No More Training Season
O garçom deixou a conta na mesa com uma delicadeza quase irônica. Eu agradeci com um sorriso automático e deslizei o cartão antes mesmo de olhar para o valor. Já sabia. Eu sempre sabia. Do outro lado da mesa, Bruno ainda tentava, desesperadamente, me impressionar.
— Sabe, , eu
realmente acho que coaching é a profissão do futuro. As pessoas precisam de direcionamento, sabe? Eu sou muito bom nisso.
Apertei os dedos ao redor da taça de vinho quase vazia. Precisei de toda a minha força mental para não revirar os olhos.
Coaching. Claro. O cara que chegou vinte minutos atrasado, confundiu meu nome duas vezes e passou metade do jantar falando sobre “
mindset de alta performance” enquanto não conseguia sequer lembrar o nome da própria ex-namorada.
Meu “
mindset” naquele momento era simples:
fugir. — Interessante… — murmurei, olhando o relógio discretamente.
Ele sorriu, satisfeito, como se minha resposta fosse o selo de aprovação que ele tanto buscava. Mal sabia ele que a única coisa que eu aprovava ali era a sobremesa que, infelizmente, não pedi.
Quando finalmente saí do restaurante, o ar frio da noite bateu no meu rosto como um alívio. Desci a rua caminhando rápido, os saltos ecoando na calçada vazia.
Suspirei, pegando o celular da bolsa e dando uma rápida olhada nele. Resolvi renomear o contato do Bruno no aparelho e bloqueá-lo. Bruno agora era o número 17. Sim, você não leu errado, eu tive 17
dates ruins!
Fechei o celular. Respirei fundo. Olhei para o céu escuro.
Destranquei a porta do meu apartamento com a mesma energia de quem está prestes a se livrar de um sapato apertado. Me joguei no sofá, larguei a bolsa no chão e encarei o teto por alguns segundos. Silêncio.
O celular vibrou. Uma notificação no WhatsApp: Juliana. Minha melhor amiga e, infelizmente, cúmplice moral de todos os meus dates fracassados.
Juliana:
E aí? Deu bom? 😏🔥
Soltei uma risada seca. Digitei de volta.
Nem precisou de mais nada. Ela entendeu. A resposta veio segundos depois.
Juliana:
Desisto, . Você vai acabar virando freira. Revirei os olhos e apoiei o celular no peito, olhando para o teto.
“Freira não, Juliana. Só cansei de dar aulas particulares de educação básica emocional.” Suspirei fundo, fechando os olhos por um instante.
O pior não era nem o fracasso dos encontros. Era essa sensação de que todo mundo ainda estava na pré-escola emocional… e eu, sei lá, fazendo doutorado em independência afetiva.
Chega de testes com caras aleatórios, eu repeti mentalmente. E dessa vez, prometi pra mim mesma: era definitivo.
💖✨
O alarme tocou como se fosse um ataque de emergência.
Resmunguei, rolei para fora da cama e encarei meu reflexo amassado no espelho. Olheiras, cabelo rebelde, a clássica expressão de “não estou pra brincadeira”.
Vesti meu uniforme de guerra: calça de alfaiataria preta, blusa de seda branca e salto. O batom vermelho era opcional, mas hoje eu precisava dele. Um lembrete silencioso de que ainda controlava alguma coisa na vida.
No caminho para o escritório, decidi desviar para a livraria da esquina. Precisava de um presente para a minha secretária, ela faria aniversário amanhã. E, sinceramente? Poucas coisas me acalmavam tanto quanto o cheiro de papel novo.
Passei pelos corredores tranquilos, vasculhando capas e títulos, até que me abaixei para pegar uma edição especial de arquitetura. Foi quando aconteceu.
Um corpo colidiu de leve com o meu, e a minha bolsa — fiel escudeira — se abriu como um espetáculo de tragédia: celular, chaves, batom, fone de ouvido e, para meu horror, minha lista com os nomes dos 17 homens com quem eu havia saído impressa, não me julgue, eu sou do papel.
— Droga… — murmurei, me abaixando apressada.
— Nossa, me desculpa! — uma voz masculina disse, agachando ao meu lado para ajudar.
Levantei o olhar. E parei.
Ele usava um moletom cinza, barba por fazer, cabelo bagunçado de propósito. Tinha olhos castanhos absurdamente calmos. E um sorriso pequeno, sincero, quase tímido. Ele estendeu a mão com meu batom.
— Aqui… — sorriu. — E… hum… seu “relatório confidencial”, eu acho?
Me entregou a folha dobrada. O papel onde, em letras garrafais, estava escrito:
17 HOMENS: CASOS E CAUSAS DE FRACASSO. — Ah. É… é uma… brincadeira interna. Coisa de amiga. — Enfiei tudo na bolsa de qualquer jeito. Ele riu, um som leve, nada debochado.
— Relatórios são sempre úteis. Sou ilustrador, vivo fazendo anotações estranhas. Não julgo.
— — me apresentei rápido, antes que a situação ficasse ainda mais patética.
— . — Ele estendeu a mão, ainda ajoelhado. — Prometo tomar mais cuidado na próxima colisão.
Apertei a mão dele. Calor. Contato. Uma faísca inesperada.
— Melhor não ter próxima, né?
Ele sorriu. E naquele sorriso havia algo que não tentava me impressionar. Era só… genuíno.
Pela primeira vez em muito tempo, não senti aquela pontada de cansaço habitual. Talvez só tivesse sido um acidente. Talvez não.
Dois dias depois, eu estava atrasada. De novo.
Equilibrei café em uma mão, pasta de projetos na outra e tentei abrir a porta do coworking com o cotovelo. Um desastre anunciado. A porta não cedeu. Eu suspirei, pronta para soltar um comentário sarcástico para mim mesma, quando alguém do lado de dentro puxou gentilmente a maçaneta.
— Achei que tinha prometido mais cuidado nas colisões, lembra?
Mesmo sorriso calmo, moletom novo (azul dessa vez) e aquele jeito desconcertantemente tranquilo de existir.
— Você trabalha aqui? — perguntei, surpresa.
— De vez em quando. Faço freelas pra uma editora que tem sala nesse prédio.
Eu pisquei, sem saber se estava mais surpresa pela coincidência ou pela leve onda de… empolgação? Não, definitivamente era só curiosidade.
— Bom, obrigada pela gentileza. — Passei por ele tentando soar indiferente.
— Sempre às ordens, do relatório confidencial.
Parei e virei o rosto, semicerrando os olhos.
— Você não vai esquecer daquilo, né?
Ele deu uma risada baixa, mexendo distraidamente no chaveiro pendurado na mochila.
— Nem se eu quisesse. Foi a coisa mais inusitada que já aconteceu comigo numa livraria.
Me peguei sorrindo antes de conseguir me controlar. Perigo. Sorriso bonito e senso de humor leve.
— Sabe que você ainda me deve uma… — ele completou, me olhando nos olhos.
— Uma recomendação de livro. Não tive chance de perguntar naquele dia.
Fiquei alguns segundos o encarando. “Respira, . Não é flerte. É só educação. Ele nem deve estar interessado. E mesmo se estivesse…
você prometeu.”
— Passa na livraria na hora do almoço — respondi casual. — Te indico o melhor.
Ele assentiu, com aquele maldito sorriso de canto que quase me fez tropeçar na própria lógica.
Na hora do almoço, eu quase desisti.
Sério. Ainda estava tentando me convencer de que aquilo era só um favor educado, uma gentileza profissional. Nada mais. Mas lá estava eu, entrando de novo na livraria da esquina, a mesma onde meu “relatório confidencial” havia se tornado um episódio digno de terapia.
E lá estava ele. . De novo de moletom (verde dessa vez; definitivamente ele tinha uma paleta), encostado casualmente na prateleira de lançamentos, folheando um livro como se pertencesse àquele lugar.
— Pensei que não viesse. — Ele fechou o livro e sorriu.
— Pensei também — respondi, tirando os óculos escuros e pendurando na gola da blusa. — Mas prometi a mim mesma ser menos anti social em 2025.
Ele riu, me acompanhando pelos corredores silenciosos. Eu puxei um exemplar de capa azul.
—
“A Arquitetura da Simplicidade”. Minimalista, direto ao ponto. Acho que combina com você.
— Sem excessos. Sem firulas. Sem prometer o que não entrega.
Ele pegou o livro das minhas mãos e examinou com atenção, depois me olhou por cima da capa, aquele olhar calmo e penetrante que eu já começava a temer.
— Engraçado. Acho que é exatamente como você também parece ser.
Parei. Um segundo a mais. Um batimento a mais. Respirei fundo.
“Não, . Não embarca. Ele só foi gentil.”
— Não costumo ser simplificada tão fácil assim — retruquei, com um sorriso lateral.
Por algum motivo, aquilo ficou no ar por tempo demais. Ele passou os dedos pelas bordas do livro.
— Posso te pagar um café como agradecimento?
Alerta vermelho. Sinal de emergência interno ativado.
Chega de testes com caras aleatórios, . Mas a boca respondeu antes da razão.
— Tem uma cafeteria na esquina. O café deles é decente.
Ele sorriu de novo. Maldito sorriso de canto.
Peguei minha bolsa e caminhei na frente, ainda tentando me convencer de que era só café. Nada mais. Mas a verdade? Pela primeira vez em muito tempo, eu não me importava se fosse um pouco mais do que isso.
A cafeteria era charmosa, com mesas pequenas de madeira e uma vitrine de doces que me encarava com a mesma insistência do .
Sentamos perto da janela. Ele pediu um cappuccino. Eu fui direto no espresso duplo. Sem açúcar. Sem frescura.
— Então… ilustrador? — perguntei, cruzando as pernas e me apoiando na mesa com o cotovelo.
— Freelancer. Faço capas de livros, ilustração editorial, às vezes storyboard para agências.
Ele sorriu, balançando a cabeça de leve.
— Sobrevivo. Mas gosto. Prefiro isso do que ficar tentando me encaixar em algo que não sou.
Mordi o canto do lábio sem perceber.
Sem se encaixar, sem buscar aprovação… quem é esse ser mitológico? Ele deu de ombros, mexendo devagar o café.
— Não é coragem. É cansaço. Cansei de tentar ser a versão que as pessoas esperam de mim.
Nos encaramos por um segundo a mais do que o aceitável para simples conhecidos. O suficiente pra me fazer lembrar que tinha prometido a mim mesma:
chega de testes com caras aleatórios. — E você? — ele perguntou. — Arquiteta, certo? — Assenti.
— Escritório próprio. Pequeno, mas meu. Passei anos “treinando” colegas, chefes, clientes… Um dia resolvi parar de ajustar os outros e ajustar minha própria rota.
Ele apoiou o rosto na mão, com aquele olhar de quem realmente ouve. Não finge. Não formula a próxima frase pra se gabar.
— Parece que a gente tem mais em comum do que imaginei.
Eu sorri, mas levantei a guarda. Era cedo demais pra pensar em
qualquer coisa.
— Vamos ver… ainda é só o primeiro café. — Ele riu.
A forma como ele disse aquilo me desmontou um pouquinho. Nenhuma pressa. Nenhuma cobrança. Nenhuma expectativa escondida.
Terminamos o café falando sobre livros, música, lugares preferidos da cidade. Nenhuma tentativa forçada de impressionar. Só duas pessoas existindo no mesmo espaço.
Quando nos levantamos, ele puxou a porta para mim, como na primeira vez.
— Obrigada pelo livro. E pelo café.
— Eu que agradeço pela recomendação e pela companhia inesperada.
Nos despedimos com um aceno discreto. Sem convite para “marcar algo”, sem troca de número, sem joguinhos. Enquanto voltava para o escritório, pela primeira vez em muito tempo, pensei: talvez nem todo cara precise ser treinado.
Depois daquele café, eu tinha certeza que não veria de novo. Não porque não quisesse, claro. Mas porque era assim que essas coisas aconteciam. Casual. Rápido. Passava.
Na semana seguinte, eu esbarrei com ele três vezes. Na calçada, saindo da farmácia. Na padaria, escolhendo o mesmo pão integral que eu. No coworking, no mesmo horário do meu intervalo.
Coincidência? Talvez. O universo dando risadinhas irônicas? Provável.
— Vai começar a parecer perseguição — brinquei na terceira vez.
Ele riu, segurando um copo de chá na mão.
— Se fosse, eu não seria tão óbvio.
Não consegui conter o sorriso. Maldito.
Nosso “acaso” virou rotina silenciosa. Ele sentava algumas mesas longe, mexendo no iPad com a caneta, fones no ouvido. Às vezes, quando levantava o olhar e me pegava encarando, só levantava uma sobrancelha em silêncio e voltava pro desenho.
Zero flerte barato. Zero “preciso da sua atenção agora”.
E eu… bem, eu estava
acostumada a caras que precisavam ser alimentados emocionalmente a cada cinco minutos. A confiança quieta de era tão desconcertante quanto magnética.
Num final de tarde, quando eu saía carregada de amostras de revestimento, ele apareceu ao meu lado sem aviso.
Balancei a cabeça, teimosa.
Ele não disse nada. Apenas pegou metade das caixas das minhas mãos.
— Eu sei. Mas às vezes aceitar ajuda não é sinal de fraqueza.
Parei. Fiquei olhando pra ele. Calmamente determinado. Nenhuma intenção escondida.
— Você sempre dá lições de vida aleatórias assim?
Acompanhei o caminho até o carro em silêncio. No fundo, sabia que ele tinha razão. Pela primeira vez em muito tempo, alguém oferecia algo sem esperar nada em troca.
Quando coloquei a última caixa no banco de trás, respirei fundo.
Chega de testes com caras aleatórios, . Não complica. Só aceite. Na sexta-feira, Juliana me mandou um áudio caótico:
“, feira de rua na praça das Cerejeiras! Vai, mulher! Desconecta um pouco! Aproveita e compra aquelas velas aromáticas caríssimas que você AMA.” Eu estava quase dizendo não. Quase. Mas alguma parte minha — a parte que andava sorrindo mais ultimamente — decidiu ir.
O sol de outono deixava o céu absurdamente bonito. As barracas coloridas, o cheiro de café fresco, bolo de milho, e incenso competindo no ar. E adivinha quem eu encontrei, parado casualmente numa banca de prints artísticos?
— Se isso for uma perseguição, parabéns. Está sutil. — Cruzei os braços, erguendo uma sobrancelha.
sorriu, virando-se para mim com uma sacola de papel na mão.
— Eu te disse. Se eu perseguisse, seria melhor do que isso.
Ele apontou para a banca ao lado.
— Vem. Quero sua opinião sobre algo.
Me peguei seguindo sem resistência. Ele mostrou duas ilustrações minimalistas em aquarela.
— Qual combina mais com meu espaço? — Olhei de lado, intrigada.
— Isso é um truque pra fazer compras comigo? — Ele fingiu indignação.
— Juro que não. Preciso de ajuda de alguém com bom gosto.
Me detive, observando o desenho. O coração um tiquinho acelerado —
não era nada, , respira.
— Essa. — Apontei para a obra com traços suaves em azul e dourado. — Tem equilíbrio. É simples, mas tem presença.
Ele me encarou por um instante a mais do que o necessário.
— Que coincidência… exatamente como você.
Corei. Sim. Eu, Costa, a rainha da muralha emocional,
corei. Disfarcei, apontando pra frente.
— Vamos andar. Antes que eu cobre por consultoria.
Caminhamos devagar pela feira. Ele me deixou escolher um buquê pequeno de flores secas, segurou minha sacola quando eu lutei para equilibrar o café e o celular, comentou calmamente sobre as peças expostas. E no meio daquele caos bonito de feira, barulhos, cores e aromas, eu pensei o que não queria pensar:
“Talvez, só talvez… o treinamento realmente tenha acabado.” A feira terminou e começamos a andar de volta, sem pressa.
— Tá tarde… — comentei, olhando o céu escurecendo. — E eu estou faminta.
— Eu também. — apontou pra esquina. — Minha casa é logo ali. Tem uma varanda legal e, se você não tiver medo, posso fazer um macarrão decente.
Parei. Olhei pra ele. O alerta interno soou forte.
Perigo. Proximidade + comida + varanda = altíssimo risco de criar expectativas.
Mas o sorriso dele era tão leve, tão despretensioso…
— Só se eu supervisionar a cozinha — respondi.
Ele levantou as mãos como quem se rende.
O apartamento dele era exatamente como eu imaginava. Paredes Julianas, móveis de madeira simples, plantas nas janelas, livros e cadernos de desenho espalhados com organização caótica.
— Amei. — Me surpreendi dizendo.
— Obrigado. Não é muito, mas é meu.
Ficamos na cozinha pequena, lado a lado, preparando o jantar. O silêncio era confortável. De vez em quando, nossos braços se encostavam, e eu me pegava pensando se aquilo era normal. (
spoiler: não era.)
Quando sentamos na varanda para comer, serviu duas taças de vinho. A luz amarelada da luminária fazia tudo parecer calmo, íntimo, quase cinematográfico.
— Por que você me convidou hoje? — perguntei de repente. Ele apoiou o cotovelo na mesa, girando a taça com os dedos.
— Porque gosto da sua companhia. E porque, por alguma razão, estar com você parece fácil.
Fiquei em silêncio. O vento frio brincava com uma mecha solta do meu cabelo. esticou a mão e, com cuidado, ajeitou-a atrás da minha orelha. Toque leve, quase reverente.
— Posso te perguntar algo? — ele sussurrou. Assenti, incapaz de formar palavras. — Por que você sempre parece pronta pra fugir?
Minha respiração prendeu. Pega. Na hora. Sem escapatória.
— Porque eu já perdi muito tempo tentando ter algo decente com outros — confessei. — Não quero mais fazer isso. Não quero cair nesse ciclo de novo.
Ele me olhou fundo, com aquela calma devastadora.
— Eu não sou os outros, . Eu sou eu. Não quero ser um projeto. Só quero ser eu. Com você, se você deixar.
Meu coração deu um salto dolorido de tão intenso. Eu devia recuar. Dizer alguma coisa sarcástica. Manter o controle. Mas tudo que consegui foi sussurrar:
— Ainda é só o primeiro jantar… — Ele sorriu.
Brindamos em silêncio. E pela primeira vez, eu quis que o momento não terminasse tão cedo.
Eu devia ter previsto, sempre faço isso.
Dois dias depois daquele jantar perfeito, fui tomada pelo pânico. Pela necessidade desesperada de controle. Pela voz interior gritando: não se entregue, ele vai te decepcionar como todos os outros.
Então fiz o que sabia fazer melhor: me afastei.
Respondi as mensagens dele com frieza educada. Evitei o coworking. Mudei minha rota matinal pra não cruzar com ele. Esperei. Esperei ele insistir. Procurar. Mandar flores, áudios, convites dramáticos. Porque era assim que sempre tinha sido. Sempre.
Silêncio. Nenhuma cobrança. Nenhum “por que você sumiu?” Nenhum “você não responde minhas mensagens!”
Ele simplesmente respeitou meu espaço.
E foi isso que me desmoronou.
Na terceira noite, sentada no sofá, com um copo de coca-cola e a lista impressa dos “
17 HOMENS: CASOS E CAUSAS DE FRACASSO” amassada na mão, eu finalmente entendi. Ele não precisava de mim pra ser melhor. Ele já era.
E eu? Eu é que estava tão viciada na ideia de me proteger que não sabia mais reconhecer quando alguém vinha inteiro, não pela metade.
Peguei o celular. As mãos tremiam.
A resposta chegou em segundos.
Fechei os olhos. Suspirei. Pela primeira vez em anos, eu não sentia medo. Sentia paz.
A porta do estúdio de estava entreaberta. A luz suave escapava pelas frestas.
Bati levemente. Ele apareceu, ainda com o lápis preso atrás da orelha e um olhar sereno, como se já soubesse que eu viria.
— Oi. — Ele deu aquele meio sorriso de sempre.
Ficamos em silêncio por alguns segundos que pareceram eternos.
— Eu fugi. — Fui direta. Pela primeira vez, sem muralhas, sem sarcasmo. — Não por você. Por mim. Porque não soube lidar com alguém que não tentasse me convencer, que não me perseguisse, que simplesmente… fosse.
Ele assentiu lentamente, sem interromper.
— E agora? — perguntou baixinho.
— Agora eu quero tentar. Sem jogos. Sem projeções. Sem achar que você precisa ser consertado ou me provar nada. Só você. E eu. Se você ainda quiser.
Ele se aproximou devagar, encurtando a distância entre nós, e tocou de leve minha mão.
— Só se for de igual pra igual, .
Meu coração deu aquele salto de novo. Mas dessa vez não foi medo, foi alívio. Sorri, entrelaçando nossos dedos.
Ele inclinou o rosto, e o beijo aconteceu do jeito mais natural do mundo: sem pressa, sem fogo de urgência, mas cheio de promessas. Quando nos afastamos, ele sussurrou com a testa encostada na minha:
— Isso conta como nosso primeiro encontro oficial? — Dei uma risada leve.
— Não. Esse foi só o pré-requisito. O primeiro encontro oficial vem depois.
Ele sorriu, e eu soube que ele entenderia. Sem pressa. Sem cobrança.
Fim
Nota da autora: Confesso: foi um desafio e tanto escrever essa história, que música dificil. Criar uma protagonista que fosse forte, mas também ferida. Que colocasse limites, mas ainda tivesse espaço pra amar de novo. E encontrar em Rafael não um homem “perfeito”, mas um cara que já fez seu próprio caminho e não precisava de mais uma mulher tentando consertá-lo.
Essa história é sobre cansaço, sim. Sobre listas de fracassos amorosos, sobre bloquear contatos e sobre o silêncio que vem depois de tanto barulho. Mas também é sobre recomeços, sobre alguém que aparece sem fazer alarde… e fica.
Obrigada por acompanhar até aqui. Beijos!