número dele.
Vi mais uma vez seu rosto. Tive vontade de beijá-lo, apenas porque ele era incrível.
Me contive, pois apesar de minha mente ser toda maluca, eu mesma não era, o que era uma pena.
– Até mais então. – disse, saindo do carro lentamente, mancando até a porta, onde o porteiro, provavelmente ao ver meu estado, correu para me ajudar.
Ele esperou que eu entrasse, para dar partida no carro. Em casa, encontrei com Ana e Júlia, que por sua vez estavam afobadas, dizendo que haviam até ligado para a polícia, que orientou aguardar 24 horas do meu sumiço.
– Perdi meu celular. – expliquei, quando as duas quase choravam de alívio.
– E como você voltou pra casa? – Júlia perguntou, enquanto Ana trazia bolsas de gelo para colocar em minhas pernas.
– Eu conheci um cara. Na verdade, ele me salvou. Ficou comigo o tempo inteiro.
– Um cara? Te salvou? Ele quem te trouxe? – Ana se sentou ao meu lado. – Você não precisa tomar um remédio.
– Passei em um posto que tinha lá no estádio, me deram uma dipirona. Falaram para eu tomar outra, mas só amanhã. Tenho no meu quarto.
– Ana, foque no que é mais importante! – Júlia deu um tapa no braço de Ana e olhou para mim com expectativa. – Como ele é?
– O nome dele é . Ele é muito alto…
– Tipo modelo? – Júlia perguntou, animada.
– Tipo jogador de basquete.
– Ai meu Deus! – ela sorriu. – E o que mais?
– Moreno, magro, simpático, cuidadoso…
– Huuuuuummmm! – as duas disseram, rindo.
– Ele pegou seu número?
– Não – fechei a cara –, acho que porque estou sem celular. Perguntou se poderia me ver, mas quem vem de verdade hoje em dia?
vem.
No dia seguinte, um domingo; pouco depois do almoço, o som do interfone tocou e o porteiro disse que ele estava lá em baixo, se podia subir. Ana veio correndo para meu quarto me acordar e dar uma arrumada em mim. Não que tivesse muito o que fazer. Noite passada, após o banho, quase chorei ao ver meu estado. Havia hematomas em todo meu corpo, exceto o rosto que, por sorte, consegui proteger.
– Vou atender, você termina de arrumar esse cabelo! – Ana disse, correndo para a sala quando a campainha tocou.
Olhei-me no espelho, descrente que eu pudesse fazer algum milagre com minha aparência. Eu troquei o pijama por uma calça de moletom e uma camiseta mais arrumada. Não queria dar na cara que estava me arrumando toda para ele, afinal, ele quem veio sem avisar.
– Oi – disse, vendo-o sentado no sofá, com Ana fazendo uma xícara de café para ele. – Você veio.
Ele se levantou ao me ouvir. Vi seus olhos procurarem por mais machucados, mas eu havia escondido a maioria pela roupa.
– Como você está?
– Bem, graças a você. E você?
– Trouxe mais remédio para você. – ele levantou uma sacola. – E trouxe uns doces; tem uma padaria muito boa no lado da minha casa. Acho que você… vocês – ele se corrigiu, olhando para Ana, que sorriu – vão gostar.
– Obrigada.
Ficamos em silêncio, esperando por alguma conversa, que não surgiu de imediato. Eu estava mesmerizada com a aparência dele. Era ainda mais bonito do que eu me lembrava, o que é um absurdo.
– Bem, eu preciso sair. Vou ao mercado fazer as compras do mês. Sua lista está pronta? Posso fazer as suas compras.
Abri um sorriso para minha amiga, que realmente era uma grande amiga. Nós sempre deixamos para ir ao mercado juntas, pois aproveitamos o meu carro. Apesar dele ser meu, Ana o usa muito mais, porque ela costuma ir muito mais a campo do que eu, assim, ela divide todos os custos do carro comigo. Acaba ficando mais barato para nós duas, do que dependermos de Uber.
– Sim, vou pegar meu cartão. – me levanto, mas ela me empurra de volta para o sofá.
– Pode deixar, eu pego. Vocês podem assistir a um filme ou algo assim, devo demorar umas três ou quatro horas.
Permanecemos quietos enquanto ela pegava a minha lista, que estava sempre presa à geladeira para que eu não me esquecesse de nada, e a chave do carro. Em seguida, disse que voltaria para o jantar.
– Ela realmente leva de três a quatro horas para fazer as compras?
– Não, geralmente ela leva duas, mas não gosta de misturar nossas compras, porque é um tanto desorganizada – dou uma risadinha -, então ela faz as compras dela, leva para o carro e então faz as minhas.
ficou olhando para mim com um meio riso no rosto que o deixava absurdamente charmoso. Permaneceu me encarando, até olhar ao redor e se levantar para pegar o controle remoto.
– Já que você precisa tanto de um enfermeiro, posso ficar aqui com você.
– Claro, preciso muito de companhia.
– Mal deve conseguir levantar para pegar uma água. – ele suspirou, passando o controle para mim e sentando-se ao meu lado, como quem não queria nada.
Sorri com a brincadeira dele. Faz um tempo que não me envolvia em uma paquera ou namoro, então havia me esquecido quão divertido é esse envolvimento.
Passamos a tarde assistindo a filmes e nos aproximando mais. Quando terminamos o segundo filme, permanecemos calados, um ao lado do outro, o braço comprido de atrás de meu pescoço.
– Posso contar um segredo? – ele perguntou, bem próximo de mim. Assenti, virando meu rosto para ele. Vi seu semblante sério, e seus olhos encarando os meus como se quisesse hipnotizá-los. – Ontem não a achei porque meu amigo pisou em você.
– Você quem pisou? – arregalei meus olhos, vendo-o rir e negar com a cabeça.
– Na verdade, durante a fila do show, antes de abrirem os portões, vi você.
Se meu maxilar não estivesse tão dolorido, eu provavelmente abriria a boca em choque; fiquei o encarando, enquanto via as maçãs de seu rosto corarem.
– Fiz questão de ir para onde você estava. Meus amigos estavam com as namoradas e, como você, elas queriam um bom lugar para assistir o show. Se empolgaram quando eu disse que abriria caminho.
“Fiquei a olhando de longe, mas não me ache um louco. Eu apenas queria ter certeza que você não estava, sabe, acompanhada. E entre um pedido das namoradas dos meus amigos para eu ir mais para frente, e minha confiança de chegar até você, a bagunça começou. E então, de repente eu a estava vendo, e no segundo seguinte não estava mais.”
Permaneci calada, em choque. Ele estava de olho em mim? Em mim? Ele foi até mim para me procurar, pois ficou preocupado com o que tivesse acontecido comigo?
Isso não é uma fanfic, não é?
Não tem um cara perfeito se declarando para mim, não é?
– Eu também achei que você morreria. Foi muita sorte tê-la encontrado. – ele disse, sério. – Me desculpe por não ter chego antes.
– Você não tem que se desculpar. – disse, emocionada.
– Se eu tivesse, você não estaria…
– Está tudo bem. São apenas alguns hematomas. – disse, mas a verdade é que tenho certeza de que levaria um mês para todos saírem. – Mas… bem, seu segredo, ele… hum, me deixou feliz.
O rosto de se iluminou com minha fala e, lentamente, ele se aproximou seu rosto do meu, até nossos lábios se tocarem delicadamente. Sorriu durante o beijo e envolveu-me em seus braços, aprofundando o beijo.
Sempre que me imaginei sendo abraçada por um urso, era exatamente essa a sensação que eu esperava ter. Proteção e conforto. Não sou pequena, nem magra; já chegaram a me dizer que apenas um cara muito grande conseguiria me dar o abraço que eu esperava; bem, talvez o cara lá de cima ouviu a brincadeira e resolveu torná-la realidade.
– Sabe o que me lembrei ontem, depois que a deixei aqui? – ele sussurrou, por estar com os lábios quase grudados nos meus. Fiz um movimento com a cabeça e então ouvi: – Eu não pedi o seu número. – riu, achando graça. – Eu não sou tão lerdo quanto aparento.
– Bem, eu não tenho celular mesmo. – rio. – Você pode vir pessoalmente falar comigo.
A boca que eu tanto queria beijar, formou-se em um sorriso.
Eu sabia. Sabia que ir a um show após a pandemia seria a melhor coisa que eu faria na minha vida. Seria, sim, o melhor dia da minha vida. E apesar de, no meio do tumulto, parecer ser o pior e meu último dia na Terra, não posso negar que a reviravolta foi brusca.
Olhei para , que puxava minhas pernas para ficarem em cima de seu colo e me aconchegou perto dele para iniciarmos o próximo filme. Abri um sorriso, me sentindo mais feliz do que o dia anterior, e provavelmente menos feliz que amanhã.
*adicionar aqui a figurinha do “Olá Deus”*
OK, EU VOU A UM SHOW DEPOIS DESSA PANDEMIA.
Mas espero não ser pisoteada nem nada, porque né. Deus, é difícil achar um homem assim na vida real? A gente aceita. E eu resolvi ler com o Dawon, me iludiu bem HAHAHAHAHAHAHAH
Comentário originalmente postado em 07 de Junho de 2021