Ligação
A janela batia inquieta por conta da ventania que estava lá fora e o clima gélido atingia minha pele, causando arrepios por todo meu corpo. Meus pés se mantinham firmes na cama, enquanto minhas costas gostavam da textura dura do chão e a minha cabeça sentia a maciez do travesseiro. Meu celular vibrava incessantemente, deveria ser algum grupo marcando uma saída, como sempre. E mais uma vez eu arranjaria uma desculpa para faltar, estava tão confortável no meu quarto que não fazia questão de mais nada. Olhei a barra de notificações e suspirei, apagando as prévias das mensagens e o bloqueio de tela surgiu.
Eu preferia ter deixado lotado de miniaturas inúteis do que rever essa foto.
Bloqueei o celular, mas não durou nem cinco minutos. Meus olhos retornaram àqueles sorrisos e meus lábios se comprimiram, a última coisa que a imagem causaria seria um sorriso. Com a minha semana agitada por conta do trabalho e dos cursos, eu mal tinha tempo pra esquentar com minha tela de bloqueio, a verdade é que eu fingia que não ligava, já que minha mente ficava tão exausta com a correria e não precisaria de mais um motivo para se estressar.
E lá vai mais uma verdade: eu sempre procrastino.
Igual com a imagem, igual com os meus trabalhos, e o que mais me tirava do sério nos últimos tempos: o meu relacionamento. Parar e observar eu e o Brandley assim, abraçados e com olhares sinceros, fazia meu estômago revirar. Nem parece que a nossa realidade é outra desde alguns meses.
Brandley é o típico melhor amigo que acaba virando algo a mais, confesso que o seu cabelo na altura do ombro e seu óculos redondo tinham lá o seu charme. Nos conhecemos há três anos por meio de alguns amigos, e em poucos meses já estávamos grudados um no outro.
Dois amantes confidentes, como ele diria.
Brad era o único que eu confiava de olhos fechados, além do meu hamster, o Chips. Confinamos tudo e todos os segredos possíveis e impossíveis na nossa amizade, afinal, eu era a sua única melhor amiga, e vice-versa. Não tinha dúvidas de que era só eu e ele nesse mundão, e ambos gostavam disso.
Nunca havíamos tentado nada antes, nem cogitávamos a brilhante ideia de começarmos a ficar. Mas, para tudo tem uma primeira vez, certo?
“O dia chuvoso não fazia jus ao meu humor, eu estava tão animada que nada poderia estragar isso. Saí mais cedo do meu estágio e aproveitei para comprar alguns salgadinhos, bebidas e doces. Hoje teria uma festa, então Brandley e uns gatos pingados iriam lá para casa para a concentração e depois iríamos para o local tão desejado. Uma vez ao ano, pelo menos, um grupo de pessoas organizava uma comemoração enorme, ou seja, rolava de tudo um pouco, além de ter um tema. Quem não fosse caracterizado, recebia um adesivo negativo, que condizia com menos um ponto nos jogos finais. Porém, o mais legal e paradoxo, é que você pode ir de roupa normal e falar que é uma simbologia ao tal tema escolhido. Só recebia o adesivo quem fosse desavisado, ou realmente não ligasse para isso.
;Já era quase dez horas quando os últimos colegas chegaram. Assim como todos, eles se aprontaram em ingerir as cervejas e comeram os salgadinhos, jogando conversa a fora com os demais. Sentei ao lado de Brad e nem vimos a hora passar, só nos ligamos quando Jake nos chamou para irmos para o carro. Meia hora de estrada e adentramos o nosso destino, sendo recebidos com shots de tequila. Observei a decoração e o resultado ficou incrível, nada como o bom e velho circo. Havia circenses por todos os lados, subindo e descendo do tecido e da lira, malabares no meio do público e outros com pernas de pau. Senti a mão de Brad na minha cintura e me virei, recebendo um copo com algum álcool dentro. Não demorou muito para estarmos dançando com aquela multidão, e desse jeito seguimos o restante da noite.
Na saída, acabamos dividindo um uber já que queríamos ir embora mais cedo, e não seríamos estraga prazeres. Voltamos ao som de Oasis e por um milagre, não estávamos bêbados. Entramos na minha casa fazendo o máximo de silêncio e fomos para o meu quarto com uma garrafa de vinho. Sentamos na cama e coloquei o líquido nas duas taças, sendo o bastante para continuarmos acordados. Não me lembro muito bem de qual momento foi, só sei que uma hora estávamos brincando de lutinha, e noutro, eu senti seus lábios contra os meus.”
Bastou um beijo para que começássemos a nos envolver, e nos primeiros meses, foi algo muito bom. Mas, há um mês Brad mal me procura, dando a desculpa de estar ocupado. No início, eu relevava, não tinha motivos para eu achar que era outra coisa.
E é nessa hora que entra as redes sociais.
Uma pessoa que diz não ter tempo e vive postando N tuites, não estava sem tempo, e sim, não queria falar comigo. Percebi aos poucos e me arrependia por todas as mensagens preocupadas que eu enviava. Eu ainda tinha esperança dele entrar em contato e explicar a situação, mas eu estava cansada de ficar me lamentando por ele.
É por isso que eu iria dar um fim a nossa relação.
Comecei por finalmente tirar a foto do meu bloqueio, colocando uma do meu cachorro. Minha mente me indagava o que levava uma pessoa a ignorar a outra, sem nenhuma briga ou algo do tipo. Ele basicamente jogou todos nossos planos fora, conversávamos sobre o futuro e agora, ficamos no passado. Pensei nas horas que gastamos e nas nossas tatuagens, nas vezes em que viajamos e até mesmo, na nossa amizade, que acabou por tão pouco.
Eu não vou ficar aqui me lamentando por ele, não mesmo.
Meus dedos digitaram o número tão conhecido, e enquanto chamava, eu repetia para mim mesma: Brad, não sei o que houve, mas nós terminamos aqui. Quando eu desligar, você não saberá mais nada de mim. Como todas as ligações iam para caixa postal, seria mais fácil de dizer tudo em alto e bom som. Eu só não contava com o que viria do outro lado da linha, ainda mais com aquela voz dizendo:
– Alô?
Fim
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