Letters
Capítulo 01
Tóquio, Japão, final de 2024:
Uma lágrima teimosa escorreu dos olhos de assim que ela terminou de reler a última carta trocada com há anos atrás. Ela segurou o papel com cuidado, como se a fragilidade daquela página pudesse refletir o peso das memórias que carregava. Por um instante, seus dedos hesitaram sobre as palavras escritas, deslizando pela assinatura no final. . Aquele nome ecoava no silêncio de seu pequeno ateliê como uma melodia nostálgica.
Com um suspiro profundo, dobrou a carta cuidadosamente, como sempre fazia, e a guardou novamente dentro de uma das caixas que abrigavam todas as correspondências. A caixa, desgastada pelo tempo, estava decorada com flores pintadas à mão, um dos muitos projetos que ela havia começado anos atrás, em meio à empolgação de trocar cartas.
Ela passou os dedos pela tampa da caixa, quase como se pudesse sentir os fragmentos da história que haviam construído juntos. Palavras sinceras, sonhos confessados, e até pequenos desenhos de sua autoria preenchiam os papeis que guardava como tesouros. No entanto, o vazio que sentia agora parecia tão grande quanto a distância que os separava.
fechou os olhos por um momento, tentando afastar a mistura de saudade e arrependimento que a invadia. Quando abriu os olhos novamente, encarou o ateliê ao seu redor. As ilustrações inacabadas na mesa pareciam tão solitárias quanto ela. Inspirou profundamente e sussurrou para si mesma, como se pudesse se convencer:
— É apenas uma lembrança.
Mas, no fundo, ela sabia que não era tão simples. O peso das palavras trocadas, da conexão que eles haviam construído, ainda estava ali.
Com um movimento decidido, fechou a caixa e a colocou de volta na prateleira. Seus olhos caíram sobre o calendário pendurado na parede, marcando o início de uma nova semana. Talvez fosse hora de seguir em frente. Ou talvez, apenas talvez, algo inesperado estivesse prestes a acontecer.
E pela primeira vez em muito tempo, permitiu-se imaginar o que seria encontrar novamente… Um pensamento que trouxe à tona uma emoção que ela não sabia se deveria temer ou acolher.
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Osaka, Japão, final de 2024:
iniciava mais um dia como de costume. O relógio ao lado da cama marcava 6h45, e o som do alarme ecoava pelo pequeno apartamento. Ele desligou o aparelho com um gesto rápido, levantando-se em seguida, sem perder tempo. A rotina era a única coisa que ele parecia ter controle ultimamente, e isso o confortava de certa forma.
O apartamento era modesto, mas organizado. Cada item tinha seu lugar, refletindo o lado prático e metódico de . Após uma rápida ducha, ele preparou seu café da manhã: uma xícara de chá verde e um pedaço de pão tostado. Sentado à mesa, ele abriu o notebook e verificou os e-mails relacionados ao trabalho. Como editor e escritor em uma pequena revista literária, sua função era revisar e ajustar textos, muitas vezes perdendo horas mergulhado nas palavras de outros.
Seu trabalho, embora solitário, era algo que ele apreciava. sempre encontrara refúgio na literatura. Palavras escritas eram mais fáceis de entender do que as faladas, e ele preferia o silêncio das páginas ao barulho do mundo.
Quando terminou o café, pegou sua pasta de couro desgastada – a mesma que usava há anos – e saiu para o escritório. O caminho era sempre o mesmo: uma caminhada de vinte minutos pelas ruas movimentadas, observando as pessoas ao redor, mas raramente interagindo com elas. gostava de pensar que conhecia a cidade como a palma da mão, mas a verdade era que ele vivia em sua própria bolha, evitando se conectar profundamente com qualquer coisa ou alguém.
O escritório ficava em um prédio antigo, com uma fachada discreta e janelas grandes que deixavam a luz natural invadir o ambiente. Ao entrar, cumprimentou rapidamente os colegas com um aceno de cabeça antes de se sentar em sua mesa, cercada por pilhas de manuscritos e cadernos de anotações.
Era uma vida tranquila, mas havia uma inquietação constante que ele não conseguia ignorar. Às vezes, no meio do trabalho, ele se pegava olhando pela janela, perdido em pensamentos que não ousava compartilhar. Entre esses pensamentos, as cartas que trocara com frequentemente surgiam, como uma brisa que balançava as lembranças.
Havia tempos em que ele queria escrever para ela novamente, mas sempre hesitava. A razão? Ele mesmo não sabia ao certo. Além de claro, todo o tempo que havia passado, ele já não sabia mais se o endereço dela continuava o mesmo e outras infinitas coisas, talvez também fosse o medo de perceber que o vínculo que criaram no passado havia se dissipado. Ou talvez fosse o temor de que, ao reviver aquele contato, ele precisasse encarar sentimentos que cuidadosamente havia guardado.
sacudiu a cabeça, afastando as divagações, e voltou sua atenção para o manuscrito que precisava revisar. Mas, no fundo, ele sabia que aquele dia seria apenas mais um capítulo em sua rotina metódica… ou talvez o início de algo que ele ainda não podia prever.
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amarrou os cabelos em um coque desleixado enquanto segurava o copo de café com a outra mão. Ainda era cedo, mas o sol já iluminava as ruas movimentadas de Tóquio. Ela carregava sua pasta de couro repleta de esboços e seu tablet para ilustração digital. O café estava quente e doce, exatamente como ela gostava, e o aroma a ajudava a espantar o cansaço.
Seus passos a levaram ao estúdio de design da editora onde trabalhava como ilustradora de livros infantis. Era um espaço colorido e vibrante, com paredes cheias de quadros de personagens que ela e seus colegas haviam criado ao longo dos anos. adorava aquele lugar. As ilustrações eram sua forma de dar vida às histórias, e havia algo mágico em saber que seus desenhos poderiam encantar crianças em todo o Japão.
Ao chegar, ela cumprimentou os colegas com um sorriso educado e se acomodou em sua mesa. O trabalho daquele dia envolvia finalizar as ilustrações de um livro sobre animais do oceano. Com os fones de ouvido tocando uma playlist instrumental, ela mergulhou em seus desenhos. Traços fluidos e cores vibrantes preenchiam a tela do tablet enquanto ela trabalhava em uma cena de baleias nadando no fundo do mar.
A manhã transcorreu tranquilamente, interrompida apenas por risadas ocasionais entre os colegas ou pela entrega de um pacote de livros recém-impressos. se sentia confortável naquele ambiente, ainda que mantivesse uma certa distância emocional das pessoas. Ela preferia deixar suas emoções se expressarem nos desenhos e não em palavras.
No início da tarde, enquanto revisava os detalhes de um personagem, o diretor do setor apareceu na sala. Ele era um homem de meia-idade, com um terno impecável e um sorriso cortês que geralmente precedia notícias importantes.
— , Takashi, Mai, vocês podem vir até a sala de reuniões? Gostaria de discutir algo com vocês.
Trocaram olhares curiosos, mas todos assentiram e o seguiram. A sala de reuniões era simples, com uma longa mesa de madeira e um quadro branco. Quando todos estavam sentados, o diretor começou a falar.
— Como vocês sabem, a nossa editora tem crescido bastante nos últimos anos. E, com esse crescimento, decidimos expandir nossos horizontes. Vamos abrir uma nova filial em Osaka.
Os três trocaram olhares surpresos, e o diretor continuou:
— Vamos precisar de uma equipe dedicada lá, especialmente no setor de ilustração. E, analisando os perfis dos nossos colaboradores, vocês três foram os escolhidos para essa oportunidade. Sei que é uma mudança grande, mas consideramos que, por não terem compromissos familiares como maridos, esposas ou filhos, vocês têm mais flexibilidade para aceitar o desafio.
sentiu o coração acelerar. Uma mudança para Osaka? Ela nunca havia pensado nisso. Tóquio era sua casa, o lugar onde cresceu e construiu sua carreira. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de uma nova experiência a intrigava.
— Entendo que isso pode parecer repentino, então vocês terão uma semana para pensar e decidir. Quem aceitar terá um pacote de benefícios para a transição, incluindo ajuda de custo para moradia.
Assim que a reunião terminou, voltou para sua mesa, incapaz de se concentrar nos desenhos. O convite mexera com algo dentro dela. Era um novo começo? Uma chance de sair da rotina e buscar algo diferente?
Enquanto tentava processar tudo, sua mente voltou para a caixa de cartas. Por algum motivo, ela se perguntou novamente se ainda estava em Osaka. E, se estivesse, como seria vê-lo depois de todos esses anos?
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O sol da tarde atravessava os janelões da cafeteria onde costumava se encontrar com os poucos colegas de trabalho que considerava próximos. O aroma de café fresco e o murmúrio de conversas preenchiam o ambiente, criando um contraste agradável com a seriedade de sua rotina no escritório. À sua frente, estava Junpei, um designer gráfico que trabalhava no mesmo prédio. Junpei era o oposto de : falante, espontâneo e, às vezes, um pouco desorganizado, mas era exatamente isso que tornava suas conversas menos entediantes.
levou a xícara de café à boca, absorvendo o calor do líquido enquanto Junpei falava animadamente sobre um novo projeto em que estava envolvido.
— Cara, você não vai acreditar — começou Junpei, gesticulando com energia enquanto mexia no cappuccino com a colher. — Acabei de saber que a Editora Yamazaki vai abrir uma filial aqui em Osaka.
ergueu uma sobrancelha, mais por cortesia do que por real interesse.
— Yamazaki? Já ouvi falar. Publicam livros infantis, certo?
— Isso mesmo! — Junpei confirmou com um sorriso largo. — Eles são grandes no mercado. E sabe o que é melhor? A nova filial vai ficar no nosso prédio!
apoiou o cotovelo na mesa e olhou para Junpei com leve curiosidade.
— No nosso prédio?
— Exato! No andar de cima, inclusive. Parece que vão trazer alguns ilustradores de Tóquio para cá. Imagino que a equipe de design deles deve ser incrível.
assentiu lentamente, desviando o olhar para a rua movimentada do lado de fora da cafeteria. A conversa era banal, mas uma parte de sua mente se deteve na ideia de “ilustradores de Tóquio”. Ele não sabia muito sobre a Editora Yamazaki além do fato de que publicavam livros voltados para crianças.
— Interessante — disse, sem muito entusiasmo, antes de voltar a tomar um gole do café.
— Interessante? É mais do que isso, ! — Junpei insistiu, rindo. — Você deveria se animar. Quem sabe não acabamos colaborando com eles em algum momento?
deu de ombros. Ele não era do tipo que se deixava levar pela empolgação.
— Veremos.
Junpei continuou falando sobre a novidade, mas não prestava muita atenção. Seu pensamento havia deslizado, involuntariamente, para as cartas que trocara durante anos com . Ele ainda não sabia onde ela trabalhava, ou mesmo como estava sua vida nos dias atuais. Apesar disso, a ideia de encontrar algo familiar em meio às surpresas de sua rotina o deixou inquieto.
Junpei acenou com a mão na frente do rosto de , interrompendo seus devaneios.
— Ei, perdeu o foco?
— Não, só estava pensando em outra coisa — respondeu, recostando-se na cadeira.
Junpei riu, sacudindo a cabeça.
— Você está sempre pensando em outra coisa. Mas fique de olho nessa mudança, pode ser interessante.
apenas concordou com um aceno, mesmo que não tivesse certeza do que exatamente era “interessante” sobre aquilo. Ele não fazia ideia de que, no andar de cima, poderia estar uma das poucas pessoas capazes de balançar o mundo que ele mantinha tão controlado.
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Capítulo 02
Osaka, Japão, começo de 2024:
notou o burburinho assim que pisou no escritório. Aqueles dias de recesso em casa havia feito um em danado para ele, e ao retornar logo se inteirou das fofocas: a editora Yamazaki havia começado suas atividades no prédio.
Ele não conseguia entender muito bem porque aquele fato mexia tanto com todos da revista, afinal, empresas mudavam de localização o tempo todo, e uma editora de livros infantis não parecia algo que fosse causar tanto alvoroço. Mas, pelo jeito, a chegada deles tinha se tornado o assunto principal entre os funcionários.
— Finalmente um pouco de movimento por aqui, hein, ? — comentou Junpei, encostando-se na mesa ao lado da dele.
ergueu os olhos da tela do computador, franzindo levemente a testa.
— Desde quando um monte de ilustradores e editores virando seus novos vizinhos é sinônimo de “movimento”?
Junpei riu, cruzando os braços.
— Ah, você sabe como as coisas são por aqui. Qualquer novidade já vira assunto por semanas. E além disso, dizem que trouxeram ilustradores muito talentosos de Tóquio.
voltou sua atenção para o monitor, minimizando alguns arquivos antes de responder com desinteresse.
— Desde que não interfiram no nosso trabalho, tanto faz.
Junpei bufou.
— Você realmente não se anima com nada, né?
— Não com coisas irrelevantes — respondeu , sem desviar os olhos do computador.
Junpei riu de novo, mas antes que pudesse continuar a conversa, alguém chamou seu nome do outro lado da sala. Ele se afastou, deixando imerso na rotina que sempre preferiu.
Mas, por algum motivo, aquela sensação estranha de inquietação continuou pairando sobre ele.
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ajustou os óculos sobre o nariz e conferiu a última ilustração na prancheta digital. O traço delicado do personagem infantil estava quase finalizado, faltavam apenas os últimos retoques de cor. Ela mordeu o lábio inferior, analisando os detalhes antes de salvar o arquivo.
A nova rotina em Osaka ainda parecia um pouco surreal. Fazia pouco mais de uma semana que havia chegado, e mesmo que a adaptação estivesse sendo mais tranquila do que imaginava, o frio na barriga ainda a acompanhava. Assumir a liderança da equipe de ilustradores da filial era um passo enorme em sua carreira, e o reconhecimento de sua arte por autores locais a deixava orgulhosa. No entanto, as mudanças ainda pareciam assustadoras.
Ela se espreguiçou, sentindo os músculos das costas reclamarem do tempo prolongado na mesma posição. Olhou ao redor da nova sala, onde seus colegas de equipe também estavam mergulhados no trabalho. A Editora Yamazaki havia apostado alto na filial de Osaka, e queria corresponder às expectativas.
Enquanto arrumava os papéis espalhados sobre a mesa, seu pensamento voltou para a virada do ano. Em vez de festas ou encontros animados, ela passou o dia entre caixas de mudança, organizando suas coisas e tentando dar um ar mais acolhedor ao novo apartamento. As lembranças de Tóquio ainda estavam frescas, mas aos poucos Osaka ia se tornando seu novo lar.
Um barulho na porta interrompeu seus devaneios. Era um dos editores, chamando-a para uma breve reunião.
— -san, o diretor quer revisar alguns detalhes sobre os novos projetos. Você pode vir?
Ela assentiu rapidamente, ajeitando a blusa e pegando um caderno para anotações.
— Claro, estou indo.
Respirou fundo antes de sair da sala. Seu novo começo estava apenas começando.
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O elevador parou no décimo quinto andar, abrindo sua porta para que mais dois passageiros pudessem entrar e então, afastou o corpo para trás, deixando mais espaço do elevador livre para que os dois homens pudessem entrar.
— Ah ! Qual é? Vamos, cara, vai ser legal! Você precisa se divertir um pouco, a vida não só trabalhar e cuidar de dois gatos idosos.
Junpei sacudiu os ombros dele que fez uma careta e então encarou a mulher que os acompanhava no elevador. Os olhos dela estavam saltados e cheios de água, e ela olhava diretamente para ele.
sentiu o ar falhar nos pulmões no instante em que ouviu aquele nome.
.
Era um nome comum, mas não para ela. Não depois de anos escrevendo e recebendo cartas de alguém que, por tanto tempo, existiu apenas em palavras no papel. Seu coração disparou, e por um momento, o burburinho no elevador desapareceu, sendo substituído por uma sucessão de lembranças. As madrugadas em que ficava acordada relendo suas cartas favoritas. A expectativa por uma nova resposta. O carinho escondido nas entrelinhas, nas frases escolhidas com cuidado.
Seus olhos subiram para o homem ao seu lado, sua mente recusando-se a acreditar no absurdo daquela coincidência. Não podia ser o mesmo . O destino não seria tão ousado a esse ponto, não colocaria aquele – o das cartas, o que morava em um lugar distante e inalcançável – bem ali, no mesmo elevador, no prédio onde sua editora acabara de se instalar.
Mas algo dentro dela insistia. Um pressentimento arrebatador, um frio na espinha que a fez continuar olhando. Seu rosto estava quente, seus olhos cheios d’água. Ela não sabia se era emoção, choque ou medo de que estivesse apenas se iludindo.
E se fosse ele?
percebeu o olhar fixo da mulher à sua frente e franziu a testa levemente. Algo na maneira como ela o encarava o deixou desconfortável, como se ele estivesse sendo reconhecido por alguém que ele mesmo não conhecia.
Ainda assim, mantendo sua postura reservada, ele fez uma breve reverência, inclinando levemente a cabeça em um cumprimento educado. Junpei, sempre mais extrovertido, seguiu o gesto com um sorriso simpático antes de voltar a falar sobre seus planos de convencê-lo a sair naquela noite.
O elevador continuou descendo. ainda sentia o coração pulsando forte. Seus dedos formigavam de nervoso. Ela queria perguntar, queria confirmar, mas sua voz parecia presa na garganta.
Quando o elevador chegou à recepção e as portas se abriram, e Junpei saíram primeiro, seguindo para o saguão. Foi nesse momento que ela tomou coragem. Se estivesse errada, no máximo passaria vergonha. Mas se estivesse certa…
— ?
Seu tom foi firme, mas hesitante ao mesmo tempo.
parou no mesmo instante. Junpei também se virou para ela, surpreso por ouvir o nome completo do amigo vindo de uma desconhecida.
O jornalista franziu o cenho, voltando-se lentamente para encará-la. Seu nome soou diferente na voz dela, como se carregasse um peso maior do que um simples chamado. Algo na maneira como ela disse aquilo o fez sentir um frio na espinha.
Ele a observou melhor dessa vez.
— Sim? — respondeu, mantendo a expressão neutra, mas com uma leve desconfiança nos olhos.
deu um passo à frente, a voz quase falhando enquanto tentava controlar a ansiedade. O coração dela martelava em seu peito, e a realidade de que o homem diante dela poderia ser, de fato, o , o de suas cartas, começava a se tornar avassaladora. Ela respirou fundo, mais uma vez tentando manter a calma.
— ? — ela repetiu, agora com mais firmeza, os olhos brilhando com um misto de incredulidade e expectativa.
, por sua vez, se manteve em silêncio por um momento, estudando o rosto dela com mais atenção. Algo em sua expressão, nos olhos dela, fez com que sua mente se convulsionasse por um segundo. Aquelas palavras, aquele nome… Ele tinha ouvido aquilo antes, de algum lugar. O silêncio se estendeu, um leve desconforto pairando no ar entre os três. Junpei olhou para o amigo e depois para a mulher, totalmente confuso.
— Você… — começou, mas as palavras ficaram presas. Não conseguia dizer o que estava pensando sem parecer completamente louca. Afinal, como ela poderia afirmar que aquele homem, ali na sua frente, era o mesmo das cartas que ela trocara por anos, sem qualquer certeza? Ela só sabia que algo naquelas feições, no jeito dele, despertava uma lembrança forte demais para ser ignorada.
, mantendo o tom polido, franziu um pouco a testa, respondendo com cautela:
— Isso mesmo. Eu sou . E você…?
A aparência dela não soou familiar para ele. Não havia nenhuma conexão óbvia entre a mulher que ele via em sua frente e ele… Ele também não lembrava de jamais ter trocado palavras com ela, mas, de alguma forma, ela parecia estar esperando algo dele, algo mais do que uma simples saudação.
hesitou por um instante, sentindo a ansiedade sufocando-a. Não queria parecer uma lunática, mas ao mesmo tempo, sua intuição a empurrava para arriscar.
— Eu… — ela começou, mas se interrompeu, sentindo o peso das palavras. Seu cérebro estava tentando processar o que estava acontecendo, enquanto as memórias das cartas, das palavras trocadas com tanto carinho, invadiam sua mente. — Eu… Eu só queria saber… Você, por acaso, escreveu cartas para alguém em Tóquio, há uns anos?
O silêncio se estendeu novamente, dessa vez mais longo. A mente de girou, tentando entender o que ela queria dizer. Algo estava começando a fazer sentido, mas ele não sabia o que era. Junpei, ainda completamente alheio ao que estava acontecendo, apenas observava a troca tensa entre os dois, sem entender as reações deles.
olhou para a mulher com um leve sorriso cético, mas também com um olhar curioso.
— Eu… — ele começou, hesitante. As palavras estavam ali, mas ele as escolhia com cuidado, como sempre. — Eu troquei algumas cartas no passado, sim, mas não estou certo de qual relação você está falando.
se permitiu um sorriso fraco, a esperança iluminando seu rosto. Ela estava ciente de que a realidade poderia ser bem mais simples ou mais complicada do que ela imaginava, mas a conexão que sentia naquele momento parecia inegável.
— . Eu… eu acredito que nós trocamos cartas, muitos anos atrás. Você e eu, por meio de um programa de correspondência escolar. Não sei se se lembra, mas…
Agora, foi a vez de se dar conta do que estava acontecendo. O mistério, o alívio súbito, o reconhecimento no olhar dela — tudo se encaixava, como um quebra-cabeça que ele não sabia que estava montando. Ele ficou em silêncio por alguns segundos, os olhos fixos nela, tentando conectar as peças de uma história que ele fazia forças para esquecer, mas não conseguia.
— Você… Você é a , a garota das cartas? — ele perguntou, o tom baixo e incrédulo, ainda sem acreditar totalmente, mas com uma surpresa crescente na voz.
assentiu lentamente, o sorriso tímido se espalhando pelo rosto. Aquela sensação de ter encontrado alguém de um passado distante, alguém com quem trocara tanto, mas com quem nunca havia compartilhado uma única palavra pessoalmente, estava agora prestes a se transformar em uma realidade. Ela sentiu uma mistura de nervosismo e felicidade, com o coração acelerado, esperando pela reação de .
, por sua vez, não sabia o que sentir. Ele estava tão acostumado a manter distância das pessoas, especialmente de quem o tocava de forma tão íntima através das palavras, que a realidade de tê-la ali, bem na sua frente, foi como uma onda inesperada. Ele não estava certo de como reagir, mas sentiu um impulso de se aproximar um pouco mais, como se as palavras do passado estivessem pedindo para ser vividas no presente.
— Eu… não acredito que você está aqui. — murmurou, mais para si mesmo do que para ela, ainda tentando absorver a situação.
Junpei, que até aquele momento tinha estado em silêncio, olhou entre os dois e, com um sorriso travesso, brincou:
— Ah, então é isso! Vocês dois são como… uma espécie de amigos de correspondência de longa distância? Que interessante!
e trocaram um olhar breve, ambos cientes de que estavam prestes a entrar em um território que desafiava tudo o que eles haviam conhecido até então.
— Eu também não! Sonhei tanto com esse momento, que mal consigo acreditar que é real.
sorriu timidamente, as palavras quase escapando dela em um sussurro. Ela se sentia leve e, ao mesmo tempo, sobrecarregada pela intensidade do momento. A visão de , ali, diante dela, estava tão distante da figura idealizada que ela havia construído em sua mente ao longo dos anos. Mas, de alguma forma, ele também parecia real demais, como se finalmente ela estivesse fechando o círculo de uma história que nunca teve um fim.
, por sua vez, parecia em choque. Ele a observava, tentando juntar os pedaços da imagem da menina que ele tinha criado através das cartas e as que surgiam agora, naquele momento em que as palavras deixavam de ser apenas palavras. Havia algo nas feições dela, no jeito que ela o olhava, que parecia familiar, mas ao mesmo tempo tão distante. Ele estava começando a perceber que a idealização de um relacionamento através da escrita nem sempre se encaixa com a realidade do encontro ao vivo. E, no entanto, ali estava ela, com um sorriso frágil, com os olhos brilhando de uma emoção que ele não conseguia identificar.
— Eu… — começou, interrompido pela própria hesitação. Ele nunca foi bom com palavras quando se tratava de sentimentos. E, naquele instante, ele queria que tudo fosse mais simples, como nas cartas, onde ele podia pensar, escrever e revisitar suas palavras até que elas soassem da maneira certa. Mas agora, nada parecia ser tão claro quanto ele imaginara.
Junpei, tentando aliviar a tensão no ar, se aproximou e deu uma leve risada.
— Bem, parece que temos um reencontro épico aqui, hein? Eu fico só observando, não sou bom com esse tipo de coisa. Mas espero que, independentemente de como foi esse tempo todo, vocês dois se divirtam agora!
lançou um olhar de agradecimento para Junpei, que sorriu de volta, mas depois seus olhos se voltaram para , como se tentando decifrar todas as emoções que ele não conseguia organizar.
engoliu em seco, tentando dissipar a sensação de nervosismo que ainda dominava seu estômago. Ela se sentia dividida entre a vontade de continuar falando, de fazer tudo parecer menos inusitado, e a necessidade de absorver tudo o que estava acontecendo.
— Eu não sei o que dizer, na verdade. Eu pensei tanto sobre esse momento, e agora… — Ela fez uma pausa, rindo baixo, mais para si mesma. — Agora parece que tudo o que eu imaginava não faz sentido, mas de uma forma boa, sabe? Como se finalmente fosse real.
se inclinou levemente, cruzando os braços, agora mais relaxado, apesar da confusão interna.
— Eu sei o que você quer dizer. Também achei que esse momento seria… diferente. Mas acho que, no fundo, eu também sempre imaginei como seria… Nós, aqui, finalmente.
Ele deu uma pausa e, em um gesto quase automático, deu um passo à frente, seus olhos finalmente se suavizando um pouco.
— Eu não esperava que fosse assim. Eu não esperava estar aqui, neste momento, depois de tantos anos de cartas. Eu ainda não sei o que fazer com isso, para ser honesto.
sentiu uma leve tensão dissipando-se. Ela ainda estava um pouco nervosa, mas, de algum jeito, aquele confronto de expectativas estava quebrando o gelo.
— Eu… — ela suspirou, antes de se recuperar e olhar diretamente para ele. — Eu também não sei. Mas acho que a gente pode começar do começo, né? Não tem mais por que idealizar tanto, o que aconteceu nas cartas ficou no passado. Agora, é só o que somos aqui e agora.
a observou com uma leve expressão de surpresa. O que ela dizia parecia sensato, mas ele nunca foi bom com mudanças rápidas. Ele estava, de alguma forma, mais confortável com a distância emocional, com as cartas. Mas agora, diante dela, ele sentia a necessidade de ser mais aberto. Talvez fosse a hora de finalmente parar de se esconder atrás da escrita.
— Você está certa. — Ele disse, com um suspiro baixo, seu tom mais suave. — Acho que é hora de… começar de novo. Sem as cartas, sem o peso do que imaginamos. Só nós dois.
sorriu genuinamente. Algo dentro dela se acalmou, e uma sensação de alívio tomou conta dela. Esse reencontro, apesar de ser cheio de surpresas e momentos desconcertantes, parecia ser o início de algo novo. Algo real.
— Então, que tal tomarmos um café, ? Para ver até onde isso pode nos levar? — ela sugeriu, agora com mais confiança.
a olhou por um momento, ainda ponderando sobre as palavras dela, e então assentiu, seu sorriso surgindo lentamente.
— Acho que seria uma boa ideia, . Vamos descobrir juntos.
E, com isso, ambos saíram da recepção, rumo a uma nova jornada que estava apenas começando.
Essa história me lembrou o filme “Mensagem Instantânea”, mas aqui os pps são eles mesmos e não fingindo que são os amigos (?)
Vamos ver, será que teremos algumas desilusões antes de enfim chegar ao felizes para sempre? O que esse café vai trazer, hein? HMMM