Jogos & vinhos

   não se importava de ser realista, tampouco de ser considerado uma pessoa fria. Por ser mais reservado e não fazer tanta questão de socializar, as pessoas o taxavam de antipático – apesar de tentarem fazer amizade com ele mesmo falando mal pelas costas por causa do seu status –, contudo, o homem apenas rolava os olhos e seguia com a sua noite.

  Não é como se não quisesse ter novas amizades, ele só não tinha a mínima vontade de ter em seu ciclo de amigos pessoas visivelmente falsas e que querem ser bajuladas a todo custo; e, de uma maneira ou de outra, quando elas percebem que não é puxa saco e sim um indivíduo 100% sincero, elas perdem o interesse nele. O rapaz sabia que, com a sua fama, isso aconteceria mais do que antes, todavia, às vezes era cansativo ter que lidar com as pessoas. Por isso, sempre preferiu os jogos, e com a sugestão de um amigo, começou a fazer lives e hoje se tornou um dos maiores streamers do momento, sendo verdadeiramente feliz no que fazia – apesar do lado cansativo da fama.

  Das poucas relações que conseguiu manter, o seu último relacionamento amoroso acabou há pouco mais de cinco meses, por mais que só tenha durado quase um ano. Às vezes ele se pegava pensando no que a sua ex estava fazendo, pensando se deveria ter demonstrado mais os seus sentimentos por ela; às vezes se questionava se tinha sido o suficiente, chegando à conclusão de que se havia sido ou não, não importava mais. Não tinha motivos para ficar confabulando inúmeras possibilidades quando a escolha de ir embora foi unicamente dela, e como gostava de encarar a vida exatamente do jeito que ela é, ficar com a cabeça no mundo da lua não o levaria a lugar nenhum.

  — O que passou, passou — olhou para o céu e suspirou, voltando a caminhar. — Cada pessoa tem o seu jeito de demonstrar…

   parou de falar ao perceber que parou em frente a um restaurante que nunca havia visto, ou no caso, reparado, já que aparentemente ele funcionava há algum tempo. O homem ponderou por poucos segundos até decidir entrar, e a primeira impressão que teve foi: é um estabelecimento extremamente aconchegante. E quentinho.

  O contraste com o clima lá fora era enorme, afinal, Seul estava coberta de neve, então ter um ambiente climatizado era perfeito para a ocasião. A sua primeira parada foi o bar, e assim que se sentou em um dos bancos, a bartender veio ao seu encontro com um belo sorriso:

  — Seja bem-vindo — ela o entregou uma toalha quente —, o que gostaria de beber?

  — Algo forte. — Depois do dia que teve, o rapaz só queria esquecer os problemas.

  — De estômago vazio?

  — Como? — a encarou extremamente confuso. — Por que não posso ter a minha bebida?

  — Eu nunca serviria uma bebida forte para um cliente que visivelmente não jantou, e você aparenta estar cansado.

  — Você lê mentes? — estava realmente impressionado com a perspicácia da moça. Por conta do trabalho e de ter que lidar com a parte chata dele, o rapaz esqueceu completamente de comer algo antes de sair para espairecer.

  — Bem que eu gostaria, me pouparia várias dores de cabeça, sabe? — A bartender riu. — Mas acho que também me daria dor de cabeça escutar os pensamentos alheios. Enfim, o trabalho de um bartender é servir a bebida que mais condiz com a condição do seu cliente, e para isso, é importante que eu observe os pequenos detalhes. Às vezes, tudo o que precisamos é de uma taça de vinho para acompanhar um delicioso espaguete.

  — Isso foi um convite? — O gamer tirou brevemente os óculos para limpá-lo.

  — Sim, algum problema? — A mulher sorriu e saiu de trás do balcão com uma garrafa e duas taças nas mãos. — Eu estava prestes a fechar o restaurante, mas joguei para o universo que se viesse mais um cliente, eu o chamaria para jantar comigo.

  — E você acredita que foi o universo que me fez vir aqui? — arqueou a sobrancelha por mais que a bartender não pudesse vê-lo, já que ele estava atrás dela, a seguindo até a porta da cozinha.

  — Você acredita? — Ela o olhou por cima do ombro por alguns segundos antes de adentrar o outro cômodo.

   se pôs a pensar. Por sempre ser mais realista, ele nunca romantizava essa questão de destino, visto que acreditava que ele mesmo tinha que correr atrás e fazer o seu futuro. não achava que as coisas cairiam do céu, porém, concordava que havia sido um pouco estranho ter parado exatamente em frente ao restaurante que nunca reparou antes, apesar da mulher não saber desse detalhe.

  — Pode colocar os pratos e os talheres na mesa que desejar e o vinho também. — não sabia se a pergunta anterior havia sido retórica, entretanto, a deixou de lado.

  — Tem algo a mais que posso ajudar? — Perguntou ao terminar de organizar a mesa que não levou mais de cinco minutos.

  — Não, tudo o que precisamos já está aqui… oh, que arrumação linda!

   não esperava que o rapaz soubesse arrumar a mesa de uma maneira tão bonita em apenas cinco minutos. Os talheres estavam em ordem e ele ainda ajeitou as flores dentro do jarro, além de ter aberto o vinho e servido; soltou um suspiro e colocou os pratos sem seus devidos lugares, contente pelo universo ter mandado alguém decente dessa vez.

  — Eu trabalho há sete anos com gastronomia e ainda me impressiono quando vejo certas coisas, por mais simples que sejam — sorriu pequeno. — É verdadeiramente bonito apreciar as pequenas coisas, né?

  — Creio que sim… — o homem deu a primeira garfada no seu macarrão, ficando visivelmente surpreso e maravilhado. — Isso aqui está simplesmente delicioso.

  — A chefe agradece — riu e bebericou o seu vinho, sentindo o seu corpo relaxar. — Não me lembro a última vez de ter chamado alguém para jantar comigo.

  — Você não tem amigos? — A sua pergunta foi sincera, mas não conteve a risada ao perceber a feição preocupada do rapaz.

  — Você é meio sem filtro, né? — Apoiou o rosto na mão, sorrindo. — Eu tenho amigos, mas eu estava falando de chamar alguém fora do meu círculo de amizades. Quando se tem uma estrela Michelin e diversos famosos que usam o seu restaurante como escape, acaba que não tenho muito tempo para ter um romance.

  — Desculpa — engoliu a seco.

  — Sem problemas, acho que faz parte do seu charme. — A piscada da bartender para si fez com que se sentisse ainda mais quente por dentro, e o homem sabia que suas bochechas iriam ficar coradas a qualquer momento.

  — Hum… — balançou a taça na tentativa de se distrair dos seus pensamentos. — Estou curioso em relação a estrela e o “escape”.

  — Esse restaurante era do meu antigo chefe, só que ele resolveu se aposentar e viajar pelo mundo com o seu esposo. A estrela veio no ano passado, quando a popularidade dele estava bem alta. Eu fui pega de surpresa, mas todos os dias me esforço para conquistar as outras duas — olhou a rua pela janela, vendo a neve cair. — E sobre o escape, também começou com o antigo dono. Por sempre frequentar diversos bares, ele fez vários amigos e dentre eles, havia pessoas famosas. Por mais que seja um restaurante com uma estrela Michelin agora, ele ainda passa despercebido pelo público por se assemelhar a uma loja normal. Aposto que você nunca reparou nele.

  — É meio óbvio, não é? — riu.

  — Se você tivesse vindo aqui antes, eu já teria te chamado pra sair — mais uma vez, se viu bobo em como a chefe falava essas coisas com a maior naturalidade, e ele começava a se questionar se precisava de fato conviver mais com as pessoas. — Bom, eu sempre falo que quando alguém precisa do meu restaurante, ela vai encontrá-lo no momento certo. Seja para saborear uma deliciosa comida, desabafar com a bartender ou para simplesmente descansar. A iluminação foi pensada exatamente para essa questão, e também impede que as pessoas lá fora vejam que tem famosos no ambiente. É um lugar que serve de escape para vocês.

  — Achei que passaria a noite sem ser descoberto…

  sorriu de lado, descansando as costas na cadeira. Pela primeira vez em muito tempo, não se incomodou em ser “descoberto”, se sentindo completamente confortável na presença de . Ele não sabia se era o efeito do restaurante ou dela em si, porém, estava curioso para saber o fim que esse encontro teria.

  — Acho que precisamos nos apresentar, certo? Meu nome é , mas pode me chamar de. Tenho vinte e cinco anos, sou formada em gastronomia e comecei a trabalhar em cozinhas desde os dezoito. Tenho um gatinho e amo jogar, e confesso que já assisti umas lives suas, por mais difícil que seja acompanhar o seu chat fervoroso — riu.

  — Muito prazer em te conhecer, — a mulher gostou de como o seu nome soou na voz do homem. — Eu sou , trabalho como streamer e antes de fazer lives eu trabalhava para uma empresa de contabilidade. Também amo jogar e amo gatinhos, apesar de não ter um.

  — Prazer em conhecê-lo,. Se quiser, posso te apresentar ao Pitico. Ele é meio acanhado, mas depois que se acostumar com você, vai ficar pedindo carinho.

  — Se não tiver problemas — também bebeu o seu vinho, fingindo que não estava animado até demais com o convite. — Se você tiver algum videogame, posso levar alguns jogos também…

  — Por favor! — sorriu de orelha a orelha, alegre com a ideia. Fazia tempo que ela queria poder jogar com alguém, entretanto, seus amigos não curtiam muito e ela não tinha tanto tempo livre assim.

  — Tudo bem, mas para isso precisamos trocar números — a entregou o seu celular e vice-versa. — No final do mês terá uma exposição de jogos perto daqui. Quer ir comigo?

  — Meu ingresso já está comprado — deu uma risadinha —, mas é claro que aceito ir com você. Nada como uma boa companhia que compartilha dos mesmos gostos que você.

  — Eu tenho evitado socializar com as pessoas — suspirou —, e tem sido bem cansativo frequentar as festas de colegas relacionadas ao trabalho. Se foi de fato o destino que me trouxe aqui, eu não sei, no entanto, queria deixar te agradecer por ter me chamado pra jantar. O seu restaurante é muito aconchegante. E quentinho — levou o seu olhar ao dela e deu um pequeno sorriso. — E ele é assim por causa de você, . Se alguém me dissesse que assim que eu saísse de casa eu conheceria alguém e teria dois encontros marcados, provavelmente diria que a pessoa é louca. Mas, a verdade é que socializar pode ser algo muito bom, e você é a prova disso.

  — É, de fato ser sincero é o seu charme…

   estava com as bochechas completamente coradas e com o coração acelerado. Por mais que o laço que criaram pudesse não passar de uma amizade, a mulher estava muito feliz em ter conhecido alguém igualmente aconchegante e quentinho, e que também compartilhava os seus hobbies. É óbvio que o interesse era mútuo, porém, ambos queriam ver no que daria os próximos dates, e faria questão de continuar frequentando o restaurante não só para descansar após um dia cansativo, mas para poder ver a sua mais nova amiga.