Nos Seus Olhos
CAPÍTULO UM:
A noite havia acabado de cair, o sol havia definitivamente ido embora e agora eu e andávamos de mãos dadas do lugar que havíamos estacionado o carro até o salão escolhido para celebrarmos o noivado de , uma das minhas melhores amigas desde sempre.
Eu e sempre estivemos presentes uma na vida da outra. Nascemos no mesmo ano, com apenas alguns meses de diferença, e nossas mães também eram grandes amigas desde a adolescência. Crescemos praticamente como irmãs, compartilhando aniversários, feriados e até viagens em família. Nossas infâncias foram entrelaçadas de forma tão natural que, em muitos momentos, era difícil saber onde a história de uma terminava e a da outra começava.
Lembro-me de como passávamos tardes inteiras planejando nosso futuro, prometendo que estaríamos juntas em cada etapa da vida. E agora, lá estava ela, prestes a se casar, enquanto eu seguia meu caminho ao lado de . A cada passo em direção ao salão, uma mistura de nostalgia e felicidade me preenchia. Era estranho pensar em como o tempo havia passado rápido, mas também era reconfortante saber que algumas amizades realmente resistem a tudo.
Assim que entramos no salão, avistei , o noivo de e também meu amigo de infância. Seu sorriso se abriu ao me ver, e eu não hesitei em abraçá-lo apertado.
— ! — ele disse com a voz calorosa, mas havia algo em seu tom que me fez franzir o cenho. — Eu preciso falar com você… a sós.
Antes que eu pudesse questionar, ele se virou para com um sorriso amigável.
— Será rapidinho! Preciso da ajuda dela com uma surpresa para a .
assentiu sem desconfiar de nada, e me puxou gentilmente pelo braço para fora do salão. Meu estômago se revirou com a expressão séria dele.
— , o que foi? — perguntei, já preocupada.
Ele segurou meus ombros com firmeza, me fitando nos olhos.
— O , … ele veio.
— O quê? — soltei, sentindo o mundo girar por um instante.
Minhas pernas vacilaram e me apoiei nos braços de , tentando recuperar o equilíbrio. Senti a pressão baixar, e por um momento, o salão ao nosso redor pareceu distante.
Imagens de invadiram minha mente: nós dois rindo na infância, dividindo segredos na adolescência, e eu, completamente apaixonada por ele, mesmo sem coragem de admitir. E então, como um estalo, a lembrança do dia em que ele simplesmente desapareceu, sem explicações, há três anos…
— Como… como a sabia onde ele estava? — minha voz saiu fraca, quase num sussurro.
suspirou, apertando levemente meus ombros.
— Calma, . Não é tão simples assim. também ficou sem contato com ele por muito tempo. Ele apareceu de repente e… eu achei que você precisava saber antes de vê-lo.
Tentei controlar a respiração, mas meu coração batia acelerado. Parte de mim queria ir embora dali, mas outra parte… outra parte precisava entender o motivo de estar ali agora.
— Meu Deus , o que eu faço agora? — minha voz saiu embargada.
soltou um suspiro pesado e passou a mão pelos cabelos.
— Olha, fugir não vai resolver. Você sabe disso. Ele está aqui, e você vai acabar cruzando com ele em algum momento. É melhor encarar isso de frente.
— E se eu não conseguir? — sussurrei, sentindo o peito apertar.
— Você é mais forte do que pensa. Respira fundo, volta para o salão e tenta agir naturalmente. Se ele quiser falar com você, você decide o que fazer. Mas fugir agora só vai piorar as coisas.
Fechei os olhos por um instante, tentando absorver suas palavras. estava certo. Não tinha como evitar. Precisava enfrentar aquilo, por mais que doesse.
— Tudo bem, vou tentar. — minha voz ainda tremia, mas forcei um sorriso fraco.
sorriu de volta, apertando de leve meus ombros antes de me soltar.
— Eu estou aqui, qualquer coisa me chama, ok?
Assenti e, com o coração ainda acelerado, comecei a caminhar de volta para o salão, tentando reunir a coragem que eu sabia que precisaria.
Assim que entrei novamente no salão, meus olhos procuraram por — não, por . Lá estava ele, me esperando pacientemente com aquele sorriso calmo. Sem pensar duas vezes, caminhei até ele e o abracei com força, enterrando o rosto em seu peito. Como se aquele gesto pudesse me ancorar no presente, como se, ao sentir seu calor, eu pudesse afastar os fantasmas do passado.
me envolveu nos braços, surpreso com a intensidade do abraço, mas logo afagou meus cabelos.
— Está tudo bem? — ele perguntou baixinho.
Fechei os olhos por um segundo e respirei fundo.
— Está sim — respondi, sem muita convicção, mas precisava acreditar nisso. Porque naquele momento, era o meu agora. E eu precisava me lembrar disso.
🩹🩹🩹
Quando ergui o olhar, encontrei do outro lado do salão. Nossos olhos se cruzaram e, naquele instante, não foram necessárias palavras. Ela caminhou até mim e me envolveu em um abraço apertado. Não precisávamos dizer nada; aquele gesto dizia tudo. Ela entendia o turbilhão que se passava dentro de mim, e eu sabia que podia contar com ela.
Ficamos assim por alguns segundos, apenas nos apoiando em silêncio, até que sussurrou:
— Vai ficar tudo bem.
— O salão está lindo, . Estou tão orgulhosa de você. Você e o merecem toda a felicidade do mundo. — sorri, apertando-a com carinho.
sorriu emocionada, seus olhos brilhando.
— Obrigada, . Ter você aqui comigo faz tudo ser ainda mais especial.
, com um sorriso animado, cumprimentou calorosamente.
— Vocês precisam ser os próximos, hein! — brincou, lançando um olhar divertido.
riu, passando o braço ao redor da minha cintura.
— Não pretendo demorar. — disse com convicção.
Soltei uma risada nervosa, apoiando-me nos ombros dele. Ele não percebeu nada, mas eu sentia o nervosismo crescendo em meu peito.
Logo depois, seguimos juntos cumprimentando os conhecidos pelo salão. Cada sorriso trocado e cada palavra dita pareciam cada vez mais distantes enquanto meu coração batia descompassado, antecipando um reencontro que eu não sabia se estava pronta para enfrentar.
🩹🩹🩹
Enquanto cumprimentávamos os convidados, o salão estava repleto de amigos de infância e novos rostos. Sorrisos eram trocados, memórias compartilhadas. Eu e nos aproximamos de uma mesa onde alguns amigos já estavam sentados. Cumprimentamos todos com abraços e apertos de mão calorosos.
Sentamos lado a lado, e , carinhoso, depositou um beijo leve em meus lábios. Correspondi com um sorriso tênue, mas algo dentro de mim parecia inquieto.
Meus olhos vagaram pelo salão, distraídos, até pararem na mesa de doces. Foi então que o tempo pareceu parar…
.
Ele estava ali, parado, recém-saído do banheiro. Seus olhos estavam fixos em mim e em . Havia surpresa e algo mais naquele olhar — algo que fez meu coração vacilar.
Meu corpo congelou. O passado e o presente colidiram de forma brutal. E eu não fazia ideia de como lidar com isso.
Por um momento, ele permaneceu paralisado, como se estivesse processando o que via. Então, como se despertasse de um transe, piscou algumas vezes. Nesse instante, inclinou-se em minha direção e sussurrou algo em meu ouvido, arrancando de mim um sorriso fraco. Quando voltei a olhar para a mesa de doces, vi ajeitando a postura e caminhando em direção a uma cadeira vaga, exatamente de frente para onde eu e estávamos.
Meu corpo congelou outra vez e eu torci que nem ele, nem percebessem nada.
— ! — o meu nome saiu dos lábios carnudos dele. — Você demorou…
parecia sair de um transe. Seu olhar vacilou, mas logo se recompôs. A voz firme contrastava com o nervosismo que ele tentava esconder.
Minha respiração falhou. Eu não sabia se respondia ou se fingia que não era comigo. Senti apertar de leve minha mão, alheio ao turbilhão que acontecia dentro de mim.
O passado estava sentado à minha frente, desafiando-me a encarar tudo o que eu tentei esquecer.
Minha garganta secou. Senti o peso das palavras dele me atingir, mas reuni coragem e o encarei por alguns segundos. Os olhos de pareciam procurar algo nos meus, como se quisesse decifrar quem eu me tornara.
— … — minha voz saiu baixa, quase um sussurro.
Ele sustentou meu olhar por um instante antes de desviar, passando a mão pelo cabelo em um gesto nervoso.
— Achei que nunca mais fosse te ver — ele disse, com um sorriso leve, mas havia algo quebrado ali.
Meu peito apertou. Lembrei-me de todos os momentos que passamos juntos, de como ele desapareceu sem explicações.
Antes que eu respondesse, apertou suavemente minha mão sobre a mesa outra vez, alheio à tensão. percebeu o gesto e sua expressão vacilou por um segundo antes de se recompor.
— Também achei que nunca mais fosse ver você… três anos não são três meses não é? — respondi depois de engoli seco, deixando transparecer um pouco demais minha frustração há tanto tempo contida.
arregalou levemente os olhos, claramente não esperando a minha investida. Mas ele optou por apenas balançar a cabeça, concordando.
— Concordo… em três anos muita coisa pode mudar, não é ? — os olhos dele desceram para minha mão entrelaçada a de .
Eu apertei a mão de que apertou-a de volta como se naquele momento entendesse um pouco da tensão do momento.
— Com licença, eu vou ver se precisa de ajuda com alguma coisa. Você pode vir comigo, ?
Com um suspiro discreto, me levantei da cadeira, tentando disfarçar o nervosismo que me corroía por dentro. me seguiu sem hesitar, mas antes de dar os primeiros passos, ele lançou um olhar rápido para , como se tentasse entender o que estava acontecendo, mesmo sem conhecê-lo direito. O gesto foi sutil, mas o suficiente para eu sentir um frio na espinha. Ele estava alerta, e isso só aumentava a tensão que já estava presente entre nós três.
Ao sairmos, fui diretamente até a cozinha, tentando focar no que estava à minha frente. Quando passei pela porta, o ambiente mais calmo me ajudou a respirar um pouco melhor. Ainda assim, meu corpo estava tenso, como se cada movimento fosse monitorado.
— Alguma coisa sobre esse cara que você queira me contar? — perguntou, com um tom mais suave, mas a pergunta parecia um peso, a voz dele carregada de curiosidade e algo mais. Ele se aproximou, buscando meus olhos, e eu sabia que ele não iria desistir de obter uma resposta.
Parei por um momento, encarando a bancada da cozinha. Minhas mãos estavam tremendo um pouco. Eu queria ser honesta, mas ao mesmo tempo, não sabia se estava pronta para compartilhar tudo. A dor do passado parecia pronta para explodir, e eu não queria que ele fosse vítima disso. Ou pior, que ele se afastasse por não entender as complexidades do que a volta de havia causado em mim.
— Não é nada, … — Minha voz saiu mais fraca do que eu esperava, e mesmo sabendo que ele não iria aceitar uma resposta simples, o silêncio entre nós era denso demais.
se aproximou ainda mais e, antes que eu pudesse reagir, segurou minha mão, agora visivelmente mais apreensivo.
— Eu entendo, . Mas me avise quando você se sentir pronta para falar. Eu estou aqui para você, sempre estarei.
Eu olhei para ele, as palavras ficaram presas na garganta, mas naquele instante, percebi que ele não estava apenas tentando me proteger, mas se oferecendo para estar ao meu lado, independentemente de tudo o que eu passava. Isso me trouxe um conforto imenso, e, por mais que não tivesse encontrado palavras para expressar isso, meu olhar disse tudo.
🩹🩹🩹
Olhei para e, antes de seguir, dei-lhe um beijo lento na bochecha, como se tentasse afastar o turbilhão de pensamentos que se acumulava dentro de mim. Ele me olhou com um sorriso gentil, apertando suavemente minha mão antes de eu me afastar.
— Você precisa de ajuda com alguma coisa, ? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas o nervosismo ainda me traía.
sorriu para mim, como sempre, e, com um gesto acolhedor, respondeu:
— Você é minha convidada, ! Vá se sentar e se divertir, por favor. Eu já tenho ajuda com tudo aqui.
Eu senti o peso das palavras dela, e um pequeno sorriso apareceu no meu rosto, um sorriso que tentei fazer parecer genuíno. Agradeci com um gesto e me afastei, caminhando na direção oposta. Quando passei pela porta da cozinha, vi e conversando entre si em um canto do salão, mas não consegui ouvir o que diziam. Era como se a conversa deles fosse a última coisa que eu conseguisse processar naquele momento.
Voltei à mesa e sentei-me novamente, sentindo a tensão voltar a me consumir. Cada respiração parecia mais pesada. , que estava se divertindo com alguém na mesa, se virou para me olhar de maneira debochada, como se tivesse esperado o momento certo para lançar sua provocação.
— Não vai me apresentar seu namorado, ? — ele perguntou, seu tom irônico deixando claro o prazer que ele tinha ao me fazer sentir desconfortável.
Fui tomada pela raiva, mas ao mesmo tempo, uma sensação de impotência. Em vez de responder à provocação, optei por ignorá-lo, como se ele não fosse mais uma parte do meu mundo. Não valia a pena ceder àquilo. Fiquei em silêncio, tentando desviar o olhar, mantendo-me focada no que estava à minha frente.
O silêncio entre nós dois foi o suficiente para mostrar que, para mim, o passado estava fechado.
CAPÍTULO DOIS:
Eu vi se levantar de sua cadeira, o sorriso irônico ainda brincava em seus lábios, e dar a volta na mesa, colocando as mãos nos bolsos enquanto o fazia, e então se sentar ao meu lado, na cadeira que era de . Eu virei meu rosto na direção dele quando seu cheiro adocicado preencheu minhas narinas e então, franzi o cenho. O que ele estava fazendo se sentando ali com tanta naturalidade?
— Precisamos conversar … não pode fugir de mim o tempo todo!
Eu respirei fundo, tentando acalmar a tempestade que se agitava dentro de mim, e o encarei. Meu coração batia forte, como se protestasse contra a proximidade dele.
Meus olhos passearam por seu rosto, absorvendo cada traço com uma mistura de familiaridade e estranheza. Ele estava mais velho, mas ainda era . O mesmo olhar intenso, os lábios sempre prontos para um sorriso irônico, a postura descontraída como se o mundo não pudesse abalá-lo. Mas havia algo diferente—uma sombra no brilho de seus olhos, um peso invisível que antes não estava ali.
Os anos tinham passado, e embora ele ainda carregasse a essência do garoto que partiu sem olhar para trás, eu conseguia ver as mudanças sutis. O maxilar parecia mais marcado, os traços mais maduros, e até a forma como ele me olhava carregava uma profundidade que antes eu não reconhecia.
Eu umedeci os lábios, sentindo minha garganta seca. Parte de mim queria perguntar o que ele estava fazendo ali, por que tinha voltado, mas a outra parte se recusava a lhe dar essa satisfação.
— Eu não estou fugindo de você. — Minha voz saiu firme, mas baixa, como se temesse que alguém mais ouvisse.
Ele soltou um riso abafado e apoiou o cotovelo na mesa, inclinando-se ligeiramente em minha direção.
— Ah, … — ele suspirou, balançando a cabeça devagar. — Ainda mente muito mal.
Engoli em seco, mantendo o olhar preso ao dele. Eu não podia demonstrar fraqueza. Não depois de tudo.
— Quem foge aqui é você … — eu sussurrei para que só ele pudesse ouvir e o vi abaixar o olhar, parecendo ofendido.
— E eu tive inúmeros motivos para isso. Espero que possa me ouvir, em algum momento. Mas por hora, acho melhor nós não estragarmos o noivado da e do .
— Você já estragou, ainda não entendeu? — Me levantei bruscamente, fazendo a cadeira soltar um rangido seco e estridente, raspando contra o piso polido do salão.
O som ecoou pelo ambiente, cortando por um instante o burburinho das conversas ao redor. Algumas pessoas se viraram para olhar, mas eu não me importei. Meu peito subia e descia rapidamente, a raiva pulsando em minhas veias.
O barulho pareceu chamar a atenção de que olhou na minha direção e depois na direção de , e então eu caminhei na direção do meu namorado que acabou vindo em minha direção também, com o semblante preocupado. , percebendo o que podia ter acontecido, soltou um suspiro e então foi em direção à Suno.
— O que aconteceu? Qual é a de vocês com aquele cara ? Porque está me escondendo alguma coisa?
O tom na voz de era sério, mas não soava como uma acusação. Havia preocupação ali, um cuidado genuíno que fez meu peito apertar. Ele não parecia irritado, nem ofendido, apenas confuso e tentando entender o que estava acontecendo.
Engoli em seco, sentindo meu coração acelerar. Eu não queria mentir para ele, mas também não sabia como dizer a verdade. Como explicar ? Como colocar em palavras tudo o que aquele reencontro significava para mim?
— … — comecei, mas minha voz falhou.
Ele segurou minha mão com delicadeza, os olhos buscando os meus.
— Você está tremendo — ele constatou, apertando meus dedos com mais firmeza. — , me diz… quem é ele?
Minhas mãos ficaram geladas. Eu sabia que precisava responder, mas as palavras pareciam presas na minha garganta.
Ao longe, vi se aproximando de e dizendo algo em um tom baixo, mas firme. Meu peito subia e descia de forma irregular. Tudo isso estava acontecendo rápido demais.
esperava, paciente, sem soltar minha mão.
Eu precisava dizer algo. Mas será que estava pronta para isso?
🩹🩹🩹
’s POV:
— , por favor! — colocou uma das mãos sobre meu ombro com firmeza — Vamos tomar um ar? Vem.
Ele fez um sinal indicativo com a cabeça para a parte de fora do salão e eu, ainda atônito com toda a atenção sendo desperdiçada para mim, apenas me levantei e o segui.
Chegando lá fora, eu e nos encaramos e ele soltou um longo suspiro.
— Me desculpe hyung. Eu não deveria ter aparecido do nada, eu deveria ter confirmado a minha presença e aviso á vocês dois com antecedência que estaria aqui… na verdade, agora eu me pergunto se fiz bem em ter voltado. Não pareço mais ser querido aqui, então pode ter sido uma perda de tempo.
A dor evidente em minha voz soou de forma surpreendente até para mim mesmo, e eu engoli o choro que se formava em minha garganta, não querendo parecer ainda mais patético.
— … — se aproximou de mim, voltando a colocar sua mão em meu ombro — Não foi uma perda de tempo. Você é muito querido e muito bem vindo no meu noivado e da , nós sentimos muito a sua falta. Agora é como se finalmente estivéssemos todos aqui onde deveríamos ter permanecido, é como se estivéssemos completos com você de volta.
— Não parece! — sussurrei voltando a encher os olhos de lágrimas — A , ela…
Minha voz falhou, e eu senti as lágrimas teimosas escorrerem antes mesmo de poder contê-las.
não hesitou. Em um movimento firme, mas cheio de cuidado, ele me puxou para um abraço apertado, deixando uma mão em minha nuca e a outra dando leves tapinhas reconfortantes em minhas costas. Fechei os olhos, sentindo o calor do gesto, mas isso só fez com que as lágrimas caíssem ainda mais rápido.
— Tá tudo bem, — ele murmurou, sua voz baixa e compreensiva. — Você não precisa carregar tudo sozinho. A , ela… ah cara! Vocês eram melhores amigos, moravam lado a lado, e eram muito grudados, ela nunca aceitou a sua partida repentina.
Quando nos separamos, ainda me olhava nos olhos enquanto eu enxugava as lágrimas.
— A gente nunca entendeu o que aconteceu, os seus pais só disseram que você decidiu estudar fora e nem eles passavam notícias suas para a gente. Foi muito difícil para a , ela sofreu muito cara, você não faz ideia do quanto.
Eu sabia! Era claro que eu sabia que, para ela, mais do que para qualquer um dos nossos amigos, teria sido mais difícil. sempre foi intensa em tudo que fazia, sempre demonstrou seus sentimentos de forma tão genuína que era impossível não sentir a profundidade deles. E eu conhecia aquele coração melhor do que ninguém.
E foi exatamente por isso que também foi insuportável para mim.
Eu não parti por querer. Eu não cortei o contato porque quis esquecê-los. Eu fui arrancado da minha vida, do lugar onde cresci, das pessoas que eu amava. E o pior de tudo? Fui arrancado dela.
Nos primeiros meses, cada dia longe foi uma tortura. Eu acordava e, por um segundo, esquecia que estava em outro lugar. Instintivamente, pegava o celular para mandar uma mensagem para ela, contar sobre algo idiota que me fez lembrar dela, perguntar como estava seu dia… Mas então a realidade me atingia como um soco. Eu não podia falar com ela. Eu não podia falar com ninguém.
Eu sabia que me odiaria. Eu sabia que ela se sentiria abandonada, e esse pensamento me corroía por dentro. Porque, se para ela foi difícil, para mim foi um inferno.
E agora, vê-la me olhando daquela forma, com mágoa, raiva e talvez até desprezo, me fazia perceber o quanto eu realmente tinha perdido.
— Dá um tempo para ela! Ela precisa se acostumar com sua volta tão repentina quanto a sua ida, sabe?
— A vida dela seguiu… — Voltei a limpar uma lágrima silenciosa que escorreu novamente.
— Seguiu , a nossa vida seguiu! A sua também seguiu, não foi?
Eu balancei a cabeça em negativa e então terminei de limpar mais algumas lágrimas.
— Eu não sei, ! A minha vida foi um emaranhado de bagunça e estranhamento depois que eu fugi daqui!
ficou em silêncio, apenas me observando, esperando que eu continuasse.
— Nada nunca pareceu certo, sabe? Como se eu estivesse vivendo a vida de outra pessoa, preso em um roteiro que eu nunca escolhi. Acordava todos os dias e fazia o que esperavam de mim, mas nada realmente me preenchia. Era como se… como se eu estivesse sempre esperando algo que nunca chegava.
Eu soltei um suspiro pesado, passando as mãos pelo rosto.
— Eu tentei seguir em frente, juro que tentei. Fiz novos amigos, aprendi coisas novas, conheci lugares que nunca imaginei… Mas no final do dia, a sensação era sempre a mesma: de que eu estava deslocado, vivendo no piloto automático. A casa nova nunca foi um lar. As pessoas ao meu redor nunca foram realmente meus amigos. E, por mais que eu tentasse, nenhuma delas era a ou o , e nenhum de vocês.
Eu ri sem humor, olhando para .
— Engraçado, né? Passei anos tentando acreditar que fiz o certo, que fui forte o suficiente para seguir em frente… Mas bastou olhar para ela de novo para perceber que eu só estava fingindo esse tempo todo.
— Vocês precisam de uma conversa . Uma conversa sincera. Mas dê tempo ao tempo.
— Mais? Hyung, já foram três anos. Ela está namorando…
Balancei a cabeça, incrédulo, como se dizer aquilo em voz alta tornasse aquela realidade ainda mais dura de encarar.
— O é um cara bacana, você vai gostar dele.
— Eu acredito que ele seja, a não namoraria qualquer um. Mas, gostar dele?
Cruzei os braços abaixo do peito, balançando a cabeça devagar. O gesto era automático, quase infantil, e por um momento me senti como uma criança birrenta que não aceitava perder seu brinquedo favorito.
Gostar dele? Como eu poderia? poderia ser um cara bacana, eu suspeitava disso, mas isso não mudava o nó no meu estômago ao vê-lo ao lado dela. Não mudava a sensação de que eu havia chegado tarde demais, de que tudo aquilo que um dia foi nosso já não me pertencia mais.
suspirou ao me observar, como se pudesse ler cada pensamento que passava pela minha mente. Ele sempre teve esse dom.
— …
— Eu sei, hyung. — O interrompi antes que ele tentasse dizer algo para me confortar. — Eu sei que sou eu quem está errado aqui. Não tenho o direito de sentir nada disso, muito menos de esperar qualquer coisa dela depois de tanto tempo.
Minha própria voz soava frustrada, cansada. Passei uma mão pelos cabelos, tentando aliviar a pressão que parecia crescer dentro de mim.
— Mas como eu faço para simplesmente… parar?
— E pior. Como vai ser quando você ver o depois de todo esse tempo de novo? Pensou nisso?
Fechei os olhos com força, como se isso pudesse bloquear a tempestade de sentimentos que o nome dele despertava em mim.
…
Eu não tinha pensado nisso até agora. Ou melhor, tinha evitado pensar. Evitei tanto que a simples menção do nome dele fez minha respiração vacilar por um segundo.
não era só um amigo de infância, ele era o amigo. O meu melhor amigo. E, ao mesmo tempo, a origem de todas as dúvidas que me assombraram desde que fui embora.
Nós crescemos juntos, dividimos segredos, risadas, sonhos… e, um dia, dividimos algo mais. Um beijo.
Foi “por curiosidade”, — pelo menis foi o que dissemos um para o outro. Só uma experiência, nada demais. Mas, a partir daquele momento, nada mais foi como antes para mim.
Porque eu continuei pensando nisso.
Porque me peguei olhando para ele de um jeito diferente.
Porque me perguntei, inúmeras vezes, se aquilo significava algo mais.
E então… eu fugi.
A verdade é que ir embora não foi só sobre . Foi sobre ele também.
E agora eu estava de volta. E teria que encará-lo também.
CAPÍTULO TRÊS:
’s POV:
ainda me olhava nos olhos, com as mãos nas minhas, o cenho franzido e eu devia uma explicação á ele. Mas eu não podia terminar de estragar o noivado da e do , não era justo nem em um milhão de anos.
— … — minha voz saiu baixa, quase num sussurro. — Ele era meu melhor amigo de infância.
Vi o franzir do cenho dele se intensificar, mas ele permaneceu em silêncio, me deixando continuar.
— Nós éramos vizinhos. Ele é o filho do senhor e da senhora , que moram até hoje ao lado da casa dos meus pais… a gente cresceu juntos, praticamente grudados. — Desviei o olhar por um momento, tentando manter a compostura — E então, há três anos, ele simplesmente… desapareceu.
As palavras pesaram entre nós. Voltei a olhar para , com um nó apertado na garganta.
— Ele foi embora sem dizer nada. Nenhuma despedida, nenhuma explicação. Só… sumiu.
Soltei um suspiro, apertando de leve as mãos dele entre as minhas.
— E isso me feriu mais do que eu consigo explicar.
Era tudo o que eu conseguia dizer. Tudo o que eu podia revelar naquele momento, sem virar a noite de alguém que não merecia carregar meu passado.
ficou em silêncio por alguns segundos, e eu temi que ele estivesse tentando absorver tudo. Seu olhar baixou para nossas mãos entrelaçadas, e então voltou para o meu rosto. Mas o que eu vi ali não foi julgamento — foi empatia.
Ele respirou fundo antes de dizer, com a voz tranquila:
— Obrigado por me contar isso.
Minha garganta apertou.
— Eu sei que não é fácil falar sobre certas coisas… principalmente quando elas ainda machucam.
Ele levou uma das mãos ao meu rosto, com um carinho que me desmontou por dentro.
— Eu não vou te pressionar, . Mas quero que saiba que estou aqui, tá? Do seu lado.
Fechei os olhos por um instante, absorvendo aquelas palavras e o toque dele. Eu não o merecia. Não depois de tudo o que estava sentindo. Mas no fundo, era justamente por ele ser assim — inteiro, sincero, disposto — que tudo parecia tão confuso agora.
— Obrigada, . — murmurei.
Ele apenas sorriu e me puxou de leve para um abraço. E eu me permiti, mesmo com o coração bagunçado. Porque, naquele momento, era o melhor que eu podia fazer.
Voltamos juntos para o salão. A música suave preenchia o ambiente, os convidados riam, brindavam, e tudo parecia ter voltado ao seu ritmo normal — menos meu coração, que ainda batia em descompasso.
entrelaçou os dedos aos meus, e seguimos até a mesa onde alguns amigos comentavam sobre a decoração, a comida e o quanto estava linda naquele vestido branco com detalhes em renda. Eu tentava sorrir, responder a todos com simpatia, mas minha atenção estava fragmentada.
Foi quando meus olhos se moveram instintivamente para o outro lado do salão.
E lá estava ele.
havia voltado para a festa. Agora estava próximo dos pais do , em pé ao lado do casal, trocando algumas palavras com um sorriso discreto no rosto. Seus ombros ainda pareciam tensos, mas ele mantinha uma postura educada, cordial, quase como se estivesse acostumado a fingir que tudo estava bem.
Como se sentisse meu olhar, ele ergueu os olhos e me viu.
E de novo, o tempo pareceu pausar.
Não havia raiva no olhar dele. Também não havia arrogância, nem aquele sorriso provocador que ele costumava lançar quando queria me desequilibrar. Havia algo mais simples — uma tristeza quieta, uma saudade silenciosa que atravessou o salão e se instalou em mim como uma brisa gelada.
Nossos olhares se prenderam por tempo demais para ser casual.
Até que puxou levemente minha mão, distraído, pedindo algo sobre os docinhos da mesa.
Desviei os olhos de imediatamente, como quem acorda de um devaneio. E sorri, respondendo a qualquer coisa sobre os brigadeiros, como se meu peito não estivesse prestes a desabar.
Mas, por dentro, eu sabia. Nada estava igual.
E não havia mais como fingir.
— Finalmente! — apareceu ao meu lado como um furacão vestido de branco e brilho nos olhos. — Eu estava prestes a arrastar vocês dois pela gravata e pelo braço!
riu, erguendo as mãos em rendição.
— A culpa foi minha. Roubei sua madrinha por uns minutos, precisava de um tempinho com ela.
arqueou uma sobrancelha, divertida, e então me olhou com mais atenção. Seus olhos, treinados por anos de amizade, varreram meu rosto até encontrar o vestígio do que eu tentava esconder.
Ela não disse nada de imediato. Apenas segurou minhas mãos com força, como se fosse capaz de me ancorar com um simples toque.
— Tá tudo bem? — perguntou em voz baixa, só para mim.
— Tá. — assenti com um sorriso que não enganaria ninguém — Ou pelo menos vai ficar.
Ela me abraçou com força, como se não precisasse de mais explicações.
— Você sabe que eu tô aqui, né? Sempre. — murmurou contra meu ombro.
— Eu sei, . — sussurrei de volta, deixando o queixo descansar um segundo em seu ombro antes de soltá-la. — E você tá linda. Isso aqui tudo tá lindo. Eu tô tão feliz por você.
Ela sorriu largo, os olhos marejados.
— Eu tô feliz por mim também. E por ter você aqui. Mesmo que a vida insista em testar a gente de vez em quando…
Não era apenas sobre o casamento. Era sobre também. Ela sabia. sempre soube mais do que dizia em voz alta.
— Agora — disse ela, animando-se — vamos aproveitar, pelo amor de Deus! Daqui a pouco vai começar a dança dos noivos, e depois disso ninguém segura minha mãe com o microfone.
Rimos, e por alguns instantes o peso no meu peito pareceu mais leve. Mas, mesmo com o salão voltando a girar em risos e luzes ao nosso redor, eu sabia que a noite estava longe de terminar.
Porque o passado estava ali. E mais cedo ou mais tarde, ele me alcançaria de novo.
A música suave começou a tocar e as luzes do salão se ajustaram, criando uma atmosfera romântica, envolta por pequenos pontos dourados vindos da iluminação decorativa.
e foram os primeiros a ocupar o centro do espaço reservado para a dança. Ele a girou com leveza, e o sorriso dela — tão aberto, tão genuíno — contagiou todos ao redor. Logo depois, os casais começaram a ser convidados a se juntar a eles. Risos, olhares cúmplices e mãos entrelaçadas preencheram o salão.
se voltou para mim com a mão estendida e aquele sorriso carinhoso no rosto.
— Me concede essa dança, senhorita?
Soltei uma risadinha, mesmo com o coração ainda um pouco apertado.
— É claro, cavalheiro da fila dos doces.
Fomos juntos até o centro do salão e, em poucos segundos, ele me puxou delicadamente pela cintura, me conduzindo com facilidade pelos primeiros passos da música. Ele me olhava com atenção, como se o mundo à nossa volta tivesse se dissolvido.
Seus dedos firmes em minha cintura me guiavam com segurança. Seus olhos, atentos aos meus. Em certo momento, ele deslizou a mão até o meio das minhas costas, puxando-me com mais carinho, e depositou um beijo leve no topo da minha cabeça. Logo depois, sua boca roçou minha bochecha, e, quando nossos olhos se cruzaram, ele sorriu e beijou suavemente meus lábios.
Eu retribuí. Ou ao menos tentei.
Mas algo em mim parecia distraído demais para estar inteira ali.
🩹🩹🩹
’s POV:
Do outro lado do salão, em meio a conversas dispersas e a trilha romântica que preenchia o ar, eu observava.
Meus olhos estavam nela.
.
Ela dançava com ele como se aquilo fosse natural, e talvez fosse. Talvez agora o corpo dela já estivesse acostumado a ser guiado por outra presença. Talvez os passos combinassem, o toque fosse familiar, e o beijo, previsível.
O tal a conduzia com leveza, como se soubesse exatamente o tempo do corpo dela, como se cada curva, cada suspiro, fosse algo que ele já havia decorado. Suas mãos apertavam a cintura dela com firmeza e cuidado. E então, como se aquilo fosse corriqueiro, ele beijou sua cabeça. Depois, sua bochecha. E por fim… seus lábios.
Engoli em seco.
Um nó se formou na minha garganta e me vi paralisado, como se minha presença ali não tivesse mais propósito.
Três anos. Três anos e eu ainda não tinha conseguido me envolver com ninguém. Nem mulher. Nem homem.
Lembrei de quando beijei aquela garota aleatória no último ano da escola, só porque “era o que todo mundo fazia”. Só porque eu queria “perder o BV de mulher”. Mas não conseguia nem lembrar da sensação daquele beijo. Não havia gosto, não havia calor. Apenas uma pressão social absurda que me fez sorrir falsamente no dia seguinte.
Desde , eu nunca mais me atraí por nenhuma garota.
E agora, vendo ela nos braços de outro cara, me perguntei: qual seria mesmo a sensação de ser desejado de volta por ela? De ser tocado com aquela mesma ternura, de merecer aquele tipo de atenção?
Meus pensamentos estavam a mil, desorganizados, confusos. E então, como se o nome estivesse trancado em algum lugar da minha mente, ele apareceu: .
Um novo tipo de nó se apertou no meu peito.
O primeiro beijo que me desestabilizou. O que não deveria ter significado nada, mas significou tudo. Ele riu depois, me dando um tapa leve na cabeça e dizendo “curioso, né?”, como se fosse qualquer coisa. Mas pra mim, aquilo não foi “só curiosidade”. Aquilo foi o começo da confusão que me acompanharia por todos os anos seguintes.
Era . Era . Era eu. E era o vazio no meio disso tudo.
A música seguia, os casais giravam, os sorrisos surgiam como flashes. Mas dentro de mim, o caos permanecia — silencioso, sufocante, e ainda sem resposta.
Estava tão imerso nos meus próprios pensamentos que quase não percebi quando a porta lateral do salão se abriu discretamente. Apenas ouvi o leve ranger da madeira e um burburinho abafado que se seguiu. Mas algo me fez virar o rosto naquela direção. Talvez instinto. Talvez… destino.
E lá estava ele.
.
Mais alto, mais maduro… mas ainda com aquele mesmo jeito despreocupado de quem chega sorrindo para o mundo. Os cabelos estavam um pouco mais compridos, caindo de leve sobre a testa, e ele usava um blazer escuro por cima de uma camiseta branca simples, como se aquele equilíbrio entre o casual e o elegante fosse algo natural.
Por um instante, o tempo pareceu parar — de novo.
Meus olhos ficaram presos nele como se eu tivesse visto um fantasma. E, de certa forma, tinha mesmo.
O fantasma de quem eu fui ao lado dele.
Vi alguns dos nossos amigos de infância o notarem e acenarem animados. , do outro lado do salão, abriu um sorriso largo e foi em sua direção para abraçá-lo. também se aproximou, dizendo algo que o fez rir. O som da risada dele, mesmo abafado pela distância, mexeu em algo dentro de mim. Algo que estava adormecido, mas nunca esquecido.
ainda não me viu. Ou se viu, fingiu muito bem.
E talvez fosse melhor assim.
Meu estômago se revirava. A presença dele misturava-se ao caos que já habitava meu peito desde que reencontrei . As memórias não pediram permissão para retornar.
A noite em que nos beijamos “por curiosidade”.
O jeito como eu fiquei calado por dias depois.
O quanto me senti culpado por ter gostado.
E o quanto me senti ainda mais perdido quando ele agiu como se não tivesse significado nada.
Mas significou tudo.
E agora, os dois estavam ali. , dançando com outro homem. , entrando de novo na minha vida com aquele sorriso despreocupado.
E eu?
Eu era só o cara que ficou preso no tempo.
🩹🩹🩹
’s POV:
— Até que enfim, hein! — disse assim que me viu cruzar o salão, os braços já abertos para um abraço apertado.
— Demorei, mas cheguei inteiro — brinquei, retribuindo o gesto com carinho.
veio logo atrás dela e me deu um soquinho no ombro, seguido por um daqueles abraços rápidos de quem tem história demais pra resumir em palavras. Era bom estar ali. Era bom ver que, apesar do tempo, algumas conexões permaneciam intactas.
— E aí, onde tão os outros? Cadê o pessoal?
— Todo mundo espalhado pelo salão — respondeu com um sorriso. — Você chegou bem na hora da dança.
— E falando em todo mundo… — cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha, o tom brincalhão sumindo da voz — tem alguém aqui que acho que você não esperava ver.
franziu a testa.
— Quem?
e trocaram um olhar breve. Ela foi quem falou:
— O . Ele veio.
Por um instante, tudo pareceu ficar em silêncio.
piscou algumas vezes, como se o nome tivesse sido jogado ao acaso e ele precisasse de um tempo para processar.
— …? — repetiu baixo, quase num sussurro. — Ele tá aqui?
assentiu devagar.
— Foi um dos primeiros a chegar. De surpresa. Tá… ali. — Ele fez um leve movimento com o queixo, indicando uma das mesas próximas à pista de dança, onde ainda observava tudo em silêncio.
Minhas pernas pareciam coladas ao chão, mesmo com minha cabeça implorando para que eu me movesse dali. Parte de mim queria atravessar o salão, chamar pelo nome dele e fingir que tudo aquilo não tinha sido tão grande. Mas a outra parte, a que estava quieta por anos, sussurrava que não ia ser simples assim.
Eu não fazia ideia de como ele reagiria. Nem de como eu reagiria, se ele me olhasse nos olhos e sorrisse daquele jeito meio tímido que só ele tinha. Ou pior… se ele fingisse que nada nunca aconteceu.
Passei uma das mãos na nuca, tentando aliviar a tensão que se acumulava ali. O ambiente parecia quente demais de repente.
O beijo veio à mente de novo. Quase como um flash.
A gente rindo de algo idiota, as luzes da sala apagadas, só a televisão ligada. O silêncio que caiu do nada. E depois… O beijo.
Curto. Cauteloso. Mas cheio de algo que eu, na época, não soube nomear.
Nós dois, especialmente eu, disse que era só curiosidade. Que era coisa de amigos, de moleques crescendo, aprendendo.
E eu quis acreditar nisso. Quis muito.
Mas passei dias depois me perguntando se ele sentiu o mesmo calor que percorreu meu corpo. Se ele também ficou encarando o teto, madrugada adentro, pensando no gosto daquilo.
E então ele sumiu.
Sem aviso, sem bilhete, sem despedida.
Levou com ele as respostas que eu nunca tive coragem de pedir.
— Você tá bem? — perguntou, me tirando dos pensamentos.
Assenti com a cabeça, mas ela me olhou como quem sabia que não era bem assim. também, mais quieto agora.
— Eu preciso de um minuto — falei, com a voz mais baixa do que pretendia. — Só um minuto.
Saí andando antes que eles tentassem me convencer do contrário. Meus passos me levaram até uma das varandas do salão, onde a brisa noturna bateu no meu rosto e trouxe algum alívio.
Fechei os olhos.
Como se olha de novo pra quem bagunçou tudo dentro de você?
E pior…Como se encara alguém que talvez nem saiba o estrago que causou?
O ar do lado de fora estava um pouco mais frio, o que me ajudava a manter o controle. A brisa batia no meu rosto, bagunçando meus cabelos e empurrando pra longe, ainda que por pouco tempo, a confusão que rodava dentro de mim.
Apoiei os braços no parapeito da varanda e olhei para o céu escuro. Nenhuma estrela visível — só nuvens e aquele típico brilho urbano que tornava tudo menos romântico e mais real.
Fechei os olhos, respirei fundo.
Queria tempo. Tempo para voltar a entender o que sentia, o que aquilo significava.
Mas o tempo não parecia disposto a colaborar.
Ouvi passos atrás de mim. Leves, mas hesitantes.
Não precisei me virar para saber. Eu sabia.
Minha espinha enrijeceu, os dedos se apertaram sobre o parapeito. E, ainda assim, não me virei de imediato. Parte de mim precisava ter certeza de que não era apenas mais um fantasma na minha cabeça.
— …
A voz dele.
A mesma.
Baixa, suave, como se estivesse pisando em terreno sagrado.
Me virei devagar. Não queria que ele visse o quanto minhas mãos tremiam.
Ele estava parado a poucos passos de mim, as mãos enfiadas nos bolsos da calça, o olhar perdido entre mim e o chão.
— Eu… te vi sair — ele disse, como se aquilo justificasse tudo. Como se só o fato de me ver indo embora fosse razão suficiente para me seguir.
Esperei que ele continuasse. Mas ele não disse nada.
Era o mesmo de três anos atrás. Tão presente e, ao mesmo tempo, tão ausente.
— Por que veio? — minha pergunta saiu antes que eu pudesse impedir. Baixa, firme. Quase amarga.
Ele ergueu os olhos para mim. E pela primeira vez naquela noite, ele realmente me olhou. Como se tivesse coragem de me encarar.
— Porque… — ele hesitou, mordeu o lábio inferior e desviou o olhar de novo. — Porque fugir de novo seria ainda pior do que ter sumido uma vez.
Aquilo me atingiu mais do que eu gostaria. Respirei fundo, sem saber ainda se sentia raiva ou alívio por ele estar ali.
— Você não me deve explicações — eu disse, mesmo que uma parte de mim desejasse o contrário. — Mas se veio aqui achando que as coisas vão voltar a ser como eram… não vão.
assentiu lentamente, o olhar cheio de alguma dor que ele tentava esconder.
— Eu sei.
O silêncio caiu entre nós como uma cortina pesada. E mesmo assim, ele ficou.
E eu também.
Como se, mesmo com o passado gritando entre a gente, nenhum dos dois tivesse coragem de dar o primeiro passo para ir embora.
O silêncio entre nós se estendeu por mais tempo do que qualquer um ousaria chamar de confortável. Ele não parecia saber como começar, e eu… já estava cansado de esperar por palavras que nunca vinham.
Cruzei os braços sobre o peito, tentando manter a postura, mesmo com o coração pulsando alto demais no peito.
— Sabe… eu passei meses achando que você ia voltar. — Minha voz saiu mais firme do que imaginei. — Que ia aparecer qualquer dia desses e me dizer que foi tudo um mal-entendido idiota.
ergueu o olhar, mas não disse nada. Apenas… ouviu. E, por algum motivo, isso me deu força para continuar.
— Depois vieram os meses em que eu achei que talvez você tivesse me odiado por algo. Fiquei revendo nossas últimas conversas, tentando encontrar algum motivo, algum erro meu. Até cogitei que aquele beijo tivesse te assustado — falei, num tom baixo, mas firme, sem mais rodeios. — Que talvez eu tivesse feito algo errado.
Vi quando ele se encolheu um pouco, como se minhas palavras o atingissem por dentro.
— E então veio o pior estágio de todos. — Olhei diretamente pra ele. — A indiferença. Ou pelo menos, a tentativa de parecer indiferente. Eu comecei a agir como se você nunca tivesse existido. Como se o da minha infância, das madrugadas jogando videogame, dos segredos compartilhados, do beijo “por curiosidade”… tivesse simplesmente evaporado.
Meus olhos arderam, mas eu pisquei forte, me recusando a ceder às lágrimas.
— Mas a verdade é que você me deixou com perguntas demais. E nenhuma chance de resposta.
Ele continuava parado. Silencioso. Mas agora, visivelmente afetado. Seu peito subia e descia com mais intensidade, como se engolisse cada palavra que eu jogava no ar.
— Eu só queria que você tivesse dito qualquer coisa. Qualquer maldito “adeus”.
Soltei um riso fraco, sem humor, e dei um passo para trás, cruzando os braços com mais força.
— E o pior de tudo? É que, mesmo depois de todo esse tempo, eu não sei o que é mais difícil de engolir. O fato de você ter ido embora… ou o fato de que, agora que voltou, parece que ainda consegue me paralisar como se nada tivesse mudado.
A verdade estava ali. Crua. Sem filtros.
E agora, era ele quem precisava decidir o que fazer com ela.
🩹🩹🩹
’s POV:
Cada palavra que saiu da boca de foi uma lâmina fina, precisa, cortando partes de mim que eu passei anos fingindo que já tinham cicatrizado.
Mas não tinham.
Elas estavam ali. Todas. Intactas. Como se o tempo tivesse parado exatamente onde eu larguei tudo.
E ele…
Ele ainda me olhava como se estivesse tentando entender por que o melhor amigo dele virou um estranho da noite pro dia.
Eu quis dizer que não foi fácil. Que eu não planejei nada daquilo. Que eu também sofri. Mas nenhuma dessas frases parecia suficiente, ou justa. Porque o sofrimento dele era real. Eu via nos olhos dele. E ele tinha todo o direito de me odiar.
Respirei fundo, tentando achar uma forma de começar, e só consegui balbuciar:
— Me desculpa.
Minha voz saiu baixa, quase engasgada. Eu não sabia se ele acreditaria, mas não podia deixar aquilo preso mais uma vez.
— Me desculpa, . Por ter ido embora sem avisar, por não ter te dado nenhuma explicação, por ter… te deixado sozinho com tantas dúvidas.
Abaixei o olhar, incapaz de sustentar o dele por mais um segundo.
— A verdade é que eu fui covarde. Fui embora com medo. Medo do que eu estava sentindo… de mim mesmo. Medo de que aquele beijo não fosse só curiosidade.
Engoli em seco, e quando voltei a falar, a voz saiu mais trêmula, mas mais honesta do que nunca:
— Depois daquela noite, tudo dentro de mim entrou em conflito. Eu passei a me questionar o tempo todo, me olhar no espelho como se estivesse tentando descobrir quem eu era de verdade. E quanto mais tentava entender, mais assustado eu ficava. E… eu não soube lidar. Não tive coragem de falar com ninguém. Nem com você. Principalmente com você.
Levantei o olhar, forçando-me a encará-lo de novo.
— E eu sinto tanto por isso. Por ter ido embora quando você mais precisava de respostas. Quando eu mais precisava de você.
Dei um passo à frente, sentindo o coração pesado, mas aliviado por finalmente estar dizendo aquilo:
— Eu passei três anos tentando enterrar tudo o que aconteceu. Fingindo que podia seguir. Mas toda vez que eu pensava em me envolver com alguém — com qualquer pessoa — seu rosto aparecia primeiro. Seu riso. Seu jeito de me cutucar quando eu dizia alguma bobagem. O gosto do beijo. A dúvida. A culpa. O medo.
Fechei os olhos por um instante.
— Eu não sei o que você sente hoje. Nem se tem espaço pra mim em alguma parte da sua vida… mas eu precisava dizer. Que eu me arrependo. Que eu sinto. Que você não foi só um capítulo que eu deixei pra trás.
Abri os olhos, mais vulnerável do que estive em anos.
— Me perdoa, . Por ter sumido. E por nunca ter dito o quanto você sempre foi importante pra mim.
O silêncio dele foi ensurdecedor.
Eu conseguia ouvir apenas meu coração batendo forte demais, rápido demais, como se cada batida fosse uma sentença me lembrando de tudo o que eu causei. não dizia nada. Apenas me olhava. E aquilo doía mais do que qualquer palavra.
Por um instante, achei que ele fosse embora. Que fosse me deixar ali, com meu pedido de perdão suspenso no ar, sem resposta, como um reflexo do que eu fiz com ele anos atrás.
Mas então ele respirou fundo, e sua voz finalmente veio. Baixa. Dura. E carregada de algo que me cortou como faca:
— E a ?
Eu pisquei, confuso, mas ele não me deu tempo de perguntar o que queria dizer.
— Ela sempre foi apaixonada por você, .
As palavras dele me atingiram com força, mas ele seguiu, sem me dar chance de me esconder.
— E você simplesmente… sumiu. Não só da minha vida, mas da dela também. Sem uma explicação, sem uma palavra.
Engoli em seco, mas ele não parou.
— Você não faz ideia do quanto ela sofreu. Do quanto chorou, do quanto se culpou, do quanto esperou. E eu vi tudo. Eu estava lá. Porque o seu silêncio nos machucou, mas também nos aproximou.
Ele deu um passo à frente, o olhar firme no meu.
— Hoje ela é a minha melhor amiga. E eu sou o dela. E isso não foi só por afinidade, … foi por necessidade. A gente se segurou um no outro pra não desabar.
As palavras dele começaram a apertar meu peito de um jeito que eu não estava preparado.
— E o mais triste? — ele continuou, a voz embargando — É que, por mais que ela sofresse, por mais que ela estivesse em pedaços, nunca falou mal de você. Nunca te odiou.
Fechei os olhos, incapaz de suportar aquilo por mais tempo.
— Você nunca se importou, né? — ele sussurrou. — Nunca pensou no que deixava para trás.
Aquelas palavras não vinham de alguém com raiva. Vinham de alguém ferido. Alguém que cuidou dos estilhaços que eu deixei. Alguém que viu a dor da enquanto eu fingia que fugir era o suficiente.
E eu soube, naquele instante, que minha ausência não tinha destruído só uma coisa.
Ela tinha destruído duas.
Eu tentei ouvir. Tentei aguentar.
Mas chegou um ponto em que meu corpo reagiu antes de mim.
— Chega! — gritei, a voz ecoando pela varanda com mais raiva e dor do que eu queria deixar escapar. — Para!
Levei as mãos aos ouvidos, como se pudesse, de alguma forma, calar as vozes que estavam só dentro de mim. As dele. As minhas. As do passado inteiro gritando tudo ao mesmo tempo.
— Vocês também não sabem! — minha voz saiu embargada, ofegante. — Não fazem ideia de como foi pra mim!
me olhou, surpreso com a explosão, mas não disse nada. Talvez ele estivesse esperando por isso.
— Eu não sumi porque quis machucar ninguém! Eu sumi porque eu… — minha voz falhou, e eu abaixei as mãos, sentindo os dedos trêmulos. — Eu estava me despedaçando por dentro.
Fechei os olhos com força.
— Eu fui arrancado da minha casa, da minha vida, dos meus amigos, de vocês… de tudo o que me fazia sentido. Eu tive que lidar com uma nova cidade, uma nova escola, uma família que fingia que tava tudo bem quando não tava. E ainda tinha isso tudo aqui dentro de mim, essa confusão, esse peso de não saber quem eu era… ou do que eu gostava…
Abri os olhos, encarando com mais sinceridade do que jamais encarei qualquer um.
— Você acha que eu não pensei na ? Que não pensei em você? Eu pensava. O tempo todo. Mas pensar doía. Lembrar de vocês… doía demais. E era mais fácil fingir que esquecer era a única saída.
Respirei fundo, tentando acalmar o tremor na voz.
— Eu não sou a vítima aqui, eu sei disso. Mas, por favor… não finge que foi simples pra mim também. Porque eu tô tentando juntar meus cacos desde o dia que fui embora.
Fiquei ali, parado, vulnerável, sentindo o peso do mundo em cima dos ombros. Esperando que ele dissesse alguma coisa. Qualquer coisa.
Mas também com medo da única coisa que ele pudesse querer: ir embora de novo.
Como eu fui.
O silêncio que se instalou depois do meu desabafo era denso. Quase palpável. Eu me sentia exposto, esvaziado, como se tivesse virado pelo avesso diante dele. ainda não tinha dito nada, mas seus olhos… estavam cheios. Não de lágrimas, mas de tudo aquilo que ele ainda não sabia se queria dizer ou gritar.
Eu mal conseguia respirar direito.
E então, a porta da varanda se abriu com um rangido leve e a voz firme de cortou o ar entre nós como uma lâmina fina:
— Tá tudo bem aqui?
não gritou. Não brigou. Mas só o tom da sua voz fez nós dois endireitarmos a postura, como se fôssemos garotos pegos no flagra. olhou de um para o outro, os olhos indo de mim para , depois de volta para mim. O peso do que ele viu em nossos rostos era óbvio.
Ele fechou a porta atrás de si e se aproximou devagar, mantendo as mãos nos bolsos, tentando não tornar tudo ainda mais sufocante.
— Eu… senti a tensão daqui de dentro. E, bom… ninguém sentiu falta de vocês dois porque tá todo mundo ocupado dançando e rindo. Mas eu senti. E como eu conheço vocês há tempo demais, achei melhor vir ver.
se afastou um passo de mim, sem dizer nada, os ombros tensos. o olhou com atenção, depois voltou o olhar pra mim — e, por um segundo, parecia que ele enxergava tudo. Não só o que havia acontecido agora, mas o que a gente nunca teve coragem de contar a ninguém.
— Vocês não precisam resolver tudo hoje — ele disse, com calma. — Mas, talvez, não deixem tudo pra amanhã de novo.
As palavras dele foram simples. Mas acertaram direto.
passou a mão pelo rosto, virando de lado, como se precisasse de um segundo pra respirar. Eu apenas assenti, sem forças pra dizer nada.
deu um tapinha no ombro dele e outro no meu, tentando aliviar a tensão.
— Vão com calma. A festa ainda não acabou. Mas se vocês se quebrarem de novo… vai ter gente aqui pra ajudar a juntar os pedaços.
E então ele nos deixou ali, novamente no silêncio — mas agora um pouco menos carregado.
Porque alguém finalmente tinha acendido a luz no meio do caos.
🩹🩹🩹
’s POV:
A música havia mudado. Agora era uma balada mais lenta, quase melancólica, que contrastava com os risos e conversas leves das mesas ao redor. As luzes seguiam baixas, suaves, e eu tentava me distrair, conversando com uma amiga da faculdade que havia me apresentado há poucos minutos.
Mas era impossível estar ali por completo. Meu corpo estava na festa, mas minha mente… ela insistia em voltar para a varanda.
Para onde e tinham ido.
Eu tinha visto. Eu estava de costas, mas conhecia bem demais os dois para não perceber o silêncio que pairou quando se olharam, o desconforto que cresceu quando os passos os levaram para longe dali.
E desde então, meu peito estava apertado.
Como se algo estivesse prestes a acontecer. Ou a ruir.
Foi quando, ao virar o rosto na direção da entrada do salão, eu os vi.
e .
Juntos.
Voltando.
Havia uma distância respeitosa entre eles, mas eles caminhavam lado a lado — não como quem está reconciliado, mas como quem está tentando não quebrar o pouco que ainda resta.
Meu corpo reagiu antes mesmo da minha mente processar.
Levantei da cadeira em um impulso, quase tropeçando no salto, ignorando a chamada de atrás de mim. Corri em direção aos dois, com o coração disparado, o ar falhando nos pulmões.
E fui direto para .
— Você tá bem? — minha voz saiu afobada, um pouco mais alta do que eu gostaria, mas cheia da preocupação que me consumia.
Ele mal teve tempo de responder. Me envolvi em um abraço apertado, sentindo o alívio percorrer meu corpo como um choque morno. Apoiei meu rosto em seu ombro, só para ter certeza de que ele estava ali, inteiro. Que estava… comigo.
— Tá tudo bem, — ele sussurrou, a voz baixa, mas firme. — Eu tô aqui.
E foi só então, ainda com o rosto escondido no ombro do meu melhor amigo, que me permiti, de relance, olhar por cima do ombro dele… e encontrar os olhos de .
Ele estava parado, apenas observando.
E, pela primeira vez, eu vi.
Vi a dor. A culpa. O arrependimento.
Vi o garoto que foi embora, e que agora parecia não saber se ainda tinha o direito de voltar.
E eu não fazia ideia do que fazer com aquilo.
Ainda com os braços ao redor de , demorei alguns segundos para me afastar. Não queria soltar. Não queria deixá-lo sair do raio da minha proteção, mesmo que eu soubesse que era ele quem sempre me protegia.
Quando finalmente nos separamos, ele me olhou nos olhos — e ali, naquele olhar, eu soube. Algo tinha acontecido. Algo grande.
— O que foi? — perguntei baixo, ainda com as mãos em seus braços. — Você… vocês conversaram?
Ele assentiu lentamente, o semblante sério, mas mais leve do que antes.
— Foi difícil — respondeu, a voz mais baixa ainda. — Mas necessário.
Minhas sobrancelhas se juntaram em preocupação.
— Ele te machucou de novo?
— Não. — balançou a cabeça, rápido, como se a ideia o incomodasse. — Na verdade… foi o contrário. Ele… se abriu.
Meu coração bateu mais forte. Por um momento, me vi presa entre o alívio e a insegurança. A vontade de apoiar meu melhor amigo e, ao mesmo tempo, o peso do nome que ainda doía dentro de mim.
— Você tá mesmo bem? — insisti.
Ele respirou fundo e olhou rapidamente para o lado, onde ainda estava, quieto, olhando para o chão como se quisesse cavar um buraco e desaparecer.
— Eu tô. Não tô inteiro… mas tô melhor agora. Acho que… precisava ouvir o que ele tinha pra dizer, mesmo que tarde demais.
Abaixei os olhos por um momento, tentando conter a mistura de emoções que aquilo despertava em mim. Quando voltei a encará-lo, deixei escapar:
— E eu?
arqueou levemente uma sobrancelha, confuso.
— Eu também preciso ouvir o que ele tem pra dizer?
Ele me olhou por um segundo, e então deu um pequeno sorriso — triste, compreensivo, mas amigo até o último fio de cabelo.
— Isso só você pode responder, .
Eu assenti, sentindo um nó crescer na garganta.
E então, me virei devagar… e encontrei os olhos de mais uma vez.
Dessa vez, ele não desviou.
E eu soube que, mais cedo ou mais tarde, a nossa conversa também viria.
E que eu precisava estar pronta.
Capítulo Quatro
’s POV:
O restante da noite correu como um filme meio embaçado, desses que a gente assiste com o coração apertado e os olhos brilhando.
Depois da confusão dos reencontros e dos silêncios pesados, a festa aos poucos retomou seu ritmo. e , radiantes, circulavam entre as mesas, agradecendo a presença dos amigos e recebendo abraços, sorrisos, votos de felicidade.
ficou ao meu lado a maior parte do tempo. Ele era atento, gentil, e, mesmo sem perguntar nada, parecia saber que eu precisava da sua presença ali, silenciosa e firme. Às vezes, nossos olhares se encontravam e ele sorria de um jeito que me fazia lembrar do presente — do agora — e não do passado que insistia em rondar.
Em outros momentos, eu procurava pela festa. Quando nossos olhos se cruzavam, trocávamos pequenos gestos: um sorriso cansado, uma piscadela de incentivo, uma careta boba. Era reconfortante saber que, mesmo depois de tudo, nossa amizade seguia forte. Inabalável.
E então veio o momento mais esperado — o discurso dos noivos.
subiu ao pequeno palco improvisado, ajeitou o microfone com aquele sorriso nervoso de quem preferia mil vezes estar fazendo piadas, e chamou para ficar ao lado dele. Ela caminhou até ele rindo, já com lágrimas começando a brilhar nos olhos.
— Eu poderia escrever mil palavras — começou, a voz embargando logo nas primeiras frases — e nenhuma delas seria suficiente para explicar o quanto essa mulher mudou a minha vida.
Meus olhos se encheram na hora. Apertei a mão de que segurava a minha sob a mesa, como se assim pudesse segurar também as emoções que ameaçavam transbordar.
, entre risos e fungadas, disse poucas palavras, mas todas cheias de amor. Disse que a vida foi muito mais doce depois que ele apareceu, que nunca se sentiu tão apoiada, tão ela mesma, como ao lado dele.
Eu me emocionei mais do que esperava. Porque conhecia a história deles desde o começo — desde os tropeços, as brigas, os reencontros. Sabia o quanto aquele momento era merecido.
Entre os aplausos e os brindes que se seguiram, e me puxaram para um abraço apertado. Me vi entre os dois, rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Obrigada por estar aqui. — sussurrou no meu ouvido. — Eu não saberia celebrar isso sem você.
— Eu não saberia viver sem vocês. — respondi, a voz embargada.
Vi sorrir ao lado dela e fazer um carinho rápido na minha cabeça, daquele jeito protetor de sempre.
Voltei para a mesa com o peito cheio. me esperava de pé, e, sem dizer nada, me envolveu em seus braços. Não era um abraço possessivo. Era tranquilo, confortável. Como se ele quisesse me lembrar que eu podia ficar, que eu não precisava enfrentar tudo sozinha.
Eu sorri contra seu peito e, por um momento, permiti-me apenas sentir. Só a música, os risos ao redor, o calor das pessoas que eu amava.
passou por nós pouco depois, segurando duas taças de champanhe e me estendendo uma com um sorriso de canto.
— A noite é dos noivos… mas é nossa também, . A gente sobreviveu. — disse ele, piscando pra mim.
Eu ri, limpando discretamente o canto dos olhos antes de aceitar a taça.
— Sobrevivemos, melhor amigo.
E então brindamos, sob as luzes douradas do salão, como quem sabe que ainda há muita história pra viver — mesmo com cicatrizes.
No fundo da minha mente, eu sabia que ainda estava ali, em algum lugar, e que nossa história ainda não estava encerrada.
Mas, por aquela noite, eu queria apenas ser .
A melhor amiga da noiva.
A garota que amava demais.
A que ainda acreditava que, de algum jeito, a vida sempre arruma um jeito de seguir em frente.
🩹🩹🩹
A noite avançou devagar, embalada por música boa, gargalhadas soltas e a leve embriaguez que só a felicidade sincera proporciona. Aos poucos, os convidados começaram a se despedir. Abraços apertados, promessas de novos encontros, e agradecimentos se espalhavam pelo salão como um último sopro de alegria.
Eu ajudei com algumas últimas arrumações, rindo quando ela se atrapalhou tentando equilibrar os presentes enquanto recebia mais abraços de despedida. , paciente, ficou ao meu lado a maior parte do tempo, enquanto organizava o que precisava ser levado embora.
Quando tudo pareceu finalmente sob controle, se aproximou de mim com um sorriso cansado.
— Quer que eu te leve pra casa? — perguntou, a voz suave, os olhos cheios de carinho.
Olhei em volta, vendo a movimentação rarefazer, e depois olhei para o lado.
.
Ele estava parado próximo à saída lateral do salão, o olhar preso em mim, como se esperasse alguma decisão minha.
Respirei fundo. Eu sabia que esse momento chegaria. Que não poderia fugir para sempre.
Voltei meus olhos para e sorri, tentando passar a maior honestidade possível.
— Pode ir, Hee. Eu… preciso resolver umas coisas com o pessoal ainda. — minha voz saiu firme, mas meu estômago embrulhava.
Ele hesitou, como se quisesse insistir. Mas, ao ver a firmeza no meu olhar, apenas assentiu.
— Se precisar de mim… me chama, tá?
— Eu chamo. — prometi, segurando sua mão por um breve instante antes de soltá-la.
me deu um beijo carinhoso na testa e se afastou, parando para conversar rapidamente com e antes de sair.
O salão parecia maior agora. Mais vazio. Mais silencioso.
Vi se despedir de também, trocando um abraço apertado entre melhores amigos. Ele passou por mim logo depois, me lançando um último olhar de incentivo. Um olhar que dizia: vai ficar tudo bem.
Respirei fundo de novo.
E então, pela primeira vez em três anos, dei o primeiro passo.
Fui até .
Cada passo parecia pesar toneladas, mas também havia uma estranha leveza em finalmente enfrentar o que precisava ser enfrentado.
Quando parei diante dele, o mundo pareceu encolher até restar só nós dois.
Ele levantou o olhar, e havia algo diferente ali.
Não era arrogância, nem expectativa.
Era medo. Era saudade. Era arrependimento.
— … — ele começou, a voz baixa, rouca, como se o meu nome ainda doesse na garganta dele.
Eu apenas assenti, sem dizer nada.
Estava pronta para ouvir.
Ou, pelo menos, mais pronta do que jamais estive.
Ficamos ali, frente a frente, com o silêncio se esticando entre nós como uma linha fina e frágil, prestes a arrebentar.
parecia desconfortável, enfiava as mãos nos bolsos, tirava, passava a mão pelos cabelos, desviava o olhar e depois voltava para mim — como se não soubesse por onde começar, como se nenhuma palavra fosse suficiente.
E, de certa forma, eu entendia. Porque eu também não sabia.
Finalmente, ele respirou fundo, como quem cria coragem para mergulhar sem saber se vai flutuar ou afundar.
— Eu queria… — começou, a voz rouca, quase um sussurro — eu queria poder voltar no tempo. Fazer tudo diferente.
Eu não respondi. Só fiquei ali, imóvel, ouvindo.
— Quando eu fui embora… — ele continuou, o olhar preso ao chão — eu achei que estava protegendo você. Achei que, se eu desaparecesse, você ia me esquecer rápido. Ia seguir em frente. Que eu era o problema e que o melhor era eu sumir da sua vida.
Um sorriso amargo puxou o canto da minha boca, mas não disse nada.
Ainda não.
— Mas eu tava errado. — ele ergueu os olhos, e neles havia algo quebrado, exposto. — Eu te machuquei do pior jeito possível. Te abandonei.
Meu peito doía, mas não era raiva. Era algo mais profundo. Era o peso de tudo o que nunca foi dito.
— Você poderia ter me contado — falei, por fim, a voz baixa, tentando não deixar a emoção me trair. — Poderia ter confiado em mim.
Ele assentiu rapidamente, como se soubesse disso todos os dias desde então.
— Eu sei. Eu devia ter confiado. — a voz dele falhou no final, e ele passou a mão pelo rosto, como quem tenta afastar o arrependimento físico. — Mas eu era covarde. Tão covarde, . Não com você. Comigo mesmo. Eu tinha medo de não ser o que esperavam de mim. Medo de decepcionar todo mundo. Medo de olhar pra você e ver nos seus olhos que eu não era o cara que você merecia.
As palavras dele eram duras. E, ainda assim, eram honestas. Rasgadas.
Olhei para ele por um longo momento. Para o que não era mais o garoto que segurava minha mão quando atravessávamos a rua. Para o que não era mais o menino que ria comigo no quintal nas tardes preguiçosas.
Era um novo. Machucado. Mudado.
E eu também era uma diferente.
— Você me magoou muito. — minha voz saiu trêmula, mas firme. — Muito mais do que eu soube admitir por muito tempo.
Ele fechou os olhos por um segundo, como se cada palavra fosse um golpe merecido.
— Mas eu também não sou mais aquela menina que ficava esperando você voltar. — completei. — Eu cresci. Eu mudei. E agora… eu não sei se ainda existe um “nós” pra tentar resgatar.
As palavras pairaram no ar entre nós.
Ele abriu os olhos de novo e deu um passo pequeno, quase inseguro, como se pedisse permissão para se aproximar.
— Eu não tô aqui pra pedir nada. — a voz dele era um sussurro. — Só queria que você soubesse… que eu nunca te esqueci. Nem por um dia. E que, mesmo que não tenha mais espaço pra mim na sua vida, você sempre vai ter um espaço na minha.
Eu fechei os olhos por um momento, deixando o peso de tudo aquilo pousar em mim.
Quando os abri, encontrei o olhar dele — tão aberto, tão vulnerável.
E soube que, de alguma forma, mesmo que ainda doesse, alguma parte de mim queria ouvir mais.
Queria entender.
Queria, talvez, começar a curar.
🩹🩹🩹
’s POV:
Quando ela abriu os olhos e encontrou os meus, senti algo dentro de mim se partir e, ao mesmo tempo, se reconstruir.
.
Ela estava diferente. Mais forte. Mais fechada também. Mas ainda era ela — a garota que um dia segurou minha mão na tempestade, sem fazer perguntas, só ficando ao meu lado.
Eu soube naquele instante que não podia deixá-la ir sem, ao menos, tentar fazer as coisas da maneira certa dessa vez. Sem fugir.
Respirei fundo, tomando coragem.
— Você quer… — comecei, a voz saindo mais rouca do que eu queria — dar uma volta? A gente pode conversar melhor. Sei que aqui dentro é difícil.
Ela hesitou por um instante, olhando em volta. O salão já estava quase vazio, restavam só alguns funcionários ajeitando os últimos detalhes. Era como se a festa tivesse terminado, mas o verdadeiro desfecho da noite ainda estivesse pendurado entre nós dois.
Por fim, ela assentiu com um movimento breve de cabeça.
Tentei esconder o alívio que me atravessou inteiro.
Caminhamos lado a lado até a porta dos fundos do salão, saindo para uma pequena área externa, decorada com luzes baixas, árvores e bancos de jardim. O ar da noite era frio o suficiente para arrepiar a pele, mas, mesmo assim, era melhor do que o peso abafado do salão.
Eu mantinha uma distância respeitosa entre nós. Não queria pressioná-la. Não queria arruinar ainda mais o que já era frágil.
Enquanto caminhávamos lentamente, escutando apenas o som dos nossos passos no piso de pedras, minha mente corria.
Queria dizer tudo. Tudo de uma vez.
Queria pedir desculpas outra vez, queria contar dos dias em que acordei querendo mandar uma mensagem, ligar, aparecer na porta dela — e não tive coragem. Queria explicar que o vazio que eu carregava todos esses anos não era apenas culpa ou arrependimento — era falta dela.
Mas as palavras pesavam. Pesavam como o silêncio entre nós.
cruzava os braços de leve, como se também se protegesse de algo invisível.
Eu olhei para ela de relance, tentando memorizar aquele momento. O jeito como o cabelo dela balançava com a brisa. O brilho das luzes refletido em seus olhos.
E foi naquele instante, vendo-a ali, tão próxima e ainda tão distante, que uma certeza cresceu dentro de mim:
Eu não poderia desfazer o passado. Não poderia apagar as dores.
Mas podia, ao menos, ser honesto agora.
Totalmente honesto.
Era o mínimo que ela merecia.
Era o mínimo que eu devia a nós dois.
Caminhamos em silêncio até que paramos perto de um pequeno banco de madeira, iluminado apenas por algumas luzes penduradas nas árvores. O mundo parecia ter encolhido até restar apenas nós dois e o som baixo do vento passando entre as folhas.
Respirei fundo.
Era agora ou nunca.
— Quando eu fui embora… — comecei, com a voz baixa, olhando para o chão — não foi só por causa da escola nova, nem porque eu queria “estudar fora” como disseram pra vocês.
permaneceu em silêncio, mas seu corpo estava voltado para mim. Ela estava ouvindo. E isso já era mais do que eu merecia.
— Eu… — fechei os olhos por um instante, tentando achar coragem dentro de mim. — Eu tava perdido, . Perdido de um jeito que eu nem sabia explicar na época.
Abri os olhos e encontrei os dela, que brilhavam sob a luz suave.
— Depois do que aconteceu entre mim e o … . — minhas palavras tremiam, mas eu continuei — eu comecei a me questionar sobre tudo. Sobre quem eu era, sobre o que eu sentia, sobre o que era certo ou errado. E o medo…
O silêncio que se instalou depois da minha confissão era quase insuportável.
Ela continuava parada à minha frente, o rosto meio escondido pela sombra da árvore mais próxima, e eu sabia que precisava perguntar. Mesmo que a resposta doesse.
Respirei fundo, sentindo o peito apertar ainda mais.
— … — chamei, minha voz rouca. — Você… você sabe o que aconteceu entre mim e o ?
Ela ergueu os olhos para mim devagar, como se a pergunta não fosse surpresa, mas ainda assim pesada. Por um momento, vi seu maxilar endurecer, como se ela estivesse tentando controlar a própria reação.
Ela engoliu em seco antes de responder.
— Sei. — disse, sua voz firme, mas baixa. — O … depois que você foi embora, ele… — ela hesitou, buscando as palavras certas — ele ficou muito angustiado.
Olhou para o chão, depois voltou a me encarar.
— Depois de alguns dias, ele criou coragem e contou para mim, para o e para a .
Meu peito pareceu se fechar.
Então eles sabiam. Todo esse tempo. Eles sempre souberam.
mordeu o lábio inferior, como se ponderasse até onde deveria ir. Mas seus olhos… seus olhos diziam que ela não estava ali para jogar minha dor na minha cara.
— Ele contou que foi só um beijo. Que vocês dois… estavam confusos, que foi mais pela curiosidade, mas… — ela respirou fundo — que aquilo mexeu com ele. Mexeu de um jeito que ele não soube como lidar.
Pisquei rapidamente, tentando impedir a emoção de transbordar.
Ela deu um pequeno passo para mais perto, não o suficiente para me tocar, mas suficiente para que eu sentisse o calor da sua presença.
— A gente nunca te julgou, . — disse, com um peso dolorido na voz. — Nem eu. Nem o . Nem a .
Ela fechou os olhos por um instante, e quando os abriu de novo, havia lágrimas brilhando ali, presas, mas firmes.
— A gente só… — sua voz falhou brevemente — a gente só queria que você tivesse confiado na gente.
As palavras dela atravessaram minhas defesas como lâminas finas.
Eu desviei o olhar, encarando o chão por um momento, tentando controlar a torrente de sentimentos que me engolia por dentro.
— Eu tinha tanto medo, . — sussurrei, a voz embargando. — Medo de decepcionar vocês. Medo de… de ser rejeitado.
Ela não respondeu de imediato.
E talvez ela não precisasse.
Porque naquele instante, eu entendi:
A rejeição que eu tanto temi não veio deles.
Veio de mim mesmo.
🩹🩹🩹
’s POV:
Eu queria encontrar as palavras certas. Queria dizer algo que apagasse a dor dos três últimos anos, que costurasse o que ficou rasgado entre nós.
Mas como costurar o que foi rasgado tantas vezes, de formas tão invisíveis e profundas?
desviou o olhar, e eu vi seus ombros começarem a tremer levemente. Ele passou as costas da mão pelos olhos como se tentasse disfarçar, mas não conseguiu.
A primeira lágrima escorreu silenciosa pela bochecha dele.
Depois, outra.
E então ele desabou.
O som do choro dele era baixo, contido, como se ainda tentasse se proteger, mesmo agora, mesmo depois de se expor tanto.
Meu coração se quebrou ali.
Sem pensar, dei um passo à frente e envolvi seus ombros com meus braços. Puxei-o para mim, sentindo o corpo dele estremecer contra o meu.
Ele enterrou o rosto no meu ombro, e a cada soluço abafado, parecia que uma parte da culpa, do medo e da solidão dele se despedaçava entre nós.
Fechei os olhos e deixei minhas mãos percorrerem suas costas devagar, como quem tenta remendar algo frágil com a própria pele.
— Shh… — murmurei contra seus cabelos. — Tá tudo bem agora, . Eu tô aqui.
Eu não sabia se era uma promessa para ele ou para mim mesma.
Talvez para nós dois.
Senti minhas próprias lágrimas escaparem antes que eu pudesse impedir. Deslizaram-se quentes pelas minhas bochechas, misturando-se ao choro que ele ainda tentava conter.
Meus dedos apertaram a camisa dele com força, como se assim pudesse segurar o tempo e impedir que ele escorresse de novo entre meus dedos.
— Eu senti tanto a sua falta. — sussurrei, quase sem voz. — Tanto, . Você não faz ideia…
Ele se agarrou mais a mim, como se tivesse esperado por aquilo por anos. Como se, finalmente, tivesse encontrado um lugar onde pudesse desabar sem medo de ser julgado ou empurrado para longe.
Ficamos assim, abraçados, chorando juntos sob as luzes baixas do jardim. O resto do mundo desapareceu. Não havia festa, nem passado, nem futuro. Só havia a dor, o arrependimento… e a esperança tênue de que, talvez, ainda houvesse alguma coisa a ser reconstruída entre nós.
Alguma coisa que nem o tempo, nem os erros, nem a distância conseguiram apagar.
Porque, no fim, era ele.
E era eu.
E, de algum jeito torto e quebrado, ainda éramos nós.
🩹🩹🩹
’s POV:
Aos poucos, os soluços foram diminuindo.
O aperto desesperado dos braços dele em volta de mim cedeu espaço para um abraço mais calmo, mais leve — mas igualmente necessário. Como se ambos soubéssemos que, por mais que a dor estivesse ali, ela não precisava mais nos sufocar.
se afastou só o suficiente para me olhar nos olhos. Seus dedos ainda seguravam minhas mãos, como se tivesse medo que eu desaparecesse se ele soltasse.
Seus olhos estavam vermelhos, assim como os meus. Mas havia algo novo ali agora: uma vulnerabilidade honesta, sem máscaras.
— Eu não quero que você me perdoe só porque me viu quebrado. — ele disse, a voz rouca, quase um sussurro. — Eu não mereço o seu perdão fácil, .
Apertei suas mãos entre as minhas, sentindo o peso daquelas palavras.
— E eu não tô aqui… — ele continuou, respirando fundo — pra bagunçar ainda mais a sua vida. Eu sei que você tem alguém. Eu sei que sua vida seguiu.
Minha garganta apertou, mas eu o deixei terminar.
— Só queria… — ele baixou o olhar, como se tivesse medo da própria ousadia — só queria ter uma chance. Uma chance de ser, nem que seja, alguém em quem você possa confiar de novo.
Fechei os olhos por um segundo, sentindo o peso da escolha que pairava no ar entre nós.
Quando os abri, respirei fundo.
— … eu não sei o que vai acontecer com a gente. — falei, a voz embargada. — Eu também mudei. Eu também me quebrei.
Ele ergueu o olhar para mim, atento, sem ousar interromper.
— Mas eu sei que… — minhas palavras saíam trêmulas, mas verdadeiras — eu não quero que você vá embora de novo.
A luz suave das árvores dançava sobre nós. E por um instante, parecia que o tempo se curvava, nos dando uma nova chance.
— Então fica. — sussurrei. — Seja o que for, … só fica.
Um sorriso pequeno, tímido e tão genuíno iluminou o rosto dele. Um sorriso que eu achava ter perdido para sempre.
Ele se aproximou mais uma vez, devagar, respeitando cada centímetro, cada batida do meu coração. E, naquele instante, sem promessas, sem planos, sem garantias, eu soube:
Às vezes, recomeçar não é apagar o passado.
É aprender a existir apesar dele.
E, de algum modo, ainda acreditar no que poderia vir depois.
Juntos.
🩹🩹🩹
’s POV:
Ela disse para eu ficar.
E aquelas palavras, tão simples e tão carregadas de significado, pareciam se enraizar dentro de mim como algo que eu nunca tinha achado que mereceria de novo.
Por um momento, só ficamos ali, parados no meio do jardim iluminado por luzes tênues. Não havia mais lágrimas. Não havia mais desculpas ou acusações. Só o peso silencioso do que cada um de nós tinha enfrentado para chegar até aqui.
se aproximou um pouco mais, e eu, sem pensar, entrelacei nossos dedos.
Ela não recuou.
Ficamos assim, de mãos dadas, enquanto o vento leve balançava as folhas acima de nós. Era um silêncio diferente agora. Não o silêncio da mágoa ou da distância, mas aquele tipo de silêncio confortável que só existe entre pessoas que se conhecem de verdade — e que, de alguma maneira, sobreviveram uma à outra.
Eu não sabia o que seria do amanhã. Não sabia o que ela sentia por , o que sentiria por mim depois dessa noite. Mas, pela primeira vez em anos, não senti pânico diante do desconhecido.
Senti esperança.
Depois de alguns minutos ali fora, ouvimos o som de risadas distantes vindo do salão. Era o sinal claro de que os últimos convidados estavam se despedindo.
olhou para mim com um sorriso discreto, e eu entendi sem que ela precisasse dizer nada: era hora de voltarmos.
Seguimos juntos para dentro, ainda de mãos dadas, mas dessa vez de maneira natural, tranquila — como se nossos corpos já soubessem o caminho.
Quando entramos, e estavam reunidos perto da entrada principal, cercados por alguns poucos amigos que ainda restavam. foi a primeira a nos ver.
Ela sorriu largo, aquele sorriso que sempre a pertenceu.
— Até que enfim! — exclamou, vindo em nossa direção, arrastando junto.
soltou minha mão para abraçar , e eu fiquei alguns passos atrás, observando. Vê-la ali, tão vibrante, tão genuinamente feliz, fazia meu peito se aquecer.
Quando se afastou, me puxou para um abraço rápido e forte.
— Bem-vindo de volta, cara. — ele disse no meu ouvido, batendo de leve em minhas costas.
Engoli em seco, sentindo a sinceridade dele me atravessar. Assenti em silêncio, porque não havia palavras suficientes para agradecer por ainda ter um lugar ali.
puxou minha mão depois e a apertou.
— Só não some de novo, tá? — disse, com um sorriso misturado de alegria e uma pontada de ameaça brincalhona.
— Eu não vou. — prometi, com a voz firme.
Depois de mais abraços e despedidas apertadas, e foram acompanhar os últimos convidados até a saída, deixando nós dois sozinhos mais uma vez, bem na porta.
virou para mim, as mãos enfiadas nos bolsos do vestido como quem tentava esconder o nervosismo.
— Quer que eu te leve até o sua casa? — perguntei, num impulso tímido, a voz ainda meio rouca.
Ela sorriu, pequeno.
— Eu adoraria.
E naquele sorriso, naquela resposta simples, eu entendi:
Nós ainda tínhamos muito a enfrentar.
Muito a dizer, a descobrir, a consertar.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, nós tínhamos a chance.
E, dessa vez, eu não pretendia desperdiçá-la.
Nota da autora: Oi chuchus! E aí? O que acharam do acerto de contas do com a ? Já temos shipps? Não deixem de me dizer! Beijão!
CAPÍTULO CINCO:
’s POV:
Nós caminhávamos lado a lado, eu mantive minhas mãos nos bolsos enquanto mantinha as suas sempre a frente do corpo, as mão entrelaçadas uma na outra. Meu coração batia descompassado dentro do peito ainda, como se meu corpo e meu cérebro ainda estivesse processando todo o turbilhão de emoções que eu havia sentido.
Eu não conseguia parar de sorrir. Não um sorriso aberto, mostrando os dentes e enchendo o rosto, mas aquele sorriso leve, sem mostrar os dentes, que fica contido no canto dos lábios. O tipo de sorriso que vem quando o coração finalmente respira depois de muito tempo preso.
Suncheon ainda era como eu me lembrava, as ruas largas e limpas, com árvores plantadas de forma quase meticulosa ao longo das calçadas. O cheiro leve de terra úmida misturado com o perfume das flores que sempre pareciam estar em algum canto — nos pequenos jardins das casas, nas floreiras penduradas nos postes, ou nas praças que se espalhavam pela cidade como esconderijos de sossego.
Os prédios baixos davam espaço para o céu, que parecia maior aqui do que em qualquer outro lugar por onde passei nesses últimos anos. As pessoas andavam devagar, como se o tempo em Suncheon tivesse um ritmo próprio, diferente do resto do mundo.
Era o tipo de cidade onde as lojas de esquina ainda fechavam cedo e onde o dono do mercadinho conhecia boa parte dos moradores pelo nome. Onde os vizinhos se cumprimentavam com um aceno de cabeça mesmo que não se falassem todos os dias. Onde voltar para casa a pé à noite não era motivo de preocupação, mas quase um ritual diário.
Ao longe, dava pra ver as luzes suaves das cafeterias ainda abertas, com seus letreiros em néon piscando de forma preguiçosa. O som distante de risadas e passos preenchia o ar, misturado ao barulho discreto de carros passando pelas avenidas principais.
E, no meio de tudo aquilo, estava . Caminhando ao meu lado como se o tempo não tivesse passado… mas, ao mesmo tempo, como se ele tivesse passado demais.
Por um instante, tudo pareceu exatamente igual.
E, ao mesmo tempo… absolutamente diferente.
— Achei que você já estivesse morando sozinha…Sempre te achei tão independente, tão cheia de atitude. De todos nós, eu sempre achei que você fosse ser exatamente a que fosse se casar primeiro, sair logo da casa dos pais. Me lembro da sua agonia para sair logo de casa, porque seus pais, assim como os meus, te prendiam bastante.
Comentei, quebrando o silêncio entre nós dois. Eu queria tentar começar a, quem sabe, recuperar um pouco do tempo perdido. Então precisava falar, conversar, perguntar…
soltou um sorriso nostálgico com a minha observação. Olhei de relance para ela, e o sorriso nos meus lábios acabou alargando um pouco mais.
— Os meus pais acabaram amolecendo com o tempo, e hoje minha mãe tem Alzheimer.
Um golpe. Parecia que eu tinha levado um soco no estômago. Ou um tapa bem forte na cara. Minhas pernas travaram e eu simplesmente não conseguia mais andar. Parei. Estático, imóvel, encarando o nada.
parou também e se virou para me encarar.
O mundo pareceu girar uma fração mais lento.
Alzheimer.
A palavra ecoava na minha cabeça como um zumbido incômodo, difícil de aceitar, difícil de acreditar.
Minha mãe… a mãe dela… As nossas mães sempre foram tão parecidas. Protetoras, rígidas, exageradas às vezes… mas sempre presentes. Sempre inteiras.
E agora…
percebeu minha reação antes mesmo que eu pudesse tentar disfarçar. Quando me virei um pouco para ela, vi o jeito como seus olhos suavizaram.
— … — ela disse baixo, com uma voz tão doce, tão paciente, que parecia capaz de costurar o buraco que se abriu dentro de mim. — Eu tô bem. A gente tá levando um dia de cada vez.
Ela se aproximou um passo, hesitante, mas firme, como sempre foi.
— Não queria te deixar assim. Só achei… — ela suspirou — que você merecia saber.
Engoli em seco, sentindo aquele nó gigante subir pela minha garganta.
— Quando? — consegui perguntar, com a voz falha. — Quando ela… quando vocês descobriram?
apertou os lábios por um instante, como se também estivesse segurando as próprias emoções.
— Um pouco mais de um ano depois que você foi embora. No começo foram só esquecimentos bobos… depois vieram as confusões, os episódios de desorientação… até que veio o diagnóstico.
Ela deu um sorriso pequeno, sem humor.
— Foi um período difícil… pra caramba. Mas… a gente se adaptou.
Passei as mãos no rosto, tentando afastar a angústia que começou a me consumir por dentro.
— Eu devia ter estado aqui… — sussurrei. — Eu devia…
— … — ela me interrompeu, e quando ergui os olhos, encontrei o olhar dela preso ao meu. — Não vamos fazer isso agora, tá?
A firmeza na voz dela não deixava espaço pra discussão.
— Tem muita coisa pra gente colocar em ordem… muita conversa ainda pela frente. Mas hoje… hoje só aceita que você tá de volta.
Ela sorriu, um sorriso que parecia mais maduro, mais calejado, mas ainda assim… o sorriso dela.
E, por mais que tudo dentro de mim gritasse culpa, só consegui assentir em silêncio.
Continuei a caminhar ao lado dela… como se, de algum modo, aquele fosse o primeiro passo de muitos que ainda precisávamos dar.
Juntos.
Mesmo que com feridas abertas. Mesmo que com o tempo machucando as pontas de tudo.
Mas, juntos.
🩹🩹🩹
’s POV:
A caminhada até a casa dela foi mais silenciosa do que eu esperava. Não um silêncio desconfortável… mas um daqueles silêncios cheios. Cheio de pensamentos, de coisas não ditas, de lembranças que se amontoavam no peito como um filme antigo sendo rebobinado.
Quando viramos a última esquina da rua, meu peito apertou de um jeito que eu não sabia explicar.
A rua estava mais iluminada do que eu me lembrava. Os postes tinham sido trocados, algumas calçadas estavam repavimentadas… mas o cenário ainda era o mesmo de sempre.
E foi impossível não olhar para o outro lado da rua…
Minha antiga casa.
Por um segundo, meus passos diminuíram. Meus olhos correram pelo terreno onde cresci, onde tantas das minhas memórias com ela, com o , com o , com a … aconteceram.
A fachada estava completamente diferente agora. A pintura, as janelas, até o muro… tudo tinha mudado. O portão novo, o jardim refeito… não havia mais nenhum sinal da casa que eu conhecia de olhos fechados.
Engoli em seco.
Era estranho. Como se o lugar onde parte da minha história começou tivesse sido apagado, substituído por outra coisa. Uma casa nova, com outra família, com outras histórias.
Fiquei parado alguns segundos ali, só encarando. As lembranças vieram com força: eu e correndo por aquele quintal, jogando pedras para acertar latas empilhadas, o som da minha mãe chamando do portão, as conversas que eu e tínhamos sentados na calçada durante o entardecer…
Tudo ali. Mas… ao mesmo tempo, tudo já tinha ido embora.
— Mudou, né? — ouvi a voz da , baixa, ao meu lado.
Assenti, ainda com o olhar preso na fachada que agora não me pertencia mais.
— É como olhar pra uma cicatriz que já fechou, mas ainda dói de vez em quando. — murmurei, sem nem pensar muito antes de dizer.
Ela soltou um suspiro curto, mas não respondeu.
Segui caminhando ao lado dela, até pararmos em frente à casa dela.
E aí… o choque foi outro.
Porque a casa da … continuava exatamente igual.
A pintura meio desbotada pelo tempo, os vasos de plantas ainda espalhados pela varanda, as cortinas com os mesmos desenhos florais por trás das janelas. Até a plaquinha com o número torto, pendurada de forma improvisada na parede, continuava lá.
Uma onda quente e estranha tomou conta de mim. Um misto de saudade e… de alívio.
Pelo menos ali… ainda havia algo que o tempo não tinha destruído.
— A minha ficou parada no tempo… — ela disse, abrindo o portão com aquele mesmo rangido antigo que eu conhecia tão bem. — Mas… de um jeito bom, sabe?
Assenti de novo, com um sorriso pequeno nos lábios.
— De um jeito bom. — repeti, quase como um sussurro.
Ela virou o rosto para mim, como se ponderasse se dizia mais alguma coisa… mas acabou apenas sorrindo, aquele sorriso discreto que sempre teve o poder de me desmontar por dentro.
— Bom… é melhor eu entrar. — disse, parando na porta. — Obrigada por me acompanhar.
Eu balancei a cabeça, meio sem saber o que fazer com as mãos.
— Eu que agradeço… por… tudo.
Ela me lançou um último olhar. E então, entrou.
Fiquei parado ali, na calçada, por alguns segundos. Só observando a porta da frente. Sentindo o peso da noite… e de tudo que ainda precisava ser dito.
Mas, pela primeira vez em muito tempo…
Eu não queria fugir.
Eu queria ficar.
E descobrir, devagar… como reconstruir o que o tempo e eu mesmo tinha deixado para trás.
🩹🩹🩹
’s POV:
“Quando você chegar em casa, pode me ligar?”
A mensagem de estava lá na tela e eu tremia levemente as mãos. Me sentei na beirada da cama e então respirei fundo.
A minha mente girava, girava, e girava outra vez. … .
O passo e o presente.
E o futuro? O que eu faria com o futuro?
Liguei então para o meu namorado. Dois toques e ele atendeu, a voz cansada e sonolenta do outro lado.
“Já cheguei em casa, viu?”
suspirou baixinho do outro lado e eu fechei os olhos com força.
“Quem levou você? e ? O foi embora praticamente junto comigo.”
Foi a minha vez de suspirar e abrir os olhos, encarando a porta fechada do meu quarto.
“O me trouxe em casa. Nós tivemos uma longa conversa.”
“E como foi essa conversa? Como você está se sentindo meu bem?”
O tom suave da voz dele fez com que eu fechasse os olhos de novo.
Por um instante, me odiei por não conseguir controlar o aperto no peito. Por sentir tanta culpa só de ouvir a preocupação dele… e, ao mesmo tempo, por sentir outra coisa completamente diferente cada vez que pensava no .
Respirei fundo, tentando escolher as palavras com cuidado.
“Eu tô…” — comecei, mas logo me corrigi — “Confusa. Muito confusa.”
Do outro lado da linha, permaneceu em silêncio por alguns segundos. Não aquele silêncio desconfortável… mas um silêncio atento. Como se estivesse me dando espaço para continuar.
“A conversa foi difícil.” — admiti, encarando o próprio reflexo no espelho da penteadeira. — “A gente falou sobre coisas que ficaram guardadas por muito tempo… sobre a partida dele, sobre… sentimentos. Sobre tudo.”
“E você…” — a voz dele veio baixa, hesitante — “…você ainda gosta dele?”
Meu coração falhou uma batida.
O nó na garganta cresceu, e por um segundo, pensei em mentir. Em dizer que não. Que tudo aquilo era só confusão momentânea. Que eu estava bem. Que ele não tinha com o que se preocupar.
Mas eu já tinha feito isso vezes demais. Comigo mesma, principalmente.
“Eu…” — a voz falhou. Respirei fundo, os olhos se enchendo de lágrimas que não deixei cair. — “Eu não sei, .”
O silêncio dele dessa vez foi mais longo. E eu soube que aquilo machucava. Doía em mim também.
“Tudo bem.” — ele disse, por fim, com uma calma forçada, mas com ternura genuína. — “Eu só quero que você seja honesta comigo. Mesmo que a resposta doa.”
Fechei os olhos, sentindo as lágrimas finalmente escaparem.
“Eu prometo que vou ser.”
Do outro lado, ouvi sua respiração lenta.
“Eu te amo, .” — ele disse. — “E, aconteça o que acontecer, eu quero que você saiba disso.”
Minha garganta fechou ainda mais.
“Eu também te amo, …” — sussurrei. E naquele momento, por mais contraditório que fosse… era verdade.
Desliguei a chamada logo depois, abraçando o travesseiro com força, enquanto meu coração batia em um ritmo desigual… dividido entre o que eu tinha, o que eu sentia… e o que ainda não conseguia entender.
O futuro parecia um campo minado.
E eu estava bem no meio dele.
🩹🩹🩹
’s POV:
Acordei com o rosto amassado e os olhos ardendo, como se a noite tivesse passado por cima de mim como um caminhão desgovernado.
O travesseiro ainda estava úmido de tanto chorar. E mesmo com o quarto mergulhado na penumbra da manhã nublada, eu sabia que o dia lá fora já tinha começado. A cidade já estava acordada, os carros passando pela rua, as pessoas seguindo suas rotinas… enquanto eu continuava presa no meio daquele turbilhão.
Passei a mão pelo rosto, sentindo o inchaço ao redor dos olhos. Me sentei na cama devagar, tentando organizar os próprios pensamentos, mas era como se cada tentativa de raciocínio batesse numa parede.
Me levantei, tropeçando nas cobertas caídas no chão, e fui direto até o banheiro. Quando encarei meu reflexo no espelho, soltei um suspiro longo.
— Ótimo… — murmurei para mim mesma, ao ver as olheiras marcadas, os fios de cabelo bagunçados e o olhar… tão perdido.
Lavei o rosto com água gelada, na esperança de acordar o resto do corpo junto com a mente. Mas a verdade é que não era cansaço físico.
Era emocional.
Minha cabeça rodava entre lembranças da noite anterior, as palavras do ecoando, o som da voz de dizendo que me amava… e o silêncio que veio depois.
Me sentei no chão frio do banheiro, abraçando os joelhos junto ao peito.
Por um segundo, pensei em pegar o celular e mandar uma mensagem para alguém… talvez pra … talvez pro . Mas desisti antes mesmo de desbloquear a tela. Eu precisava de uns minutos só… comigo.
Fechei os olhos, respirando fundo.
Tentando lembrar como se fazia pra colocar o coração no lugar.
E por mais que a resposta não viesse, uma coisa eu sabia:
Esse era só o começo de um nó muito maior que eu ainda teria que aprender a desfazer.
🩹🩹🩹
’s POV:
O som da notificação me fez abrir os olhos de repente. Ainda estava sentada no chão do banheiro, com o queixo apoiado nos joelhos, quando me levantei e fui até o quarto, alcançando o celular.
O nome dele apareceu iluminado na tela.
.
Suspirei, já sentindo um sorriso pequeno ameaçar surgir, só pelo simples fato de saber que era ele. Arrastei o dedo para desbloquear.
“Se você estiver deitada chorando, com cara de zumbi, achando que o mundo vai acabar… desce. Tô aqui na frente da sua casa. Trouxe café e bolinhos de arroz.”
Meu coração deu um salto involuntário.
Revirei os olhos, mesmo sorrindo.
Era tão típico dele.
Me levantei do chão com dificuldade, peguei um casaco qualquer que estava jogado na cadeira e desci as escadas com os pés ainda descalços.
Quando abri o portão, lá estava ele.
Encostado no capô do carro do meu pai, que sempre ficava de fora, com uma sacola de confeitaria numa mão e dois copos de café na outra. Usava um moletom enorme, o cabelo bagunçado e aquele sorriso preguiçoso de sempre.
— Adivinhei? — ele perguntou, erguendo um dos cafés como quem oferece a solução de todos os meus problemas.
— Adivinhou. — respondi, com a voz ainda rouca da noite anterior.
Ele me entregou o copo, me estudando por alguns segundos com aqueles olhos atentos.
— Nossa… você tá péssima. — disse com um tom debochado, mas cheio de carinho.
Soltei uma risada fraca, mas verdadeira.
— Obrigada, como sempre, pelo elogio.
Ele sorriu mais largo e me entregou a sacola com os bolinhos.
— Senta ali comigo. — apontou com o queixo para o degrau da entrada. — A gente pode comer e você pode… sei lá… respirar.
Assenti, já sabendo que eu precisava exatamente disso.
Dele.
Do jeito despretensioso como ele sempre conseguia fazer o mundo parecer menos pesado.
E, pela primeira vez naquela manhã, me permiti acreditar que talvez… um pedaço de mim ainda soubesse como seguir em frente.
Mesmo que ainda fosse um passo de cada vez.
Nos sentamos lado a lado no degrau da entrada, como tantas outras vezes ao longo da vida. O chão estava um pouco frio, mas o calor do café entre minhas mãos ajudava a disfarçar.
abriu a sacola com os bolinhos e empurrou um na minha direção, como se me alimentar fosse parte do processo de cura.
— Vai, come. Senão daqui a pouco você desmaia de estômago vazio e eu vou ter que carregar você até o sofá.
Soltei um riso fraco, mordendo o lábio antes de pegar um.
— Obrigada… por estar aqui.
Ele só deu de ombros, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Por alguns segundos, ficamos em silêncio. O tipo de silêncio que sempre existiu entre nós quando as palavras ainda estavam se organizando na garganta.
— Quer me contar o que aconteceu? — ele perguntou, por fim, com a voz baixa, sem forçar, mas deixando claro que estava ali para ouvir.
Suspirei fundo. Olhei para o céu, como se pudesse encontrar alguma resposta lá em cima.
— Eu… — comecei, mas a voz falhou. Respirei fundo de novo. — Eu falei com ele. Com o . A gente teve uma conversa longa… pesada. E… ele se abriu comigo. De um jeito que ele nunca tinha feito antes.
continuava me olhando em silêncio, apenas me ouvindo.
— Ele falou sobre os motivos… sobre o medo… sobre… você.
Senti o corpo dele enrijecer um pouco ao meu lado, mas ele não disse nada. Apenas baixou o olhar para o café nas próprias mãos.
— E? — ele perguntou, num sussurro, quase como se estivesse com medo da resposta.
Apertei os olhos com força antes de responder.
— E eu… não sei o que fazer com tudo isso, . Eu tô com raiva, tô magoada, mas… também tô com saudade. Saudade de uma parte de mim que ficou presa lá atrás, com ele.
Ele assentiu devagar, mexendo distraidamente a tampa do copo de café com o dedo.
— E o ? — a pergunta veio baixa, cuidadosa.
Meu peito apertou de novo.
— Eu amo o . — admiti, com a voz falha. — Ele é tudo o que alguém poderia querer… carinhoso, atencioso, leve… Ele é… seguro. Mas…
— Mas não é o . — completou por mim, sem julgamento, apenas constatando o óbvio.
As lágrimas voltaram a arder nos meus olhos, e eu as limpei com as costas da mão.
— Não é isso… não exatamente. Não quero machucar o . Nem você. Nem ninguém. Eu só… só queria entender o que eu sinto antes de machucar qualquer um de vocês.
soltou um suspiro profundo, e então passou o braço pelos meus ombros, puxando-me pra perto num abraço de lado.
— A gente vai dar um jeito, . Como sempre. Passo por passo. Do jeito que a gente sabe fazer.
Me permiti encostar a cabeça no ombro dele, respirando fundo e me deixando ficar ali por um instante.
Com ele.
Com meu porto seguro.
E, por mais caótico que tudo ainda estivesse… Ter o ali… Fez tudo parecer um pouquinho menos assustador.
🩹🩹🩹
’s POV:
Ficamos em silêncio por mais alguns minutos, só ouvindo o som distante dos carros passando na rua e o vento balançando as árvores do outro lado da calçada.
, do jeito que só ele sabia fazer, foi o primeiro a quebrar o clima pesado.
— Sabe… — ele começou, com um tom de falsa seriedade —… você sempre teve um talento especial pra viver em triângulos emocionais, né?
Virei o rosto pra encará-lo, arregalando os olhos.
— Que?! — soltei, indignada, mesmo sabendo que ele estava apenas provocando.
Ele deu um sorriso torto, aquele que sempre usava quando queria me tirar do sério só pra me fazer rir depois.
— Triângulo, . Você, o garoto problemático que some e volta cheio de traumas… e o namorado perfeito que merece ser protegido a qualquer custo. — Ele balançou o café na mão, como se brindasse à própria teoria. — Parece até roteiro de filme de domingo.
Não consegui evitar uma risada curta, ainda com os olhos marejados.
— Idiota. — resmunguei, empurrando o ombro dele de leve.
Ele riu também, satisfeito por ter conseguido me fazer sorrir. Mas, antes que eu pudesse retrucar com alguma resposta mais afiada… o celular vibrou de novo nas minhas mãos.
Olhei para a tela.
.
Meu coração afundou no peito de imediato.
Respirei fundo antes de abrir a mensagem.
“Bom dia, meu bem. Passei a noite pensando em você. Espero que tenha dormido bem. Sei que seu coração deve estar uma bagunça agora… mas eu tô aqui. No tempo que você precisar. No espaço que você quiser. Só queria que você soubesse disso.”
Minhas mãos tremiam um pouco enquanto eu segurava o celular.
O peso da bondade dele… da paciência dele…
Era quase tão sufocante quanto tudo o resto.
percebeu a mudança na minha expressão e inclinou a cabeça, curioso.
— ? — perguntou, sem precisar de confirmação.
Assenti, fechando a tela do celular devagar, como se aquilo fosse me dar mais tempo pra respirar.
— Ele merece mais do que isso, . Mais do que uma namorada confusa que não sabe onde tá pisando.
apenas suspirou, passando a mão pelos cabelos.
— Você merece ter tempo pra entender o que sente, . E ele… bom, o é inteligente. Ele sabe disso também.
Permaneci ali, abraçada ao café, com a cabeça encostada de novo no ombro do meu melhor amigo. Sentindo o coração latejar entre a culpa, o carinho e um medo absurdo de machucar quem eu mais amava… de novo.
E ali, no meio daquela manhã nublada, com o vento frio passando pela minha pele…
Tudo o que eu queria…
Era um jeito de sair dessa…
Sem quebrar ninguém no processo.
Nem eles. Nem eu.
🩹🩹🩹
’s POV:
Eu sabia que ela estava remoendo alguma coisa. O jeito como mexia o café com o canudo de papel, como mordia o lábio, como batucava os dedos de leve no próprio joelho… Era o mesmo padrão de sempre: inquieta quando queria perguntar algo, mas não sabia como.
Então, quando ela finalmente quebrou o silêncio, eu já esperava.
— E você? — ela perguntou de repente, a voz baixa, mas carregada de intenção. — Como foi… vê-lo de novo?
Fingi um sorriso, tentando aliviar o peso da pergunta.
— Ah… tranquilo. Bem casual, sabe? Tipo esbarrar num conhecido no mercado. — respondi com um sarcasmo leve, levando o café à boca.
Ela arqueou uma sobrancelha, claramente não comprando a piada.
— Tô falando sério, . — insistiu, me olhando de um jeito que só ela sabia fazer. Aquele olhar que me desmontava.
Soltei um suspiro longo, largando o copo no degrau ao lado.
— Eu não sei, . — admiti, encarando um ponto qualquer do chão. — Foi estranho. Foi… pesado. Quando eu vi ele, foi como… sei lá… como se um arquivo que eu passei três anos tentando arquivar na pasta “assuntos não resolvidos” tivesse caído de volta na minha mesa.
Ela ficou quieta, só me ouvindo.
— Ver ele depois de tudo… depois do que a gente viveu… depois de como ele sumiu… — dei de ombros, soltando uma risada seca — Não vou mentir: foi como levar um soco no estômago.
— E os sentimentos? — ela perguntou, com aquele cuidado de quem sabe que tá cutucando uma ferida. — Você ainda… gosta dele?
Engoli em seco.
Por alguns segundos, pensei em fugir da resposta. Brincar, fazer piada, mudar de assunto.
Mas… a essa altura, depois de tudo o que a gente dividiu, eu não tinha mais espaço pra isso.
— Eu não sei. — falei, encarando minhas próprias mãos. — Acho que… uma parte de mim sempre vai sentir alguma coisa por ele. Porque ele foi o primeiro. O primeiro cara que me fez questionar tudo. O primeiro que mexeu comigo de um jeito que eu não sabia nem nomear.
Levantei o olhar devagar, encontrando o dela.
— Mas ao mesmo tempo… tem uma parte de mim que nunca vai esquecer o quanto ele me machucou. O quanto ele deixou a gente pra trás. O quanto eu precisei fingir que tava tudo bem… por mim, por você… por todo mundo.
Ela piscou algumas vezes, os olhos marejando de novo, como se minhas palavras também trouxessem de volta as dores dela.
— Então eu não sei te dizer se é amor, mágoa… ou só o resto de uma história mal contada.
Dei um sorriso fraco.
— Mas, sinceramente? Hoje… acho que gosto mais de mim mesmo do que gosto dele. E isso já é um baita progresso.
sorriu de leve, ainda com os olhos brilhando, e encostou a cabeça de novo no meu ombro.
E naquele instante, mesmo com todo o caos, com toda a confusão… eu soube que, pelo menos com ela…
Eu ainda tava exatamente onde devia estar.
🩹🩹🩹
’s POV:
Ela permaneceu com a cabeça encostada no meu ombro por mais alguns segundos. O silêncio entre a gente não era pesado dessa vez. Era quase confortável. Como se cada um de nós precisasse desse momento pra organizar os próprios pensamentos.
Então, de repente, ela respirou fundo e ergueu o rosto, me olhando com aquele jeito que só ela tinha quando queria ser sincera até o osso.
— Obrigada. — disse, com a voz baixa, mas firme.
Franzi o cenho, confuso.
— Pelo quê?
Ela deu um sorriso pequeno, meio triste, mas cheio de verdade.
— Por ter sido tão honesto comigo. Por não tentar esconder o que sente. Por… confiar em mim o bastante pra dizer tudo isso.
Suspirei, passando a mão pelos cabelos de forma nervosa.
— Você é minha melhor amiga, . Sempre foi. Eu não sei fazer joguinho com você. Nunca soube.
Ela riu baixinho, com aquele riso abafado, de quem ainda estava se recompondo.
— E você é o meu porto seguro, . Mesmo quando a minha cabeça tá um caos completo… saber que eu posso contar com você… me salva.
Ela sorriu mais largo dessa vez e, num gesto rápido, me puxou para um abraço apertado, daqueles que quase esmagam as costelas, mas que eu nunca recusaria vindo dela.
Ficamos assim por um tempo. Só abraçados. Como duas pessoas tentando sobreviver ao próprio emocional bagunçado, mas que, de alguma forma, sempre sabiam encontrar abrigo uma na outra.
Quando nos separamos, ela respirou fundo e me olhou com um brilho novo nos olhos.
— Vamos entrar? — perguntou. — Prometo que tem café fresco lá dentro… e talvez… algum resto de bolo da minha mãe.
Dei um sorriso torto, levantando do degrau junto com ela.
— Sabe como me convencer… — respondi, já seguindo ela até a porta.
E, por mais que o mundo estivesse de cabeça pra baixo… naquele momento, eu soube que ficar ao lado dela era o único lugar onde eu precisava estar.
Por enquanto.
🩹🩹🩹
’s POV:
Já era quase hora do almoço quando finalmente resolvi sair da casa da . O céu começava a abrir, depois de uma manhã inteira nublada, e a temperatura tinha subido alguns graus — o suficiente pra me fazer tirar o moletom enquanto caminhava de volta pro meu prédio.
Estava com a cabeça cheia, claro. Pensando nela, em tudo que conversamos, e inevitavelmente… nele também.
Suspirei, enfiando as mãos nos bolsos da calça, querendo acreditar que um banho e uma refeição decente iam ajudar a colocar as ideias no lugar.
Mas foi só dobrar a esquina da minha rua… que a vida decidiu me pregar mais uma peça.
Lá estava ele.
.
Parado bem na porta do meu prédio, conversando com um homem de terno claro e uma prancheta debaixo do braço — provavelmente algum morador ou… sei lá. Não dei muita atenção ao cara. Meus olhos estavam presos nele.
Vi quando os dois apertaram as mãos como numa despedida rápida e o tal homem foi embora em direção ao carro estacionado logo adiante.
ficou ali, sozinho, olhando pro celular como se estivesse perdido nas próprias notificações.
Meu corpo travou por um segundo. Mas, antes que eu pudesse pensar melhor, minha boca já estava se mexendo.
— O que você tá fazendo aqui?
A pergunta saiu mais ríspida do que eu queria. Mas, honestamente? Não dava pra exigir muito controle emocional de mim naquele momento.
Ele levantou os olhos devagar, visivelmente surpreso em me ver ali.
— … — murmurou, ajeitando a postura, como se fosse pego no flagra. — Eu… não sabia que você morava aqui.
Franzi o cenho, cruzando os braços no mesmo instante.
— Como assim não sabia? Tá na porta do meu prédio.
respirou fundo, visivelmente nervoso, mas tentando manter a compostura.
— Eu vim ver um apartamento com o corretor. — respondeu, apontando de leve com o queixo na direção por onde o homem tinha acabado de sair. — Eu tô procurando um lugar pra morar.
A maneira como ele disse aquilo… tão na defensiva, quase como se já esperasse que eu fosse atacá-lo… me fez baixar um pouco a guarda.
Mas só um pouco.
— Você… tá querendo se mudar pra cá? — perguntei, ainda processando a ideia.
Ele encolheu os ombros, como se não quisesse se comprometer.
— Eu tô… avaliando. Nada certo ainda. — disse, empurrando as mãos pros bolsos da calça, o olhar inquieto, os ombros tensos.
Ficamos nos encarando por alguns segundos. Nem um de nós parecia saber muito bem o que dizer a seguir.
Mas uma coisa era certa… o universo definitivamente não estava planejando me dar um segundo de paz.
E, agora… ele poderia acabar sendo meu vizinho.
Como se o passado estivesse decidido a se mudar de mala e cuia…
Bem pra frente da minha porta.
O silêncio entre nós ficou pesado, estagnado ali na calçada como uma terceira pessoa assistindo tudo de camarote.
foi o primeiro a quebrá-lo. Claro que foi.
— Você… — ele pigarreou, mexendo o peso de um pé pro outro —… mora aqui há muito tempo?
Revirei os olhos, soltando um riso seco.
— Sério? Essa é a sua primeira pergunta?
Ele franziu o cenho, parecendo um pouco frustrado com a minha resposta.
— Eu tô tentando ser educado, . — rebateu, num tom baixo, quase como um pedido de paciência.
Cruzei os braços, ainda de pé, a poucos metros dele.
— Desde o início do ano. — respondi, com a voz firme. — E antes que você pergunte… não, ninguém aqui sabia que você ia aparecer.
soltou um suspiro pesado, encarando o chão por alguns segundos antes de me olhar de novo.
— Eu já disse… eu não sabia que você morava aqui. — repetiu, e pela primeira vez, a voz dele soou mais cansada do que defensiva. — Eu só tô tentando… recomeçar.
Engoli em seco. A sinceridade nas palavras dele me pegou desprevenido. Mas me recusei a ceder.
— Recomeçar? — soltei uma risada amarga. — Justo aqui? Justo… do meu lado?
Ele abaixou o olhar de novo, passando a mão pelos cabelos de um jeito nervoso.
— Eu nem sei se vou fechar com esse apartamento, tá? — disse, num tom mais irritado, como se também estivesse cansado da situação. — Só achei que… talvez fosse uma boa ideia voltar pra um lugar que me lembrasse de quem eu sou de verdade.
Fiquei em silêncio. Porque, por mais que eu quisesse atirar outra frase dura na cara dele… aquela última parte me desmontou um pouco.
Ele ergueu o olhar de novo e respirou fundo.
— Não quero te incomodar, . Nem atrapalhar sua vida. Eu só… tô tentando achar um canto pra chamar de meu.
E naquele instante, eu vi. Por trás do orgulho, da defensiva, de toda aquela bagunça emocional que era o … o garoto que eu conhecia. Aquele que nunca soube muito bem o que fazer com os próprios sentimentos.
Suspirei, soltando um riso curto, mas sem humor.
— Faz o que você quiser, . Não é como se eu tivesse direito de impedir.
Virei-me para entrar no prédio, sem esperar resposta.
Mas antes de empurrar a porta, ouvi a voz dele atrás de mim. Mais baixa, quase como um sussurro:
— Mesmo assim… obrigado por não virar as costas.
Meus ombros enrijeceram, mas eu segui caminhando. Sem olhar pra trás.
Porque, se olhasse…Talvez eu cedesse mais do que deveria.
Já estava com a mão na maçaneta da porta de vidro quando ouvi de novo a voz dele, mais alta dessa vez, com um tom que eu não escutava vindo dele há anos.
— ! Espera.
Fechei os olhos com força por um segundo, soltando um suspiro impaciente antes de me virar.
— O que foi agora?
Ele respirou fundo, parecendo reunir toda a coragem que tinha acumulado desde o instante em que me viu.
— Você… já almoçou?
O tempo pareceu parar por meio segundo.
Pisquei, confuso, sem saber se tinha ouvido direito.
— O quê?
deu um passo na minha direção, enfiando as mãos nos bolsos, mas dessa vez com um sorriso pequeno, daquele tipo que mistura nervosismo com ousadia.
— Tô perguntando se você já almoçou. — repetiu, agora com mais firmeza. — Porque… se não… a gente podia… sei lá… comer alguma coisa. Juntos.
Fiquei encarando ele por uns bons segundos, processando a cena surreal que eu tava presenciando.
. Me chamando pra almoçar.
Depois de tudo.
Depois de três anos.
Depois da confusão toda da noite anterior.
— Você tá falando sério? — perguntei, arqueando a sobrancelha.
Ele deu de ombros, mas o sorriso torto nos lábios permaneceu.
— Talvez. Ou talvez eu só queira prolongar essa tortura pra você um pouco mais.
Não consegui evitar. Um riso curto e incrédulo escapou de mim.
— Você é inacreditável. — murmurei, balançando a cabeça.
Ele deu mais um passo, agora perto o bastante pra eu sentir o cheiro familiar que parecia ter ficado gravado em algum canto da minha memória.
— E você sempre gostou de bancar o difícil. — rebateu, com aquele olhar que eu conhecia bem demais.
Cruzei os braços, avaliando a situação por um segundo.
Parte de mim queria mandar ele ir embora. Parte de mim queria entrar no prédio e fingir que nada disso estava acontecendo.
Mas… a outra parte…
A parte teimosa e burra que ainda existia… Já estava destrancando a porta de novo.
Soltei um suspiro derrotado.
— Tem um restaurante decente a duas quadras daqui. — falei, com o tom mais indiferente que consegui forçar.
sorriu. Um sorriso de verdade dessa vez.
— Perfeito.
E, antes que eu me arrependesse, já estava caminhando ao lado dele.
Com o estômago embrulhado. E o coração… um pouco também.
Continua
Nova nota da autora: Oi benzinhos! O e a tem o meu coração todinhooooooooooo, espero que o de vocês também haha. Beijão :*
Eu não conheço Enhypen, só sei que gosto de algumas músicas HAHAH
Vamos ver como vai ficar esse casal do passado e o casal do presente. O Heeseung parece um bom rapaz, NÃO MAGOA ELE, POR FAVOOR
Ai Lelen você não sabe o que tá perdendo, eles são talentosíssimos e uns queridos (piticos af. Vou tentar não magoar o Heeseung, até porque ele é meu bias, aquelas kkkkkkkkk mas acho que vai ser dificil ele não se machucar um pouquinho…
Ai, meu santo deus, tá todo mundo ferido nessa história e muitas vezes quem tá ferido a defesa é o ataque, né
Eu entendo todos os lados. O Sunoo sumiu sem explicar nada pros amigos, obviamente eles iam ficar chateados. Mas ao mesmo tempo Sunoo se viu confuso (e ainda tá até agora) com seus próprios sentimentos, levando em consideração a sociedade, acho que foi uma saída óbvia a dele: fugir. Agora vamos ver como essa história vai se resolver, né. Eu adoraria um trisal HEHEHEEHEHEH
Ai Lelen, você entendeu direitinho o ponto da história nesse momento! Todo mundo ferido, inclusive o Sunoo!
Teremos uma pausa no drama e o começo de uma re-amizade?
Acho que Sunoo vacilou no passado, mas foi o que ele conseguiu fazer na época, né. E ainda mais estando confuso em quem ele era, fora todo o preconceito, mesmo que não fosse da parte dos amigos (ainda bem que eles são amigos AMIGOS).
Agora vamos ver daqui pra frente!
Bom, digamos que o Ni-ki ainda tá bem magoado, o peito dele tá bem cheio ainda viu? Então vejamos haha, mas Sunoo e Dalny? Ahh os dois tem um caminho árduo ainda de recomeço pela frente.
Caraca que o Niki tá ressentido que só!
Será que esse almoço vai dar em alguma coisa? Vai amolecer esse coração do pobre?
Pelo menos com a Dalny as coisas foram “resolvidas”, né?
Eu tô torcendo para ela ficar com o Heeseung porque o bichinho é todo perfeitinho, poxaaaaaaa
Ah ele é orgulhoso amiga ): mas vamos tentar amolecer esse coraçãozinho de pedra dele, a Dalny vai ajudar haha
O Heeseung, o póbi </3