1. Constance Elite Elementare School
Toscana, outono de 2010
A vida pode ser complexa e perigosa quando se trabalha para uma família da máfia, e Lídia sabia bem disso quando se candidatou a uma oferta de emprego para a casa
Magnus, pois mesmo com os riscos, ela tinha uma filha para cuidar. Estava mais do que agradecida pelo emprego, podia dar à pequena uma cama macia e confortável, refeições deliciosas e a oportunidade de estudar em uma escola particular com bolsa de estudos, a
Constance Elite Elementare School. Ainda que todos os benefícios que tinha com aquele trabalho custasse um preço alto que lhe era cobrado todas as noites pelo senhor Francesco Magnus.
— Ainda está acordada, minha princesa? — Lídia se assustou ao adentrar o quarto em que dormia com a filha, no setor dos empregados localizado na parte sul da mansão.
— Tive um pesadelo — sussurrou a criança, estando abraçada às pernas e com marcas de lágrimas escorridas pelo rosto.
— Querida… — Lídia se aproximou da cama dela e, sentando na beirada, a olhou com ternura. — Se quiser me contar, estou aqui.
A mãe segurou a mão da filha, dando um sorriso reconfortante, encorajando-a a falar e desabafar.
— Não consigo esquecer daquela noite… — respondeu ela, num tom ainda mais baixo e voltando a lacrimejar. — E dos gritos.
— Princesinha… — Lídia puxou a filha para mais perto e a abraçou forte, segurando suas emoções para transmitir segurança e conforto à filha. — Está tudo bem agora, tente não pensar no passado, temos uma nova vida e estamos seguras agora.
assentiu com a cabeça, limpando as lágrimas e deu um sorriso fechado à mãe. Mesmo com as palavras confiantes de Lídia, a pequena sabia que não seria fácil para ela superar os traumas causados pelo dia em que a casa dos seus avós foi invadida por homens armados e sua família foi dizimada. Agora, era apenas ela e sua mãe contra o mundo e para sobreviverem, precisavam fechar os olhos e apenas aceitar as regras impostas pela governanta da casa.
— Mamãe… — A pequena respirou fundo, pensando se iria ou não fazer a pergunta que lhe importunava o pensamento.
— Sim, querida? — Lídia a olhou atentamente, enquanto acariciava seus cabelos.
— Por que todas as noites a senhora precisa limpar o escritório do senhor Magnus? Não pode fazer isso de manhã? — As indagações de foram como uma facada no peito da mãe, fazendo-a se sentir constrangida pela percepção da filha.
Para uma mulher que perdeu os pais, os sogros, cunhados, irmãos, primos e o marido em uma única noite há quatro anos, precisava ser forte para proteger a pequena do assombroso mundo da máfia italiana.
— Querida… — Lídia tentava encontrar palavras para formular sua resposta de forma plausível e convincente, ao respirar fundo, ponderou seu tom de voz mantendo-o suave mesmo sendo firme. — O senhor Magnus é muito exigente quanto a qualidade do serviço dos empregados, então… Ele prefere que eu limpe seu escritório em sua presença.
— Entendo. — O olhar da criança abaixou, a garota sabia que a mãe mentia, mas não questionaria nada, apenas apoiaria o sacrifício dela.
— Não se preocupe com meus afazeres, eu fui contratada para limpar e manter este lugar organizado, então… Apenas se ocupe com seus estudos, graças ao senhor Magnus, você estuda no melhor colégio particular deste país, é uma oportunidade única. — Lídia finalizou o assunto, desviando o foco para a filha. — E como tem ido nos estudos?
— Tenho sido uma boa aluna e vou te orgulhar muito no futuro. — sorriu mais abertamente para ela, e voltou o olhar para a janela. — Amanhã teremos prova de matemática, e eu vou tirar total mais uma vez.
— Que bom, e saiba que já estou orgulhosa. — Lídia abraçou a filha mais uma vez, então a ajudou a se deitar, cobrindo-a em seguida e lhe dando um beijo na testa.
Na manhã seguinte, acordou antes mesmo do despertador da mãe tocar. Estava com tanta ansiedade para chegar na escola, que nem mesmo quis tomar café da manhã, apenas trocou de roupa rapidamente e, pegando a mochila, seguiu correndo até o ponto de ônibus. A pequena não era a única daquela casa a frequentar a Constance Elite, a escola também recebia o filho caçula Magnus e a delicada Tommaso, filha de um amigo da família, além de muitos outros herdeiros de famílias que também pertenciam à máfia ou eram associados.
— , … — Rosalia se aproximou dela, assim que a viu passar pelo portão da escola, o olhar animado e entusiasmado. — Como estamos para a prova de hoje?
— Acho que bem — respondeu ela, ainda assustada por sua euforia. — Eu estudei antes de ir dormir.
— Estudar? Pra que? — A outra riu um pouco, para ela não havia tal necessidade porque era expert com números. — A matéria é tão fácil.
— Fale por você. — A voz de Matteo soou atrás da garota, com uma careta e olhar desanimado. — Eu odeio geometria plana.
— Pois saiba que educação física também tem matemática e biologia, que são as matérias que você mais apanha, e carreira esportiva também não dá futuro a ninguém — retrucou Rosalia, ao se voltar para o rapaz.
— Fala isso para o Ronaldinho Gaúcho — retrucou Matteo, seguro de seu argumento, apresentando seus jogadores favoritos. — Ou o Ronaldo Fenômeno, além do mais, eu não preciso fazer faculdade de educação física se for um jogador de futebol.
— Contra fatos não há argumentos. — concordou segurando o riso. — Desta vez não tem como te defender, Rosa.
— Ok, vou mudar minha fala, já que utilizou do futebol para me atacar. — Ela manteve o olhar seguro para Matteo. — A carreira esportiva não dá futuro a ninguém que não tenha talento, e você está nesta lista.
— Eu tenho talento sim — retrucou o garoto.
— Acho melhor irmos — disse , cortando o assunto. — Ainda temos dez anos de idade e uma prova de matemática nos aguardando. — Eles riram um pouco e seguiram para a sala.
Havia algo em comum entre o trio de amigos que os unia mais do que o fato de terem entrado na escola no mesmo dia, os três eram filhos de empregados que trabalhavam para famílias da máfia, bolsistas e rejeitados pelos outros alunos. Por isso, não demorou muito para que Matteo se juntasse às duas meninas nas horas de intervalo ou para os trabalhos em grupo, até que se tornassem amigos inseparáveis. O filho do motorista da família
Cassano, a filha da cozinheira da família
Tommaso, e a filha da empregada da família
Magnus.
— Pode uma pessoa ser psicopata desde a infância? — comentou Matteo, num tom baixo, ao se aproximar das meninas no pátio da escola.
— Do que está falando Matteo? — olhou para o amigo confusa por suas palavras.
— Esse menino é um surtado, você ainda dá atenção a ele? — Rosalia riu baixo, mantendo sua atenção nos cálculos da prova, que insistia em refazer, pois não tinha conseguido entender a última questão.
— Diga logo, do que está falando? — insistiu , tentando entendê-lo.
— O filho dos Magnus, , ele tem uma cara de psicopata — explicou Matteo mais abertamente, sentindo um frio na espinha.
— Por que acha isso dele?! — indagou , curiosa, ao voltar seu olhar discretamente para o menino citado.
— A forma como ele te olha quando você passa por ele — continuou o amigo, num tom preocupado —, é como se ele fosse um predador selvagem e você a presa.
— Sério?! — segurou o riso, em respeito ao amigo e sua preocupação. — Ele é um tanto quanto estranho mesmo, tenho que concordar, mas… Não acho que ele me olhe assim.
— Acredite, ele olha sim. — Rosalia parou o que fazia e concordou com o amigo. — Por mais que eu deteste concordar com o Matteo.
— Bem, tem alguns problemas com a família, sabem que minha mãe trabalha para os Magnus há dois anos apenas, e eu não tenho muito contato com eles, reservo meu tempo em casa ficando apenas no meu quarto e às vezes dou algumas voltas escondida pelo jardim… — vasculhou em sua memória os raros momentos em que viu alguém daquela família, além do filho caçula. — Mas teve um dia que eu vi o senhor Magnus batendo no rosto do , dizendo que ele era uma vergonha para a família e que apenas tinha orgulho do filho mais velho.
— Viu, é assim que nasce um psicopata, sendo rejeitado pelos pais — comentou Matteo, confirmando suas teorias.
— E por falar em filho mais velho, alguma vez você o viu? — indagou Rosalia, curiosa pela informação. — Dizem que ele é três anos mais velho que o e que antes de ser enviado para a filial do Constance em Londres, ele era o melhor aluno da escola…
— E o capitão do time de futebol também — completou Matteo antes que ela pudesse terminar sua fala. — Quem me dera ter uma oportunidade dessas, algum olheiro me veria e eu me tornaria a próximo craque do Barcelona… Mas como bolsista e nascido na classe operária, nem posso me aproximar do time.
— Barcelona… — Rosalia soltou uma risada discreta e olhou para a amiga, que permaneceu pensativa.
— A única vez que o vi, foi… — pensou bem se deveria ou não falar do assunto, pois havia sido um dia bem difícil para a família após o anúncio da mudança do primogênito. — Naquele mesmo dia, ele estava de costas, apenas observando o pai bater no irmão.
— Tá explicado o motivo de ambos não se darem bem… — Matteo constatou a realidade e, tombando seu corpo, deitou no gramado mantendo a atenção no céu. — Quanto mais eu descubro sobre a vida dessas pessoas, mais eu me sinto feliz com a família que eu tenho.
— Por que diz isso? — indagou Rosalia, surpresa pelo que o outro dizia. — Eu não me importaria se tivesse o dinheiro que eles têm, pelo menos já teria minha vaga em Harvard garantida.
— O que adianta ter dinheiro e não ser feliz… Ou amado por seus pais. — O garoto soltou um suspiro ao se lembrar de seus momentos de lazer e diversão com os pais. — Pelo menos sei que posso contar com minha família — explicou ele, seu conceito.
— Olhando por esse lado, Matteo está certo, mas… Querendo ou não, quando você tem dinheiro, pode proteger quem você ama. — As palavras de foram profundas e refletiam a tristeza de seu passado e a perda do seu pai.
— Isso é verdade — concordou o garoto, erguendo o corpo novamente. — Eu ouvi meu pai comentando com minha mãe sobre o arranjo de casamento do senhor Mancini com a filha mais velha do senhor Tommaso.
— Ah, sim, eu ouvi minha mãe comentando com uma das criadas, parece que a irmã da , a senhorita Diana, se apaixonou por um plebeu como nós e, como castigo, o senhor Tommaso fez um acordo com o senhor Mancini, a mão da filha em troca de uma aliança entre as famílias. — Rosalia sentiu uma leve repulsa. — Que nojo, ela agora vai se casar com um velho asqueroso.
— Bem que a falou sobre proteger quem se ama. — Matteo continuou a refletir a afirmação da amiga. — Se o plebeu fosse rico, com certeza teria conseguido entrar pra família Tommaso.
não sabia o motivo por ter perdido sua família, mas sabia que parte disso se devia à falta de recursos financeiros que tinham. Seus avós eram pessoas humildes, que viviam do pouco que o comércio lhes proporcionava, assim como seu pai, era mecânico que sempre prestava serviços a preços baixos para os moradores do bairro.
— ?! ?! — A voz de Rosalia despertou a amiga de seus pensamentos profundos.
— Hum?! — A menina olhou-a atentamente. — O que foi?!
— É que você ficou estática, olhando pra frente. Está tudo bem? — indagou Rosalia.
— Sim, está, e nós temos que voltar pra aula. — Ela se levantou, espreguiçando um pouco.
— Aula de história, por que é tão chato falar sobre o passado?! — reclamou Matteo, se levantando também.
— Para você, toda aula é chata. — Rosalia o criticou em risos, esticando a mão para que a ajudasse a se levantar.
— Eu deveria te deixar aí no chão — retrucou o garoto ao pegar na mão da amiga e a levantar. — E, a propósito, educação física não é chato.
— Educação física não é aula, é um passatempo que não deveria existir na escola, só serve para atrapalhar meus estudos — argumentou Rosalia, dando o primeiro passo para seguir na frente.
— Fala assim porque suas notas são péssimas nessa aula. — Ele riu da outra.
— Já disse, não é aula, é passatempo — corrigiu a garota num tom mais empoderado.
— Vocês dois um dia vão se casar, só acho — comentou , rindo de ambos e da careta que fizeram.
Os amigos seguiram para a sala, enfrentando mais três horas de aula, até serem dispensados. Naquela sexta, decidiu seguir para casa sozinha e caminhando, por mais que sua mãe lhe desse dinheiro para a passagem do ônibus, em alguns dias ela variava sua rota. Como o outono era sua estação favorita, nada melhor do que uma caminhada ao ar livre para apreciar a beleza da paisagem e dos tons terrosos das folhas caídas ao chão.
— Olha só, a filha da empregada está sem dinheiro para voltar para casa. — A voz de a despertou de seus pensamentos, fazendo-a parar.
Com o olhar assustado, sentiu um frio na espinha ao ver que o menino não estava sozinho e tinha a companhia de mais dois amigos. A pequena não somente o achava estranho, como também tinha um certo medo do garoto devido a seus atos de aterrorizar alguns dos alunos bolsistas e sempre se meter em brigas de rua, mesmo com pouca idade.
— Está assustada em me ver?! Estudamos na mesma escola — continuou ele, num tom intimidador ao se aproximar dela.
— Eu só quero ir para casa — sussurrou , sentindo seu corpo paralisado pela proximidade de .
O caçula Magnus já havia completado seus treze anos de idade e, ao contrário de que tinha apenas dez, ainda estudava no Constance Elite Elementare por ter sido reprovado por dois anos. Considerado o terror dos professores, suas notas apenas haviam melhorado graças a constantes doações generosas do pai aos cofres da instituição.
— A gente pode ir pra casa juntos. — Ele sorriu de canto, tinha uma malícia nos olhos. — Assim meus amigos também poderão te conhecer.
— Senhor Magnus, por favor, eu quero ir sozinha — pediu a menina, deixando sua voz baixa e reprimindo os traços de medo de seu rosto. — Por favor.
Ela sabia que não era um bom garoto e tinha testemunhado isso na noite em que conheceu o primogênito da família. Alguém com tanto ódio pelo irmão no coração era capaz de qualquer maldade com terceiros.
— Que isso, não precisa ficar tímida… — O garoto segurou forte em seu braço, a puxando para mais perto. — Deveria se comportar como sua mãe, já que eu sou o patrão.
relutou com mais determinação às investidas dele e, em um momento de distração em que tentou mostrar força aos amigos, ela conseguiu se soltar dele o empurrando e lhe dando um tapa em seguida.
— Eu pedi para me soltar. — Ela finalmente conseguiu a coragem para elevar mais seu tom de voz, mesmo com medo que aquilo pudesse prejudicar sua mãe.
— Ih, ela te humilhou. — Andreas lançou uma chacota do amigo, enquanto o outro ria.
— Sua vadia… — a olhou com raiva, então levantou a mão para bater nela.
Assim que deu impulso, no susto, foi parado por outra pessoa que se colocou ao lado da menina.
— O que acha que está fazendo?! — A voz grossa e firme de fez o corpo de estremecer por dentro, assim como seu irmão engolir seco.
— Me solta — disse , forçando o tom de ordem.
— Se for para bater, que seja em alguém mais forte, assim vale a pena se gabar depois. — O primogênito largou o braço do irmão bruscamente, quase o fazendo cair ao chão, mantendo sua atenção fixa nele. — Se está com raiva por eu ainda estar vivo, não desconte nela, venha e me mate adequadamente. Desconte em mim.
— Eu te odeio! — gritou , assustando até mesmo seus amigos.
— Volte para casa e esqueça o que aconteceu aqui — ordenou ao voltar seu olhar para .
A menina assentiu, ainda sentindo seu coração acelerado pelo medo, então, dando o primeiro passo para se afastar, seguiu na direção contrária para chegar ao ponto de ônibus. Das muitas vezes que foi coagida por ao longo dos últimos sete meses, aquela havia sido a mais pesada de todas, e desta vez não guardaria segredo da mãe. já estava se sentindo mais do que sufocada ao morar na mansão da família, ao ver a mãe sendo explorada pelo senhor Magnus de todas as formas possíveis e não poder contar que sabia.
Após a saída da menina, os irmãos Magnus continuaram a se encarar por alguns minutos em silêncio, até que…
— Vocês dois, se não querem sair daqui com o olho roxo, aconselho que se mandem daqui — disse , com o olhar atravessado para os amigos do irmão.
— Aonde vão?! Estão com medo dele? — gritou aos garotos ao vê-los sair correndo. — Maricas… E você? O que acha que está fazendo, chegando aqui e bancando o irmão mais velho?!
— Eu sou seu irmão mais velho… — arregaçou as mangas de sua camisa em poucos movimentos e com certa elegância, então olhou o mais novo com seriedade. — E acho que tenho que te lembrar disso.
Não foi uma surpresa para os pais quando chegou em casa com cortes na boca e o olho roxo, entretanto, ficaram mais felizes por ter o primogênito em casa naquela noite. Uma visita rápida e inesperada que acabou sendo benéfica para a filha da empregada.
— Como está sua filha? — perguntou , assim que foi servido por Lídia à mesa do jantar.
A mulher paralisou pela pergunta, tentando entender quando havia tido algum contato com os filhos do patrão.
— Responda ao meu filho, Lídia. — O tom de ordem de Francesco a despertou, ele também estava curioso por aquilo.
— Está bem, senhor — disse a mulher, sentindo um aperto no coração. — Agradecemos pela bolsa de estudos que o senhor interviu para que ela recebesse, minha filha tem se esforçado muito para ser uma boa aluna.
— Satisfeito com a resposta, filho? — Marie controlou seu olhar de raiva para a criada, ela sabia muito bem o que acontecia no escritório do marido todas as noites, e odiava o fato de mãe e filha estarem na mansão.
— Sim, mãe. — voltou sua atenção para o irmão, que mantinha um sorriso de deboche para ele.
O caçula, mesmo com raiva de ter apanhado dele, não se continha em deixar o sorriso de deboche estampado em seu rosto.
— Pode se retirar, Lídia, deixe que Gertrudes conduza o jantar — ordenou Marie, lançando o olhar para o marido, um recado oculto para que não a contrariasse na frente dos filhos.
— Sim, senhora. — A empregada assentiu com a cabeça e se retirou da sala de jantar.
Preocupada com a filha, seguiu até o quarto, onde a menina estava fazendo sua lição de casa. Lídia ficou um tempo em silêncio, apenas observando-a com carinho, até que despertou a atenção da menina.
— Mãe? O que faz aqui? E o jantar? — perguntou , confusa por sua presença.
— Está tudo bem com o jantar, mas… — A mulher se aproximou mais da filha e sentou na cama ao lado. — O primogênito Magnus perguntou por você.
— Perguntou por mim?! — A menina sentiu um frio na espinha.
— , eu quero que seja honesta comigo, tudo bem? — pediu ela, analisando as expressões da filha.
— Tudo bem. — Concordando com a mãe, ela reuniu coragem para falar o que fosse preciso para ambas saírem daquela casa.
— O que aconteceu entre vocês dois? — perguntou Lídia, temendo a resposta, porém, disposta a ouvi-la.
8 meses atrás…
— Não consigo imaginar desgosto maior que ter você como filho. — Aquelas palavras saíram da boca de Francesco como uma adaga afiada, como uma lâmina cheia de veneno sendo travada no coração do filho caçula.
Não era novidade para a preferência dos pais pelo irmão e, por mais que tentasse chamar a atenção deles, a única coisa que lhe restava eram as surras que ganhava do pai quando o mesmo se frustrava com algo. E nem mesmo a socialite Marie, o agraciava com o mínimo de afeto materno.
— Faça um favor para esta família e mude seu comportamento, se torne pelo menos a metade do que seu irmão é e já será uma preocupação a menos — ordenou o pai, ao levantar a mão para ele mais uma vez e bater em seu rosto. — Da próxima vez que você envergonhar esta família, vou esquecer que tem o meu sangue e lhe dar o mesmo tratamento que dou a quem me aborrece.
— Pai — interviu nas palavras dele, chamando-o a realidade —, sei que está bravo, mas mal fez treze anos, não deixou de ser uma criança e ainda tem muito o que aprender… Não acha que está sendo rígido demais?
— Você com esta idade já era mais responsável que muito adulto que conheço. — Francesco olhou para o primogênito, mantendo seu tom sério e o rosto inexpressivo. — Seu irmão precisa aprender que não é mais uma criança e deve começar a agir como um Magnus de verdade.
— E para que eu preciso ser um adulto, o senhor já tem seu escolhido, eu nunca serei nada nesta família mesmo. — com a mão no rosto, revoltado pelo que o pai lhe fez, saiu correndo dali segurando o choro de raiva.
— Vá e não deixe que ele cometa mais nenhum absurdo — ordenou o pai, mais áspero e impaciente.
— Amanhã eu volto para Londres, não estarei aqui para vigiá-lo, então deveria aceitar a oferta da diretora Morellis e fazer a doação à escola, assim se formaria no fundamental e eu poderia ficar de olho nele na Inglaterra — aconselhou o pai, sabendo que sua ideia era plausível.
— Acha que não posso controlar seu irmão? — O pai o confrontou, elevando mais a voz.
— Ele odeia a todos nessa casa, mas pelo menos eu consigo contê-lo — argumentou o filho, validando sua proposta. — Pense sobre isso, eu vou atrás dele.
se afastou do pai e saiu da garagem, seguindo em direção ao jardim. Após caminhar alguns minutos procurando pelo irmão, o encontrou parado em frente à piscina. Ao respirar fundo, se aproximou dele mantendo o silêncio.
— O que está fazendo aqui? Veio rir de mim? — O tom amargo era nítido na voz de . — Se gabar por ser o preferido?!
— Não, só quero saber se meu irmão está bem — respondeu , mantendo a atenção na piscina à sua frente.
— Se estivesse mesmo preocupado comigo não ficaria assistindo enquanto ele me bate. — cuspiu a frase como se estivesse entalado em sua garganta. — Pare de se fazer o irmão que se importa, porque eu sei que não se importa.
Ele deu um passo para se retirar.
— , espere. — o segurou pelo pulso. — Vamos conversar.
— Eu não quero conversar, eu te odeio. — O caçula soltou seu braço com mais raiva ainda. — E a única coisa que eu quero é que você morra.
o empurrou na piscina e saiu andando como se nada tivesse acontecido. Aquilo não seria um problema, apenas um desabafo de irmão descontando sua revolta no mais velho, exceto pelo fato de que não sabia nadar, e que possivelmente seu desejo se tornaria realidade.
Entretanto, a vida é imprevisível e de longe, a pequena observava todo o drama da família Magnus. No impulso após voltar do choque que foi ver um irmão empurrando o outro, ela se lembrou do comentário dos empregados sobre o primogênito ter um certo trauma da piscina por ter se afogado aos seis anos de idade. Foi então que a menina correu até lá e pulou na água sem se dar conta das consequências, afinal, ela poderia se afogar junto ao tentar salvá-lo.
— Você é muito pesado… — disse ela, com certa dificuldade ao tentar nadar e puxar o rapaz ao mesmo tempo.
Para sorte, ou falta dela, o garoto já estava desacordado naquele momento, facilitando o projeto de resgate. Com muito esforço, conseguiu tirá-lo da água e, se lembrando dos procedimentos de primeiros-socorros que tinha aprendido na aula de ciências, começou a fazer a reanimação cardiopulmonar, repetindo as compressões torácicas por várias vezes até finalmente obter uma resposta positiva do mais velho.
— Você está bem?! — perguntou ela, assim que ele começou a tossir, dando sinal de que voltara a respirar.
— Acho que engoli muita água — respondeu o rapaz ao voltar seu olhar para a garotinha, inicialmente pensando que fosse outra pessoa. — Quem é você?!
nunca havia visto ela na mansão, afinal, a mais importante das regras era que a pequena não poderia ficar passeando pela casa e nem se aproximar dos filhos dos donos.
— Meu nome é — disse a menina num tom baixo ao se apresentar para o mais velho. — Sou a filha da Lídia.
manteve seu olhar mais profundo enquanto a encarava. Mesmo que seu coração estivesse acelerado por causa do ocorrido, não conseguia entender o que estava sentindo naquele momento.
Um misto de encantamento e raiva que mantinha sua atenção fixa nela.
Como a filha de uma criada ousou tocá-lo e salvar a sua vida…
Caindo (tudo está) caindo
Por tua causa eu me estraguei assim.
– I Need U / BTS
2. Tommaso
Toscana, outono de 2010
Para aqueles que pensam que apenas os mais afortunados poderiam ter o mundo em suas mãos, saibam que até mesmo para os
filhos da máfia, nascidos em berço de ouro, nem sempre o dinheiro significava a liberdade. Uma realidade que Diana Tommaso estava experimentando, com o castigo que o pai lhe deu, após descobrir seu romance com o jardineiro recém-contratado.
— Pietro! — A voz da jovem soou esperançosa ao vê-lo, exatamente no ponto que haviam marcado de se encontrarem.
— Diana… — O sussurro dele fez o corpo de sua amada estremecer, sendo contemplada por um beijo acolhedor. — Por um momento pensei que não viesse.
— Seu bobo, eu te amo — sussurrou ela de volta, sentindo uma aquecida do coração. — Jamais deixaria de vir.
Na alta madrugada, a esperança parecia ser a companheira do determinado casal e sua última tentativa de ficarem juntos e viver o amor proibido. Fugir de casa foi a parte mais fácil para Diana, pois não conseguia se imaginar casando-se por obrigação com um homem que já havia enterrado quatro esposas, no entanto, encarar o fato de ficar longe de sua família, se escondendo do pai, seria o mais doloroso para ela.
— Está arrependida? — indagou Pietro ao pegar a mala dela, para carregar com a sua.
— Jamais, não me importo para onde vamos, desde que seja com você — assegurou ela, certa de sua decisão arriscada.
Um sorriso surgiu no rosto do homem, que sentia o coração acelerado pelas palavras dela, então, uma longa pausa para mais um beijo apaixonado, internamente fez o casal sentir o gosto da separação. O que de fato pareceu um vislumbre de premonição, sendo concretizado antes do amanhecer.
— Nunca imaginei que uma de minhas filhas me traria tamanha desonra. — O tom amargo e frio de Elio Tommaso despertou a atenção do casal.
Um frio gélido passou pelo corpo da jovem, temendo pelo pior, ao notar que estavam cercados por homens armados.
— Papai… Por favor. — Diana não conseguiu controlar o tom de desespero em sua voz, se colocando à frente do seu amado.
— Saia da frente. — Elio retirou a arma da cintura, apontando para o rapaz atrás dela. — Ou me esquecerei que é minha filha.
— Papai… — Diana sussurrou, com lágrimas nos olhos.
— Senhor, por favor, faça o que quiser comigo, mas não machuque a sua filha. — Pietro, em seu pequeno passo de coragem, se colocou à frente da arma, trazendo sua amada para trás. — Eu amo sua filha…
— Um ninguém como você não tem o direito de amar alguém como minha filha. — Elio manteve seu olhar firme, mantendo a mira, então olhou para o lado fazendo o sinal para que seus homens afastassem sua filha.
Logo, cinco homens se aproximaram. Dois seguraram nos braços da garota, arrastando-a para longe do amado, enquanto os outros seguraram o rapaz e começaram a socá-lo. Aos gritos de Diana por piedade, em desespero e agonia, a jovem foi forçada a assistir seu amado sendo espancado pelos homens do seu pai, seus gemidos podiam ser ouvidos com nitidez.
— PAIIII!!! — O grito de Diana, fez com que os homens parassem a sequência de socos e chutes. — Por favor… Eu faço o que o senhor quiser… Eu me caso com o senhor Manchini… Serei a esposa perfeita para manter a honra da minha família… Mas, por favor, não o mate.
O chefe Tommaso deu alguns passos até a filha, com o olhar rígido, parcialmente inexpressivo.
— Saiba que estou desapontado com você, mas espero que cumpra com sua palavra — disse o pai, rudemente — ou ele sofrerá as consequências.
Diana assentiu com a cabeça, ao voltar o olhar para Pietro ao chão, ensanguentado. Com o aperto no coração, ela fechou os olhos tentando guardar no mais profundo de sua memória, o gosto doce do beijo dele.
— Joguem-no no beco da morte — ordenou o chefe Tommaso, ao referenciar a rua em que os banidos da máfia são jogados. — E marquem-no para que se lembre desta noite.
Mais lágrimas rolaram no rosto de Diana, enquanto era arrastada até um dos carros. Para a jovem, sua vida havia acabado naquele mesmo instante, sobrando apenas suas memórias como seu último fôlego.
— Bonjour, senhoritas — disse Andreas, ao se aproximar das carteiras das garotas na sala de aula.
— Bom dia, And — respondeu Teresa, num tom animado ao olhá-lo com um brilho nos olhos.
— Bongiorno — respondeu Angela de forma desinteressada, mantendo o olhar no celular em sua mão.
— Quem é vivo sempre aparece para aula de manhã — brincou Roberto, rindo da careta do amigo.
— Achei que não viesse hoje, já que seus pais iriam viajar — comentou ao chegar logo atrás, surpresa pela presença do amigo. — Você passou a semana se gabando que iria para as Maldivas.
Uma risada tímida soou de Giorgia, que estava ao lado da amiga, dando um aceno singelo. A delicada garota, mesmo sendo do grupo desde o jardim, ainda tinha certas dificuldades de socialização, muitas delas traumas de infância pelo casamento conturbado dos pais.
— Ah, Queen, nem me fale disso. — Ele bufou um pouco com chateação. — Achei mesmo que fosse me livrar da semana de provas e simplesmente ir para o paraíso, mas, parece que a viagem deles é apenas de casal.
— Esqueceram de mim, versão Riina. — Roberto soltou uma gargalhada maldosa, fazendo os outros rirem.
— Nem comentou. — Andreas puxou sua cadeira e sentou, ainda inconformado com sua realidade. — E onde está nosso amigo?
— O próprio, quem mais seria? — Andreas a olhou confuso.
— Ele não vem hoje — respondeu ao se sentar também, soltando um sorriso cansado.
Dos muitos problemas que a garota estava enfrentando em casa por causa da irmã, ela ainda dividia sua atenção com os irmãos mais problemáticos que existiam no grupo de amigos da elite: os Magnus. e , por muitas vezes, a fizeram passar madrugadas em claro, ambos crescendo juntos pela amizade entre as famílias, só ajudou ainda mais em sua aproximação e intimidade com os meninos.
— Sabe de alguma coisa? — perguntou Angela, interessada na informação.
— Reuniões de família — respondeu a Tommaso, abrindo o livro de geografia, pois seria a primeira aula. — Nada demais.
— Então já sabemos que ele não vai aparecer nos próximos dias — concluiu Roberto, já entendendo a situação do amigo.
— Algum problema com isso? — Insistiu Angela, curiosa.
A recém-chegada no grupo, assim como a irmã gêmea, não conhecia os segredos ocultos das famílias que pertenciam à máfia, menos ainda o quão pesado era ser um herdeiro nascido neste mundo.
— Todos possíveis — sussurrou Giorgia, chateada pela notícia.
Em minutos, a atenção de se desviou para a filha da empregada, que passava pelo corredor, acompanhada dos amigos. A garota Tommaso não sentia nem um pouco de afinidade com ela, não somente por sua classe social, como pelo fato de já ter notado que os irmãos Magnus sempre mantinham um olhar discreto para a garota invisível.
Em um rompante, se levantou de sua mesa e seguiu para o corredor, a fim de . Ao chamá-la, elevando mais a voz, fez os três amigos pararem paralisados pela abordagem, e parando em sua frente, precisou forçar sua resiliência para se dirigir a ela.
— Preciso falar com você — pronunciou para ela.
— Senhorita Tommaso — disse Rosalia, surpresa com o chamado dela, sem saber o que dizer.
— Rosa, você e seu amigo poderiam nos dar licença? — tentou ponderar, porém, soou como ordem.
— Claro, senhorita. — Rosalia segurou no pulso de Matteo e o arrastou para saírem de lá. — Te esperamos na sala.
— O que a senhorita deseja? — perguntou , ainda surpresa com a aproximação dela.
— Quero saber o que está acontecendo na mansão dos Magnus. — foi clara e objetiva.
— Me desculpe, mas não sou autorizada a entrar na casa grande, menos ainda me aproximar dos herdeiros — respondeu , demonstrando não poder ajudar.
— Não é o que me parece, já que você sempre está no campo de visão deles — retrucou , sentindo uma ponta de ciúmes.
— Senhorita… — se sentiu levemente intimidada pelo olhar atravessado dela.
— Espero mesmo que você permaneça bem longe deles, para o seu bem. — Mais uma vez em tom de ordem, suavizou mais seu olhar ao notar curiosos atentos a elas. — Pessoas como você apenas destroem o futuro de…
A garota Tommaso estava com raiva, não de , mas do jardineiro que havia seduzido sua irmã mais velha e instaurado o caos em sua casa. Não queria descontar na menina, mas sabendo que os irmãos Magnus também tinham uma sutil curiosidade a respeito da filha da empregada, isso já era motivo para deixá-la irritada.
— Sim, senhorita. — Assentiu , algo que ela mais queria.
A pequena Miller sabia que lá no fundo, mesmo sua mãe não admitindo, havia sido alguma família da máfia que tinha matado seu pai e parentes. E o que mais desejava era sumir da mansão Magnus com Lídia, e ser livre bem longe dos olhares que lhe causavam medo. Em instantes, o toque do celular de interrompeu a tensão criada no ambiente, dando a a oportunidade que precisava para se afastar dela e seguir para as escadas onde os amigos curiosos a esperavam.
— Sim — disse ela, ao atender a ligação da irmã mais nova.
— Papai trouxe a Diana de volta e parece que teremos bolo de casamento. — A voz da caçula pingava sarcasmo e deboche.
apenas respirou fundo e encerrou a ligação. Não que ela odiasse a irmã mais nova, porém, Elena era apenas meia-irmã misturada à ideia de ser também sua prima. Um pequeno detalhe que existia na família Tommaso, graças a inveja e persistência de uma irmã ambiciosa, afinal, não era novidade para ninguém o constante interesse de Marcella pelo cunhado. Contudo, após a morte precoce da irmã, era um tanto quanto óbvio que a próxima a ocupar o cargo de esposa seria exatamente ela.
— ?! — A voz de Giorgia a despertou de seu devaneio. — Está tudo bem?
— Sim. — Assentiu a garota, ao notar que a filha da empregada já havia se retirado.
— Você saiu da sala com tanta pressa e ficou trocando palavras com a filhote de criada. — Giorgia a olhou curiosa, tentando entender o assunto que poderia ter rolado entre elas. — Aconteceu alguma coisa?
— Não, nada que seja importante compartilhar. — respirou fundo, reunindo forças para conseguir levar as horas de aula até o final.
As horas parecem longas quando estamos ansiosos para algo. Não que Tommaso se enfadasse facilmente com as aulas, pelo contrário, assim como os irmãos, ela tinha o dever e obrigação de orgulhar sua família fosse em qualquer lugar. E no Constance não era diferente, a melhor aluna da escola e capitã das cheerleaders, popular e mais influencer que as mais destacadas socialites de toda Itália.
— Quer carona hoje? — perguntou à amiga, enquanto se levantava da cadeira ajeitando sua bolsa.
— Ah, não — recusou Giorgia, mantendo seu material em cima da mesa. — Vou passar na biblioteca antes, preciso devolver alguns livros e tenho aula de reforço em inglês, após o almoço.
— Te vejo na segunda então — informou ela, dando o primeiro passo para se retirar da sala.
— Você não vai na minha festa? — indagou Andreas, enfatizando a pequena recepção que organizava na casa dos pais. — Já não teremos o , você não pode deixar de ir.
— Farei o possível para comparecer, mas sabem que minha família agora está se preparando para o casamento da minha irmã, então… — Ela o fez entender suas prioridades pontuais.
— Ah, é verdade — concordou Giorgia, percebendo a preocupação disfarçada no olhar da amiga. — Seus amigos receberão o convite?
— Mas é claro que sim. — Assentiu a garota, já se adiantando para sair.
seguiu até o portão, onde o motorista já a aguardava para a conduzir até a mansão. No caminho, ela retirou o celular da mochila e mandou uma mensagem para o amigo.
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Já estamos quase na hora do almoço.
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Você não foi à escola, mesmo tendo prova de alemão.
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Eu já sou fluente, não preciso provar nada.
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kkkkkkkkkkkk ainda assim precisa de notas para se formar
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poderia me mandar um áudio
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hum…
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Como pode uma garota de 12 anos parecer mais a minha mãe que minha própria mãe?
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kkkkk
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sabe que quero ser bem mais que isso
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Ela soltou um suspiro profundo, olhando rapidamente para a janela do carro, vendo a vida se passando do lado de fora.
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hmm…
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mas logo estaremos longe deles
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vai mesmo se formar com a gente?
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ensino médio londrino nos aguarda
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me liga, caso precise desabafar
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Um sorriso espontâneo surgiu no rosto dela ao ver alguns emojis sendo enviados por ele. Eram raros os momentos em que se demonstrava descontraído e despreocupado com seus problemas com o pai e, na maioria das vezes, era ela quem mais apoiava o amigo em seus momentos de dor e angústia.
Guardando novamente o aparelho na mochila, logo percebeu a aproximação do carro no portão de entrada do condomínio. Alguns metros depois, finalmente estava descendo do veículo em frente à entrada da mansão Tommaso.
— Voltando à realidade — sussurrou ela, ao subir os poucos degraus da entrada.
Sendo recebida na porta pela empregada, o olhar de passou pela sala, já encontrando seu pai e irmão conversando. Assim como todos os outros chefes de família, Elio Tommaso tinha aquela figura rígida e sombria de um mafioso implacável. Com a ajuda de sua cunhada, Marcella, após o acordo de casamento para que ela cumprisse a promessa de ajudá-lo com sobrinhos, ele pode seguir com a criação dos três filhos, frutos de seu amor por Franci. A mulher que verdadeiramente detinha seu coração e havia sido levada precocemente, vítima de leucemia.
Não era surpresa para a presença do irmão na cidade, já que o primogênito, Marco, estava sendo preparado para se tornar o braço direito do pai nos negócios. Entretanto, o que mais a deixava irritada era a notória demonstração de favoritismos do chefe da família pela pequena Elena, a princesinha caçula da casa, resultado de uma gravidez meticulosamente calculada pela tia, para manter o casamento com o cunhado.
— Bongiorno, papà — disse ela, interrompendo a conversa de ambos, chamando a atenção para ela. — Bongiorno, Marco.
— . — O irmão sorriu de canto, erguendo de leve a taça de vinho em sua mão.
— Chegaste cedo, filha. — Elio a observou se aproximar deles. — Algo de errado na escola?
— Não, eu sempre chego neste horário — respondeu ela, mantendo a suavidade em sua voz. — Apenas não está aqui para receber sua filha todos os dias.
— Direta e sincera como sua mãe — comentou ele, mantendo a seriedade no rosto.
Aquele era o lado que Elio mais admirava em sua filha e ao mesmo tempo mais detestava. Apesar do jeito sereno, delicado e paciente que demonstrava ter, no fundo, seu lado racional a instiga a ser obstinada e empoderada.
— Onde está Diana? — Sem rodeios, ela chegou ao assunto que queria.
— Não deveria se preocupar com ela — reforçou o pai, num tom mais áspero. — Mesmo sua irmã quase levando nosso nome e honra para a lama, ainda teremos uma festa de casamento na próxima semana.
— Onde ela está?! — Insistiu , conhecendo bem o pai que tinha.
Mesmo com seus doze anos, ela já havia visto o pai sendo cruel e abusivo em diversos momentos e, em todos, ela precisou ser forte para conseguir dormir à noite.
— No quarto — respondeu Marco, sentindo a impaciência do pai.
— Por que tanto quer saber? — indagou Elio, analisando as expressões da filha.
— Não posso mais saber sobre minha irmã? — retrucou a jovem, devolvendo a pergunta.
— Claro que pode. — Elio riu baixo. — E aconselho que aprenda com o erro dela, para assim não cometer o mesmo.
— Eu sei dos meus deveres com esta família, papai. — manteve a firmeza em sua voz. — Esteja certo que não haverá desonra de minha parte.
Sem dar direito a uma argumentação do pai, apenas deu o primeiro passo para se retirar e seguiu até as escadas, subindo mais que depressa para o quarto da irmã. Com o coração aflito pelo que poderia ter acontecido para que o pai encontrasse a irmã e mais ainda preocupada com o que viria a acontecer com ela após o casamento arranjado.
— Diana?! — A voz de soou da porta, após o som de dois toques. — Posso entrar?
— Sim. — A voz baixa e falha da jovem teve entonação suficiente para que a irmã ouvisse.
— Você está bem? — indagou a mais nova, ao adentrar o quarto e fechar a porta.
O olhar de permaneceu atento à irmã, notando as olheiras aparentes e a expressão que confirmava as muitas lágrimas derramadas.
— O que você acha?! — Diana reprimiu o soluço pelo choro de toda a noite, e manteve o olhar voltado para a janela. — Eu odeio ser dessa família… Odeio tudo isso.
— Di… — se aproximou mais dela e sentou na beirada da cama, pegando em sua mão para confortá-la. — Você sabia muito bem que algo assim poderia acontecer.
— Eu não sei como ele descobriu… — reclamou ela, suspirando fraco.
— Não deveria ter fugido — disse , sendo a única que aparentemente sabia dos planos da irmã. — Eu disse que era perigoso para você.
— Eu deveria ser dona das minhas próprias escolhas, … — Diana soltou um suspiro cansado e chateado. — Eu tenho vinte anos… Por que eu me sinto mais presa que os empregados desta casa? Até a filha da cozinheira tem mais liberdade que a gente.
— Eu sei que é clichê falar isso, mas, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades — disse a menina, num tom descontraído, fazendo-a rir um pouco.
— Mas não somos heroínas de quadrinhos — retrucou Diana, voltando o olhar marejado para ela. — Eu não quero passar o resto da minha vida ao lado daquele velho rude e grosseiro.
— Você sabe que o papai tinha outros planos para você — argumentou , demonstrando o descuido dela. — Não quero dizer que a culpa foi sua, mas deveria ter sido mais cuidadosa… Você se envolveu com o jardineiro e nem mesmo conseguiu disfarçar… E agora com sua fuga malsucedida.
— Ele me ama e eu o amo. — Diana abaixou o olhar, segurando as lágrimas que insistiam em escorrer pelo rosto. — Não sou como você que sempre foi racional e consegue esconder seus sentimentos…
Um breve silêncio pairou entre elas, que se podia ouvir o som dos pássaros do lado de fora.
— Olha só como estamos aqui, eu sou a mais velha e ainda te peço conselhos — confessou ela a realidade.
— Diana… — a olhou com carinho. — Tem certeza desse sentimento que a fez cometer uma loucura? Você o conhece há apenas cinco meses… E olha o caos que se instaurou em nossa família.
— Eu o amo… Nunca tive tanta certeza em minha vida. — Assegurou a mais velha, com certeza no olhar.
— Eu não sei o que te dizer… — respirou fundo, temendo o peso de suas palavras. — Só peço que não tome mais nenhuma atitude impensada, não é somente a sua vida que está em jogo.
— Eu sei. — Diana forçou um sorriso e a puxou para um abraço. — São três vidas…
— Como assim?! — se afastou de leve, olhando-a confusa por suas palavras.
— Estou grávida — sussurrou Diana, voltando a lacrimejar.
— Di… Se o papai descobre — comentou ela, sem saber o que pensar diante da situação.
Era insano a turbulência de acontecimentos, mas na máfia sempre era assim, não há nada tão ruim que não possa piorar.
— Por isso que concordei que o casamento fosse na próxima semana — disse Diana, certa de que pelo menos o pequeno ser que havia dentro dela iria sobreviver a todo aquele horror. — Se o senhor Mancini achar que o filho é dele, ainda terei uma parte do Pietro comigo.
— Sabe que é arriscado. — não queria trazer nenhum peso para a irmã, mas tinha que, novamente, traze-la para realidade.
— Eu sei, mas estou segura que vai funcionar. — Assegurou Diana, com base nas informações que havia recebido do irmão mais velho.
— Sabe que sempre terá meu apoio, não importa qual decisão tola que tome. — Reforçou a mais nova, voltando a abraçá-la.
— Você é a melhor irmã do mundo — sussurrou Diana ao sorrir com leveza, retribuindo o abraço.
Após o abraço, se levantou e deu um beijo na testa da irmã, com um olhar de conforto, se afastou dela e retornou para a porta, seguindo para seu quarto. Após um banho relaxante, manteve-se vestida com o roupão de banho, enquanto escolhia o que vestir. De repente, o toque do celular lhe chamou a atenção, era uma ligação de .
— Bongiorno — disse ela ao atender, sentindo um sorriso surgir em seu rosto.
—
Já passamos do almoço. — A voz firme dele soou do outro lado, com um toque de suavidade.
— Para mim sempre é dia, já deveria estar acostumado — respondeu ela, rindo com leveza. — Achei que não fosse me ligar, já que está em casa desde ontem.
—
Perdoe-me pelo silêncio — disse ele, tentando se redimir. —
Reunião de família. — Bem, isso não impediu o de me mandar inúmeras mensagens — retrucou ela, em provocação.
—
Meu irmão não possui as mesmas obrigações que eu — explicou ele, em sua defesa.
— Sempre uma desculpa pronta, senhor Magnus. — deu alguns passos para dentro do quarto, se aproximando da cama para se sentar. — Deixarei passar desta vez.
—
O que me diz de um passeio ao ar livre? — Sugeriu ele, em tom de convite. —
Já almoçou? — Ainda não — respondeu, curiosa. — O que eu teria neste passeio?
—
Hum… Digamos que toda a minha atenção — respondeu o rapaz, confiante em sua proposta.
— Ter a atenção de Magnus por um dia? — Ela se viu surpresa.
—
Uma tarde… E com direito a almoço especial. — Acrescentou ele, tornando irrecusável. —
Te dou dez minutos para trocar de roupa. — Onde está? — perguntou ela, se aproximando da janela para conferir sua teoria.
Um som de riso surgiu do outro lado.
— , onde você está?! — perguntou , novamente, tentando encontrá-lo.
—
Não adianta me procurar, não direi, agora volte para dentro e se troque, sabe que sou ciumento, não quero que outros te vejam de toalha — disse ele, ponderando seus risos.
— Abusado. — A garota riu, enquanto retornava para o closet. — Vou desligar e estarei em frente a mansão em dez minutos.
— ?! — Ela tentou repreendê-lo.
—
Se questionar, abaixo para cinco — brincou ele.
soltou uma gargalhada espontânea encerrando a ligação. Sua relação com os irmãos Magnus sempre seria uma loucura para ela, pois assim como eles a preocupavam, também havia os momentos de descontração que a levava aos risos e mais risos.
Suave como manteiga
Como um criminoso disfarçado
Vou explodir como no jogo Trouble
Invadindo seu coração assim.
– Butter / BTS
3. Feira de Ciências
Toscana, primavera de 2011
Dizem que a melhor fase da vida é o colegial.
Para Miller, a escola finalmente estava se tornando mais leve, lhe dando a possibilidade de guardar boas recordações, principalmente de seus dois amigos que viviam brigando como cão e gato.
Um ponto positivo em seu segundo ano no Constance Elite Elementare School? Nada de herdeiro Magnus para lhe encarar pelos corredores, ou segui-la na volta para casa. Com ambos os irmãos frequentando a filial da escola em Londres, a garota, pela primeira vez, sentiu a ambicionada sensação de liberdade.
— ! — O som de surpresa partiu de Rosalia, ao ver a amiga já sentada na cadeira, fazendo algumas anotações no caderno. — Chegou cedo, caiu da cama?
— Não. — A menina riu da careta estranha da amiga. — Por que a surpresa, eu nunca me atraso.
— Mas nunca chegou antes dela — comentou Matteo, chegando logo atrás, dando um largo bocejo.
— É que passei a noite em claro desenhando e não consegui dormir — explicou , voltando a atenção para os amigos. — Você é que chegou cedo, Matteo, sempre se atrasa.
— Ah, é que agora que a princesinha não está mais em casa, meu pai pode me dar uma carona — explicou o garoto, se sentando na cadeira e apoiando a mochila na lateral da mesa.
— Verdade, os herdeiros agora estão em Londres. — Rosalia tentou não demonstrar inveja, mas a frustração dos seus olhos a condenavam.
— Sim. — Concordou , sentindo o doce alívio interno.
Até mesmo suas escapadas noturnas para contemplar a beleza do jardim sob as estrelas puderam enfim ser em plena paz e sossego, afinal, quanto mais ela se esforçava para ser invisível na mansão Magnus, mais seu caminho cruzava com os herdeiros, principalmente o caçula inconformado. Após saber que a tímida garota havia salvado o irmão do afogamento, sua atenção começou a se voltar para ela, fazendo-a se sentir desconfortável em alguns momentos, devido aos olhares constantes e fixos de .
— Foi uma comoção na casa dos Tommaso, com a partida da , tanto para os empregados quanto para a senhora Diana. — Rosalia se sentou na cadeira da frente, que ficava ao lado do amigo. — Pelo que notei ao longo dos anos, elas são bem unidas.
— E como tem sido o casamento dela com o senhor Mancini? A última notícia relevante foi a inesperada gravidez dela. Você prometeu nos atualizar — perguntou Matteo, ao pegar seu celular, já abrindo o aplicativo de jogos.
— Não imaginava que você fosse tão fofoqueiro, Matteo — comentou Rosalia boquiaberta, com a indagação dele.
— Não sou fofoqueiro, apenas curioso o suficiente para me interessar pela vida da elite — explicou ele em sua defesa, mantendo a atenção voltada ao aparelho em sua mão. — É como uma mistura moderna de
Gossip Girl e
Poderoso Chefão, só que em tempo real, e nem preciso pagar TV a cabo para assistir.
riu do comentário do amigo, enquanto Rosalia revirou os olhos.
— Curiosidade mata, sabia? — Reforçou ela, voltando seu corpo para trás, olhando o desenho que a amiga fazia no canto da folha do caderno. — Foi assim que perdemos a última governanta, a senhora
Le Chant fazia muitas perguntas e ouvia atrás das portas.
— Pare de me recriminar, você também vive perguntando o que se passa na casa dos Magnus — retrucou Matteo, com propriedade.
— A família Magnus é sempre uma exceção à regra. — Rosalia argumentou a seu favor, voltando o olhar para ele com superioridade. — Estão no topo da cadeia alimentar, então todo mundo tem curiosidades para saber o que acontece com a família perfeita.
— Eles não são perfeitos — sussurrou , com sua atenção voltada ao desenho que fazia.
Pelo contrário. Pensou a garota lembrando-se das variadas discussões que presenciou entre os irmãos, desde o dia em que ela salvou o primogênito.
— Nenhuma família é perfeita — murmurou Matteo, encarando a amiga convicto de sua teoria —, eles só conseguem fingir melhor que os outros.
— Fazem isso muito bem. — Concordou Rosalia, voltando o olhar para . — Você não tem mais nada para compartilhar com seus amigos? Tudo parece tão parado com os herdeiros em Londres.
— Vocês sabem que eu não posso me aproximar de ninguém da família e nem faço questão — explicou , sua falta de informações, sentindo um leve calafrio. — Sempre que chego em casa, permaneço na ala dos empregados, reclusa no meu quarto. Mamãe também não me conta nada.
— Nossa… até eu tenho mais liberdade, mesmo com os olhares atravessados da senhora Marcella — comentou Rosalia, soltando um suspiro fraco. — Me livrei da miss perfeita, mas ainda tenho que aguentar a tia e o projeto de naja.
— Projeto de naja? De quem você está falando? — perguntou Matteo, confuso pela colocação dela.
— Da princesinha Elena. — Rosalia pegou sua mochila e abriu para retirar o caderno. — Nunca vi alguém mais dissimulada que ela, só tem nove anos e já é pior que a mãe em termos de falsidade… Já ouvi pelas portas várias discussões da com o pai, pela caçula sempre se fazer de vítima.
— Acho que me lembro dela em um jantar que o senhor Tommaso foi convidado pelo casal Cassano — comentou Matteo, puxando o fato em sua memória. — Ela é prima e meia-irmã da . Isso me chocou quando você contou pra gente.
— Conviver com o filhote de cobra tem sido pior que os olhares repreensivos da . — Rosalia riu de nervoso. — A miss perfeita pode até ser educada e carismática com os outros empregados, mas comigo sempre foi áspera e autoritária, principalmente quando recebe convidados vip.
— Bem, os outros empregados não possuem a idade que nós temos, são bem mais velhos — explicou , ao se lembrar das palavras de , ordenando-a permanecer longe dos irmãos Magnus. — Levando em consideração o que aconteceu com a irmã dela.
— Verdade, coitado do Pietro… agora vai passar a vida preso em uma cadeira de rodas. — Concordou Rosalia, lembrando do destino de todos que cruzam o caminho dos donos da máfia. — Ainda sonho com o dia que poderei sumir desse lugar e realizar meu sonho de Harvard.
— Achei que você fosse se candidatar ao MIT, da última vez disse que tinha mudado de ideia — comentou , surpresa pela mudança de planos da amiga.
— Olha, eu não me importaria se conseguisse uma bolsa de estudos de qualquer uma das duas — respondeu Rosalia, passando as folhas do caderno, enquanto vislumbrava seus sonhos. — Mas descobri que as entrevistas para estrangeiros no MIT são escassas e difíceis de passar, o que significa que tenho que concentrar minhas energias em Harvard.
— Desejamos boa sorte! — disse , admirada com a determinação da amiga. — Se eu conseguir uma vaga na Universidade de Milão, já me dou por satisfeita.
— Vocês duas não acham que é cedo demais para escolher uma universidade? Ainda temos tempo para saber o que fazer — questionou Matteo, estranhando a ansiedade das duas, afinal, ele detestava estudar.
— Fale por você, que é um preguiçoso — retrucou Rosalia, decidida de seus planejamentos. — Quanto mais cedo eu me preocupar com o meu futuro acadêmico, mais eu estarei preparada para conquistá-lo.
— Eu não sou preguiçoso, só acho cansativo estudar agora e ainda ter que me preocupar com o que vou estudar no futuro — reclamou o garoto, emburrando a cara. — Além do mais, já sei o que quero ser… Jogador de futebol.
— E se você não conseguir? — indagou Rosalia, lançando um olhar duvidoso para ele.
— Se eu não conseguir, então serei um empreendedor, vou abrir minha própria loja de artigos de futebol! — exclamou ele, com um tom orgulhoso do seu plano B. — Ser um escravo da máfia é que não serei, sei muito bem o que meu pai passa.
— Genial. — Rosalia com desdém deixou soar de forma sarcástica. — E vai falir no primeiro ano, já que você é péssimo em matemática.
— É para isso que tenho amigas inteligentes. — Ele voltou o olhar para , com um sorriso carismático.
— Não olhe para mim — disse , segurando o riso. — Não me envolva em seus trambiques.
— — ele fez cara de cachorro sem dono —, eu sou muito criativo e hiperativo para ficar preso em uma sala de aula metade da minha vida, e muito medroso para virar capanga de Don Corleone.
Rosalia revirou os olhos, respirando fundo, enquanto riu baixo.
— Não entendo como somos amigos — disse ela, perplexa.
— É que eu sou puro encanto — brincou Matteo, dando uma risada boba.
— O que pretende cursar em Harvard? — perguntou , voltando o olhar curioso para a amiga. — Cada ano você muda de curso.
— Já me decidi, definitivamente — assegurou Rosalia, convicta de sua decisão. — Vou cursar engenharia da computação.
— Passar a vida sendo programadora. — Matteo fez uma careta.
— Não é só ser programadora, e eu gosto de tecnologia, é uma profissão muito bem remunerada — explicou a garota, de forma coerente. — Além do mais, a grade curricular de Harvard é maravilhosa e vai me trazer boas oportunidades profissionais posteriores.
— Você me dá medo — sussurrou Matteo ao se ajeitar na cadeira, ao finalmente notar que os outros alunos já estavam em sala de aula, e o professor de Ciências adentrava.
Rosalia deu de ombros, se ajeitando na cadeira também. Foram uma hora e vinte minutos de aula, com o professor Marcel em seu entusiasmo, apresentando a proposta anual da feira de ciências para a classe. Contendo o tema de livre escolha dos alunos e um incentivo de prêmio para os três primeiros lugares, os trabalhos seriam individuais naquele ano. Isto, devido a um pedido da diretora da unidade de Londres, para avaliar e reconhecer os alunos em potencial.
E claro que a notícia renderia assunto para o restante do dia.
— Se antes eu achava que não tinha futuro acadêmico, agora eu tenho certeza — comentou Matteo ao juntar seus materiais e jogar na mochila. — O que eu vou fazer para essa feira?
— Coca-Cola e Mentos — respondeu Rosalia, se levantando logo atrás, com tranquilidade na voz, não entendendo o desespero do amigo.
— O que?! — Ele a olhou confuso.
— Ela já te deu a resposta, Matteo. — riu da cara do amigo, enquanto guardava seu estojo na mochila.
— Coca-Cola e Mentos, você pode fazer um vulcão de papelão, já que é tão criativo, então coloca a Coca-Cola em um recipiente dentro e joga bala Mentos, assim vai provocar uma erupção artificial, que é resultante da desestabilização do gás que acontece sob um efeito dominó, será mais eficaz se for diet porque são menos encorpados e por isso facilitam o escape do gás — explicou Rosalia, como se o assunto fosse algo natural para ela. — Depois não diga que sou a amiga cruel e perversa. — Ela ajeitou a mochila nas costas e saiu andando.
— Rosa… — sussurrou Matteo, levando alguns minutos para assimilar o que ela havia dito, então finalmente alertou e correu atrás da garota. — Ei! Espera, Rosa, tem como repetir isso, eu preciso anotar.
permaneceu alguns minutos apenas observando-os enquanto ria deles. Logo voltou o olhar para o celular que a mãe havia lhe dado, era um aparelho velho que apenas fazia e recebia ligações, no máximo mensagens de texto. Uma estratégia que Lídia havia encontrado para se comunicar com a filha e lhe dar um pouco mais de segurança. Em instante, o celular vibrou em sua mão, mostrando uma nova mensagem de um número anônimo.
Já se contavam duas semanas que a garota vinha recebendo inúmeras mensagens daquele número, sempre com frases curtas que mencionavam sobre o que havia acontecido com sua família no dia do massacre. No início, a garota havia pensado ser com mais um de seus terrorismos, até que percebeu que o assunto era mesmo mais sério do que imaginava.
— O que quer agora?! — sussurrou para si ao abrir a mensagem.
Um respiro profundo, e o olhar atento na tela.
“Está na hora de lhe contar a verdade sobre a morte do seu pai… Se quiser saber o segredo de sua mãe, me encontre esta tarde, no mesmo endereço.”
sentiu um aperto no coração. Ela sabia muito bem qual endereço era. A casa onde morou parte de sua infância, que foi destruída pelas chamas duas semanas após sua família ser enterrada, em uma rua pouco movimentada, bem ao sul da cidade de Siena.
Mas como uma adolescente de 11 anos conseguiria fazer uma viagem partindo de Florença, onde morava atualmente, até seu antigo lar? Mais ainda.
Sem que a mãe soubesse?! — Eu preciso saber… — Novamente em sussurro, ela correu até os amigos, já tentando pensar em um plano de escape.
Pouco mais à frente, Rosalia se fazia de difícil, enquanto Matteo quase lhe implorava para lhe ajudar com o trabalho de ciências.
— Por favor, Rosa, você é a maga da tecnologia, é a melhor aluna em ciências… — Ele fez seu olhar infalível de gato tristonho. — Me ajuda.
— Essa é a última vez que faço isso por você — assegurou a garota, num tom firme.
— Você sempre diz isso e sempre o ajuda no final — disse ao alcançá-los.
— Mas desta vez é real — garantiu Rosalia.
— Bem, agora sou eu que preciso de ajuda — disse , ainda traçando seu plano mentalmente.
— O que houve? — Rosa a olhou preocupada.
— Preciso que me convide para dormir na sua casa — pediu a outra, com um olhar angustiado para a amiga.
— Hum?! — Rosa se sentiu pega de surpresa, sem saber o que responder.
— Sabe que não consigo mentir para minha mãe e preciso ir a um lugar que ela não pode saber, então… — começou a explicar de uma forma simples e sucinta.
— Nem precisa terminar de dizer — afirmou Rosalia, já entendendo-a —, somos amigas, e amigos são para isso.
Ela olhou para Matteo, então voltou sua atenção para Miller.
— Tive uma ideia, que tal a gente ir para a biblioteca pública para pesquisar sobre nossos temas da feira de ciências… Ou melhor, eu e o Matteo vamos, enquanto você faz o que precisa fazer, assim, quando voltar, nos encontra na cafeteria da senhora Carmel — disse ela, já bolando um plano mais convincente. — Então, vamos juntas para minha casa. Você só precisa dizer para ela que vamos passar a noite fazendo trabalho e Matteo é o nosso cúmplice.
— Uau… — Matteo a olhou boquiaberta. — Tem certeza que essa garota não é uma nascida da máfia?
Rosalia o olhou atravessado.
— Você é um anjo, Rosa! — a abraçou forte, com gratidão. — Obrigada.
— Amigas são para isso. — Rosa piscou de leve para ela. — Mas depois terá que contar pra gente o motivo.
— Prometo… — Assentiu , com um brilho parcial nos olhos.
Ambos os amigos acompanharam a garota até a estação de trem. não tinha muitas moedas em seu cofre e o pouco dinheiro que conseguia, era fazendo trabalhos escolares para os mais afortunados da escola, algo que Rosalia desaprovava na amiga, já que para a aspirante a engenheira, sua inteligência não deveria ajudar a elite a se dar bem nos estudos. Porém, era uma forma de ter o mínimo de independência financeira.
— Tome cuidado, há rumores que Siena tem ficado cada vez mais perigosa por causa da família Rivera — pediu Matteo ao avisar a amiga, antes que a mesma subisse no trem. — Meus pais nem quiseram visitar a vovó Abigail este ano.
— Verdade, tem surgido muitos comentários na casa dos Tommaso também. — Concordou Rosalia, voltando um olhar preocupado para a menina. — , seja o que for, ligue para a gente.
— Sim, eu posso pedir minha avó para te acompanhar, ela sabe guardar segredo, então não tem erro — garantiu Matteo, disponibilizando a ajuda de terceiros.
— Não se preocupem, eu vou ficar bem, prometo! — Assegurou, já se afastando dos amigos para entrar no trem. — Mando mensagem quando chegar lá e quando estiver voltando.
— Vamos ficar na biblioteca, mande uma mensagem à sua mãe dizendo sobre dormir na minha casa — aconselhou Rosa.
assentiu com um sorriso e, ao respirar fundo, reuniu a coragem necessária para entrar no trem e seguir em direção às respostas a muito prometidas.
Para aqueles que acham que os Magnus são os únicos com a coroa na cabeça, saibam que a disputada região de Toscana já foi palco de grandes confrontos entre as cinco maiores famílias da máfia italiana, fora preciso muitos acordos e barganhas para enfim a paz reinar nos negócios.
E se Magnus seria o futuro
Don de Florença, a cidade de Siena já estava sob o comando do seu maior rival, ou, com uma melhor colocação, o inimigo mais repulsivo que existia. Massimo, no auge dos seus 19 anos, já completava três assentados no trono de sua família como o novo
Don Rivera, agora, à frente dos negócios de forma oficial, isto devido à morte repentina do pai que sofreu um infarto fulminante causado por seus inúmeros problemas de saúde. Uma leve preocupação para o orgulhoso Eli Magnus, que nunca viu com bons olhos a criação do jovem inimigo, que sempre se mostrava contra as regras de boa vizinhança da máfia.
— Não acha que é novo demais para se viciar em jogos? — A voz grossa e áspera de despertou o irmão de sua reflexão momentânea.
— Não é porque estou jogando que vou me viciar — respondeu de forma descontraída, mantendo os olhos focados em suas cartas.
Recentemente o caçula havia aprendido alguns truques com um dos soldados do pai, e queria experimentar suas habilidades de blefe no poker.
— Não viemos aqui para isso — retrucou , inexpressivo, permanecendo de pé atrás da cadeira do irmão.
— Cavalheiros… — colocou as cartas na mesa e sorriu de leve. — Agradeço o bom jogo, mas eu paro por aqui… Meu irmão está com medo que eu fique melhor que ele.
Assim que ele se levantou e encarou o irmão, seu olhar o atravessou, desviando para o dono da casa.
— Os irmãos Magnus. — O soar da voz de Rivera fez com que fechasse seus punhos automaticamente. — É uma honra terem aceitado meu convite.
— Estamos aqui, qual o assunto? — indagou ao se virar para o recém-chegado, mantendo seu tom mais rude e áspero, afinal, não confiava naquele falso sorriso de bom anfitrião.
— Por que está tão tenso, ? — retrucou ele, rindo de canto. — Por que não aproveita primeiro as maravilhas que Siena pode te oferecer?
— Tempo é dinheiro e não viemos de Londres para brincar, não somos mais crianças. — Simples e objetivo, o primogênito manteve sua atenção em tudo o que acontecia ao seu redor.
A área privativa do saguão do hotel Scapole, onde estavam, era ampla e muito bem decorada, apesar da arquitetura medieval ser predominante quanto a estrutura do lugar, sua decoração moderna transmitia um certo charme proporcionando beleza e elegância à construção. de repente começou a rir com leveza e espontâneo, deixando o ar pesado e tenso um pouco mais descontraído.
— Desculpe meu irmão, ele nem sempre foi assim tão sério, mas não seria uma má ideia algumas voltas pela cidade, já faz tanto tempo que viemos aqui da última vez. — manteve o bom humor, afinal, não se importava com os assuntos sérios e negócios, se estava ali por obrigação, não lhe custava nada aproveitar a oportunidade para se divertir.
Em seus planos, ao mesmo tempo que iria apaziguar a situação, isso também irritaria seu irmão.
— Esplêndido! — Rivera sorriu de canto, como se estivesse satisfeito com a aceitação de , contudo, mantendo seu olhar venenoso para o primogênito, que havia virado novamente para ele. — Deixarei ambos em boas mãos com as melhores guias que este hotel pode oferecer e nos vemos mais tarde, em nosso jantar de associados.
Assim que observou, duas mulheres com aparência de universitárias se aproximarem deles, soltou um suspiro cansado e impaciente, principalmente por saber que por trás de cada passo do inimigo, sempre haveria uma surpresa desagradável. Já o caçula, abriu um singelo sorriso ao cumprimentar as mulheres, não se importando com sua pouca idade, se sendo adolescente era obrigado pelo pai a se comportar como um homem, então, agiria como tal a seu modo e conforme conveniente.
— O que está fazendo, ?! — perguntou , mantendo o tom baixo ao falar próximo do ouvido do irmão, se virando de costas para o inimigo direcionando seu olhar para os homens que permaneciam jogando cartas na mesa ao lado.
— Se estamos na chuva, que mal tem nos molhar. — De forma discreta ele manteve seu rosto suave, ao responder o irmão. — Você pode até ser o perfeito e inteligente em tudo, mas precisa saber jogar, irmãozinho, e em alguns momentos, temos que jogar conforme as regras do inimigo.
A expressão logo mudou na face de , demonstrando estar surpreso com o lapso de maturidade do irmão. Então, assentindo a sugestão de seu anfitrião, apenas seguiu pelo percurso que as duas mulheres lhes apresentavam até a saída do hotel. Um carro já os aguardava, com destino a praça principal da cidade. Se para aquele passeio repentino seria pura diversão, para o primogênito seria a oportunidade de reconhecimento de terreno. Uma singela pesquisa de campo.
Em um dado momento, , percebendo que uma das mulheres lhe observava bastante, certamente o vigiando para seu patrão, acabou por lhe escapar de seu campo de visão, afastando-se deles e seguindo pela direção contrária. Seu interesse estava em descobrir todos os pontos de negociações que a família Rivera havia levantado naquela cidade. Após um tempo andando pelas ruas e totalmente longe de seu caminho de volta, o primogênito Magnus começou a ouvir barulhos estranhos vindos de um beco próximo, o que lhe atraiu a atenção.
A metros dele, estava um trio de homens cercando uma jovem garota, tentando forçá-la a ceder aos seus desejos perversos.
— Que isso, prometo que não vai doer muito — disse o homem mais robusto, ao segurá-la com força pelo braço.
— Por favor, me solte, me deixe ir — pediu ela, já em lágrimas, temendo o que eles poderiam fazer com ela.
— Será que ela é virgem? Quero ser o primeiro — disse o homem magrelo, já retirando o canivete do bolso para amedrontá-la mais.
— Do que está falando… — O robusto apertou mais o braço dela, que seguia se debatendo para se soltar, mesmo estando acuada no canto. — Todos sabemos que isso está extinto em Siena.
— Eu serei o primeiro — disse o terceiro ruivo, com olhar de predador.
— Não, por favor… — A garota tomou coragem, em meio ao seu desespero e enchendo seus pulmões de ar, soltou um grito alto e forte. — SOCORROOOOOOO!!!
— Cale a boca. — O robusto tampou a boca dela com a outra mão, a pressionando ainda mais contra a parede. — Vou te ensinar a obedecer quando um homem manda.
O olhar da menina demonstrou seu medo, assim como as lágrimas que escorriam pelo seu rosto. Internamente a mistura de agonia e desespero crescia mais e mais dentro dela.
— Um homem de verdade jamais faria isso com uma mulher. — A voz de soou atrás deles em seu habitual tom sério, firme, autoritário e áspero, que fazia qualquer um temer.
— Quem é você? E quem acha que é para se intrometer nos negócios alheios? — indagou o ruivo ao olhar para o recém-chegado, mostrando o canivete em sua mão.
— Eu pedirei educadamente apenas uma vez, se cooperarem, posso deixá-los inteiros. — Continuou , se aproximando mais. — Deixem ela e saiam daqui.
O magricelo soltou uma gargalhada, zombando do rapaz. Até o momento, , mesmo tentando, não conseguia ver o rosto da menina, que era escondida pelo homem robusto.
— Se livrem dele logo — mandou o robusto, enquanto continuava segurando a garota.
Os dois tomaram impulso para investir seus pequenos objetos cortantes contra Magnus, entretanto, como um disciplinado e bem preparado herdeiro da máfia, o primogênito não sentiu nenhum esforço em desarmar ambos os homens e socá-los um pouco, ao mesmo tempo que lhe quebrava alguns membros no percurso dos golpes.
— Você é o próximo — disse ao limpar o lábio inferior, sentindo o gosto de sangue em sua boca por um corte provocado pelo magricelo.
— Eu vou matar você com minhas próprias mãos — afirmou o robusto ao lançar a garota no chão, fazendo-a bater a cabeça na lixeira próxima, o que a levou ao desmaio de imediato.
— Estou esperando. — Assentiu , com um sorriso de canto debochado. — Se conseguir chegar até aqui.
Foi um piscar de olhos, o robusto tomou impulso para correr até ele já com os punhos fechados, que Magnus apenas pegou o canivete do chão e lançou contra o homem, o acertando na região da jugular. Foi questão de minutos para que o inimigo parasse no meio do caminho sentindo o impacto, desabando ao chão logo depois. Ainda irritado com a cena que presenciou, se aproximou da garota caída e, ao virá-la para identificar seu rosto, seu corpo gelou de imediato.
Ele precisou respirar fundo para dominar suas emoções e manter-se racional diante da situação, porém, era nítido seu olhar de raiva. Pegando-a em seu colo, saiu daquele beco escuro e úmido, não se importando com o lixo que havia deixado para trás. Carregando-a durante todo o caminho, apenas se preocupava em levá-la a um lugar seguro o mais rápido possível.
Assim que chegou ao hotel, não se incomodou de ser avistado de longe pelo irmão e, exigindo as chaves de uma suíte Premium para a recepcionista, levou a garota ainda desacordada. Com o auxílio de uma das camareiras, sua protegida foi colocada na cama com roupas limpas e as feridas com curativos.
— Hum… — Algumas movimentações na cama, e sentindo seu corpo dolorido pela queda brutal, aos poucos a garota foi recobrando a consciência.
Ao abrir seus olhos, espantou-se por se deparar em um lugar estranho com Magnus encostado na janela a observando, com as mãos nos bolsos e um sorriso escondido no rosto.
— Não é um sonho — disse ele, imaginando o que ela estava pensando. — Você está bem, ?
O coração dela pulsou um pouco mais forte, quando finalmente assimilou o que tinha acontecido com ela e onde estava.
— Senhor Magnus… — Ela manteve sua voz mais baixa.
Mesmo sendo uma garota comunicativa e alegre, algo dentro de a fazia travar na presença de qualquer membro daquela família. Se era por causa de sua mãe ou pela severidade de como eram tratadas na mansão, a garota apenas não conseguia ser ela mesma por completo perto deles.
— Não me respondeu. — Insistiu ele, mantendo-se imóvel, apenas a observando.
— Eu estou bem, sim. — Assentiu, balançando a cabeça.
— Tem certeza? — Insistiu , com preocupação. — Está com fome?
— Não, senhor — disse ela, com mais segurança. — Eu estou bem… Obrigada por…
Ela manteve seu olhar abaixado. Por dentro não sabia se ficava aliviada por ter sido salva ou apreensiva por ter sido ele.
— Que bom… — Magnus suavizou um pouco mais o olhar. — Então, agora pode me dizer o que está fazendo em Siena?!
continuou em silêncio, apenas respirando fundo, sem a mínima ideia do que responder.
Agora, todos estão olhando para nós com pipoca na boca
Esperando para ver o que vai acontecer com nós dois.
– Lotto / EXO
4. Durand
Siena, primavera de 2011
Dizem que uma mentira contada cem vezes acaba se tornando uma verdade.
Mas e quando não sabemos nem mesmo que mentira contar? Foram longos minutos em silêncio, em que permaneceu com sua atenção fixa no chão, ainda abraçada às suas pernas como um gatinho medroso. O olhar fixo e intenso de em sua direção a deixava ainda mais apreensiva à procura de palavras para lhe formular uma resposta convincente. O coração apertado, com medo do que o primogênito pudesse fazer com ela, ou pior, delatar para a mãe.
— Eu… — Ela respirou fundo, por mais que forçasse, sua voz soava em sussurro. — Por favor, não conte à minha mãe.
Ela finalmente tomou coragem e levantou seu olhar para ele, os olhos marejados e amedrontados que causavam certo impacto ao rapaz. não gostava de admitir em suas reflexões internas, mas desde o momento que a filha da empregada lhe salvou a vida, seus pensamentos vêm sendo direcionados constantemente a aquele dia, à forma singela e delicada em que a garota o olhou, não se importando de quase ter se afogado no processo do resgate.
— Não deveria estar em Siena. — Seu tom de repreensão estremeceu por dentro. — Mas não vou contar, será mais um segredo nosso.
Por mais que a voz de soasse com desagrado pela presença da menina naquela cidade perigosa, seu olhar para ela se mantinha sereno e acolhedor, o que causava ainda mais confusão na mente de , pois ao mesmo tempo que ela sentia medo por aquela aura dominante que emanava do rapaz, ela também se sentia protegida por ele. Principalmente nas muitas vezes que a salvou das implicâncias do irmão caçula.
— Obrigada — sussurrou a garota, sentindo uma dupla gratidão naquele momento.
— Não saia do quarto, voltarei em algumas horas. — O tom de ordem foi sutil e direto, o que significava que não retornaria para casa naquele dia, o que muito a preocupou.
adentrou o banheiro e após dez minutos, retornou trajando outra roupa mais formal, um terno azul marinho combinado a uma gravata cinza grafite e o all star branco nos pés.
— Mandarei um serviço de quarto, você precisa comer algo — disse ele, ao ajustar o relógio em seu pulso e voltar o olhar sério para ela. — Não abra a porta para ninguém, a menos que seja o seu jantar.
— Sim, senhor. — Ela assentiu com a cabeça.
O primogênito Magnus soltou um suspiro cansado, imaginando que deixá-la ali pudesse lhe causar alguma dor de cabeça futura, porém, não havia outra solução. Contudo, tinha negócios para tratar com o novo Don de Siena, o jovem Massimo Rivera. Então, ao descer para o saguão do hotel, se dirigiu à recepção para dar as instruções sobre o serviço de quarto, para que levassem o jantar da garota. Segundos depois, ao se afastar do balcão da recepção, ele foi recepcionado por uma funcionária que o guiou até a área vip do restaurante. Não demorou até que aparecesse em seu campo de visão, com gestos despreocupados e acompanhado das duas guias que foram designadas a cuidar deles. Mais um suspiro cansado surgiu em pela postura descuidada do irmão, pois baixar a guarda em solo inimigo não era uma atitude prudente.
— Aqui está o próximo Don Magnus. — A voz de Rivera soou atrás dele, fazendo-o se virar de imediato. — Achamos que tivesse se perdido no caminho. Fiquei preocupado.
— Já estamos no horário do jantar, vamos falar de negócios agora? — indagou , não deixando espaço para falsas cordialidades de seu anfitrião.
— Bem que me disseram que os irmãos Magnus eram dois polos divergentes. — Ele voltou o olhar para o caçula no bar. — Um despreocupado demais e o outro…
— Eu apenas não gosto de perder o meu tempo com coisas banais — explicou , suavizando a voz para manter o bom clima.
— Ah sim… Certamente seu tempo com aquela garotinha deve ter sido bem proveitoso, já que não está tão de mau-humor como mais cedo. — O comentário de Rivera mencionando fez os punhos do primogênito se fecharem inconscientemente. — Agora estou curioso para saber qual o seu tipo ideal de mulher… Pela forma que a trouxe, deve gostar de garotas puras e indefesas.
— Este assunto não lhe diz respeito. — manteve a seriedade no olhar, engolindo seco a raiva pela insinuação do outro.
— Magnus… Já deveria saber que tudo que acontece em minha cidade me diz respeito. — Massimo deixou sobressair seu olhar arrogante e superior naquele momento.
— Ela não pertence a esta cidade. — se esforçou para manter a cordialidade, deixando seu tom mais fluido, continuando o olhar firme.
— Não é o que eu acho. — Massimo soltou uma risada rápida e sarcástica. — Você conhece as regras, Magnus, quem entra na minha cidade sem convite, pertence a ela.
Rivera não sabia quem era a garota que seu inimigo havia levado ao hotel, mas as ações de em abrigá-la, já indicava uma oportunidade de usar a situação a seu favor. Assim eram as coisas na máfia, os Dons sempre precisavam estar um passo à frente de seus inimigos, e cada detalhe era a chance de lhe render lucro ou o azar de sofrer alguma perda.
— Claro… — sentiu seu sangue ferver de raiva diante daquela insinuação de poder. — Mas tais regras não se aplicam a acompanhantes, e aquela garota está sob a minha proteção… Você acabou de sentar no trono do seu pai, Rivera, e não acho que seja sensato gerar transtornos aos seus convidados, afinal, você possui muitos subordinados em Siena que dependem da autorização da minha família para fazer negócios em toda Toscana.
Uma das muitas habilidades do primogênito Magnus era sua facilidade em criar fortes argumentos, ponderado em suas palavras e observador a ponto de analisar seu inimigo e descobrir seus pontos fortes e fracos em um curto espaço de tempo.
— Para alguém que não gosta de poker, você é um bom jogador. — Massimo deu um discreto sorriso de canto, utilizando de ironia naquele comentário, pois, internamente estava em fúria pela ousadia do garoto.
— Como eu disse, tempo é dinheiro e não costumo gastá-lo banalmente.
A postura rígida e fria de o fazia remeter seu avô, Eli Magnus, um dos maiores patriarcas da máfia italiana, a quem Massimo vagamente tinha um leve senso de respeito e admiração, pela trajetória do homem que ergueu a família do pó em meio à Segunda Guerra mundial, e a fez ser a mais importante da Itália na região de Toscana.
— O que me leva a perguntar mais uma vez, a que se deve o convite que recebemos? — continuou , demonstrando o encerramento do assunto anterior.
Mesmo estando implícito, Rivera conseguia sentir aquelas palavras como um aviso cordial para que ele se mantivesse longe da garota em seu quarto, entretanto, a postura de Magnus fez seu inimigo se interessar ainda mais pela história.
— Algo de nosso interesse. — Massimo deu o primeiro passo para seguir até a mesa reservada a eles. — Me acompanhe, por favor, temos um intrigante assunto para tratar.
voltou seu olhar mais uma vez para o irmão que parecia não se importar com os assuntos chatos da máfia, e apenas ambicionava se aproveitar da experiência que teria em sua única noite em Siena. Suas guias turísticas estavam ávidas a lhe proporcionar a mais alucinante noite de sua vida, sem se importar com a pouca idade do menino.
— Estamos aqui, qual seria o assunto do meu interesse? — indagou , ao se acomodar na cadeira, com seu olhar discreto e atento a toda movimentação do lugar.
Sua preocupação estava mais no irmão inconsequente e suas altas gargalhadas na área do bar, um adolescente de quatorze anos imaturo que se achava o adulto quando lhe convinha.
— Presumo que soube dos boatos de um carregamento seguindo para Lisboa que sofreu um ataque — iniciou Massimo, o assunto, não detalhando os envolvidos.
— A notícia chegou em Florença, mas não achamos pertinente. — sabia vagamente do ocorrido, um breve comentário do assistente do pai, o atualizando das notícias da cidade em seu relatório semanal. — Pertencia a você? Lorenzo Moretti já fez sua retratação?
— Felizmente não pertencia a mim, e o fator chave é que o serviço de entrega não pertencia à transportadora Ravena, dizem que o contratado foi uma empresa nova de Portugal — continuou Rivera respondendo à pergunta de Magnus, ao se servir de uma taça de vinho. — Ao que se sabe, a carga era muito importante, e os donos do prejuízo é a família Cassano.
— Se Gavino Cassano não se importou em dar as costas para a tradição e fez negócios ocultos, não é do meu interesse. — soltou um suspiro cansado, demonstrando desinteresse ao assunto. — Todos sabem que a única empresa autorizada a fazer transportes a partir de Toscana é a que pertence a Lorenzo. E Gavino tanto sabe das regras que nem sequer pediu socorro à casa Magnus.
— É neste ponto que quero entrar. — Massimo ajustou sua postura na cadeira, com seriedade na voz. — Como uma empresa portuguesa consegue entrar e sair de Toscana com facilidade? Tirando o fato de permitir que seja atacado um transporte importante?
— Está insinuando que minha família não protege bem as fronteiras? Ou permite que qualquer um entre e saia sem prestar contas? — forçava uma respiração tranquila, porém, dava para ver seu olhar atravessado para o homem à sua frente.
— Pelo contrário, estou alertando que existe alguém querendo violar nossas fronteiras, e devemos ter cuidado pelo bem dos negócios. — Massimo não gostava da casa Magnus, mas não podia negar o poder, força e prestígio que tinham na região, então neste momento de iminente ameaça, ele precisava unir forças com o inimigo. — Um dos nomes da minha folha de pagamentos me mandou um alerta, algumas famílias de fora estão interessadas em nossa região…
— Estão achando que a Itália é uma terra sem donos e sem lei? — indagou o outro, sobre a afirmação do homem.
— Talvez pelo fato dos mais velhos serem conhecidos como pacíficos demais e agora estarem se aposentando — supôs Rivera. — Nem tudo deve ser resolvido com diplomacia, somos os Dons da Itália, nossa palavra é lei.
concordava com uma coisa, ele não deixaria nenhuma afronta passar sem uma resposta à altura.
— Não vou me misturar com um traidor como Cassano, mas… — Seu olhar se voltou mais uma vez na direção em que o irmão estava, não o encontrando. — Descubra o que tinha no carregamento e o quão valioso era, então verá como a família Magnus lida com esses assuntos.
levantou-se da cadeira e percorreu o olhar pelo restaurante, constatando a ausência do irmão. Certamente o caçula já estava em seu quarto encerrando a noite a seu modo peculiar de se divertir.
— Magnus — Massimo se levantou logo atrás —, a última vez que tentaram dominar Toscana, tivemos muitas perdas… E foi exatamente assim que começou, com uma família gananciosa.
— Tem a minha garantia que nada mais passará pelas fronteiras de Toscana sem que eu saiba. — A voz de soou com segurança e firmeza, o que impressionou Rivera. — E quanto a Gavino, ele e toda a família Cassano sofrerão as consequências de se quebrar as regras.
— Gostaria de me encarregar dele, se for possível. — Rivera não quis soar como uma permissão, mas odiou a forma em que as palavras saíram. — Tenho algumas contas a acertar.
— Fique à vontade. — Assentiu o primogênito.
Por mais que o primogênito ainda estivesse no colegial e sendo treinado para assumir os negócios da família futuramente, já tinha algumas responsabilidades a seu encargo, que mesmo a distância de estudar em Londres não impedia de executar suas funções com maestria. Após se afastar do anfitrião, Magnus se dirigiu até o saguão do hotel em direção ao elevador. Seus pensamentos o fizeram refletir por um tempo os questionamentos de Massimo, afinal, para convidá-lo a Siena por este assunto, certamente o novo Don Rivera estava mesmo inquieto com a possibilidade de um ataque a eles.
Dividir para conquistar, esta foi a principal estratégia de seus inimigos no tempo em que as famílias da máfia de Toscana estavam em guerra. Tudo havia iniciado com o roubo de uma carga de vinhos dos Rivera, prosseguindo com a chacina de algumas famílias importantes e incêndios criminosos em pontos estratégicos. Foi em um tempo que os jovens herdeiros nem sonhavam em nascer e já havia rivalidades dentro e fora das fronteiras.
— Senhor Magnus. — A voz baixa de soou assim que a porta se abriu e adentrou o quarto.
Um respiro profundo de alívio pela garota tê-lo obedecido. Logo o olhar de se moveu para a varanda do quarto, a porta de acesso estava aberta e a brisa fresca da noite adentrava o lugar. Não precisou de muito para que ele entendesse que havia mais alguém naquele ambiente.
— Parece que não sou o único a me aventurar em Siena. — A voz de pareceu mais sarcástica que o habitual, seguido de uma risada abafada.
O caçula apenas se pronunciou mediante aos passos de aproximação do irmão.
— O que faz em meu quarto? — indagou ao parar no vão de passagem e observá-lo.
— Estava seguindo para minha noite de aventuras quando observei um mordomo saindo do seu quarto com o carrinho de jantar — explicou o jovem com tranquilidade mantendo sua atenção no horizonte. — Fiquei curioso para saber se meu irmão havia convidado alguma acompanhante para passar a noite. — Ele riu novamente e se virou para o mais velho, o toque de malícia e sarcasmo exalava de seu olhar. — Só não esperava encontrar a filha da empregada aqui. — Um sorriso de canto presunçoso e o ar de ironia. — Pretende seguir os passos do papai?
deixou soar o assunto, não se importando com o que a garota ouviria, afinal, todos ali sabiam exatamente o que acontecia entre o senhor Magnus e Lídia, quando as portas do escritório estavam fechadas.
— O que eu faço ou não da minha vida, não lhe interessa — respondeu de forma seca e áspera. — Saia do meu quarto e esqueça que a viu.
— Hummm… — soltou outra risada tendenciosa e deu alguns passos até o irmão, parando em um ângulo que era possível ser visto por . — Dizem que escondido é mais interessante… Mas não acha que ela é nova demais e atraente de menos?
Nem mesmo as palavras haviam saído de sua boca, e foi interrompido por um soco de seu irmão, que o deixou desnorteado. , presenciando toda a cena, levou a mão à boca no susto da ação, transparecendo seu olhar amedrontado.
— Ai… — riu mais um pouco sentindo a dor no canto da boca, ao passar a língua no local, sentiu o gosto de sangue devido a um pequeno corte provocado. — Isso tudo porque não quer admitir?
sabia que a provocação poderia lhe custar mais algumas dores, então endireitou seu corpo e adentrou o quarto. Seu instinto masoquista não lhe permitia sair em silêncio.
— Se não a quer… Ideias é que não me faltam… — Outro soco lhe fez silenciar, um ainda mais forte que o primeiro, quase o derrubando no chão.
— Eu vou dizer mais uma vez para ficar claro — pegou com agressividade no pulso do irmão, seu olhar sombrio emanava uma fúria incomum —, não ouse tocar nela ou vou me certificar que não toque em mais nada.
— É apenas a filha da empregada! — o encarou sem demonstrar medo, pelo contrário, se deliciando com a reação do irmão. — Fique tranquilo irmãozinho, seu bichinho de estimação não faz o meu tipo.
Em um movimento brusco, o caçula se soltou do irmão e dirigiu-se à porta, ao parar em frente, voltou o olhar para a garota que se mantinha encolhida no topo da cama, estática pela interação dos irmãos.
— Você não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, querido irmão, menos ainda impedir que outros se aproximem dela. Uma hora, até os filhotes de cachorro crescem e ficam sem controle. — Uma última risada irônica e deixou o quarto batendo a porta.
não conseguia entender de fato o que lhe acontecia internamente. Ao mesmo tempo que seus pensamentos eram constantemente invadidos pelo rosto de , o deixando estático, ele também se enfurecia por pensar tanto na filha da empregada, a ponto de não querer imaginar nenhum outro se aproximando dela. Logo a imagem dos três homens no beco a coagindo lhe invadiu a mente, fazendo-o ficar ainda mais irritado pelas palavras realistas do irmão.
— Esqueça o que ouviu neste quarto e nunca mais saia de casa sem permissão — disse ele, num tom que exalava ordem, porém com serenidade.
apenas assentiu com a cabeça, sentindo o coração ainda acelerado pela exaltação entre os irmãos. Por um breve momento, o primogênito se pegou olhando-a com profundidade, com a sensação de estar hipnotizado pela forma delicada e singela da menina se comportar, mesmo em momento de tensão. Ao respirar fundo, voltando à realidade e reprimindo seus pensamentos tortuosos, ele se aproximou da porta para se retirar.
— Tome um banho e descanse, tem toalhas limpas no banheiro, retornaremos à Florença pela manhã. — Seu tom de ordem era nítido, mas se esforçou ao máximo para que as palavras soassem com sutileza.
— Eu perdi meu celular… — anunciou ela, ao se lembrar da situação perigosa que passou mais cedo. — Aqueles homens… Quebraram e não consegui dizer à minha amiga que estou bem.
Amiga?! Pensou ele, puxando alguma informação relevante de sua memória.
— A filha da cozinheira dos Tommaso? — indagou ele, finalmente associando a pessoa à imagem que tinha vagamente.
— Sim, a Rosalia. — Assentiu . — Disse à minha mãe que dormiria na casa dela.
não tinha mais nenhuma alternativa a não ser jogar abertamente com o filho mais velho dos Magnus e esperar por sua ajuda, afinal, com a perda do celular e seu silêncio, ela temia que a amiga pudesse ter entrado em desespero e delatado a Lídia os planos da filha.
— Não se preocupe com isso — disse o mais velho com segurança. — Apenas descanse, eu cuidarei do resto.
retirou o celular do bolso e, girando a maçaneta da porta, saiu do quarto para lhe dar mais privacidade. precisou de mais alguns minutos para finalmente sentir seu coração mais calmo e se levantar da cama. Voltando a atenção de relance para a porta, ela pôde ver com clareza a sombra de projetada no chão, certamente ele se mantinha parado do lado de fora como um cão de guarda. A menina não desejava aquilo, ter a atenção do primogênito, pois sabia o quão angustiante era a situação de sua mãe naquela casa e a forma que o senhor Magnus a tratava como sua propriedade.
— Eu não deveria ter vindo… — sussurrou ela, frustrada pela perda de tempo.
Seu objetivo de se encontrar com a pessoa que lhe mandou a mensagem não concretizou. Ao chegar no lugar, apenas se deparou com a velha edificação em seu estado deplorável de desgaste e abandono. Vazia e silenciosa. No impulso da chateação por se sentir enganada, a garota saiu correndo pelas ruas desconhecidas até trombar nos três homens que a acuaram.
— Não posso causar problemas à mamãe… — sussurrou novamente para si, seguindo até o banheiro.
Lídia era mesmo uma mãe afortunada. Por mais que tivesse apenas 11 anos, era responsável e muito madura para uma criança da sua idade. Talvez pela perda dolorosa que teve no passado, tendo presenciado o massacre da sua família, ou por saber claramente o quão pesado era o sacrifício de sua mãe para mantê-las vivas. Ela precisava ser forte e encarar os desafios da vida de frente, se esforçando ao máximo para não criar problemas para mãe.
A menina caminhou até o banheiro, não se conteve em reparar no luxo que era o ambiente. Parecia com os grandes palácios reais que via na internet, revestido de mármore nobre, as louças brancas de alto nível e os metais dourados folheados a ouro, remetendo à grandeza da máfia. Tão confortável e chamativo quanto os banheiros da mansão dos Magnus, e com o tamanho que parecia caber 3 quartos de empregados dentro. Seus pensamentos se perderam ali dentro, até que ela voltou à realidade e se lembrou da ordem do primogênito. Ao tomar seu banho, voltou a vestir a mesma roupa que estava em seu corpo quando acordou. Retornando, seu corpo gelou ao se deparar com o olhar frio de para ela, como se tivesse feito algo de errado.
— Troque esta roupa, você acabou de se banhar e estas em seu corpo estão sujas. — Seu habitual tom grosso e áspero a fez estremecer por dentro, então, mantendo a serenidade na face, o rapaz apontou para uma muda de roupas em cima da cama.
apenas assentiu e as pegou rapidamente retornando ao banheiro. Das muitas manias que o primogênito tinha, organização e limpeza eram as mais visíveis de se notar e importantes para ele.
Quando a garota retornou ao quarto, estava sentado na poltrona ao lado da passagem para a varanda. Seu olhar na menina se desviou para cama por um momento, indicando para ela que deveria se deitar e dormir. Entendendo o recado, continuou em silêncio e se deitou, cobrindo-se com o edredom. Apesar da sua mente e corpo cansados pelo dia que teve, ela se forçou a não adormecer de imediato, e mesmo constrangida pelo olhar fixo do rapaz para ela, manteve sua atenção à claridade da lua que adentrava o quarto.
Na manhã seguinte, despertou aos poucos sentindo o feixe de luz em seus olhos, o sol já adentrava o quarto sem pedir licença. Erguendo um pouco o corpo, ao esfregar seus olhos com as mãos, ainda sonolenta, sua mente foi lentamente recobrando o raciocínio até que ela se lembrou por completo de onde estava. Sua parcial noite em claro teve uma breve rendição quando suas pálpebras pesadas venceram e se fecharam, não se importando com a presença do primogênito. O rapaz, por sua vez, continuou acordado enfrentando as longas horas da madrugada, enquanto mantinha sua atenção na filha da empregada que dormia como um anjo.
Para , nem mesmo passar pelos treinamentos de tortura psicológica do pai conseguiam ser mais dolorosos que controlar os muitos pensamentos que lhe perturbou a mente. E isso aumentava seu estado de irritação, afinal, ela não era ninguém a se considerar em sua vida.
Então por que o fazia se preocupar tanto? Não que ele tivesse atração pela garota, afinal, aos seus olhos ela ainda era considerada apenas uma criança, contudo, o sentimento que não ousava consentir e admitir era de admiração.
Uma pequena, delicada e tímida garotinha havia enfrentado a água e o perigo para salvar sua vida.
— Bom dia — disse ele, mantendo-se no mesmo lugar, sentado na poltrona, observando-a acordar por completo. — Voltaremos para casa em vinte minutos, aproveite para tomar café. — Ele voltou seu olhar para a mesa de refeições que tinha no hall de entrada do quarto.
— Obrigada — sussurrou , ao respirar fundo e se levantar com cautela, seguindo para a mesa.
Um banquete digno da realeza a aguardava, o que a deixou estática inicialmente por se deparar com alimentos que apenas eram servidos aos patrões e agora ela tinha a oportunidade de experimentar. Ela voltou seu olhar surpreso para ele, como se quisesse perguntar:
“Isso tudo é para mim?” — Coma apenas aquilo que lhe der vontade — disse ele em resposta ao olhar dela.
assentiu de imediato, sem notar que um sorriso singelo e espontâneo lhe escapou pelo rosto. se viu ainda mais admirado com a cena que presenciava, sentindo uma estranha aquecida no coração.
Exatos vinte minutos depois, ambos saíram do quarto e se juntaram a que os aguardava na recepção. O caçula tentou ignorar a presença de entre eles, porém, seus olhares curiosos para ela eram constantes e seguidos de risadas disfarçadas.
— Se persistir em não fazer silêncio, voltará para casa a pé. — O soar repreensivo de para o irmão assustou a garota que estava no banco de trás do carro.
— Eu não disse nada. — segurou o riso, adorava provocá-lo ao último nível.
O primogênito olhou para o reflexo do irmão no retrovisor da frente, e depois para o de que se mantinha com o olhar baixo. Com um longo suspiro, se preparava mentalmente para as horas que teria que dirigir até Florença. Por mais que a idade liberada para dirigir no país fosse a partir de 18 anos, o rapaz havia conseguido uma licença especial por já ter conseguido sua habilitação no Reino Unido.
— Não deveria nem mesmo pensar — retrucou o mais velho, com sua atenção na estrada.
— Poderíamos ter ficado mais algumas horas — reclamou o caçula, chateado por ter encerrado sua diversão com as guias do hotel. — O que há de errado em se divertir?
— Não o obriguei a retornar comigo. — soltou outro suspiro.
— E dar motivos ao nosso pai para me dar uma surra? — soltou uma gargalhada boba. — Não estou a fim de sentir dores este final de semana.
Se inicialmente para o caçula se mudar para Londres havia sido um castigo do pai, agora estava achando o ápice de sua liberdade, estar longe do homem que o tratava com tanto desprezo. Por mais que tentasse entender os motivos da nítida diferença de forma de tratamento entre os irmãos, já começara a não se importar mais com os momentos de humilhação e apenas acostumou-se com as dores que sentia antes, durante e depois.
— Não se preocupe, voltaremos a Londres na segunda pela manhã — afirmou o primogênito ao voltar seu olhar para o retrovisor frontal e encontrar o olhar de .
direcionou seu olhar para a estrada retirando os fones do bolso, os conectou no celular e deu start em sua playlist regada a canções do Linkin Park e Nirvana. O restante do caminho foi em silêncio, com apreensiva internamente, pois não sabia o que tinha acontecido com sua amiga, e temia chegar à mansão acompanhada dos irmãos. Entretanto, um leve suspiro de alívio veio a ela, assim que reconheceu a rua onde se localizava a biblioteca pública de Florença. parou o carro e desceu, abrindo a porta de trás em seguida, nem precisou de palavras para que ela entendesse que deveria descer também. Mais à frente, a menina avistou a amiga acompanhada de Matteo, com seus olhares transbordando curiosidade.
— Oficialmente, você passou a noite na casa da sua amiga — afirmou , com segurança da história que pretendia sustentar. — Sua mãe não lhe fará perguntas.
— O que você fez? — perguntou , num tom baixo e quase falho.
— Eu apenas assegurei que seu álibi não falhasse. — Ele se permitiu deixar um sorriso de canto escapar em seu rosto. — Não foi o que prometi ontem à noite?
Entretanto, quando percebeu a espontaneidade de seu sorriso, voltou à seriedade e deu o primeiro passo para se afastar da garota.
— Não se esqueça de que não pode sair sem permissão — relembrou-a sua ordem, seu tom ficou mais áspero e seco.
assentiu e, se desviando dele, seguiu até seus amigos. Ela sabia que a palavra
“permissão” não se referia à sua mãe, e sim, a ele. Contudo, mesmo com o coração apertado, ela estava um pouco mais aliviada por estar de volta e bem fisicamente.
— … O que aconteceu? Ficamos preocupados — disse Rose, ao abraçá-la bem apertado. — Foi por pouco que eu não liguei para sua mãe.
— Nós te esperamos na cafeteria, depois fomos à estação, mas você não apareceu — completou Matteo ao voltar discretamente sua atenção para frente e perceber que ainda os observava de longe.
— Me desculpem, aconteceu um contratempo que me impediu de voltar ontem — explicou , sem saber como expor toda a situação.
— Contratempo com o nome Magnus? — Rose a indagou, estava mesmo aflita. — Eu quase levei um susto quando minha mãe veio me dizer que ele estava com você.
— Ele ligou para sua mãe? — ficou desnorteada com a revelação. — E a minha mãe?
— Não se preocupe, sua mãe não sabe de nada — explicou Rose, direcionando sua atenção para os carros que passavam na rua —, vossa majestade ofereceu um acordo em troca de um álibi perfeito.
— O que você fez para conseguir a proteção do Magnus? — perguntou Matteo, curioso.
A garota desviou o olhar de seu amigo para o chão, constrangida pela entonação da pergunta.
— Eu… — voltou a atenção para a amiga, tentando ignorar aquela pergunta. — O que aconteceu, Rosa?
— Minha mãe ligou para a sua dizendo que você estava em nossa casa e que dormiria lá, por causa da nossa feira de ciências — contou a menina com toda tranquilidade do mundo, recordando do momento —, em troca, garantimos com o Magnus a minha sonhada bolsa de estudos na filial do Constance em Londres.
— Ele ofereceu uma bolsa de estudos para você em troca da ajuda da sua mãe? — Era surreal demais para acreditar.
— Sim. — Assentiu Rosa, certa da situação. — Inicialmente ele ofereceu dinheiro, mas minha mãe disse que ajudaria se a filha dela tivesse oportunidades melhores de estudo. Então ele me perguntou o que eu queria.
— E a nossa amiga gananciosa não pensou duas vezes em nos deixar para viver em meio à elite — Matteo comentou transparecendo seu tom chateado.
— Deixe de ser dramático — Rosa disse com desdém, revirando os olhos —, você sabe muito bem que meu plano para o futuro é Harvard, e como seria ambição demais pedir uma vaga na minha universidade favorita, me contentei apenas com o melhor colégio de ensino médio da Europa. Pelo menos estarei um passo mais próximo do meu objetivo.
— O que você tem contra estudar na Itália com seus amigos? — questionou o menino ainda chateado.
— Não vejo futuro estudando aqui, além do mais, todos os filhos de empregados que saíram do fundamental no Constance, não conseguiram boas escolas para o ensino médio — argumentou ela, a realidade. — Você sabe que o Constance tem a unidade de Londres para fazer a separação entre as classes e assegurar as oportunidades nas mãos da elite.
Rosalia estava correta, dos poucos alunos bolsistas que tinha em sua escala, menos de 1% conseguia trilhar rumos melhores após saírem do ensino fundamental.
Alheia ao debate entre os amigos, ainda desnorteada com os acontecimentos do dia anterior, agora se encontrava perplexa e temerosa. Afinal, a pior coisa na vida era dever favores para alguém da máfia, principalmente se este alguém fosse da realeza de Toscana.
Afastado do grupo de amigos, retornou ao carro e deu partida em direção à mansão da família. Por um breve momento, voltou a atenção para o irmão que dormia ao lado e soltou uma risada boba.
— Se está rindo, é porque está de bom humor — comentou , permanecendo com os olhos fechados.
— Você não estava dormindo? — retrucou o mais velho, voltando à seriedade.
— Disse bem, estava. — O caçula se ajeitou no banco e abriu os olhos, retirando os fones do ouvido. — Estamos indo para casa?
— O jantar foi promissor? — indagou curioso.
— Notícias indesejadas, mas não se preocupe, nosso pai não saberá de suas aventuras. — Assegurou , olhando o reflexo do irmão no retrovisor. — Mas terá que ser bem mais convincente desta vez, ou não conseguirei te acobertar.
— O que aconteceu? Quem é você e o que fez com o ? — brincou , rindo baixo. — Bastou uma noite com a filha da empregada para ficar bonzinho?
— Nem uma palavra sobre este assunto com o papai — ordenou ele — ou farei com que passe a noite no hospital de tanto apanhar.
soltou uma gargalhada sarcástica.
— Agora está explicado, sua proteção pelo meu silêncio. — Ele bufou de leve, porém, deixando uma risada rápida soar. — O primogênito sendo o primogênito.
— Sabe que não jogo para perder. — Assentiu o rapaz, com um sorriso de canto discreto.
soltou um suspiro reflexivo, ele sabia que havia um lado sombrio e oculto de seu irmão que até mesmo seus pais não conheciam. E não se importava com isso, a relação de ambos era um misto de amor e ódio, que acabou se transformando em cumplicidade e parceria ao morarem juntos em outro país.
Provença, inverno de 2012
Uma sexta-feira chuvosa se colocava diante do agente da Interpol. Louis Durand estava frustrado por seus planos terem sofrido alterações de última hora. Não havia sido fácil conseguir infiltrar um espião na máfia, e por não ter escolhido direito a pessoa certa para a missão, agora tinha que lidar com as consequências.
Pietro deveria apenas se concentrar em seu papel de jardineiro inexperiente, porém, após sua imprudência em achar que poderia sair do plano e enfrentar a máfia, agora estava preso a uma cadeira de rodas e envolvido emocionalmente com Diana Tommaso. A sorte foi não terem descoberto a identidade verdadeira do rapaz, e ainda o deixado vivo para se lembrar que uma
filha da máfia é inalcançável para qualquer mortal da plebe.
— Ahhhhh. — O agente soltou um suspiro cansado ao manter seu olhar no quadro de anotações na parede do seu escritório no porão.
Já contavam dois anos de afastamento pelo fracasso da última operação. Agora, após muitos pedidos para uma nova oportunidade, o agente estava começando do zero, pela segunda vez, o seu plano de ataque. Estudava cada detalhe das informações que possuía sobre o massacre da família Miller e o envolvimento da máfia de Toscana no assunto. Sua mente seguia cansada com tudo aquilo e o fato de sempre parecer estar andando em círculos. Ele precisava chegar mais perto, precisava avançar em suas investigações e fazer justiça nem que fosse a seu modo.
— Querido… Não vai dormir? — A voz de sua esposa lhe despertou a atenção.
A mulher se manteve parada no último degrau da escada, atenta aos movimentos do marido. Amber já havia presenciado muitas noites de Durand em claro, traçando suas estratégias de ataque e montando as missões de seus espiões. Devido ao cargo elevado de supervisor de investigação, seus dias em campo deram lugar à rotina administrativa que o permitia trabalhar em sistema home-office. Com isso, a necessidade de recrutar bons agentes foi confirmada, após dois fracassos em missões de infiltração.
— Deu errado novamente? — perguntou ela, preocupada com o lado perfeccionista do marido.
— Se você quer algo bem feito, faça você mesmo — disse ele, em resposta enigmática.
Contudo, ela sabia muito bem o que significava aquela resposta. Para alguém como Louis, ter uma família era como ter sua própria kriptonita, entretanto, quando foi promovido, encontrou a oportunidade de levar seu interesse romântico pela confeiteira Amber Floratta adiante, transformando-a na senhora Durand. Com isso, acabou por também ganhar um enteado de brinde. Estando por detrás das missões, nos bastidores, sua exposição era o mínimo possível, trazendo assim, segurança à esposa.
— Sei que vai conseguir dar um jeito. — Com o andar suave, ela foi se aproximando dele, até que o abraçou por trás, envolvendo seus braços em na cintura do homem.
— Agradeço por ser mais otimista que o seu marido — brincou ele, soltando uma risada baixa e tocando nas mãos dela que o envolvia. — Só você pra não me deixar perder a cabeça.
— É para isso que servem as esposas — assegurou Amber, lhe dando um beijo no pescoço. — E esposas ficam carentes quando o marido só tem olhos para o trabalho.
Sua reclamação soou como uma indireta para ele.
— Estamos sozinhos? — indagou Louis, ao se virar para a esposa com um sorriso de canto malicioso.
— Liam me ligou dizendo que chegaria mais tarde, hoje foi seu primeiro dia no emprego de meio período na oficina — respondeu ela, ao elevar seus braços e envolver no pescoço dele, Amber manteve seu olhar sugestivo. — O que significa que temos a casa vazia.
— Interessante. — Louis pegou sua esposa no colo, fazendo-a soltar um gritinho meigo de susto, então, seguindo até as escadas, começou a subir os degraus. — Que tal um banho estimulante? — Ela sorriu mais abertamente, com o olhar concentrado em seu marido.
Por mais que Amber soubesse das inúmeras aventuras amorosas que Louis teve em seus tempos de agente em campo, a mulher controlava com rigidez os ciúmes que tinha dele. Não deixaria que suas inseguranças atrapalhassem o bom andamento de seu relacionamento, afinal, não é todo dia que se esbarra em um homem inteligente, bonito e protetor, que se interessa por uma mãe solteira com um filho rebelde e incompreendido.
O jovem Liam, era uma mistura ofensiva de badboy e gangster, que fazia a vida de sua mãe ser um tanto quanto complicada e atordoada. Com extrema revolta interna por ser filho de uma relação extraconjugal forçada, tinha descoberto aos dez anos de idade que seu pai era um policial corrupto de Lisboa que havia abusado de sua mãe. Quando o homem soube da gravidez, por ser casado, forçou Amber a abortar, entretanto, a mulher fugiu de Portugal, mudando-se para a Espanha, pois não queria desistir da criança. Para ela, o filho saber a verdade poderia ser mais doloroso que o bullying que sofria nas escolas, relacionados ao fato de não ter um pai.
O garoto, de uma criança quieta e medrosa, mudou radicalmente sua postura no momento que viu pela fresta da porta o senhor Garcia, dono da cafeteria em que a mãe trabalhava, ameaçar a mulher a demissão caso ela não o satisfizesse. Com um filho para criar, sendo apenas ela contra o mundo, Amber precisou lidar com diversos tipos de situações machistas para sobreviver. E o dia em que teve mais orgulho de seu filho e maior dor de cabeça, foi neste mesmo dia em que a criança de apenas dez anos, adentrou o escritório do homem repugnante e o ameaçou com um canivete, se o homem ousasse encostar em sua mãe novamente. A partir de então, Liam permitiu que a raiva crescesse dentro dele, o tornando um adolescente agressivo e indiferente aos sentimentos alheios. O que antes eram chacotas das outras crianças, começou a fazê-las temer a sua presença.
Então, poucos meses após completar treze anos, o adolescente descobriu o romance dos adultos, o que resultou no incêndio do apartamento onde moravam e uma briga calorosa entre ele e Louis, com socos e cortes. No final, Durand, sendo mais velho e experiente, acabou por conquistar o respeito e admiração do garoto, além de ganhar ainda mais o coração da mulher que lhe despertou o interesse. Como investigar, a corrupção do senhor Garcia e seu envolvimento com a máfia italiana, seria sua última missão em campo, o agente se deixou envolver por Amber, iniciando um relacionamento mais sério.
— Já vai retornar ao porão? — resmungou Amber, ao se enrolar um pouco mais nos lençóis da cama.
— Vou deixá-la dormir um pouco — brincou ele, com um sorriso de canto ao beijar o pescoço da mulher de leve. — Você sempre fica cansada depois que eu mato sua carência.
— Hum… — Ela escondeu seu rosto com o lençol, morrendo de vergonha do comentário do marido.
— Vou conferir se o Liam já chegou — disse ele, ao se levantar da cama e vestir a roupa antes de sair do quarto.
De fato, o adolescente já se encontrava em casa, sentado numa das cadeiras da cozinha, mexendo em seu celular, parecendo estar concentrado no que digitava. Durand adentrou o espaço com tranquilidade, seguindo até a geladeira para pegar água gelada. Ele não tinha nenhuma vergonha de demonstrar seu afeto por Amber na frente o enteado, então, sempre que os momentos mais íntimos entre o casal aconteciam, o agente continuava a agir com naturalidade de sempre.
— Chegou agora? — indagou Louis, após ter dado o primeiro gole na água que havia despejado no copo.
— Sim — respondeu o garoto.
— Qual o relatório do dia? — continuou sua indagação.
— Quer mesmo falar sobre isso aqui? — Liam parou o que digitava e olhou para ele, estava confuso pela pergunta. — Contou à mamãe?
— Não, claro que não, este é o nosso segredo de pai e filho. — Louis soltou uma risada baixa. — Só estava te testando.
Com a falha de todos os agentes de campo que Durand havia recrutado, seus planos precisaram sofrer mudanças, e a frase “
se você quer bem feito, faça você mesmo” nunca foi tão real para ele. Sem o conhecimento de Amber, o agente havia recrutado o próprio enteado, extraoficialmente, e agora o estava treinando para ambos trabalharem juntos. Liam, em sua fase experimental, não se importava com o lado exigente e perfeccionista do padrasto, pelo contrário, estava se divertindo com a ideia de ser um agente de campo e passar por momentos de adrenalina no qual poderia usar toda a sua raiva e agressividade acumulada.
— Vamos ao porão — ordenou Louis ao deixar o copo em cima da bancada e seguir para a porta de acesso às escadas.
Liam apenas assentiu e se levantou da cadeira para segui-lo. No andar de baixo e com a porta devidamente fechada e trancada, ambos começaram a conversar sobre as experiências de Liam como um aluno do colegial, a procura de emprego de meio período nas oficinas da cidade. Sua missão era se infiltrar em todas, trabalhando em cada uma por sete dias apenas, e depois ser dispensado por não se adaptar, no final, teria que prestar um relatório a Durand sobre toda a rotina do lugar e se havia encontrado algum ponto de fraude.
Durand já estava de olho em algumas delas, pelos negócios com um fabricante de pneus de Toscana. Agora usaria seu aprendiz para fazer o trabalho de campo e lhe trazer informações ao final do dia.
— Então? — perguntou Liam, mantendo seu olhar no quadro de anotações. — Eu passei no teste?
— Ainda faltam duas oficinas e não terminamos o seu treinamento — disse o homem, concentrado em alguns papéis em sua mão. — Não vou mandá-lo para a Itália, além de não estar pronto, ainda tem quinze anos. Sem contar a sua mãe.
— Você sabe muito bem como dobrar ela — argumentou Liam, num tom áspero. — Faz isso todas as tardes, antes de eu chegar em casa.
— Olha só, o adolescente está monitorando os pais? — brincou Durand, com sarcasmo. — O que eu faço com a sua mãe não é da sua conta, mas se quer saber… Ela sempre sai satisfeita e pedindo por mais.
— Que nojo. — O garoto fez uma careta revirando os olhos.
— Foi você quem provocou. — Louis esticou os papéis para ele. — Quero que estude sobre ela, em breve fará contato.
— Esta é a menina com quem Pietro não conseguiu se encontrar? — indagou Liam, ao pegar os documentos e folheá-los.
— Sim… — Durand respirou fundo, ainda relutante em envolver o enteado naquela missão em específico. — Deixarei que inicie a leitura, mas apenas te deixarei participar desta missão se eu achar que está pronto.
— Não farei como os outros — retrucou o garoto.
— Não é pela sua capacidade, eu acredito que conseguirá — afirmou Louis com segurança — e sim pela sua mãe. De todas as máfias, a mais cruel e inescrupulosa é a italiana, e é ela que vamos abater.
— Não se preocupe com a mamãe, contanto que eu volte para o jantar, está tudo bem — assegurou Liam, convicto de seu potencial para a tarefa que o padrasto pretendia lhe passar.
O adolescente já havia encarado altos e baixos em sua vida, se tornado forte e maduro o suficiente para tomar decisões importantes e complexas, e não falharia com Durand. De alguma forma, ele queria deixar o marido de sua mãe orgulhoso.
Porque nada disso é coincidência
(DNA)
Porque nós encontramos o nosso destino.
– DNA/BTS
5. Refúgio
Paris, primavera de 2013
O lado bom de ser uma das melhores alunas de um colégio da elite, é ter a liberdade de ir e vir quando quiser.
Há três semanas para as férias de verão, estava em seu passeio anual pelas ruas de Paris. A cidade luz, além de ser seu
refúgio nos momentos de tristeza e aflições, agora também era o novo lar de sua irmã Diana, por uma estratégia de negócios do senhor Mancini, toda a família havia se mudado para a cidade francesa.
Naquela manhã, a princesinha Tommaso estava em sua pesquisa de campo sobre as tendências parisienses da estação atual. Por um contratempo dos estudos, seus planos de acompanhar os luxuosos desfiles da semana de moda de Londres, Paris e Milão, foram cancelados, a fazendo se contentar apenas com os catálogos premium que recebeu das marcas, com algumas peças sob medida de presente. Para a adolescente mais influente da Itália, que ditava a moda entre as garotas de sua idade, até mesmo fora de seu país natal, todo o seu guarda-roupas era composto das grandes marcas europeias, em sua maioria sem ter desembolsado nenhum centavo.
— Diana?! — Com o tom de surpresa, atendeu a ligação inesperada da irmã mais velha. — Por que está me ligando?
— Você saiu pela manhã sem deixar recado, achei que tivesse retornado para Londres — explicou ela, serenamente, o motivo da ligação.
— Estou dando meu passeio anual pela rua da moda — contou a garota, ao parar em frente a
Freek for Woman, uma loja de alfaiataria especializada em ternos femininos de alta costura. — Como não pude acompanhar os desfiles presencialmente, preciso me atualizar na melhor rua de Paris.
O lugar mais frequentado pelas mulheres da elite na cidade.
— Mancini deixou um recado antes de sair, temos um jantar hoje à noite, ele quer que você vá conosco. — Continuou Diana, tentando não demonstrar que estava apreensiva por aquilo.
Era notório que não gostava de seu marido, também havia sido contra o casamento forçado, mesmo sabendo que o pai não consideraria sua opinião sobre o assunto. Contudo, o que mais desagradava a princesa Tommaso, era o primogênito Mariano Mancini, um libertino regado a ações irresponsáveis que não demonstrava respeito por sua madrasta e menos ainda pela pequena Julie, a filha de Diana.
— Teremos a presença desagradável do seu enteado? — indagou ela, ao entrar na loja e começar a analisar as peças em exposição.
— Possivelmente. — Assentiu ela, soltando um suspiro fraco. — Você sabe que o desejo do Mancini é que o filho dele se case com você.
— Se a vida dele depender desse desejo, se considere viúva, irmãzinha. — O tom irônico soou, seguido de uma risada rápida.
se aproximou de um conjunto de terno feminino bege e tocou de leve no tecido para sentir a textura, era feito de linho egípcio com uma modelagem impecável que transmite elegância e conforto.
— Confesso que não é fácil a convivência com Mariano, mas… Foi o que a vida reservou para mim. — Diana sentiu-se um pouco reprimida ao avaliar sua realidade. — Oficialmente, ele é o herdeiro do meu marido.
Seu conturbado casamento com Alfredo Mancini havia iniciado com o pé esquerdo e muitas lágrimas. Se lembrar da primeira noite com o marido era como sentir novamente as dores internas e externas de se entregar a um homem ríspido pelo qual não sentia nada. E após pouco mais de três anos de casada, ela ainda se sentia desconfortável todas as vezes que o homem a tocava.
Entretanto, ela estava grata pela vida da filha, pois, mesmo com a descoberta de Mancini que o bebê em sua barriga não era de fato dele, Diana havia conseguido clemência do marido e a permissão de continuar com a gravidez. Em troca, ela seria a esposa mais exemplar que já existiu no mundo, com o comprometimento de jamais negar os desejos do marido.
— Um momento, Di… — voltou o olhar para o atendente que se aproximou dela, e afastou um pouco o celular do ouvido. — Bonjour, gostaria de reservar três unidades desse nas cores branco, bege e preto,
s’il te plaît.
— Para qual credencial enviaremos? — indagou o funcionário, a fim de identificar a identidade dela.
— Tommaso — respondeu ela, arqueando a sobrancelha direita.
— Perfeitamente, senhorita Tomasso, já possuímos vossas medidas. — O bom funcionário já sabia de cor quem era cada uma das clientes no seleto cadastro da loja, olhando para o modelo apontado, conferiu o código de identificação da peça. — A senhorita deseja que embrulhe para presente?
— Não — respondeu ela, e acrescentou —, e desejo que entregue até o final da semana no endereço de Alfredo Mancini.
— Como quiser, senhorita. — Assentiu o atendente, memorizando as ordens. — A senhorita necessita de alguma peça em especial para este dia?
— Sim, quero algo casual que possa vestir em um jantar formal — pediu ela, olhando para os outros modelos femininos da loja. — Aquele macacão cinza, pantacourt.
— Buscarei para senhorita, um momento, por favor — disse o homem se afastando dela.
Ela assentiu e se aproximou de uma das poltronas para se sentar, então retornou à ligação.
— Seu enteado é um escroto que te assedia quando o pai não está por perto — comentou , relembrando um dos muitos desabafos da mais velha. — Se fosse eu, já teria delatado ao Mancini. Seu marido pode ser um homem horrendo, mas duvido que deixaria o filho dele mexer com você.
— Eu não posso. — A irmã soltou um suspiro cansado, seu casamento era um fardo que apenas ela deveria carregar, e por mais que estivesse feliz pelo apoio da irmã, sabia seus limites. — Alfredo pode achar que estou inventando, tentando trazer intrigas para a família.
— Por favor, Di, ele conhece o filho horrendo que ele tem, sabe muito bem das muitas encrencas que Mariano já se envolveu, até preso por dirigir embriagado ele já foi — argumentou , não entendendo a recusa da irmã. — Não entendo o motivo de tanto medo.
— Você não entende , eu já sou grata por ter a Julie… Mancini poderia ter me feito abortar ou jogado ela na primeira lata de lixo que encontrasse — retrucou Diana, tentando sufocar seu tom de angústia. — Preciso ser a mulher perfeita para ele, sem reclamações.
— E vai continuar aguentando as provocações do filho dele?! — questionou a mais nova, inconformada com aquilo.
Uma das muitas revoltas de era de não poder ser livre como desejava. Olhando para a vida de sua irmã mais velha, a fazia sentir raiva do pai e ao mesmo tempo frustrada por também já possuir seu futuro traçado desde antes de nascer. Entretanto, em seu caso, ela ainda podia dar suas opiniões e se beneficiar por não ser tão controlada pelo pai como a mais velha.
— Esqueça isso, , este é um assunto que somente eu tenho que resolver — pediu Diana, ponderando sua voz, deixando-a mais suave.
— O que significa que não será resolvido. — soltou outro suspiro cansado e engoliu seco sua chateação. — Mas tudo bem, não vou mais comentar o assunto, pelo menos o Mancini ter descoberto serviu para sabermos que a delatora de todos os nossos segredos sempre foi a filhote de naja.
— Elena era somente uma criança na época. — Diana tentou relevar, pois ainda tinha um carinho pela meia-irmã caçula.
— Uma criança? Ela já nasceu sabendo ferrar a vida dos outros, eu jamais confiei naquela aprendiz de falsiane — retrucou ela, ao avistar o atendente retornando com uma caixa de acrílico nas mãos. — Tenho que desligar agora, estou no meio de uma compra.
— Boas compras para você, te vejo no almoço? — indagou.
— Não, vou almoçar com uma amiga — revelou a mais nova, sua programação. — Mas diga ao seu marido que terá minha presença no famigerado jantar.
— Obrigada, — disse Diana, antes de encerrar a ligação.
esperou até que o funcionário parasse em sua frente e retirasse a roupa solicitada de dentro.
— Senhorita Tommaso, aqui está seu pedido. Gostaria de experimentar? — perguntou ele ao lhe entregar.
— Sim. — guardou o celular dentro da bolsa e se levantou, então pegou a roupa e acompanhou o atendente até a área dos provadores.
Não demorou muito para que ela terminasse sua transação e saísse da loja. Mais algumas voltas pelo quarteirão, sendo seguida a distância por seu motorista Juarez, que se mantinha atento às ordens e o trajeto de sua senhora. Ao chegar na unidade do Starbucks, adentrou a cafeteria logo avistando sua amiga de infância parisiense, Genevieve Ginevra.
— Ginevra — disse ao se aproximar da mesa.
— ! — A garota se levantou de imediato e lhe deu um abraço apertado. — Que saudade, há tempos não a vejo em Paris.
— Verdade. — Um largo sorriso saiu em seu rosto, enquanto lhe retribuía o abraço de forma saudosa. — Tenho andado tão concentrada nos estudos que mal tenho tempo para meus hobbies.
— Está em sua semana de pesquisa de campo? — perguntou a amiga, ao se afastar e voltar a se sentar.
— Sim, sabe que preciso da minha semana de refúgio em Paris todo ano antes das férias de verão — explicou ela, assentindo.
se sentou também e voltou a atenção ao cardápio na mesa, começando a avaliar o que pediria.
— Fiquei te esperando na semana de moda de Paris, mas não a vi em nenhum desfile — contou a Genevieve, ao sugar um pouco do seu Ice Coffee, pelo canudo.
— Semana de moda, igual semana de provas — disse Tommaso em uma explicação simples e objetiva. — E você, como estão os estudos?
— Tediosos, mas consigo relevar, o que importa é que estou na melhor escola de artes e serei uma top model de sucesso no futuro — respondeu ela, com um olhar confiante.
— Te desejo sucesso, você realmente nasceu para as passarelas — concordou , elogiando-a. — Deve ter sido um barulho e tanto para o senhor Ginevra quando contou a ele sua decisão.
— Meu pai não gosta muito dessa coisa de modelo e exposição, sabe disso, por nossa família ter seu lado sombrio dos negócios, minha fama poderia chamar a atenção para ele — explicou ela, seu ponto preocupante. — Mas quando ele me viu desfilando, ficou encantado.
— Fico feliz que tenha o apoio dele, mesmo sendo muito nova para enfrentar os holofotes — comentou, ao observar o atendente se aproximando.
— Tenho que confessar, meus quinze anos tem sido pura diversão, mesmo com as responsabilidades do trabalho de modelo — confessou a outra.
Após fazer seu pedido e ser prontamente servida, retornou ao assunto.
— E quando a verei em Londres?! — indagou .
— Você está em Londres? — Genevieve se mostrou surpresa. — Mas e Florença?
— Estou estudando na unidade do Constance de Londres, colégio interno com direito a festas do pijama aos finais de semana — contou, deixando soar um toque de animação em sua vez.
— Imagino o quão divertido deve ser estudar com você. — Genevieve a olhou meio chorosa.
— Você ainda pode se mudar para lá, Londres é tão boa para modelos quanto Paris — argumentou , incentivando a amiga.
— Já foi difícil para o papai aceitar comigo aqui em Paris, imagine sair do país. — Ela soltou um suspiro cansado e manteve a atenção na amiga que bebericava seu cappuccino tradicional. — Mas… E você? Além de Londres, mais alguma novidade? E não vale falar sobre o casamento da Diana, pois essa fofoca já é antiga.
Ambas riram.
— Bem… Em breve, um pouco distante, ficarei oficialmente noiva. — manteve seu olhar na xícara de café, permitindo-se entrar em seus devaneios. — Tudo pelos negócios da família.
Ela não queria pensar em seu futuro casamento, menos ainda se sentir ansiosa por tal evento. Entretanto, quanto mais ela se aproximava de seus dezessete anos, a idade estipulada pelo pai para seu noivado, mais seu coração se mostrava inquieto e indeciso.
— Mas isso será apenas daqui dois anos, então, ainda tenho provas de geometria para me preocupar e minha vaga na universidade — continuou , dando uma risada final.
— Como se você precisasse se preocupar. — Gen soltou uma risada ponderada. — Já se decidiu pelo curso?
— Já, vou pelo que brilha meus olhos mais do que os croquis de moda da tia Sophie — revelou ela, de forma enigmática.
As amigas continuaram por mais algumas horas, entre o almoço e as conversas sobre os desfiles de moda e o futuro delas. Ao final da tarde, retornou a casa da família Mancini, em que estava hospedada, e se refrescou um pouco em um banho relaxante, logo se aprontou para o jantar. Ao sair do quarto, ela deu alguns passos pelo corredor para chegar à escada, quando cruzou com o primogênito da casa.
— Princesa Tommaso — disse ele, num tom debochado e malicioso. — A cada dia mais linda e atraente.
— Mariano… Quero que tenha em mente que eu não sou como minha irmã, então, não se atreva a se aproximar de mim — disse ela, com seu tom seguro e empoderado. —
Eu sou um brinquedo caro e você é uma criança pobre. — Pobre?! — Ele riu sentindo uma acidez na garganta pelas palavras dela.
— Sim… Comparado aos irmãos Magnus, você é daquelas crianças carentes que mora debaixo de uma ponte, e jamais terão a oportunidade de tocar em algo tão valioso quanto eu. — Ela sabia que de todas as filhas da máfia, ela era a mais cobiçada pelos herdeiros, por isso, não se importava com nenhum deles.
De opinião própria e personalidade forte, ela jamais abaixaria para um homem, principalmente um do tipo de Mariano. Ao primeiro passo para passar por ele, teve seu pulso agarrado pelo rapaz, que o apertou com força e brutalidade.
— Quem você pensa que é para me comparar a eles?! — indagou o rapaz, num tom áspero e amargo.
— Sou Tommaso — respondeu ela, com o olhar fixo nele, não demonstrando medo nenhum —, e vou mostrar o que acontece quando alguém me toca sem permissão.
Ela se aproximou mais dele e em um piscar de olhos, deu uma joelhada forte na região das genitais do homem, o fazendo gemer de dor, e conseguindo se soltar dele no processo.
— Nunca mais ouse pensar em tocar em mim. — Agora foi a sua vez de soltar uma risada debochada, então seguiu para as escadas.
No andar debaixo, o casal de anfitriões já estava à espera de ambos os jovens. O senhor Mancini se encontrava com a filha nos braços, entretido enquanto brincava com a criança. Se como marido ele não conseguia ser sutil e amoroso, para a surpresa de Diana, Alfredo a cada dia se mostrava um pai bondoso e atencioso para a pequena Julie.
— Estou pronta, e no meu horário — brincou ela, disfarçando seu pequeno atraso.
— Não se preocupe, Mariano ainda não desceu também — disse Diana, ao mover seu olhar para a filha que soltava gargalhadas no colo do pai, ao rir de suas cócegas.
— Bem… Acho que vai demorar — sussurrou , disfarçando.
— O que você fez? — indagou a mais velha.
— Você ouviu? Eu disse alguma coisa? — Ela riu baixo, com os olhos brilhando.
— ?! — Diana insistiu, apreensiva, pois conhecia o temperamento da irmã.
— Fique tranquila, eu não fiz nada que ele não merecesse — alegou a mais nova, em sua defesa.
respirou fundo, se preparando mentalmente para a programação proposta. O jantar não era apenas em família, mas um jantar de negócios com alguns membros importantes da elite parisiense. Tommaso reconheceu alguns rostos de políticos que frequentavam festas em sua casa, o que a fez perceber que ele queria usar sua presença na cidade como uma confirmação que a aliança entre as famílias estava mais forte do que nunca.
— Acho que precisa de alguém para salvar sua noite! — A voz de despertou de seus pensamentos.
A jovem estava próximo a vidraça lateral do restaurante, contemplando o jardim de inverno decorativo. Seu estilo era provençal acompanhando a arquitetura tradicional do lugar, sutil na escolha das plantas e marcante na ambientação proposta pelas pedras naturais aparentes na estrutura da edificação.
— Magnus. — Um sorriso sutil e singelo surgiu em seu rosto, então a garota voltou o olhar para o reflexo dele no vidro que a separava do jardim.
O rapaz estava a dois passos dela, com um olhar sereno de quem não se importava com o mundo ao seu redor, apenas com a garota diante dele.
— O que faz em Paris? — indagou ela, curiosa por sua presença ali.
— Estou acompanhando meu padrinho por alguns dias, senti sua falta na escola — respondeu ele ao dar um gole em sua taça de vinho. — Está em sua semana da moda?
Sendo sua melhor amiga e crescendo juntos, o caçula Magnus já tinha decorado todo o calendário de Tommaso. A única garota que o olhava com carinho e afeto verdadeiro, sempre fazia seu coração pulsar um pouco mais forte com sua doçura e sutileza. Que o entendia de verdade, e lhe emprestava suas tardes para esquecerem os problemas da vida e se divertirem como jovens despreocupados.
— Sim. — Assentiu ela, prontamente voltando-se para ele. — Seus pais sabem que está com o tio Giordano?
— Claro que sim, não seria louco a ponto de criar motivos para passar a noite no hospital tão próximo do feriado — brincou ele, tomando outro gole.
manteve seu olhar nele, pensando no que havia dito. Além do irmão, apenas ela e seus dois amigos, Robert e Andreas, sabiam sobre as surras que o caçula ganhava do pai. E o grupo de amigos, por terem crescido juntos e se tornado tão próximos, mantinha segredo absoluto sobre o assunto.
— Não acha que é novo demais para bebidas alcoólicas? — indagou ela, elevando a mão até a taça dele e pegando para si.
Com o olhar sério e a sobrancelha direita arqueada, a jovem sabia muito bem como impor respeito diante do sexo oposto.
— Troco todas as garrafas da minha adega por você — retrucou ele, num tom provocativo, dando um passo para mais perto.
— Suas palavras me fazem sentir lisonjeada, mas somos amigos, e sabes que não gosto de misturar as coisas — argumentou ela, ao tocar em seu tórax, mantendo uma linha de afastamento.
— Nós dois sabemos o real motivo. — tocou na mão da garota e segurando, a beijou de leve. — A vida é muito curta para se privar das coisas boas… — Ele sorriu de canto e piscou de leve para ela, arrancando-lhe uma risada boba. — E como não é possível tê-la — continuou ele, ao pegar sua taça de volta —, terei que me contentar com o vinho.
Ela riu mais um pouco e voltou a olhar para o jardim.
— Está tudo bem com você? — perguntou ela, suavizando mais a voz. — Da última vez que nos vimos, foi no aniversário de sua mãe.
— E eu estava com o nariz sangrando na cozinha da minha casa — completou ele, ao se lembrar do evento. — Comparando a hoje, nunca estive tão bem…
— Nem parece que estudamos na mesma escola, nunca nos vemos — comentou ela, achando a situação frustrante.
amava a companhia conturbada e divertida do amigo.
— Isso tem apenas uma resposta… Você é aplicada demais e eu sou o aluno rebelde. — Ele piscou de leve mais uma vez e sorriu de canto.
Então olhou para a taça vazia e soltou um suspiro de chateação.
— Que tal fazermos algo mais interessante? — sugeriu ele ao deixar a taça em uma mesinha de apoio ao lado e esticar a mão para ela.
— O que me sugere? — indagou ela ao olhar para sua mão, pensando se deveria ou não aceitar.
— Como não posso te fazer gemer… Então me permita te fazer rir — explicou ele, de forma provocativa e maliciosa.
— … — Seu tom foi de sutil repreensão, segurando o riso.
— Vamos — insistiu ele, balançando a mão. — Quando foi que eu te decepcionei?
— Até hoje… Nunca. — Ela segurou sua mão e voltou o olhar para a direção em que a irmã estava. — Mas tenho que voltar antes do amanhecer.
— Não acho que seja obrigada a dormir em casa hoje. — Ele segurou em sua mão, entrelaçando seus dedos. — Esta noite, você é minha!
Ele soltou uma risada boba e alta, então a guiou para fora do prédio. ainda não podia dirigir pela idade, então, inesperadamente a levou para a direção ao metrô. As experiências de com transportes públicos não se podiam contar, ela só havia andado de ônibus uma vez, no dia em que ajudou a irmã em sua fuga malsucedida.
Estações depois, eles desceram em um bairro da periferia, chamado de B13, e andaram mais alguns minutos até chegar ao point dos artistas de rua, o lugar favorito do caçula na Cidade Luz.
— Para onde me trouxe? — perguntou ela, não desconfiada, mas sim, curiosa.
— Às vezes precisamos nos sentir livres, e uma vez você me disse que Paris é o seu refúgio. — Ele voltou seu olhar para ela, com uma paz e serenidade incomum. — Não há lugar mais libertador nesta cidade, que aqui.
Suas palavras despertaram interesse em . Assim como os irmãos Magnus, ela sabia o quão pesado era ser um herdeiro da máfia, a forma em que a família sugava suas energias, destruía seus sonhos e te aprisionava em seus negócios.
— Me mostre então! — Ela o olhou com segurança, demonstrando confiar nele.
Com um sorriso bobo, o caçula a puxou para continuar andando com ele. O lugar exato ficava embaixo de um viaduto, onde os artistas de rua se juntavam para fazer batalhas de dança, grafites improvisados nas paredes e manobras de skate. A maioria já conhecia de outras vezes ali, e logo o caçula foi apresentando a amiga para geral.
Por um momento ele pediu para um dos seus conhecidos um skate emprestado para tentar algumas manobras, foi surpresa para a garota que nunca o tinha visto fazer tal coisa.
E mais? era bom nisso. E sempre que o fazia, de fato se sentia livre das amarras que o prendiam, livre do sobrenome Magnus e de toda dor que lhe causava.
— Quer experimentar? — perguntou ele, ao parar com o skate na frente dela e lhe oferecer a aventura.
— Ah, não, eu não quero cair e não estou com a roupa apropriada. — Ela apontou para o macacão em seu corpo. — É peça de alfaiataria.
— . — Ele riu, descendo do skate e dando espaço para ela. — Desde quando uma roupa te impede de se divertir?
Ela riu assentindo, então, subiu em cima do skate.
— Estou aqui para te segurar — afirmou ele, com o olhar seguro para ela. — Temos a noite toda para nos divertir.
E assim foi.
Com risos e provocações saudáveis por parte de , que sentia seu coração aquecido apenas por proporcionar a amiga uma noite de descontração em seu lugar favorito da cidade.
Uma amizade que valia mais que o mundo inteiro da máfia.
Há muitas coisas que brilham
Mas olhe o que é real entre elas
Me chame, querida, me chame, querida.
– Call Me Baby / EXO
6. Ação de Graças
Toscana, outono de 2013
De todas as datas comemorativas do ano, o dia de ação de graças deveria ser o mais importante e esperado por todos, pois estar grato significa que um dia você foi abençoado.
Esta era a data mais apreciada por e sua mãe, e faltavam duas semanas para acontecer. Algo que poderia ser considerado intrigante, pelo fato de ambas terem vivido grandes perdas e muitas lutas e sofrimento posteriores, entretanto, mãe e filha seguiam gratas por suas vidas, e por ainda sonharem com um futuro melhor para elas. Lídia mantinha seu coração esperançoso, ansiando por uma realidade melhor para a filha.
— Mamãe, ainda está dormindo? — sussurrou a garota ao acordar pela madrugada e olhar para o lado.
A mulher não se moveu, de fato estava em sono profundo. Sentindo sede, se levantou da cama e olhou para a garrafinha ao lado, estava vazia, fato que lhe arrancou um suspiro cansado. Ela não queria sair do quarto, evitava fazer isso nos dias em que os herdeiros estavam em casa, entretanto, a sede a dominou fazendo-a sair de seu minúsculo quarto e seguir em direção a cozinha.
— O que mais vai acontecer agora que está na universidade? — A voz de interrompeu o silêncio entre os irmãos, o que fez parar no meio do corredor, sentindo as pernas travarem de imediato.
— Não me diga que está com saudades? — brincou , rindo baixo da pergunta do irmão. — Nossas vidas vão seguir o curso que devem seguir.
— Não sei se quero prosseguir com meu futuro acadêmico daqui dois anos — explicou ele, soltando um suspiro fraco. — Não sou impecável como você. Um soar amargo saiu dele.
— Das muitas coisas que você não gosta, deve haver algo que desperte o seu interesse. — As palavras de tinham uma fluidez de aconselhamento. — Você se entedia com muita facilidade, então, faça aquilo que gosta.
— E levar uma surra por escolher algo que o papai não aprove?! — O caçula que estava sentado no chão, encostado na porta de saída para o jardim, o olhou confuso pela sugestão, depois soltou uma risada boba.
— Você sempre apanha de qualquer forma — brincou o mais velho, mencionando a realidade.
O ambiente parecia descontraído entre os dois.
— Errado você não está. — Mais um suspiro cansado vindo dele, que deu impulso para se levantar do chão. — Mas não vou me preocupar com isso agora, além do mais, após completar maioridade, poderei considerar minha segunda opção.
— Fala do que? — perguntou , intrigado.
— Do meu
refúgio — explicou o caçula. — O padrinho mora em Roma agora.
— Fala do tio Giordano? — Ele logo se lembrou de quem o irmão falava.
— Sei que posso contar com ele. — E riu brevemente ao vir uma lembrança em sua mente. — Exceto para me dar bons conselhos…
O primogênito também riu. Ele sabia o quão insistente Nicolo Giordano era com seus conselhos.
— Amanhã retorno para Londres — anunciou , se dirigindo para a porta de acesso ao corredor.
— Não vai passar o dia de ação de graças em casa? — indagou .
— E por qual motivo eu faria isso? Por gratidão a todas as vezes que fui internado no hospital por ser espancado por meu próprio pai? — Ele tentou, porém, o sarcasmo era nítido em sua voz. — Não sou nem um pouco grato a isso.
— Tenha juízo em Londres — pediu o mais velho, demonstrando suas preocupações com ele.
— Fique tranquilo, irmãozinho, agora eu sei me divertir em oculto. — Ele deu impulso e saiu da cozinha aos risos.
Ao passar pelo corredor, se deparou com ainda paralisada, e, piscando de leve para ela, continuou seu caminho até seu quarto. A menina continuou onde estava, tentando entender o que faria, se voltaria ou não para o quarto, sem finalizar o que tinha ido fazer na cozinha.
Mais um longo tempo em silêncio, até que…
— Não deveria estar fora da cama a essa hora. — A voz de a despertou de seus pensamentos.
Ela arregalou os olhos, se mantendo em silêncio, não acreditava na possibilidade de ele saber que ela estava ali.
— Não pense besteiras, não coloquei nenhum rastreador em você enquanto dormia — continuou ele, parecendo ouvir os pensamentos dela —, apenas a sua respiração, que é alta o suficiente para que eu a ouça do outro lado da parede.
Em instantes, a silhueta da garota apontou na passagem dos cômodos, meio encolhida e com a garrafinha em suas mãos.
— Vejo que a sede a despertou de seu sono — supôs ele, ao olhar a garrafinha vazia. — Ela assentiu com a cabeça, mantendo o olhar no mais velho. — Pegue sua água e volte para o quarto, amanhã você acorda cedo para ir à escola — disse com suavidade, porém, num tom de ordem.
Ela assentiu em silêncio novamente e se aproximou da geladeira.
— Soube que está frequentando uma escola pública agora — continuou ele, puxando assunto — e que recusou a bolsa de estudos que meu pai te ofereceu em um colégio particular da cidade.
— Sim — sussurrou, afirmando sua decisão.
— Por quê? — continuou , se encostando na beira da bancada e colocando as mãos nos bolsos da calça do pijama, observando a garota a todo momento. — Por que recusou?
— Não quero deixar o Matteo sozinho. — Ela voltou sua atenção para o rapaz após terminar de encher a garrafinha. — Rosalia está em Londres agora, na filial do Constance, cursando o ensino médio em uma das melhores da Europa, e se preparando para Harvard… E os pais do Matteo não podem pagar as mensalidades, a família Cassano não se importa com o filho dos empregados, e ele não conseguiu passar nas provas de admissão para conseguir uma bolsa.
— E? — não conseguia entender o motivo de ela abrir mão de algo que a beneficiaria no futuro, por alguém insignificante como o filho do motorista. Algo que o deixou irritado internamente, fazendo seus punhos fecharem espontaneamente.
— Ele é meu amigo, não posso deixá-lo passar pelo ensino médio sozinho, já que a Rosa está longe, essa a missão agora é minha — brincou , ao rir de leve, se lembrando do dia da despedida da amiga, o mesmo dia em que o choroso Matteo a fez prometer que não o abandonaria também.
— Se ele estudasse com você, no colégio particular? — perguntou , refletindo suas palavras. — Aceitaria?
— Acho que sim, talvez… Por que a pergunta, senhor Magnus? — indagou ela, curiosa por todos aqueles questionamentos.
— Não importa, apenas vá dormir. — O rapaz respirou fundo, pensando por alguns segundos. Antes que ela passasse por ele para sair da cozinha, perguntou: — Você gosta dele? — a pegou pelo braço, parando-a no caminho. Ele precisou controlar a aspereza em sua voz, pois não queria aceitar que a garota tivesse algum sentimento por outro.
— Matteo é meu amigo, apenas isso. — tentou controlar seu olhar de medo, porém, sem sucesso. Sentiu um leve latejar de dor na área em que ele segurava de forma brusca.
Era um fato que não conseguia controlar sua força quando estava com raiva. Mesmo que suas emoções pudessem estar escondidas e seu rosto transmitindo serenidade, inconscientemente não perceberia se a estava machucando ou não.
— Tenho ele como o irmão que nunca tive — explicou ela, com mais clareza, sentindo-se coagida. — E ele me vê como sua irmã mais nova.
sentiu a necessidade de completar sua fala, pois temia que ele pudesse fazer algo de ruim contra o amigo. Seus dias de liberdade haviam se encerrado no momento em que a salvou em Siena. Daquele dia em diante, o primogênito Magnus contratou um segurança para contar os passos da menina por onde quer que ela fosse. O que a fazia sentir-se ainda mais sufocada.
— Senhor Magnus, está me machucando — sussurrou ela, ao desviar seu olhar para o braço preso a mão forte dele.
respirou fundo. À medida que soltava o braço dela, ele fechou os olhos, obrigando-se a voltar à razão. A última coisa que desejava era machucá-la.
— Vá para o quarto e volte a dormir. — Mesmo em um tom baixo, a entonação de ordem foi percebida pela garota.
— Sim, senhor. — Assentiu ela, disfarçando o suspiro de alívio.
Os olhos marejados foram dando lugar às lágrimas que escorreram por seu rosto ao longo do caminho de volta ao quarto. sentia uma sensação de agonia que lhe causava desespero interno. Não entendia o que ela tinha feito de errado para que o primogênito agisse de tal forma.
Na manhã seguinte, pouco antes de seguir para a escola, ela se permitiu tomar café da manhã na cozinha, com os outros empregados. A única coisa que ambicionava era uns míseros minutos de paz.
— Jovenzinha — a governanta se aproximou dela, com ar rude e grosseiro —, sua presença está sendo solicitada no escritório do senhor Magnus.
O corpo de gelou com aquelas palavras, estava com medo de ter feito algo de errado e descontarem em sua mãe.
— Senhora Vernice — a voz de Lídia saiu trêmula —, o que querem com a minha filha?
— A senhora Magnus apenas solicita a presença dela. — A mulher manteve o olhar firme.
A menina, após engolir seco, levantou-se da cadeira, temerosa.
— Seja o que for, eu responderei por ela. — Assegurou Lídia, colocando-se na frente da filha.
— Recolha-se aos seus afazeres, senhorita Miller. — Gertrudes lançou um olhar intimidador à Lídia. — A criança virá comigo.
— Está tudo bem, mamãe. — Assentiu , mesmo com medo, porém, se esforçando para não deixar a mãe mais preocupada ainda.
Em silêncio, seguiu a governanta pelos corredores da casa, a cada passo ficando mais apreensiva pela solicitação da dona da casa.
— Senhora Magnus, aqui está a filha dela — anunciou Gertrudes ao abrir a porta do escritório e dar espaço para a menina entrar.
— Ótimo, deixe-nos a sós — ordenou Marie, com o olhar fulminante para a garota, sentindo ainda mais desprezo por ela.
A menina manteve seu olhar abaixado, enquanto a mulher a encarava. Marie não conseguia deixar de imaginar as noites de traição do marido com a empregada, e se não podia tocar em Lídia, ela estava disposta em descontar sua raiva na criança. Apenas precisava de um motivo plausível para isso, o qual havia conseguido graças aos olhos atentos de sua governanta.
— Você não deve nem mesmo imaginar o que faz aqui. — Iniciou a mulher, após a onda de silêncio que tomou conta do lugar.
— Não senhora — sussurrou , se encolhendo um pouco.
— Mas certamente sabe o que acontece entre meu marido e sua mãe, todas as noites nesse lugar. — O tom de amargura surgiu com um toque de rancor, fazendo Marie fechar seus punhos ao imaginar a cena.
permaneceu em silêncio, sentindo os olhos começarem a lacrimejar.
— Eu não deixarei que o mesmo aconteça com meu filho e você no futuro. — A mulher deu alguns passos até parar em sua frente. — Não vou permitir que a futura senhora Magnus passe pelo que eu estou passando.
— Eu não entendo suas palavras, senhora — sussurrou mais uma vez, mantendo o olhar abaixado.
— Olhe para mim — ordenou Marie, com mais frieza.
Assim que ergueu um pouco mais a sua face e levantou o olhar, conseguiu ver com nitidez os olhos negros de ódio da mulher. Em um piscar de olhos, a mão de Marie se ergueu e com precisão encontrou o rosto da menina, acertando-lhe um tapa forte e doloroso. segurou as lágrimas no canto dos olhos, assim como o sentimento de raiva que lhe era novo.
Por que ela estava passando por aquilo? A única coisa que fizera foi salvar a vida do herdeiro.
— Vou dizer apenas uma vez, então preste atenção… Não siga os passos de sua mãe e fique longe do . — Concluiu a mulher com amargura. — Agora saia.
assentiu, sentindo seu rosto formigando de ardência pelo tapa, tanto que poderiam ver a olho nu, a marca da mão de Marie. Em silêncio, ela saiu do escritório e seguiu diretamente para seu quarto, com um pequeno alívio pela mãe não estar à sua espera.
A garota sentou nos pés da cama, com os olhos cheios de lágrimas que não se permitia deixar cair. Lentamente, ela elevou sua mão ao rosto, tocando na região que persistia com a ardência, a sensação das mãos de Marie tocando seu rosto veio com mais força como se estivesse apanhando novamente. Então, finalmente ela fechou os olhos e caiu em choro, não pela dor física, mas pela dor interna de não poder viver outra realidade, senão aquela. Em instante, seu choro foi interrompido pelo toque do seu celular no bolso. Inicialmente pensou que fosse seu amigo Matteo, para perguntar o motivo de seu atraso, porém, ao olhar para tela, a mensagem indicando número restrito a assustou.
— Hum?! — Ela respirou fundo e sussurrou. — Número restrito.
Logo se lembrou do dia em que recebeu a mensagem de convite para ir a Siena. Mas aquele número era novo assim como o celular.
Será que era a mesma pessoa? Pensou consigo, e enfrentando seus medos e traumas ela aceitou a chamada, permanecendo em silêncio.
— Seu número foi grampeado, mas consigo bloquear o sinal por cinco minutos apenas — disse a voz do outro lado da linha, de forma precisa, para que a menina não se preocupasse. — Bom dia, .
— Quem é você?! — perguntou ela, sentindo sua voz trêmula.
Não confiava naquelas palavras. E se fosse alguém a mando de Magnus para lhe testar?
— Sou a pessoa que vai te livrar dessa prisão — afirmou a voz, com segurança e firmeza. A entonação do homem soou de forma familiar para ela que, de imediato, sentiu seu coração se encher de esperança.
Encostado ao muro do Colégio Secundário de Florença, a escola pública de ensino médio da cidade no qual os amigos estudavam, estava Matteo com seus olhos concentrados no celular em sua mão, enquanto jogava a versão android do
FIFA 2013. Seu amor pelo futebol conseguia ir além da compreensão de seus pais, contudo, apesar de ambos saberem da cruel realidade em relação a falta de oportunidade para o filho, continuavam o apoiando e mantendo seu sonho vivo.
— Ricci. — A voz grossa e firme de soou, frente ao garoto, despertando sua atenção de imediato.
Um frio passou pelo corpo de Matteo. Raramente as pessoas o chamavam pelo sobrenome, e sendo um Magnus ali diante dele, o deixava ainda mais temeroso ao motivo de sua presença.
— Senhor Magnus. — O menino engoliu seco, era sua primeira vez em um possível diálogo com a realeza.
— Venha comigo. — manteve o tom sério, com o olhar inexpressivo, deu meia volta e começou a andar. — Vamos dar uma volta.
Matteo sentiu uma breve paralisia em suas pernas, não controlou seus pensamentos a ponto de não permitir que sua vida inteira passasse diante dos seus olhos. Ele sabia muito bem o quão incisivo o primogênito estava em controlar os passos da amiga e principalmente as pessoas que se aproximavam dela. Por mais que não conseguisse se expressar para ele, sua agonia conseguia ser vista em seus olhos.
— Eu… — Matteo respirou fundo, tentando reunir coragem para falar algo. — Eu tenho aula agora, senhor.
— Não acho que deva se preocupar com algo tão normal quando se é convidado pelo dono da cidade. — A entonação de fez o menino sentir calafrios na espinha.
— Sim, senhor. — Assentiu Matteo, dando o primeiro passo para segui-lo.
Um silêncio permaneceu entre eles, até que estacionou seu carro em frente ao Centro de Treinamento do maior time de futebol de Florença e ordenou que o acompanhasse. Os olhos de Matteo brilharam de imediato, tanto que não conseguiu nem disfarçar sua emoção por estar ali. Por um curto espaço de tempo, o menino esqueceu-se de quem o levara, e apenas deixou-se ser guiado pela empolgação do momento.
— Vamos entrar — continuou , ao disfarçar o sorriso de canto em seu rosto. Mais uma vez, o primogênito havia acertado em suas avaliações a respeito dos amigos de .
— Senhor Magnus, o que estamos fazendo aqui? — indagou Matteo, confuso pela situação, pois em sua mente apenas coisas ruins passavam.
— Logo saberá, apenas me siga — respondeu o mais velho, com seu jeito enigmático de ser.
Adentrando o lugar, logo avistou o dirigente Artemio Rossi. O primogênito havia agendado uma reunião com o homem mais importante do time
Fiorentina, aquele que contratava e demitia.
— Magnus! — o homem soltou um grito de entusiasmo ao vê-lo. — Finalmente veio se juntar ao time?
— Se eu for jogador, não serei o patrocinador — brincou , num tom mais sério, porém, mantendo a suavidade em seu rosto. — Não se pode ter os dois.
— Ah… — o homem se fez de triste, então, desviou seu olhar para o garoto ao lado, que visivelmente estava deslumbrado com tudo o que via. Era sua primeira vez tão perto do seu time do coração. — Este é o garoto? — indagou Rossi, não dando muita credibilidade.
— Acredite, ele pode se tornar mais do que os olhos veem, basta a motivação correta. — olhou para Matteo. — Voltarei daqui algumas horas, aproveite seu momento.
Matteo assentiu prontamente, sentindo o coração aquecido pelo que viveria aquela manhã. As horas se passaram com o garoto visitando cada centímetro das instalações do Fiorentina, pisou no gramado do centro de treinamento e até obteve a oportunidade de conhecer os jogadores titulares daquela temporada. Ao final da tarde, após vivenciar todo um sonho de pequeno, ele sentiu o ápice da realização, que uma criança de família de classe trabalhadora poderia sentir. O gostinho da grandeza.
— Senhor Magnus. — Matteo soltou um suspiro frustrado pelas horas terem passado com tanta rapidez.
— Você pode viver isso aqui todos os dias se quiser. — Num tom baixo, porém, nítido e firme, pronunciou suas palavras instigantes. — O Fiorentina possui dormitórios e professores próprios para os jovens das categorias de base, ainda que você tenha apenas treze anos e não possa jogar na sub-16, toda regra tem a sua exceção, e você teria mais tempo para se preparar para jogar profissionalmente.
— Seria incrível, morar aqui e… — Matteo parou o vislumbre que estava tendo e o olhou com seriedade. — Quando conseguiu a vaga para Rosalia em Londres, ela teve que ser o álibi perfeito para .
Matteo podia ser disléxico com as questões escolares, mas era muito esperto desde pequeno. Em sua mente, as peças do quebra-cabeças já começavam a se encaixar.
— O que eu terei que fazer em troca? — indagou, sabendo que tinha um preço a ser pago.
— Senhor, agradecemos por tudo que temos e todas as coisas boas que nos aconteceram ao longo deste um ano. — Iniciou o pai de Matteo, sua oração de agradecimento por aquele dia. — Agradecemos por todas as bênçãos, pelos amigos e por nossa família.
— Amém! — disseram o restante em coral.
Finalmente o
Dia de Ação de Graças tinha chegado, em uma ação de gratidão aos amigos que fizeram ao longo dos anos, o motorista Domenico e sua esposa Nerina, promoveram um almoço de ação de graças em sua humilde casa, aos fundos da propriedade da família Cassano. O convite se estendeu a Lídia e sua filha, além da viúva Celestina, a cozinheira dos Tommaso e mãe de Rosalia, a menina, porém, estava ausente por seus estudos em Londres.
Uma tarde de sorrisos e alegrias, que faziam todos os envolvidos sentirem imensa gratidão pelo momento. Após saborearem o delicioso banquete preparado por Nerina e Celestina, os filhos presentes saíram da casa para dar uma volta pelo jardim. Por mais que os Cassano não fossem tão generosos com os empregados, também não os proibiam de desfrutar da beleza de sua propriedade. E havia um lugar em especial que Matteo queria mostrar à amiga.
— Para onde está me levando, Matteo? — indagou ao ser conduzida pelo amigo, que a puxava pela mão.
— Você vai ver — respondeu o menino, continuando a caminhar.
Mais alguns passos apressados e finalmente pararam em frente a um lago artificial que havia próximo à casa de seus pais. Um pequeno oásis que seu pai havia criado nos momentos livres, sob a autorização dos donos do terreno.
— Olha se não é lindo — disse o menino, mantendo o olhar nos poucos peixes que tinha nadando pelo lago. — Levou anos para ficar pronto, foi o meu pai quem fez com as próprias mãos.
ficou notoriamente impressionada com a beleza do espaço, não somente pelos peixes e a água cristalina, como também pelas plantas que cercavam o lugar.
— Sim, é lindo… — Assentiu ela, com um brilho nos olhos. — Eles nadam de forma tão despreocupada.
— É porque não devem favores à máfia — brincou o amigo, arrancando risadas dela.
— Isso é verdade. — voltou seu olhar para ele. — Estou grata, Matteo.
— Grata?! — Ele a olhou de volta, confuso.
— Sim, grata. — Assentiu ela.
— Pelo que? — perguntou o garoto.
— Por estar aqui hoje, longe daquela casa e com o meu melhor amigo. — Ela abriu um largo sorriso. — Só faltou a Rosa aqui, assim vocês poderiam me matar de rir com suas trocas de amores.
Matteo fez uma careta engraçada, arrancando algumas gargalhadas da amiga.
— É divertido vocês dois juntos — comentou a menina ao se sentar na grama e manter a atenção para o lago.
— Aquela traidora… — Matteo resmungou se sentando ao lado dela, e inclinando seu corpo para trás, encostando-se na grama. — Nos abandonou por Harvard e nem se deu o trabalho de vir no dia de ação de graças.
— Você sabe que a bolsa de estudos dela não se estende às visitas à família — explicou , entendendo o lado da amiga. — E ela nos fez uma vídeo-chamada há dez minutos.
— Não é a mesma coisa sem ela aqui. — Seu resmungo perdurou.
— Um dia vocês ainda vão se casar — disse , rindo em seguida.
— Não, eca… — Matteo fez outra careta e ergueu o corpo ficando sentado. — Como pode achar isso?!
— A forma como olhava para Rosa quando ela te ensinava os exercícios de ciências. — Continuou a amiga, lembrando-se dos momentos em sala de aula. — Eu shippo vocês dois.
— Hum… — Matteo abraçou suas pernas e ficou olhando para os peixes. — Sinto falta dela. — Ele não queria confessar a realidade, mas lá no fundo, ele gostava da nerd metida chamada Rosalia.
Um longo silêncio pairou sobre eles, com ambos presos em seus pensamentos dos tempos divertidos que o trio estava junto, apenas se preocupando com os trabalhos intermináveis e as semanas de prova que os deixavam em surtos, principalmente ele.
— … — disse Matteo num tom baixo, quebrando o silêncio.
— O que foi? — ela manteve sua atenção também nos peixes, ainda impressionada com o dia que estava vivendo. Ela desejava parar aquele momento e apenas eternizá-lo.
Tanto quanto sua mãe, estavam felizes longe da mansão que as sufocavam e aprisionavam, longe dos olhares dos Magnus que tanto lhes faziam mal.
— Você é minha melhor amiga, preciso te contar uma coisa. — Iniciou ele, um dos assuntos mais sérios de sua vida.
— O que quer me contar? — Ela voltou seu olhar para ele, curiosa.
— O primogênito Magnus me fez uma proposta… E eu ainda não aceitei… — Matteo sentiu um aperto no peito, ainda não tinha dado sua resposta final, pois queria contar à amiga primeiro. — Ele me ofereceu uma vaga como trainee no sub-16 do Fiorentina.
— Sério? — abriu um largo sorriso. — Matteo, é a oportunidade do século, você vai poder realizar seu sonho de ser um jogador profissional no futuro.
— , você não entende?! — Ele voltou seu olhar marejado para ela, se sentindo culpado. — Ele me ofereceu a vaga para que eu me afastasse de você. Sendo um trainee, vou ter aulas com os professores próprios do time, ficarei longe como a Rosalia.
Matteo conseguia ver nitidamente que estava afastando de seus amigos mais próximos, da mesma forma que tentava impedir as pessoas de se aproximarem dela através do segurança.
— Eu entendo… Mas não importa. Você precisa aceitar — disse ela, o encorajando com firmeza. — E tenho certeza que seus pais também acham isso.
— Não posso — recusou ele, abaixando o olhar com tristeza.
— Por que não? — indagou ela.
— Não posso viver meus sonhos às custas do sofrimento de uma amiga. — Ele levantou seu olhar para ela. — , pode não me contar, mas eu vejo nos seus olhos que morar com essa família não te faz bem.
— Obrigada por ser um bom amigo. — se inclinou um pouco para abraçá-lo bem apertado. — E eu te deixo aceitar a vaga, se não o fizer, deixarei de ser sua amiga.
— Hum… Eu que agradeço por ser seu amigo. — Ele retribuiu o abraço com carinho e voltando o olhar para frente, logo se afastou da amiga. Uma sensação gélida passou por seu corpo ao cruzar seu olhar com , que estava próximo e observando a conversa deles.
— O que foi?! — indagou , estranhando a reação do amigo.
— Acho que está na hora de voltar para casa — sussurrou Matteo, engolindo seco.
— Hum?! — deu meio giro no corpo para a direção que o amigo olhava, então, a garota também sentiu o corpo estremecer.
O olhar de fúria do primogênito Magnus era nítido… E lhe causavam ainda mais medo.
Você vai se machucar! Fuja ou você vai se machucar!
Às vezes ser corajoso demais pode ser ruim
Peça ajuda, peça ajuda a alguém
Ou então só observe em silêncio por agora…
– Face (페이스) / NU’EST
7. Università Europea di Roma
Roma, outono de 2014
O momento mais promissor da vida de um jovem adulto é quando se torna um universitário.
Aos seus 21 anos completos, Segre finalmente havia chegado ao seu último ano letivo da faculdade de três anos, com honras e um acúmulo total de 320 créditos em seu curso técnico científico de psicologia, o renomado
Laurea Triennale In Scienze E Tecniche Psicologiche, da Universidade de Roma. Não havia sido fácil para a jovem enfrentar a vida adulta acadêmica, longe da família e em um país cuja cultura é totalmente diferente da sua. Filha de um excêntrico casal de brasileiros, , como chamada pelos íntimos, havia conquistado sua bolsa de estudos em Roma através do consulado italiano no Brasil. Tudo graças à descendência italiana que herdou por parte de seu avô paterno, Giuseppe Segre, um imigrante que estabeleceu-se na cidade de Curitiba.
— Ahhhh… — disse a garota, ao se espreguiçar da cadeira na qual passou a madrugada em claro escrevendo seu artigo sobre anomalias comportamentais e as diferenças e semelhanças entre masoquismo e sadismo. — Acho que preciso de um minuto de sono.
Por influência do coordenador e melhor professor de seu curso, o dr. Nicolo Giordano, acabou por seguir sua linha de pesquisa e especificação para a área relacionada com o assunto de seu artigo. Inicialmente, a garota havia se interessado pelo estudo sobre a
Síndrome de Estocolmo, apresentado pela professora e especialista Margarete Leone. Entretanto, agora ao final de sua graduação, ela já estava mais do que decidida pela especialização que pretendia se aprofundar no mestrado que enfrentaria no futuro.
— Um minuto só?! — Caterina soltou uma gargalhada boba, pois já estava acostumada com os hábitos noturnos de sua amiga.
Ambas haviam se tornado amigas no momento em que descobriram ser colegas de quarto, e mesmo seus turnos de estudos sendo desencontrados, uma encontrava apoio no entusiasmo da outra. Ao contrário do curso de psicologia, o curso de jornalismo a qual Caterina cursava, lhe exigia 4 anos de estudos dedicados à escrita e busca pela informação, além de muitas horas de estágio.
— Você me entendeu… — soltou uma risada boba e olhou a amiga atentamente, impressionada com a disposição dela logo pela manhã. — E o que faz aqui nessa hora? Não deveria estar na aula de redação?
— Ah, aquela aula tediosa. — Ela soltou um suspiro fraco e cansado, ao levar a mão no pescoço, enquanto se aproximava de sua cama para se sentar. — Nem acredito que ainda tenho mais dois anos com aquele professor chato.
— Você não achou chato quando se envolveu com ele no primeiro dia, achando que era um veterano — retrucou , rindo um pouco mais dela. — Quando foi que ele ficou chato?
— Quando dei um fora nele — respondeu ela, com serenidade retirando o celular do bolso. — Vou aproveitar minha manhã para colocar minhas leituras em dia, comprei a coleção dos Bridgertons e não comecei nenhum até agora.
— Você e seus romances do século XIX. — se manteve impressionada com a amiga, por mais que estivesse sonolenta, ainda conseguia se atentar a ela. — Se não se incomoda, eu vou tirar um cochilo, pois tenho um almoço com o professor Giordano, hoje.
— Almoço? — Caterina estranhou a primeiro momento, então brincou. — Não achei que gostasse dos mais velhos. — Ambas deram algumas risadas.
— Ele tem sido meu mentor há um ano e meio, isso porque minhas notas são as melhores da turma, assim como meus argumentos nos debates clínicos — assegurou , lembrando-se do dia em que o professor lhe ofereceu um estágio em seu consultório. — Não posso recusar, sou uma bolsista estrangeira.
— Ah, verdade… Meio estrangeira — corrigiu a amiga — já que você tem sangue italiano também.
— Sim — confirmou ao se aproximar de sua cama e se deitar. — Já que vai fazer sua leitura, eu vou ao meu sono merecido.
A melhor parte da amizade de ambas, é o máximo respeito e privacidade mútua entre elas, o que lhes permitia as muitas brincadeiras sobre suas situações acadêmicas. Logo ao se aconchegar no cobertor, fechou os olhos e se permitiu finalmente a render-se ao sono e ter suas valiosas horas de descanso. Pouco antes do horário do almoço, a brasileira despertou com o toque do celular da amiga que recebia uma chamada. A jovem olhou em volta e percebeu que Caterina estava no banheiro a se banhar, o que explicava o aparelho tocando sem ser notado.
— Caterina, seu celular está tocando! — gritou ela, já se descobrindo para levantar da cama.
— Apenas ignore… É o Santoro — respondeu se referindo ao professor tedioso.
— Tudo bem. — soltou uma risada boba, e caminhou até o guarda-roupas, abrindo-o.
Ela não sabia o que vestir, mas deveria ser algo casual, já que não era o dia de acompanhar o doutor Giordano em nenhuma consulta especial. Após minutos de indecisão, ela pegou uma camiseta básica com um jeans surrado e o all star de sempre, o look inseparável de todo universitário de Roma. Exceto, claro, os estudantes de moda.
— Já está saindo? — indagou Caterina, ao sair do banho e olhar para a amiga se maquiando.
— Sim. — A garota pegou a bolsa transversal e jogou sua carteira e o celular dentro. — Te vejo mais tarde?
— Hum… Talvez, se eu não passar a noite na redação revisando a diagramação dos artigos para a próxima edição do jornal — respondeu ela, ainda enrolada na toalha, seguindo para o seu lado no guarda-roupa.
A parte negativa de se dividir o dormitório oferecido pela universidade era exatamente a questão de espaço, ter apenas um lado do guarda-roupas e metade do quarto.
seguiu seu caminho para o restaurante
Osteria Fortunato, que seu professor lhe mandou, após alguns minutos de caminhada, finalmente acabou chegando ao metrô e por uma confusão nas placas de aviso, pegou a direção errada, o que lhe custou dez minutos de atraso.
— Professor Giordano — disse ela ao se apresentar diante dele, em meio ao salão de mesas do restaurante.
O garçom a acompanhava, pois havia lhe mostrado o caminho. O olhar do professor se manteve sereno para ela. Conhecendo-a bem, sabia que sua aluna brasileira nunca era pontual em nenhum de seus compromissos. Ele havia visto em um grande potencial para se tornar a melhor em sua área de profissão, melhor até que ele mesmo. Não somente isso, a jovem tinha conquistado sua confiança a ponto de lhe fazer ter uma ideia de experimento para ela.
— Sente-se, senhorita Segre — disse ele, ao pegar na alça da xícara de café e levar à boca.
Ela assentiu com a cabeça e, puxando a cadeira, se sentou em seguida, não se contendo em observar toda a arquitetura ao seu redor. O restaurante, em seu luxuoso estilo de decoração, trazia consigo um sutil toque de clássico dos grandes coliseus combinado ao tradicionalismo do barroco italiano.
— Estou aqui, professor, o senhor disse que seria um assunto sobre meu futuro acadêmico, isso me deixou um pouco ansiosa — admitiu , num tom baixo, suas emoções.
— Imagino, senhorita. — Ele deu um sorriso gentil. — Venho prestando atenção em você desde o início, quando era uma simples caloura, sabe disso, senhorita Segre, e confesso que a cada semestre tem me impressionado com sua dedicação e inteligência.
— Agradeço o elogio e reconhecimento, senhor. — Assentiu ela, devolvendo o sorriso.
Ainda que sua amiga com seus comentários engraçados que soavam como brincadeiras sobre ela ter algum envolvimento com seu professor no futuro, não tinha nenhum sentimento pelo homem que não fosse admiração por seu profissionalismo dentro e fora de sala de aula. Entretanto, ela sabia de muitos casos de envolvimento de alunas com professores da universidade, o que a fazia temer um pouco os interesses do homem por ela.
— E sobre meu trabalho de conclusão de curso, lhe enviarei meu artigo até o final da semana para que avalie, assim irei me submeter a publicação como me orientou — explicou ela, o seguimento da primeira etapa de sua monografia de graduação sobre seu complexo tema. — Ainda estou na fase de pesquisas e já me encontrei com os dois voluntários de pesquisa de campo que pediu.
— Quais são? — indagou o professor, reflexivo nas palavras dela.
— A senhora Petrick do departamento de legislação acadêmica me indicou um orfanato do qual vou ter material para trabalhar, além de ser um trabalho social que também contará como horas complementares, vou poder dar sequência a parte prática da minha monografia — explicou , sendo servida pelo garçom com um cappuccino nutella, seu favorito. — Escolhi uma criança de oito anos e uma adolescente de quatorze.
Após tanto tempo de trabalho juntos, o professor já havia reparado em muitos detalhes sobre ela.
— Interessante. — O professor respirou fundo, parecia ainda pensativo em seu verdadeiro motivo de estarem ali. — Me recordo que já expressou seu desejo de avançar academicamente e a Universidade de Florença oferece um excelente programa de estudos de Mestrado em Psicologia.
— O senhor já mencionou sobre seu amigo reitor de lá — comentou ela, puxando o nome do homem mencionado em sua memória.
— Posso lhe conseguir uma bolsa de estudos, com alojamento independente, assim terá sua privacidade de volta e um apartamento apenas seu. — Continuou ele, induzindo a conversa ao ponto que desejava. — Continuarei sendo seu mentor, é claro, mas conhecerá professores melhores e mais reconhecidos no meio que eu.
— Entendi. — Respirando fundo, assim como ele, ela também o conhecia bem para saber que havia um acordo por trás daquela conversa. — Mas há algo que eu preciso fazer em troca.
— Sim. — Assentiu o homem, sem rodeios.
Aquele era o ponto fraco de Nicolo Giordano, seu alto prazer em barganhas e acordos, que aprendeu com o pai desde pequeno, para conseguir o que quisesse. Afinal, as pessoas sempre tinham algo pelo que trocar, em qualquer situação.
— Em sua dissertação de mestrado, pretende continuar a linha da monografia? — indagou ele, esperançoso por uma resposta positiva.
— Sim, senhor. — Assentiu , respirando mais profundamente. — Porém, não quero trabalhar ambos os casos de anomalia comportamental, pretendo seguir apenas uma linha de pesquisa e entender melhor sobre o assunto.
— E qual deles você escolheu? — Seu olhar interessado a deixou inquieta internamente.
— O prazer da dor — respondeu ela, descrevendo o termo de sua escolha.
— Estou feliz que tenha escolhido este caminho, e… — Nicolo voltou seu olhar para o lado, percorrendo pelas mesas até que parou em uma ao reconhecer um rosto sentado. — Tenho um paciente que quero tornar seu objeto de estudo para o mestrado, se aceitar, terá todas as oportunidades que lhe apresentei.
— E quem seria este paciente? — indagou ela, confusa pelo professor lhe repassar um paciente, sendo ela tão inexperiente.
— Estou olhando para ele — respondeu seu professor, fazendo-a olhar na mesma direção.
ficou em silêncio por um tempo, observando uma família sentada na mesa distante, a única ocupada no lugar além da deles.
— Qual dos dois garotos? — indagou ela, tentando adivinhar pela postura deles.
— Como sabe que são os filhos e não os pais? — perguntou ele, voltando o olhar para , a fim de analisar suas expressões.
— O mais novo — continuou o professor, analisando-a. — Está entrando em sua fase adulta, acabou de completar seus dezessete anos.
— E por que o senhor está me repassando este paciente? — Ela estava curiosa pela história por trás.
— Não posso, por ética profissional — explicou o homem.
— Ele é seu… — Ela iniciou sua suposição, até ser interrompida.
— Ele é meu afilhado, seu nome é… Magnus. — Finalizou Giordano, sem a deixar pensar o inapropriado.
— E por que eu? — Esta era a pergunta chave em sua mente.
— Porque confio em você — respondeu ele, soltando um suspiro baixo e mantendo a atenção nela. — Acredito no seu potencial.
, voltando o olhar para ele, estava num misto de confusão e insegurança. Mesmo que o professor demonstrasse acreditar em sua capacidade, a própria garota não se sentia apta o bastante para isso.
— Seria muita responsabilidade, professor Giordano — esclareceu suas inseguranças, com aquele comentário.
— Sei que é capaz de… Ele será seu primeiro paciente, oficialmente o primeiro — reforçou Nicolo, fazendo-a se lembrar que já será uma profissional habilitada ao serviço.
Ela assentiu, ainda reflexiva.
— Posso lhe dar a resposta na próxima aula? — indagou.
— Claro. — Assentiu o homem, não demonstrando sua frustração interna. — Que tal almoçarmos?
Após o pequeno banquete que foi servido a eles, se despediu do professor e seguiu até a saída, porém, antes de se retirar por completo, ela observou muito bem Nicolo se aproximar da mesa em que a família estava e lhes cumprimentar.
O caminho para a livraria próxima à universidade, foi reflexivo e cheio de perguntas, ela já iria lidar com adolescente em sua monografia, entretanto, com uma situação de vida inteiramente diferente. Ela não sabia ao certo o que viria a seguir, pois ainda precisava passar por todo o processo construtivo do trabalho de conclusão de curso, apresentar de forma impecável sua monografia e, enfim, obter seu diploma acadêmico e realizar o juramento da profissão. Para chegar ao seu primeiro paciente, ainda havia um longo caminho pela frente.
— Italo — disse , assim que adentrou a pequena livraria de esquina, já avistando o seu dono.
Italo Ungaretti era um jovem boêmio de vinte e cinco anos, que inicialmente se interessou pela brasileira que visitava sua livraria com frequência. Após alguns foras dela, ambos acabaram desenvolvendo uma singela amizade, regada de conversas descontraídas sobre livros medievais e séries de ficção com mundos distópicos.
— Brasileira — disse num tom risonho, ao finalizar o atendimento e se aproximar dela. — Deixa eu adivinhar… Outro dark romance para sua leitura do final de semana?
— Bem isso. — Concordou ela, segurando o riso. — A realidade é bem diferente, mas este tipo de literatura vem me ajudando a entender a mente de pessoas que escrevem histórias assim.
— Analisar mentes de autoras de romance é um bom nicho de pesquisa, pelo menos você se diverte com as leituras — brincou o rapaz, conduzindo-a até a sessão correta. Havia feito uma reforma recentemente, mudado as estantes de lugar.
— Já te agradeço por me fazer descontos incríveis nos exemplares — brincou ela, de volta, dando uma olhada superficial nos títulos.
— E como anda a monografia? — perguntou ele, curioso.
Italo já havia ouvido as muitas histórias dramáticas da garota, sobre suas madrugadas em claro fazendo artigos, relatórios, redações e estudando para as provas semestrais. A faculdade e o estágio a estavam consumindo de uma forma que não conseguia explicar. Mesmo não pretendendo demorar, acabou excedendo seu tempo limite para retornar ao dormitório, perdendo o toque de recolher e ficando trancada fora de casa.
— O que eu faço agora?! — Ela soltou um suspiro cansado e chateado, havia planejado chegar no dormitório e finalizar a diagramação das referências do seu artigo.
Parada diante do prédio do dormitório, ela ficou mais alguns minutos se sentindo culpada por não ter voltado mais cedo. Devido a insistência de Italo, acabou aceitando seu convite para conhecer uma nova cafeteria que tinha aberto próximo a livraria, que abrigava obras de artistas de rua em sua decoração. Agora, estava impossibilitada de entrar no prédio e sem a menor ideia do que fazer, já que sua amiga não atendia as chamadas dela.
— Senhorita Segre?! — A voz do professor Giordano soou atrás dela, assustando-a de leve.
— Ah?! — se virou e soltou um suspiro de susto misturado ao alívio. — Professor!?
— O que faz aqui fora? — indagou ele, ao olhar para a porta do prédio fechada e a maioria das luzes apagadas.
— Eu… Acabei me atrasando e não sei o que fazer. — Seu olhar amedrontado ficou mais nítido a ele.
— Venha comigo, não deixarei minha aluna passar a noite na rua — disse Nicolo, estendendo a mão para , indicando onde seu carro estava estacionado.
Ela assentiu em silêncio, o seguindo até o carro. Esta seria a segunda vez que a universitária entraria no apartamento do professor, a primeira, havia sido para buscar uns documentos de um paciente.
A cobertura de causar inveja, se localizava na parte da cidade onde os prédios são mais modernos e volumosos. Ao passar pela porta de entrada, ela observou seu professor fechá-la adequadamente e dar mais alguns passos adentro para depositar o paletó no encosto do sofá juntamente com a maleta, seguindo depois para a cozinha.
— Está com fome? — indagou ele, já abrindo a geladeira.
O conceito aberto dos ambientes permitia que toda a área social do apartamento fosse visualizada de qualquer ponto. A jovem tentou disfarçar, contudo, era visível seu deslumbramento com a arquitetura do lugar, o conceito menos é mais era demonstrado na decoração minimalista, combinada ao estilo industrial presente nas escadas e nas esquadrias de metalon.
— Não — respondeu ela, se encostando nas costas do sofá, o olhando. — Eu estou sem apetite.
— Não se preocupe com seu artigo, você pode me entregar até sexta-feira — disse ele, como se soubesse o foco do meu silêncio.
— Agradeço… Sei que estou apenas no início do meu TCC, mas já me sinto tão pressionada a não o desapontar — confessou ela, segurando o marejar de seus olhos.
tinha um excelente controle emocional, característica essa que aumentava ainda mais as expectativas de seu professor a seu respeito. Capaz de não demonstrar reações ou sentimentos em momentos críticos, além de estar sempre preparada para enfrentar situações conflituosas e complexas. Na visão de sua família, a brasileira era tida como uma jovem inexpressiva, o que levou a ser a escolha perfeita para a missão a qual Nicolo queria incumbi-la.
— Tem estado muito tensa ultimamente, consigo perceber isso nas aulas práticas — comentou ele, mantendo a serenidade, enquanto se dirigia até o fogão com sua cafeteira italiana na mão direita. — Vou lhe fazer meu famoso cappuccino caseiro pelo menos, sabe que não gosto de receber visitas sem lhes oferecer algo que me custe fazer.
— O senhor tem certeza que não é brasileiro? — brincou , se aproximando da área da cozinha. — Somos nós que gostamos de receber as visitas na cozinha, de preferência, fazendo algo para comer.
— Talvez, sejamos parentes — brincou Giordano de volta, fazendo-a rir algumas risadas espontâneas.
— Professor? — disse ela, o despertando a atenção.
— Sim? — Ele manteve o olhar no preparo do café.
— O senhor… Possui muito contato com seu afilhado? — perguntou ela, demonstrando sua curiosidade pelo assunto. Por mais que os assuntos com Italo fossem divertidos, não conseguiram abafar tais pensamentos de sua mente.
— Fico satisfeito que minha proposta tenha lhe despertado interesse, mas só a deixarei conhecer meu afilhado no momento certo — respondeu o homem, já encerrando o assunto.
— E qual seria este momento? — indagou , olhando-o atentamente.
— Após a sua formatura, quando for a profissional que está se preparando para ser. — Finalizou Giordano.
Ambos ficaram por um longo tempo em silêncio, apenas saboreando as sensações que aquela xícara de café lhe causavam, desde o aroma até o sabor. Foi como o despertar de um devaneio, quando a campainha soou, fazendo o professor estranhar.
Quem lhe visitaria naquela hora da noite? — O senhor estava esperando alguém? — indagou ela, também estranhando.
— Que eu me lembre, não — respondeu o homem, se afastando da banqueta que sentou e seguindo até a porta.
Nicolo era tido como um homem caseiro, mesmo sendo sociável e comunicativo, não gostava de receber visitas, menos ainda de comparecer aos muitos eventos da elite italiana, por isso o sentimento de inquietação. Assim que abriu a porta…
— Posso ficar aqui esta noite, padrinho? — A voz sussurrada de tinha traços de amargura e raiva.
, que estava parada atrás do anfitrião, conseguia visualizar como espectadora toda a cena. Seus olhos encararam os do adolescente por um breve momento, até que foram direcionados ao pequeno corte no canto de sua boca, e os notórios hematomas em seu pescoço.
Mate-me suavemente
Feche meus olhos com o seu afago
Eu não posso nem rejeitar, de qualquer forma
Eu não posso mais nem tentar escapar.
– Blood Sweat & Tears / BTS
8. Natal
Noruega, inverno de 2014
Dizem que o inverno é frio e monótono, e a única coisa que se espera fazer é se aconchegar em frente a uma lareira acesa, enrolada em cobertores até que a neve acabe.
Entretanto, na visão do pai mais durão de todos, a estação mais gelada do ano era o convite para um retiro nas montanhas entre pai e filho, com o objetivo de um treinamento pesado escondido da mamãe coruja. E assim foram, Durand e Liam para sua aventura, duas semanas antes do Natal e com a promessa de que voltariam a tempo para a noite de ceia.
A trilha de Ragdeskogen se localizava ao leste da cidade norueguesa de Odda, bem afastado dos olhares de civis, e entre as altas árvores, coberta de neve. O miliar alugou uma cabana, para oito dias abastecida com tudo o que precisam para a estadia. Não havia tanto requinte e luxo quanto um quarto de hotel, porém, lhes dava o mínimo de conforto que uma edificação do porte conseguia.
— Achei que viríamos de carro — comentou o jovem, enquanto carregava as bagagens para dentro. Ele havia carregado todas elas ao longo do extenso caminho que andaram a pé, sem nenhum tipo de ajuda do padrasto.
— Nem começamos e já está de corpo mole? — Durand soltou uma risada sarcástica. — Tem certeza que quer ser meu filho?!
Liam jogou as bagagens ao chão e o olhou seriamente, demonstrando não estar ali para agir como uma criança.
— É disso que estou falando. — Continuou o homem, entendendo o olhar do filho. — Quero sentir confiança em você.
— Vamos começar agora, então. — O rapaz estava ansioso para saber como seriam aqueles dias em meio a neve de dezembro sendo treinado pelo pai.
— Tem certeza que não quer descansar? — indagou o pai, analisando-o.
— Estamos aqui para isso, não é? — insistiu, reafirmando seu desejo.
Pelo planejamento de Durand, ele começaria pela preparação física até chegar ao emocional do garoto. Precisava levá-lo ao extremo para lhe mostrar que quando o assunto era o mundo perigoso em que adentraram, qualquer coisa que ele passasse naqueles dias, seria o paraíso comparando às torturas da máfia italiana.
— Retire o casaco, vamos tomar um pouco de ar — disse o homem, retirando o seu casaco também, e o jogando no sofá.
— Tem certeza?! — O rapaz o olhou para a janela, vendo a neve caindo do lado de fora. — Você não ouviu a previsão do tempo?
Pelo que se lembrava da previsão do tempo, havia chances de uma nevasca naquela noite.
— Onde está o rapaz corajoso de minutos atrás? Está com medo de um pouco de neve? — O olhar provocativo de Durand fez o rapaz retirar seu casaco de imediato e seguir em frente para a porta.
Um sorriso de satisfação do pai surgiu e muitas ideias em mente para tornar o filho um agente melhor do que um dia ele foi. Para alguém perfeccionista, sua meta era sair dali após alcançar a perfeição. Do lado de fora, Liam pode sentir de imediato o quanto a noite estava fria, o ar gélido tocando sua pele o fazia arrepiar com facilidade. Não levou muito tempo para que Durand parasse a metros de distância da cabana, a condição se mostrava favorável aos seus olhos e se colocando de frente para o rapaz, fechou os punhos o encarando.
— Agora que está mais velho e mais forte, vamos ver se consegue me derrubar desta vez — comentou o pai, num tom debochado.
— Mamãe não está aqui para me repreender, então não vou me conter — retrucou o jovem, com um sorriso de canto, sentindo que era seu dia de descontar todas as derrotas que teve do homem, e abrir sua caixa de pandora da raiva que mantinha trancada. — Papai.
— Surpreenda-me — instigou Durand, devolvendo o sorriso.
O primeiro soco foi desferido por Liam, que não poupou esforços para mostrar ao padrasto que o adolescente que tinha sido derrotado por ele já havia se tornado um homem forte e habilidoso. Nem mesmo o frio e a ventania que persistiram ao longo do tempo em que estiveram concentrados em sua luta, os fez desistir daquele momento. A cada golpe contra o pai, o rapaz se mostrava ainda mais obstinado a não perder mais uma vez para ele.
— Como conseguimos estar aqui, e não sentir frio? — indagou Liam, sentado em um dos degraus da escada da varanda que tinha na cabana, com o olhar no horizonte.
Quando finalmente o cansaço tomou conta e ambos sentiram os limites do seu físico, Durand declarou empate, prometendo ao garoto um segundo round no dia seguinte.
— Mesmo com as baixas temperaturas aqui fora, nosso corpo produziu muita energia, mediante nossa vontade de vencer um ao outro — explicou Durand, respirando o ar puro e gélido da natureza. — Por isso o frio não nos incomoda por um tempo, mas devemos entrar, não quero ter que explicar à sua mãe como lhe causei um choque térmico.
O homem soltou uma risada boba e, subindo os três degraus da varanda, caminhou até a porta, abrindo-a em seguida.
— Venha, quero te ensinar mais coisas — ordenou ele, entrando primeiro.
Liam assentiu e se levantou, dando as costas para a neve que caía, entrou na cabana segurando o entusiasmo. Ao fechar a porta e se voltar para a direção do padrasto, o rapaz se deparou com uma das malas abertas cheia de armas dos mais variados modelos.
— Que tal uma pequena aula sobre ferramentas de trabalho? — sugeriu Durand, com seu olhar demonstrando a mesma animação do garoto.
— Já posso segurar em uma dessas? — indagou Liam, mantendo o olhar nas armas.
— Tecnicamente não, você ainda tem 17 anos e combinamos com a mamãe que apenas lhe treinaria com combate corpo a corpo, para que tivesse disciplina para controlar sua raiva e direcioná-la para algo melhor. — O homem pegou uma pistola
Colt 1911, para verificar seu cartucho. — Mas o que acontece em Vegas…
— Fica em Vegas — completou Liam, a segunda frase favorita do pai.
A frase de efeito fez com que o jovem se lembrasse das últimas semanas de suas férias de verão em que saiu para acampar com o pai, com a desculpa que iriam passar o final de semana pescando no Rio Nabão em Santarém. Pelo menos era o que Amber pensava, até que recebeu uma ligação de Durand informando que o filho estava no hospital com o braço deslocado e um gesso que seria retirado em três meses. Pai e filho nunca mencionaram as coisas que aconteceram naquela pescaria, mas seus olhares continham muitas histórias para contar.
— Por onde começo? — perguntou Liam se aproximando para pegar uma também.
— Pela teoria. — O pai riu alto e bateu na mão dele, como um reflexo involuntário, porém, puramente proposital. — Não se deve tocar naquilo que não conhece, então… Ainda não tem permissão para segurar.
Durand fez um sinal com o olhar em direção a um livro grosso que estava no chão ao lado da mala.
— Pode começar, são setecentas páginas à sua espera — disse ele, agora segurando o riso.
— O quê?! — O olhar confuso e irritado de Liam foi perceptível. — O que aconteceu com o discurso de que só aprendemos na prática?!
O homem respirou fundo, soltando o ar com a máxima calma e tranquilidade, então, ergueu seu corpo colocando a arma em sua mão de volta na mala, e se levantou do chão.
— Para segurar uma arma, tem que estar preparado para usar — revelou ele, mais um de seus ensinamentos —, e vendo a forma que ainda controla sua raiva, não está preparado para isso.
— Pai. — Soou como um pedido, porém, Liam estava mais desapontado com a avaliação dele.
— Cada uma dessas armas em mãos erradas, são como ceifadores, não tiram apenas vidas, mas sonhos e alegrias — completou ele, num tom mais sério. — Por isso, deve ser manuseado com sabedoria… Então comece a ler.
Liam assentiu com a cabeça, permanecendo em silêncio enquanto se abaixava para pegar o livro. Este era o início da mais importante etapa daquele treinamento:
seu psicológico. O rapaz odiava ser confrontado pelo padrasto, contudo, sempre mantinha-se obediente às ordens dele, e Durand sabia muito bem que teria que trabalhar o lado ansioso e impaciente do filho, afinal, para ser um agente disfarçado, precisava-se de muita cautela, paciência e foco, qualidades que Liam ainda não possuía.
Na manhã seguinte, Durand acordou um pouco mais tarde, devido sua idade, os músculos de seu corpo passaram a noite latejando de dor atrapalhando seu sono e descanso. Sentindo os fracos raios de sol adentrarem a janela, abriu os olhos e notou que a nevasca havia terminado, permitindo a temperatura se elevar um pouco. Se espreguiçando na cama, ouviu o estalar de alguns ossos de seu corpo.
— Acho que estou ficando velho — disse ele rindo de si mesmo ao erguer o corpo e se sentar na cama. — Eu nem me esforcei tanto ontem…
Ele respirou fundo e se levantou da cama, vestiu o casaco e saiu do quarto. Ao chegar na sala, se deparou com o rapaz acordado, com o livro em suas mãos e em total concentração em sua leitura. Era visível que Liam havia passado a noite em claro, estudando como havia sido aconselhado por ele. Um sentimento de orgulho preencheu o pai por dentro, que precisou se conter para não transparecer suas emoções. Contudo, Durand se sentia afortunado pela oportunidade de tê-lo como filho, ainda que de consideração.
— Devo presumir que não dormiu? — indagou ele, ao parar em frente ao rapaz.
— Você disse que eu precisava de conhecimento — argumentou Liam ao fechar o livro e olhá-lo. — E controlar minha ansiedade.
— Passar a noite lendo é controlar a ansiedade? — Durand riu do rapaz, tentando entender a lógica.
— Acredite, eu tentei, tive que me esforçar para não pular para as dez últimas páginas, mas no final, achei interessante o desenrolar da história, nunca imaginei que houvesse um livro contando como a primeira arma foi inventada de forma tão interativa — explicou o jovem, deixando o livro ao seu lado no sofá e se levantando. — Quer que eu prepare o café?
— Não vou recusar, preciso confessar que não tenho mais vinte anos e meu corpo não para de dar sinal de latejo pela luta de ontem. — Durand se aproximou da mesa de refeições e sentou sem cerimônias, mantendo a atenção no filho.
— Então está ficando velho, papai?! — brincou Liam, com um ar sarcástico.
O rapaz se pegou impressionado pelas suas próprias palavras e pela cena em si, afinal, quando criança, nunca havia sequer imaginado viver algo do tipo: Ter uma figura paterna tão influente sobre sua vida, que lhe transmitia o desejo de ser um bom filho que orgulhasse seus pais.
— Ainda tenho força o bastante para te nocautear — assegurou o homem, rindo baixo. — Mas não vou gastar minhas energias com você, vou guardá-las para sua mãe e nossos momentos de amor selvagem.
— Que nojo… — Liam fez uma careta enquanto seguia para a área da cozinha. — Já disse, não preciso saber desses detalhes.
Durand soltou uma gargalhada boba e maldosa, segurando o olhar de malícia ao pensar em sua esposa nua diante dele. Um suspiro saudoso surgiu do homem, deixando o rapaz ainda mais enojado por imaginar sua mãe e ele em seus momentos de intimidade.
— É nojento pensar na minha mãe se fundindo com você — reclamou ainda mais ao abrir os armários e se deparar apenas com pacotes de macarrão e duas caixas de biscoitos.
— Eu não estou te obrigando a pensar nisso… — retrucou Durand, rindo mais um pouco da careta do rapaz. — O que acontece entre mim e sua mãe é o que acontece com todo casal… Ela é uma mulher atraente e eu sou um homem sedento.
Liam tentou respirar fundo relevando as palavras dele, porém, acabou engasgando com o próprio fôlego o que levou algumas tosses de sua parte.
— Podemos mudar de assunto?! — pediu o rapaz, se esforçando para relevar tudo e desviar seus pensamentos para outra coisa. — Você ainda não me disse o motivo de querer encontrar tanto aquela pessoa.
— Tenho os meus motivos — respondeu Durand, desviando o olhar para a janela. — E o mais importante deles é acabar com a máfia de Toscana… Mas é claro que isso requer tempo, estratégias e um plano muito bem executado.
— E devo imaginar que o senhor já esteja fazendo isso — supôs o jovem, concentrado em desenvolver um nutritivo café da manhã com o pouco recurso que tinha.
— Estarmos aqui faz parte disso, te treinar faz parte disso — respondeu o pai, certo de suas ações. — Agora ande com este café da manhã, seu pai está com fome. — Liam soltou uma risada boba da cozinha e continuou sua tarefa.
Nos dias que seguiram, Durand teve a ideia de testar a resistência física do rapaz ao limite, levando-o a realizar uma série de tarefas árduas dentro do perímetro estabelecido em torno da cabana. O rapaz jamais havia imaginado que um verdadeiro treinamento militar pudesse ser tão doloroso e desgastante a ponto de deixá-lo quase sem forças e com pensamentos de desistir.
Como combinado, ambos retornaram para casa faltando exatamente quatro horas para a ceia de Natal, com Liam parcialmente inteiro e várias histórias ensaiadas na ponta da língua para contar a Amber. Assim que a mulher abriu a porta de entrada da casa e se deparou com pai e filho em sua frente, seu sangue ferveu de raiva, porém, ela manteve o olhar meigo e o sorriso no rosto. É claro que não iria sacrificar o jantar que havia preparado com tanto carinho, em seu dia favorito do ano, por uma repreensão que poderia fazer no dia seguinte.
— Chegamos antes da ceia, como prometido — disse Durand, mantendo o olhar cínico de um experiente agente da Interpol.
— Boa noite, mamãe — disse Liam, dando um sorriso fechado, tentando esconder o corte no canto direito de sua boca, com o cachecol em seu pescoço.
Ela os conhecia muito bem para saber que não seria apenas um passeio de pai e filho, e por mais que achassem que ela não sabia de nada, seu instinto materno já pressentia as ideias insanas do marido.
— Vou fingir que não vi este corte em seus lábios, o hematoma no olho esquerdo e sua perna direita mancando — disse ela diretamente para o filho. — Suba e tome um banho antes do jantar.
— Sim, senhora. — Assentiu ele, ao olhar de relance para o pai e adentrar a casa.
A única coisa que se passava na mente do jovem era: “Mamãe vai nos matar”.
— Querida… — Durand tentou iniciar seu argumento, sendo interrompido pelo levantar do dedo direito dela.
— Eu confio em você, confio a minha vida e a do meu filho… — Continuou ela, agora se dirigindo a ele com seriedade. — Não me faça me arrepender da minha escolha.
— Amber… — O homem deu um passo para perto dela, erguendo a mão para tocá-la, porém, a mulher se desviou e se afastou entrando em sua frente.
— Você acha que sou inocente demais para não perceber o que está acontecendo a minha volta?! — Ela finalmente parou ao centro da sala e o olhou novamente.
Durand entrou logo atrás e fechou a porta, mantendo a seriedade no rosto, a olhou nos olhos com segurança.
— Eu lhe dei a minha palavra que a manteria em segurança, e ao Liam também. — As palavras soaram com firmeza dele. — E sabe que sempre cumpro o que digo.
— Assim espero. — Ela cruzou os braços, se fazendo de durona, mas com o coração apertado. — Agora vá tomar banho, vou servir o jantar.
— Como quiser, querida. — Ele sorriu de leve para ela.
Durand se virou para o corredor de acesso aos quartos. Com a casa sendo apenas com o andar térreo e o porão no subsolo, os quartos se encontravam mais aos fundos do terreno. O acesso ao quintal se dava pela porta na lateral da cozinha, e toda a sua estrutura era contemplada pelo tradicional estilo provençal, que seguia a arquitetura local da região onde moravam.
— Senhor, agradecemos pelo alimento e por nossa família… Por tudo o que passamos e sobrevivemos até aqui — disse Amber, encerrando sua oração à mesa de jantar —, amém.
— Amém — disseram ambos os homens de sua vida, devidamente banhados e trajados.
Ela suspirou esperançosa e feliz por aquele dia, mais um Natal em família, mais um Natal ao lado do homem que surgiu em sua vida de forma repentina apenas para lhe mostrar que o amor ainda se importava com ela. Amber estava ainda mais grata pela forma que seu filho havia mudado sob a influência de Louis Durand.
— Pelo cheiro, mais uma vez minha linda esposa se superou na cozinha — elogiou o homem ao observá-la cortar o chester que exalava um aroma convidativo.
— A cara também está bonita — concordou Liam, sentindo a boca salivar.
— Não adianta virem com elogios… — disse a mulher, cortando o clima de ambos, com o tom sério. — Você está de castigo, senhor Liam… — e olhando para o marido — e você, senhor Durand, dormirá no sofá hoje.
— Querida… Está mesmo brava conosco? — perguntou Louis, com medo da resposta.
— Vamos cear em paz — sugeriu ela, com ternura no olhar.
Algo que os deixava ainda mais perplexos com ela era a forma doce que tratava ambos, mesmo estando visivelmente zangada. Eles assentiram ao seu pedido e, gratos, saborearam o jantar preparado pela mãe sempre lançando algumas palavras de elogio para amolecer seu coração.
Na alta madrugada, Liam despertou de seu sono e saiu do quarto a fim de pegar água na cozinha, ao passar pela sala, encontrou o pai deitado no sofá, com a atenção ao teto.
— Ela realmente te expulsou do quarto? — perguntou Liam num tom baixo, rindo de leve.
— Não… — O tom seguro veio como resposta. — Por mais que tente, sua mãe não consegue me expulsar do quarto… E sabemos a razão… — Ele soltou uma risadinha maliciosa.
— Sei… — Liam segurou a risada desta vez. — Então o que faz aí?
— Um leve problema de insônia e não quis continuar na cama, se ficasse, poderia acordá-la — explicou o real motivo.
— Alguma preocupação? — indagou o filho, curioso pelo assunto.
— Quando retornamos, no aeroporto, vi um rosto conhecido… — Durand respirou fundo, voltando a cena em sua memória. — Apenas isso.
— Amigo ou inimigo? — insistiu Liam.
— Não sei definir, não ainda — respondeu ele, de forma enigmática.
Algumas horas atrás, em Toscana…
Se o Natal de alguns havia sido recheado de bênçãos e com a família completa, no menor quarto da mansão Magnus, em Toscana, mãe e filha seguiam dividindo seus sonhos e esperanças por um futuro melhor. Por mais que Lídia soubesse o quão impossível seria se livrar do acordo com Don Francesco Magnus, ela desejava profundamente que sua filha conseguisse ter uma vida melhor quando crescesse. Então, mantinha-se dedicada ao seu trabalho, e cumprindo todas as tarefas que lhe era solicitado.
— Mamãe… — sussurrou a garota ao se virar em sua cama e vê-la vazia. — Ela ainda não voltou… Por quê? Se a senhora Vernice assegurou que não a deixaria servir o jantar.
Um suspiro frustrado de a fez se descobrir e se levantar da cama. Mesmo relutando contra a preocupação, colocou um casaco de moletom que tinha e saiu do quarto. A linha de limite para ela seria a cozinha e a ala dos empregados, então, poderia procurar sua mãe em ambos os lugares sem causar problemas.
Assim como os outros, Lídia havia enfrentado um dos dias mais exaustivos para um empregado da mansão, o dia de véspera de Natal. Anualmente, os Magnus ofereciam um monumental banquete de Natal aos amigos e aliados da máfia de Toscana, e naquele ano seria a primeira vez que Francesco abriria as portas de sua casa para um “inimigo” à parte, Don Rivera, o que fez com que a criadagem dobrasse sua atenção para que nada estivesse fora do lugar. Com isso, a mãe preocupada dobrou seus esforços sob a vigilância da governanta mandona.
— … — O som da voz de Liz soou atrás da menina, fazendo seu corpo gelar no susto, então, pegando-a pelo braço a arrastou para um canto escuro a fim de escondê-la. — O que faz aqui a esta hora, deveria estar no quarto. Você não é uma criada, e hoje apenas os criados selecionados pela senhora Vernice podem andar pela mansão para servir os convidados.
— Me desculpe, Liz, mas… — A garota se encolheu, temerosa pela repreensão e pela possibilidade de ser entregue a governanta. — Eu só queria saber onde minha mãe está… Ela não voltou para o quarto e… Não está na ala dos criados, então achei que pudesse verificar na cozinha.
— Você não pode ir na cozinha agora, a senhora Vernice está lá e pode ser ruim para você — notificou a criada, se preocupando com a menina.
— Mas eu só queria saber se minha mãe está bem — argumentou ela, em sussurros.
— Sua mãe está bem, não se preocupe — garantiu Liz olhando para trás, para conferir se havia alguma movimentação de terceiros. — Agora se preocupe consigo mesma e volte para seu quarto.
— Tudo bem. — Assentiu a menina, frustrada pela resposta evasiva.
Em instantes, o barulho de passos de sapatos de salto soou, gelando o corpo de ambas.
— Finalmente te encontrei, tenho te procurado por esta casa toda, Liz, você ainda não foi limpar… — Vernice interrompeu a si mesma, ao se aproximar da criada e encontrá-la acompanhada da menina. — O que faz fora do quarto? Tentando estragar o jantar de Natal? O seduzir os herdeiros?
— Senhora Vernice, a já estava retornando para o quarto — disse Liz, se colocando na frente da garota, para protegê-la.
A governanta sentiu-se afrontada pela criada, então respirou fundo para manter sua postura impecável, de imediato seu olhar ficou mais enfurecido.
— Saia da frente e volte para seus afazeres — ordenou a governanta.
— Senhora Ver… — a criada tentou insistir, porém, paralisada pelo medo, apenas acatou com o olhar e se retirou.
A fúria da governanta voltou-se para a menina, que sentia seu coração acelerado pelo medo de causar mais problemas à mãe.
— Senhora Vernice… — Em sussurro, abaixou a cabeça, com as pernas trêmulas de medo. — Eu só queria… — Antes mesmo que pudesse formular sua explicação, foi interrompida ao ser esbofeteada pela mulher. Em segundos, a marca da mão se formou no rosto da menina, juntamente com a ardência do impacto, causando o lacrimejar de seus olhos.
— Eu não me importo com o motivo, mas agora irei lhe ensinar a obedecer uma ordem quando lhe é dada, já que sua mãe não tem a competência para isso. — Vernice manteve seu olhar superior à menina, enquanto erguia a mão novamente para lhe bater.
se encolheu mais, ela não sabia o que fazer, mas se gritasse poderia ser pior para sua mãe, então, sua única solução seria apanhar em silêncio da mulher. Assim que a governanta deu impulso no braço para lançar mais uma bofetada, seus movimentos foram impedidos por uma mão masculina, que agarrou seu pulso com força e agressividade.
— O que pensa que está fazendo? — A voz áspera e grossa de soou, com ele se mantendo na parte mais escura do corredor.
— Jovem Magnus, eu apenas estou ensinando bons modos a esta menina — disse a mulher forçando sua voz a sair, sentindo como se tivesse feito algo errado. — Por favor, perdoe-me se fiz mal.
Um breve silêncio com ele ainda segurando-a, e com o soar de uma risada vindo dele, apertou um pouco mais o pulso da mulher, fazendo-a gemer de dor.
— Jovem Magnus, por favor. — A voz da governanta agora transmitiu mais traços de um pedido de clemência.
— Em respeito aos seus anos de lealdade a minha família, deixarei passar desta vez… — Ele respirou fundo, controlando sua raiva e consequentemente sua força. — Mas vou dizer apenas uma vez, então, ouça com atenção…
— Sim, senhor… — sussurrou a governanta, já em desespero interno.
— Nunca mais ouse pensar em tocar nela novamente — ordenou , ainda mais seco e áspero —, pois se acontecer, vou me esquecer de seus anos nos servindo e farei com que perca todos os membros do seu corpo, um a um, da forma mais dolorosa que existe… A começar por seus dedos. Entendeu?!
— Sim, jovem mestre… Isso jamais se repetirá. — Assentiu a mulher, sentindo um alívio assim que ele soltou seu pulso bruscamente.
— Agora retorne para seus afazeres — ordenou o rapaz novamente, mantendo o olhar em .
— Sim, jovem Magnus. — Vernice, ainda assustada, apressou-se para se retirar o mais rápido do corredor e retornar a cozinha.
Mais uma onda de silêncio tomou conta do ambiente. , ainda encolhida e com medo, tentava controlar os sons que saíam de sua respiração amedrontada, já o Magnus, se manteve na sombra apenas observando-a imóvel com o olhar abaixado.
— O que faz fora do quarto? — indagou ele, deixando sua voz mais branda e serena, o que a fez estranhar.
— Estava apenas procurando por minha mãe — respondeu ela, prontamente, ainda que temerosa. — Eu já estava retornando para meu quarto.
— Lídia está bem, se é isso que a preocupa — afirmou , compreensivo pela imprudência dela.
— Sabe onde minha mãe está? — Ela voltou seu olhar exatamente para a direção em que ele se escondia, deixando-o impressionado com a precisão dela.
— Sim… — respirou fundo, talvez não devesse dar a resposta completa a ela, para não a deixar frustrada, porém… — Ela está no mesmo lugar que sempre esteve todos os dias neste mesmo horário.
ficou confusa a primeiro momento pela resposta, até que se lembrou das “faxinas” noturnas de sua mãe no escritório de Magnus. Seus olhos mais uma vez lacrimejaram diante do aperto em seu coração, a realidade era cruel com a garota, assim como com sua mãe.
— Eu vou… — Ela deu um passo para se afastar da parede em que se mantinha encolhida. — Voltar ao meu quarto.
Abaixando a cabeça, ela deu mais alguns passos para seguir em frente, sendo parada no caminho por ele.