Nossa Música
Há quem diga que sou insensível; às vezes, encontro pessoas que me dizem que sou machista e que, um dia, encontrarei uma mulher que me fará ajoelhar a seus pés e implorar por seu amor.
Tudo porque, quando me perguntam se já me apaixonei, digo que ‘não’, complementando que não acredito nesse sentimento. Se apaixonar, para mim, é um processo do amor. Nunca fui fadado a processos. Sou do tipo: quero ou não quero. Gosto ou não gosto. Amo ou não amo.
Como nunca me apaixonei, também nunca amei.
Sou a favor da ideia de que existem momentos certos e momentos errados. Os certos nos levam a viver uma alegria, os errados, por outro lado, se parecem com um ponto fora da curva, trazendo incapacidade e tristeza. Quando se trata do amor, acredito que exista uma pessoa que mexerá não só com o coração, mas com a vida inteira.
É por isso que, quando tais pessoas me apedrejam com suas palavras e acham que meu pior castigo será ter uma pessoa a quem eu deva amar incondicionalmente, eu apenas penso, calado, que esse é exatamente o mesmo desejo que eu compartilho.
Meu trabalho é criar. Criar um ambiente tecnológico eficaz e seguro para que pessoas do mundo inteiro possam fazer seus investimentos e transações bancárias, de um modo em que se sintam satisfeitas a ponto de sugerir aos mais próximos, o serviço que a plataforma oferece.
Ter uma personalidade séria, responsável e eficaz é um pré-requisito para ser trabalhar em um negócio como esse; o extra que ofereço com relação aos meus concorrentes, é minha mania de ter tudo absolutamente perfeito, mesmo essa não sendo uma característica forte dos profissionais da minha área. Gosto de pontualidade e perfeição, e isso, sem ninguém perceber, acaba sendo o diferencial para que a empresa em que eu trabalhe dependa de mim, ao invés do oposto.
– Você sabia que estão fazendo uma aposta sobre seu nariz sangrar, não sabe? – a voz ao meu lado soou no que eu identifiquei sarcasmo. Em meio segundo, desviei meu olhar para Henrique, que estava sentado em sua cadeira, encostado e parecendo relaxado, mesmo tendo uma quantidade significativa de trabalho para entregar. Voltei meus olhos para a tela escura, repleta de letras em um verde vivo. – Você lembra como chegar em casa?
– Não moro longe para esquecer. – respondo, ouvindo uma projeção de riso, que, pela maneira sarcástica como soou, soube ser conjunto com o primeiro comentário.
– A outra aposta é saber quanto você ganha de hora extra.
– Vocês apostam muito. – respondo, concentrado.
– É porque você é um bom objeto de aposta.
Não respondi o comentário. Obviamente, era claro para nós dois de que eu não era um objeto, mas sim um ser humano, com sentimentos, mesmo ninguém percebendo antes.
– Quer saber outras apostas que fizeram? – como não respondi, ele continuou a falar: – Por que você não aceitou o cargo da gerência? Quantas vezes você come por dia? Você é virgem?
– Veja só, encontrei um assunto que chama sua atenção. – ele riu. – Mas se você quer saber, a resposta é sim. Você parece um cara virgem de 30 anos.
Hesitei por um instante, pensando se valia a pena entrar nessa discussão. Eu não havia nada que provar para Henrique ou qualquer outra pessoa. Decidi não gastar minha energia com eles.
– Você é uma figura, ! Como consegue ter amigos tão legais, se é tão careta?
Também escolho não responder essa pergunta. Meus amigos são, de fato, muito diferentes de mim. Sempre foi assim. No entanto, quando se é criança, tal diferença não se aplica nas exigências de ser ou não amigo de uma outra criança, por isso, pertenço a um grupo de 5 amigos leais que, ainda que estejamos separados, permanecemos unidos.
O que os faz serem conhecidos pelos meus colegas de trabalho, é o fato de que os quatro serem – ou quase – figuras públicas. Bruno é um empresário que se destacou no ramo imobiliário. Todo mundo o respeita, como se ele quem tivesse subido seu próprio império, quando, na verdade, apenas herdou a empresa do pai quando este lhe castigou por não querer fazer uma faculdade. Seu principal atributo, além do bom papo – que lhe rende muitos encontros e também términos –, é sua aparência. Sempre trajando terno ou roupas de marca, Bruno, como Matheus gosta de dizer, é bonito pelo pacote, e não por seu conteúdo. Particularmente, não o acho bonito, com o cabelo escuro e os olhos acinzentados, ainda que haja milhares de mulheres para discordar de mim.
Matheus, por outro lado, é famoso por andar com pessoas famosas. Seu trabalho é paparicar todas elas e conseguir com que contratos se fechem e ambos lados se sintam satisfeitos, achando que o motivo do sucesso seja ele próprio. Sua desculpa para ter uma boa aparência, é dizer que, no ramo em que está, ninguém confia em alguém que não é bonito, de fazer um bom serviço. Com frequência ele vai ao cabelereiro e, de vez em quando, aparece com algum atributo que é a nova moda masculina. Sua confiança e o número de contratos de sucesso com pessoas altamente famosas fazem com que, à essa altura de sua carreira,
ele seja o alvo dos mimos pelos artistas e não-artistas, e não o contrário.
Tomás é jornalista. Há quem diga que ele se parece com um ator de Hollywood, já que possui a aparência de um. É o mais alto de todos nós, e gosta de nos lembrar sempre que possível, como se achasse que somos desprovidos de boa memória. Sempre que saímos para comer, ele é o primeiro a ser abordado por alguma pessoa “que o viu na TV e que o acha ainda mais bonito pessoalmente, se é que isso era possível”. Esse fato, inclusive, faz com que ele seja chamado várias vezes pela emissora, para cobrir algum evento importante. Sua vertente é o esporte, mas por conta de seu sucesso na televisão, seus superiores o obrigam a aparecer, também, no jornal do horário nobre.
Por fim, temos a única figura feminina do nosso grupo. . O único motivo pela qual ela faz parte do nosso quinteto, é porque em nosso prédio não havia meninas para ela se divertir, e tal fato não a impedia de brincar com meninos, mesmo nossas brincadeiras sendo pouco adequadas à crianças que eram vestidas pelas mães com saias. Frequentemente era alvo de broncas de sua mãe, que quase implorava para que ela agisse com mais graça, ao invés de pular muros e andar de skate. As preces da dona Amélia foi atendida, já que hoje, é um exemplo para outras garotas que buscam fama. Ela, dentre todos nós, é a única figura totalmente pública. Aos 13 anos, foi descoberta por um homem que viu nela um potencial que, assim como eu, nenhum dos outros três integrantes do nossos grupo havia visto. Pouco mais de 2 anos, ela estava em vários lugares da cidade. Outdoors, vitrines, televisão, revistas… há 4 anos, apostou em suas habilidades artísticas, o que foi mais fácil de aceitar, já que ela sempre se mostrou uma ótima atriz quando queria se safar de alguma bagunça que havia feito. Raramente era alvo das broncas, beliscões ou puxadas de orelhas dos adultos. Até recentemente, nenhum de nós acreditava que aquela menina loura dos cabelos embaralhados pudesse agora tê-los sempre arrumados em um penteado, ou mesmo soltos ao vento, e ter, o que os quatro concordamos, pernas bonitas.
– Quando você vai trazer a de novo para o nosso
happy hour?
Queria poder corrigir Henrique em sua pergunta. Eu nunca havia levado a um
happy hour da empresa. Ela quem me ligou justamente quando estávamos saindo do trabalho e indo para a Vila Madalena beber em comemoração ao final de ano. Sem esperar qualquer palavra minha, disse que estava na região e que passaria lá para me dar um ‘oi’.
Desde então, sou constantemente bombardeado de convites para
happy hours.
Aquilo foi o suficiente para que Henrique perdesse seu interesse em mim.
Voltei toda minha atenção de volta para a tela do computador. Fiz uma careta. Apaguei alguns códigos, digitei outros. Mais careta. Aquele não estava sendo um bom dia.
Como Henrique havia mencionado, eu já estava a alguns dias na empresa. Literalmente. É claro que a empresa não incentivava os funcionários de praticamente “morarem” no local de trabalho, entretanto, ao invés de obrigar-nos a ir embora, remodelaram todo o prédio para que houvesse boas áreas de descanso, com camas, tapa-olhos e fones de ouvido com som de meditação.
Sempre que eu estava trabalhando em um novo projeto, acabava ficando por dias no escritório. Meu armário havia peças de roupas para que não precisasse ir e voltar de casa e, quando era necessário, pedia para a funcionária que limpava meu apartamento, para separar algumas trocas de roupa e deixar na portaria do escritório. Era a apenas três quarteirões de distância. Como disse, não moro longe, mas o suficiente para não querer perder o tempo de ir e voltar por causa de um banho.
Por outro lado, sei quando não estou sendo produtivo. Nesses momentos, que acontecem esporadicamente, deixo minha baia no andar em que dividia com outros colegas, e tiro o dia para descansar e pensar em uma solução. Em nossa equipe, não temos horários de entrada e saída definidos, desde que cumpramos a quantidade de horas trabalhadas determinada por lei.
– Vou para casa. – anuncio para os colegas de equipe, mas principalmente para meu supervisor, que abre um pequeno sorriso.
Ele não diz nada além de “bom descanso”, o que gera algumas brincadeiras dos demais colegas de equipe. Dizem que, quando se trata de mim, nossos superiores não abrem muito a boca para dar bronca ou fazer qualquer cobrança; em resposta, os chefes dizem que é porque eu passo mais tempo trabalhando do que eles próprios, então possuo certa credibilidade.
– Não esqueça que terça é feriado, mas precisamos subir a correção da área de investimento! – Débora, uma das coordenadoras, grita. Ergo o braço, mostrando que havia ouvido.
Coloco minha mochila nas costas e sigo em direção ao elevador. Enquanto mexo no celular, vejo que já é sexta-feira. Minha rede de conversação estava bombardeada de mensagens de um único grupo, o único que não me importava de participar e que não possuía fins de trabalho.
Matheus:
Sextou no ?
Bruno:
Só depois das 22h
Matheus:
Leve sua cerveja!
Tomás:
Sem champanhe bom dessa vez, tê-tê?
:
Dessa vez, eu vou!
Eu levo a champanhe
Tomás:
Boooooa !
:
(;
Bruno:
Se eu chegar e não tiver champanhe…
Matheus:
Já pedi para entregarem alguns comes
Antes da porta do elevador abrir no térreo, digito:
:
Ok.
E devolvo o celular no bolso assim que o som nos avisa que havíamos chegado ao andar desejado.
A caminhada do escritório para meu apartamento nunca era no tempo que eu mentalmente definia. Tudo porque no caminho havia um mercado e eu raramente não tinha fome.
Passei pela sessão de bebidas, onde supus que deveria comprar mais um pouco de álcool. Nossas reuniões eram sempre em minha residência. morava com sua irmã mais velha e Matheus estava com o apartamento constantemente em reforma. Tomás dividia o apartamento com mais dois colegas de trabalho e Bruno era o único que, por conveniência, ainda morava com os pais. Disse uma vez que só sairia de lá ao se casar. Não entrei nas brincadeiras que os outros três fizeram com ele, mas fiquei, sim, com um pouco de dó da dona Lucia.
Após ter pego alguns engradados de cerveja – para Tomás e Bruno, tudo parecia sempre terminar em cerveja – e me perguntei se deveria comprar o vinho preferido de . Sempre que os quatro iam para minha casa, só saíam de lá no domingo, ou pior, na segunda-feira direto para o trabalho. É por isso que eu era o responsável por manter minha geladeira cheia, se não quisesse ser alvo de sermões sem fim de todos.
Acabo levando algumas garrafas do vinho. Também comprei doces, que, por incrível que pareça, sempre parecia estar em falta na minha casa. E alguns produtos congelados para o final de semana.
Não devem me levar a mal. Sou um bom cozinheiro, quero dizer, gosto de cozinhar. Mas não quando há três marmanjos como Bruno, Tomás e Matheus em casa, prontos para devorar sem nenhum respeito pelo cozinheiro, os pratos que levam horas para ficar pronto. é a única digna de respeito, porém, como nunca veio sozinha à minha casa, nunca pode provar de minha comida.
—
– Diga que você já ligou o PS! – Tomás entrou correndo, jogando sua mochila em qualquer lugar, ao mesmo tempo em que eu saía do banho. Quando disse que seria o primeiro a chegar, não imaginava que fosse exatamente vinte minutos após a minha chegada. – , po! – reclamou ao ver a TV desligada. Pegou o controle remoto e o console do jogo, e começou a mexer em tudo.
– Acabei de chegar. Quer café?
Ele balançou a cabeça e olhou para mim.
– Você não dorme há quantos dias?
– Dormi essa noite. Seis horas.
Ele fez um som de ironia com a boca. Como jornalista, sabia um pouco do que eu passava; porém, seu corpo nunca se adequou aos péssimos lugares que ele era, de vez em quando, obrigado a descansar durante o trabalho. Por isso, era dessas pessoas que não acreditavam que era possível realmente descansar no trabalho.
– Ah, a disse para você avisar a portaria que ela está chegando de carro.
Imediatamente pego o interfone, avisando o seu Marinho da cor e placa do carro, que eu tinha de cor não só de , mas como de Bruno também. Tomás usava transporte público; eu, quando precisava, gostava de bicicleta, e Matheus, por conta da empresa, utilizava de táxi.
– A caixa do Matheus não chegou? – Tomás desviou seus olhos da TV, procurando pela encomenda que havia sido enviado para cá.
– Coloquei na geladeira. Não tinha nada pronto. Uns frios e pães… e sorvete.
Ding dong.
– Entra, . – falo mais alto, vendo, em seguida, a porta abrir e aparecer com algumas sacolas em mãos. Me levantei para ajuda-la, enquanto Tomás não se deu ao trabalho, afinal, a casa era minha.
– Cheguei! – Matheus entrou aos gritos, com mais outras sacolas em mãos. – Já ligou o PS, ?
– Eles não batem. – respondo para , que revira os olhos para os dois já confortáveis na frente da minha televisão.
– Trouxe aquele jogo novo. Uma das minhas clientes namora o diretor da empresa e me deu hoje de tarde. – ouvi Matheus dizer para Tomás, que já se adiantava em desligar o jogo que estavam para começar.
– É por isso que ele escolheu sua casa. – resmungou, enquanto eu apenas me limitava a abrir um sorriso e ir em sua companhia para a cozinha, organizar os comes e bebes para os dois que discutiam sobre o que esperavam do jogo e o que haviam ouvido falar sobre ele. – Não está na hora de você reformar aqui, ?
Ergui os ombros, mostrando que não me importava. A única coisa que reformei desde quando entrei neste imóvel há cinco anos, foi meu quarto e banheiro, e a sala. De resto, tudo permaneceu exatamente como o prédio me entregou. Descobri ser uma vantagem comprar um apartamento na planta, ao invés de alugar, pois não precisava me preocupar sobre as condições que a entregaria ao sair do lugar. Não pretendo, de qualquer maneira, me mudar. Não sou muito adepto a mudanças radicais.
– Interesse. – respondi, vendo-a concordar com a cabeça e responder um ‘claro’.
– Eu? – olhei para ela, surpreso com a pergunta. – Não. – respondi, ao vê-la assentir. – Claro que não.
– Claro que não. – ela respondeu com um sorrisinho. – , acho que está na hora de você pensar em namoro, não? Já está com 30 anos.
Não respondi, pois decidi ponderar sobre o assunto. não era a primeira pessoa a me cobrar uma posição em um relacionamento. Meus colegas de trabalho, mas principalmente meus pais, já haviam demonstrado interesse em me apresentar a mulheres que tinham interesse em se casar.
Eu nunca pensei muito sobre casamento.
– Na empresa, apostaram entre eles sobre eu ser virgem. – comentei com ela, que soltou um som na qual identifiquei como ofendida.
– Por que fariam isso? Que idiotas!
Ergui meus ombros mais uma vez.
– Pois deveria! – a vi levar suas mãos em sua cintura e então pender a cabeça para um lado. – , é claro que não quero me intrometer na sua vida, mas acho que está na hora de você começar a considerar ter uma pessoa a mais aqui dentro. – apontou para seu coração.
Olhei para ela e em seguida para o local onde havia apontado. Era muito fácil dizer. A maioria das pessoas nasce com um dom natural de se envolver com outras. É como as que decidem, do nada, ter um animal de estimação. Ao invés de pesquisarem sobre eles e decidirem se são adeptos a serem bons donos, se jogam no desafio e acabam descobrindo que sim, fora uma ótima escolha.
Eu, por outro lado, não gosto de mudanças. Limito meu círculo de amizade ao grupo que está em minha casa – e Bruno – e às pessoas que sou obrigado a conviver no trabalho. E apesar da obrigação, não me sinto pressionado ou aborrecido por ter de compartilhar alguns momentos da minha vida com eles.
Todavia, ter uma namorada é algo totalmente diferente de ter um amigo ou colega. O que se conversa com uma namorada, que não se conversa com uma amiga? Além dos beijos e, provavelmente, dos atos íntimos, quais tipos de ações difere uma namorada, de uma amiga? Não consigo entender o linear dessa relação.
Olho para ela, que solta uma risadinha.
– Claro que não. Bem, quando uma mulher está flertando, elas parecem ter mais cautela na hora de se expressarem. – vejo-a encostar na bancada da pia, enquanto eu despejava alguns petiscos em travessas que ela mesma havia me dado da última vez que me visitou, há um mês. – Além disso, elas buscam mostrar algum atributo positivo que acreditam ser o próprio ponto forte, como o pescoço, as mãos, os seios ou os lábios.
– Não passo muito tempo olhando para esses pontos do corpo feminino, principalmente quando estou de frente a elas.
– E não deveria! – ela exclamou, o que, admito, me deixou bastante confuso. Devo ou não olhar? – Veja bem, nós mostrarmos não significa que você deve olhar. Não é porque colocam uma peça decorativa na vitrine, que a loja estará vendendo. Este é apenas
um sinal de que há um interesse em você.
– Como você jogar seus cabelos para trás agora? – aponto para ela, que tinha em curso sua mão na altura da orelha. Ao perceber o ato, vejo seu rosto corar e os olhos irem em uma direção que parecia ser o chão.
– É-é mais ou menos isso, mas com outra pessoa. – ri, parecendo sem graça.
Suspiro. A arte do flerte realmente era algo que eu não conseguia entender.
decidiu não falar mais nada e apenas se concentrar em me ajudar. Pegou algumas travessas que eu já havia preenchido, e as levou para a sala, onde os dois já começavam a aumentar a altura da voz, animados com o jogo. Ao retornar, ela murmurou algo que não consegui identificar muito bem, mas ouvi ser o
cooler. Eu abria a garrafa de champanhe que ela havia trazido, e vi, pelo canto do olho, quando ela trouxe o enorme
cooler de chão que Tomás havia comprado para nós usarmos. Em seguida, pegou o enorme pacote de gelo que o mesmo havia trazido e tentou, de forma inútil, colocar o conteúdo dentro do recipiente.
Sem dizer nada, vou até ela e faço o serviço, afinal, ela parecia estar tendo dificuldade, e minha faxineira só viria dali a cinco dias.
Devo tê-la assustado, já que, num pulo, ela vai para trás, perdendo o equilíbrio e quase caindo, se não fosse pelo meu bom reflexo. Com o braço mais próxima dela, contornei sua cintura e a impedi que caísse. O susto deve tê-la paralisado, pois, com os olhos arregalados, ficou me encarando, até que, como se fosse um estalo, saiu de seu transe e tirou o peso de meu braço.
– Desculpe se te assustei.
– T-tudo bem… eu quem me distraí.
Silenciosamente, terminei o serviço que ela havia começado e deixei que ela preenchesse o
cooler com as bebidas. Quando terminou, tomei a frente para empurrar o objeto para a sala, dando a ela a garrafa de champanhe aberta e duas taças.
– Vai! Vai! Vai! – Matheus gritava, possivelmente para seu personagem no jogo, enquanto Tomás respondia com gargalhadas.
– Acho melhor deixarmos as taças na mesa. – disse, dando meia-volta e indo em direção à minha mesa de jantar, a meio metro da área em que os dois estavam. – Você tem se alimentado bem? Não está só comendo comida congelada, não é?
– Eu comprei para hoje só. – disse. – Já falei que cozinho.
– Bem, você nunca cozinhou para mim, então não me culpe por não acreditar em você.
– Você devia cozinhar pra gente hoje, V! – Matheus, sempre com seu bom ouvido, falou.
– Não comprei nada para cozinhar, só comida congelada. – disse.
– Posso ir com você ao mercado agora. Vamos lá, vamos com meu carro. Esses dois não vão sair da frente da TV, e quando Bruno chegar, tenho certeza de que vão mudar para um jogo em que os três possam jogar.
Hesitei por um instante, mas parecia animada com a ideia, por isso, disse que colocaria um sapato e pegaria um casaco.
—
– Essa não é uma pergunta que se faça a uma mulher, . – riu enquanto eu empurrava o carrinho para dentro do supermercado.
– Você esqueceu que sou mulher? – ela perguntou, olhando para mim, no momento em que eu me perguntava o que devia cozinhar.
– Como poderia? Você se parece muito bem com uma. – olho para ela, que desvia o olhar do meu e, mais uma vez, coloca o cabelo atrás da orelha. – Apenas perguntei, porque você diz que sua profissão exige que esteja sempre em forma.
– Está tudo bem esse final de semana. Posso comer o que e quanto quiser. – ela sorri. – Então não se preocupe e faça o que estiver mais à vontade. O que pretende? Carne? Massa?
– Qual a sua comida favorita?
– A minha? Hum… – vejo-a olhar para cima, enquanto pensa em uma resposta. – Carne! Bem vermelhinha!
Não respondi, mas decidi que o menu teria carne. não se alimentava muito durante o trabalho, principalmente quando havia algum desfile. Quando decidiu se tornar atriz, achei uma escolha sensata, já que as mulheres desse ramo, em sua maioria, têm um cardápio alimentar melhor do que as modelos.
De corredor em corredor, fomos pegando os ingredientes que eu queria, e alguns que ela queria. Disse que faria um pudim de leite condensado, porque era o único doce que sabia fazer e que era o meu favorito.
– Enquanto você faz a refeição, eu faço rapidinho a sobremesa e, quem sabe, podemos comer quando Bruno chegar. – ela olhou no relógio. – Ainda são oito horas. Por que ele vai chegar tão tarde?
– Algo a ver com contrário importante.
– Ah… às vezes vejo que não estou acostumada com o Bruno trabalhador. – ela ri e estremece, passando as mãos pelos braços. Estava usando um vestido curto, pois disse ter ido para minha casa direto do trabalho.
Parei o carrinho de compras e tirei minha blusa, colocando-a em seus ombros.
– Está tudo bem, … – disse, surpresa com o ato.
– Estou com calor. – menti, e pareceu o suficiente para ela. Murmurou um ‘obrigada’ em resposta.
No meio das compras, Matheus enviou uma mensagem, pedindo por mais petiscos. Ao ver que estávamos no mercado, Bruno aproveitou e pediu para que comprássemos algumas coisas que a mãe havia pedido para ele levar para casa. Eu deveria solicitar a entrega a domicílio das compras dele. disse que cuidaria disso, já que estava acostumada com o serviço.
– Será que eu poderia incomodá-los? – ouvimos uma voz ao nosso lado. Estávamos na sessão de carnes, olhando para as opções que haviam na geladeira. – Sou muito sua fã, .
– Ah – ela abriu seu sorriso profissional e se virou para a garota parada com os olhos vidrados nela –, obrigada.
– Será que você poderia… – a garota disse, erguendo o celular.
– Eu tiro. – digo, pegando o celular da moça, que me agradeceu, pois tinha suas mãos tremendo. Talvez estivesse com frio e estávamos em frente à geladeira de carnes.
se pôs ao lado da garota e abriu um sorriso. Em seguida, agradeceu pelo carinho.
– Vocês fazem, mesmo, um casal muito bonito.
– A-ah… – riu, sem graça e olhou para mim rapidamente. – Obrigada.
Decidi levar duas peças de carne nobre. Bruno também era fã de carne, e sempre tinha um gosto peculiar com elas. Eu provavelmente seria alvo de chacota se surgisse com alguma peça que ele não achasse boa o suficiente para seu paladar.
se manteve calada durante o resto do percurso até o caixa. Apenas falou quando se ofereceu para pagar, mas eu disse que estava tudo bem. Ela, então, cuidou para que as compras de Bruno fossem para a residência de seus pais, e eu coloquei as nossas compras de volta para o carrinho.
– Você comprou bastante coisa! Vai fazer massa também?
Ela riu, enquanto eu passava a colocar as compras no porta-malas de seu carro. Assim que fechei e entrei no banco passageiro, aguardei ligar o carro para podermos voltar para minha casa. Não foi o que aconteceu.
Olhei para ela, que tinha uma expressão séria no rosto. Era difícil ver com o rosto tão sério de modo natural. Geralmente, quando ela tinha essa reação, era devido a um personagem seu, ou mandado por algum fotógrafo.
– Você não se incomodou? – ela olhou para mim.
– Quando a minha fã me abordou. Ela disse que fazíamos um casal bonito. Você não se incomodou quando não neguei?
– Por que me incomodaria? – disse, não entendendo o motivo de estar séria. – Você não negou, porque não precisa dar satisfação de sua vida a estranhos.
Ela bufou e olhou para o teto.
– Eu me pergunto, , como é que você conseguiu ser tão promissor em uma carreira, seja ela qual fosse, se é tão lerdo.
Inclinei meu corpo ligeiramente para trás. Eu estava sendo ofendido de forma gratuita?
– É claro que estou brava, ! – ela gritou e se virou para mim. – O que eu sou para você?
Oh-ou. Eu já havia ouvido isso antes. Tomás disse, uma vez, que quando uma mulher faz esse tipo de pergunta, não há uma resposta correta. Elas apenas querem comprovar a si mesmas de que estão certas e que nós, homens, somos os burros.
– Você me vê como uma mulher, ?
Ouvi seu suspiro, um sinal de que Tomás estava certo. Não havia resposta certa. Observei seus olhos se fechar, como se clamasse por paciência. Me perguntei em que ponto do dia ela perdeu a placidez.
– É muito difícil, , gostar de você.
Isso, eu já havia ouvido antes. Sei que não sou uma pessoa fácil, principalmente porque não me comunico muito bem, além das conversas sobre o trabalho. Meus colegas sempre disseram da dificuldade em manterem uma amizade saudável comigo, quando eu não demonstrava muita reação ou interesse em suas conversas, mesmo eu dando meu melhor para isso.
– Existe uma música, que sempre quando toca, lembro-me de você. – ela liga o carro sem a intenção de fazê-lo se mover.
Ao invés disso, liga a rádio e conecta o
bluetooth do celular com a rádio. Uma balada começa a tocar. A encaro, confuso, não entendendo o que aquilo tinha a ver com a dificuldade de gostar de mim. Mantive-me calado enquanto ela se concentrava em cantarolar as letras da música:
–
I won’t let these little things slip out of my mouth, but if I do… Fiquei a observando murmurar as palavras em inglês, prestando atenção em uma letra e outra, mas não conseguindo associá-las da mesma maneira que ela provavelmente o fez quando lembrou de mim.
– Você se lembra quando tínhamos 8 anos e os meninos estavam naquela fase malévola de diferenciar o que era “de menina” e “de menino”? E então, por alguma razão, fui motivo de piada por ter as mãos pequenas demais?
Eu não lembrava, mas não achei que essa fosse a resposta certa, se é que havia uma. Assim, me mantive calado, esperando que ela complementasse sua lembrança, para que eu pudesse tentar, um pouco mais, achar esse resquício de memória de 22 anos atrás.
– Eu comecei a chorar, me sentindo humilhada e excluída, até que você veio se agachar em minha frente, para então erguer minha mão e compará-la com a minha. Achei que você iria concordar com os três, já que dificilmente saía em defesa de alguém, mas tudo o que falou foi “mãos maiores são feitas para proteger. Eu vou te proteger, ”, e sem dizer mais nada, foi até os três e lhes deu um tapa na cabeça de cada um.
Aquilo, por mais cafona e infantil que parecesse ser, parecia, sim, ser um comportamento meu.
– Você apanhou bastante, de leve, disse – ela riu – aquele dia, comparei você com o príncipe da Bela Adormecida, que lutou contra vários obstáculos para chegar até ela.
“E então, aos 15, quando estávamos indo para a festa de aniversário da Gabriela Lardon, vocês quatro vieram para casa, já que minha mãe nos levaria para lá, e me encontraram com dúvida sobre dois vestidos. Eu reclamei do meu corpo como um hábito, mas foi você quem respondeu:”
Flashback.
– Essa me deixa com uma barriga horrível, e essa aumenta minhas coxas, além de ter esse decote que deixa essa marca horrível da minhas costas aparecer… – apontava para os dois vestidos, sentada na cama em uma posição derrotada, enquanto Tomás e Bruno assistiam à TV, e Matheus conversava com a dona da casa na cozinha, enquanto comia algumas guloseimas antes de ir para a festa.
olhou os dois vestidos e então para , que, sem opção, devolveu o olhar a ele, perguntando, sem exatamente verbalizar, com qual dos dois pareceria menos feia.
– Acho que os vestidos são iguais – ele disse, sem emoção –, é você quem os deixa bonitos.
Fim do flashback.
– É claro que, ao mesmo tempo que me surpreendi, não achei nada de novo o comentário ter vindo de você. – ela levou, mais uma vez, a mão na altura da orelha, empurrando o cabelo para trás. – E você sempre foi mais carinhoso comigo. Não sei porquê, na verdade. Procurei, juro que procurei, , muitos sinais de que eu não era a única a quem você tratava assim. Mas todo mundo ao seu redor parece vê-lo como você se mostra, nada sentimental.
– Eu não me acho sentimental, mas tenho sentimentos. – digo, vendo-a, mais uma vez, rir.
– Eu sei. Mas, aparentemente, outras pessoas não enxergam isso em você. – ela suspirou e olhou para o teto do carro. – Lembra quando nós dormíamos na sua casa, e você preparava meu chá, mesmo eu nunca tendo dito que precisava dele para dormir? E como nunca me deixou dormir por último, mesmo eu tendo problemas de insônia? São atos assim, , que me fazem gostar muito de você. Em um nível bem mais forte do que só amizade.
soltou uma risada e aumentou a ventilação do ar condicionado.
– É você quem deveria estar se declarando para mim, e não ao contrário. – ri, sem graça. – Mas aqui estou eu, tentando contar como se fosse para uma criança, porque é assim que você entende as coisas, que eu amo você.
Fico estático, observando suas maçãs do rosto tomarem uma cor avermelhada, e seus cabelos deixarem ainda mais à mostra o quão envergonhada estava por se declarar a alguém.
– Sem perceber, você me fez gostar mais de mim do que o normal. Coloquei na minha cabeça em algum daqueles momentos, que você me amava mais do que eu mesma. Isso, de alguma forma, me fez feliz até hoje. Mas só até hoje. – ela suspirou e olhou para baixo, os dedos se movendo sem direção em cima de seu colo. – Hoje, quero mais do que só viver “achando”. Quero que você saiba…
Precisava saber se aquele leve coçar na boca do meu estômago era fome ou causado pelas palavras de . Por isso, sem esperar que ela terminasse de concluir seu desabafo, pois me considero um homem ansioso, puxei seu queixo em minha direção e a beijei.
Eu, obviamente, já havia beijado outras mulheres. Bruno, Matheus e Tomás adoravam – e ainda gostam – de sair para festas noturnas e acabar o dia na cama de diferentes mulheres. Eu, no entanto, prefiro voltar para minha cama, mas não significa que, durante a festa, eu não tenha ficado com ninguém. Como disse, sou ansioso. E se preciso ficar com alguém para ir embora, então que fosse.
Entretanto, desta vez, não quis me afastar. Fui mais longe e, quando vi, estava quase em cima dela, querendo compartilhar do mesmo banco do motorista, algo impossível de se acontecer, a não ser que eu subisse em seu colo, o que era improvável, já que não aguentaria meu peso.
– Ah. – foi a única coisa que ela disse. – Você fez isso para me calar?
– Não. Precisava saber se o que eu sinto por você é amor.
Vi seus olhos aumentarem de tamanho e então desviarem da direção dos meus. Limpou a garganta e, olhando janela afora, perguntou:
Seu rosto virou rapidamente para mim, como se não acreditasse no que eu havia dito, por isso, disse, devagar:
Voltei a me sentar corretamente do meu lado do carro. Que parte do “é amor” ela não havia entendido?
Lembro-me, então, do conselho de Matheus:
“Quando uma mulher perguntar algo, apenas repita o que ela disse, como se fosse uma afirmação. Não tem erro. Ou ela se questionará se é isso mesmo, porque disse sem pensar, ou ficará feliz, porque é exatamente o que queria ouvir.” Ouço sua risada, confirmando que a dica de Matheus estava correta, e a ouço colocar o cinto de segurança.
– Bem, então hoje é nosso primeiro dia. – ela disse, confiante.
– De namoro. Hoje, começamos a namorar sério.
– Ah. – olho para frente, vendo-a sair da vaga do estacionamento.
– E é você quem vai dar a notícia para os meninos, quando eu for no banheiro mais tarde. E trate de colocar emoção, mostrando que está feliz por isso.
– Ah… – encolhi, fechando meus olhos e imaginando a reação dos três com a notícia.
Olhei para o lado, vendo cantarolar ao som da música que estava no modo repetir. Desviei meu olhar para a radio.
– Qual o nome dessa música?
Ela olhou rapidamente para mim, antes de voltar a atenção à direção. Com um sorriso, disse:
Fim
Nota: Posso dizer com propriedade que faz um tempo que não me divirto tanto escrevendo uma fanfic.
Tanto que planejei várias continuações para ela! Mais precisamente, 3, falando sobre o Bruno, o Matheus e o Tomás.
A próxima, inclusive, já está pronta! Você chuta com quem será? Hahahaha.
Sempre quis fazer uma série de histórias com vários personagens. Acho muito inteligente e divertido para quem está lendo. Como gosto muito de livros assim, acho que seria divertido escrever algo parecido. Por que não começar com shorts, não é? Só para ter um gostinho! Hahahaha! E quem sabe, mais pra frente, planejo algo maior. Vamos torcer!
Obrigada pela leitura! E espero você nos próximos! Entre no meu grupo do Facebook e/ou me siga no Twitter para saber quando as próximas partes estarão no ar! Bjs!