I Believe In You, Mary
Lucy encarava o espelho na escuridão, segurava uma vela que iluminava pouco ao seu redor. Sua respiração estava um tanto alterada por conta da adrenalina e expectativa. Respirou fundo e então começou:
— Bloody Mary… — murmurou hesitante enquanto girava o corpo numa volta de 360 graus. — Bloody Mary… — disse mais uma vez dando mais uma volta, parando de frente para o espelho, sentiu a respiração se alterar um pouco mais. — Bloody Mary. — Concluiu mais uma volta e então estacou de frente para o espelho, aguardando. — Mas que idiotice… — Murmurou revirando os olhos.
Lucy permaneceu por mais alguns segundos parada em frente ao espelho se xingando mentalmente por ter se voluntariado para aquela brincadeira, quando sentiu algo pegajoso e frio tocar sua perna. Não pôde evitar soltar um grito histérico de susto, dera um pulo desajeitado se livrando do que a segurava, e então pôde ouvir as gargalhadas conhecidas de seus amigos.
— IDIOTAS! — ela berrou indignada, assim que a luz de seu quarto foi acesa.
— VOCÊ DEVIA TER VISTO A SUA CARA! — Andy — que segurava uma câmera portátil — exclamou saindo de trás do biombo que havia ao lado do guarda-roupas. — E OUVIDO SEU GRITO! — exclamou antes de levar um soco no braço dado por Lucy.
— Vocês todos mereciam uns dez socos cada um! — a menina reclamou fazendo careta a um rapaz que se levantava do chão, aparentemente escondido embaixo da cama anteriormente. — E vocês não mereciam a minha amizade. — Disse num tom ressentido, apontando em direção a duas garotas que permaneciam rindo encostadas no batente da porta.
— Ah, qual é! Você pensou mesmo que a Mary veio te buscar? — exclamou rindo ainda mais.
— Nunca se sabe. — Lucy resmungou fazendo bico.
— Fala sério. — gargalhou, seu rosto já estava vermelho de tanto rir.
Lucy fez careta.
— E você, Lena? É mais medrosa que eu, está rindo do quê? — Apontou para a amiga que parou de rir imediatamente.
— Okay, okay, foi divertido, mas é melhor a gente ir dormir, antes que venham chamar nossa atenção. — Jake, que estivera estirado no chão até pouco tempo atrás, murmurou.
— ONDE ISSO FOI DIVERTIDO? — Lucy exclamou indignada.
foi para seu quarto na ala de dormitórios femininos da Universidade. De vez em quando ela e seus amigos se juntavam em um dos quartos para poderem brincar um pouco, coisas bobas de universitários. era uma típica cética, só acreditaria vendo e mesmo assim, ainda teria suas dúvidas. Brincadeiras como aquela nunca a assustaram e ela se divertia vendo as pessoas deixando suas mentes lhe pregarem peças por acreditarem que coisas sobrenaturais eram reais. Todos naquele grupo de amigos adoravam explorar o sobrenatural, já haviam tentado a brincadeira do compasso, a tábua de Ouija, a brincadeira do copo… E a brincadeira daquela vez era evocar a famosa Maria Sangrenta. De algum modo, as escolhidas para iniciarem os “testes” do grupo eram sempre Lena ou Lucy, as mais medrosas da turma.
não conseguia entender como as pessoas podiam acreditar e temer coisas que sequer sabiam se eram reais. Para ela não fazia sentido.
deitou-se em sua cama e adormeceu ainda se lembrando da cena de Lucy aos berros por ter levado um susto.
Na manhã seguinte, ninguém da turma de Comunicação teria aula, então todos acordaram mais tarde do que o normal.
levantou às dez e meia e foi se encontrar com sua turma no refeitório, onde todos estavam sentados em volta de uma mesa ainda com cara de sono. Viu Andy, Jake e Lena, mas não avistou Lucy em canto algum o que era de se estranhar, já que a amiga era quase sempre a primeira a se levantar, não importando o dia e se havia aula ou não.
— Onde está Lucy? — perguntou assim que se acomodou em uma das cadeiras ao redor da mesa.
— Disse que não estava se sentindo bem e ficou na cama. — Lena deu de ombros enquanto mordia uma maçã.
— Será que foi pela brincadeira de ontem? — perguntou preocupada. Sabia que a amiga era sensível com certas coisas, mas nunca sabia dizer com quais coisas.
— Nah, acho que não. — Lena murmurou. — Ela parecia abatida e meio enjoada, talvez seja o estômago, ela andou comendo bastante bobagem na última semana. — Concluiu despreocupada.
Por mais que a explicação da amiga fosse plausível, resolveu ir até o quarto de Lucy para se certificar de que tudo estava realmente bem.
Bateu na porta uma vez, duas, três vezes, mas não obtivera resposta. Estava prestes a girar a maçaneta quando uma garota se aproximou.
— A Valentine foi pra casa. — Informou.
— O quê? — ergueu a sobrancelha, surpresa. — Por quê?
— Não sei bem, acho que não estava passando bem. Parecia abatida quando os pais vieram buscá-la. — A garota desconhecida deu de ombros.
— Hum… Certo, obrigada. — agradeceu e logo se afastou.
Os pais vieram buscá-la? Lucy estava assim tão mal para não conseguir aguentar ficar na universidade, e ainda pior para não conseguir ir sozinha pra casa?
Mordeu o lábio inferior enquanto se perguntava tais coisas e imaginava o que poderia ter acontecido com sua amiga.
Enviou uma mensagem pelo celular e esperou a sexta-feira inteira por uma resposta, mas nada. Já era perto das onze da noite quando seu celular tocou e em seu visor era exibida a foto de Lucy fazendo careta.
— LUCY! — exclamou atendendo o telefone. — Achei que tivesse morrido! — Brincou.
Não recebeu resposta, era audível apenas o som da respiração pesada do outro lado da linha, e às vezes um fungar leve.
— Lucy? — Tentou novamente, esperando uma resposta aceitável. — O que houve?
Mais um instante se passou em silêncio, mas daquela vez houve uma resposta leve e baixa.
— Ela está atrás de mim.
“Ela está atrás de mim.” essa foi a única frase que Lucy disse naquela ligação antes de desligar.
ficou encarando o aparelho celular em sua mão com expressão de confusão. Do que diabos sua amiga estava falando?
No Sábado de manhã decidiu ir visitar Lucy. Havia preocupação e peso misturados em sua consciência. Talvez ela e seus amigos tivessem ido longe demais na última brincadeira que fizeram com a amiga, e agora ela estivesse impressionada demais com os fatos, mesmo sabendo que não havia Mary alguma naquela noite lhe agarrando o pé.
Viajou cerca de uma hora e meia em direção à cidade onde Lucy morava com os pais, ao chegar na casa, os pais da garota a receberam com certo entusiasmo, esperançosos de que algum colega fosse melhor para convencer a filha a voltar à universidade.
— Ela não quer nem ao menos sair do quarto. Mantém as cortinas fechadas e vive encolhida sob as cobertas. Não sabemos mais o que fazer… — A mãe de Lucy murmurou um pouco aflita. — Nunca a vimos agir dessa forma. — Completou.
— Vou tentar falar com ela, senhora Valentine. — sorriu para a mãe de sua amiga.
A mulher levou ao segundo andar e bateu à porta do último quarto do pequeno corredor.
Não houve resposta, mas decidiu entrar mesmo assim.
O quarto de Lucy não se parecia em nada com o que imaginara, ou com o quarto do dormitório em que a amiga dormia na universidade; o lugar estava bagunçado, as cortinas bloqueavam quase totalmente a luz que vinha do lado de fora, toalhas e lençóis cobriam os espelhos e as telas do computador e da televisão.
— Lucy… — murmurou encostando a porta do quarto. — Lucy, o que houve? — questionou sentando-se na cama ao lado da amiga deitada. — Lucy, fala comigo!
Alguns instantes se passaram sem haver resposta da garota encolhida embaixo das cobertas.
— Ela está atrás de mim… — pôde ouvir o murmurar abafado pelas cobertas.
— Quem, Lucy?
— Você sabe quem! — Lucy exclamou virando o rosto finalmente na direção da amiga.
Seu rosto estava pálido, olheiras marcavam seus olhos e ela parecia bastante assustada.
— Lucy, você sabe que aquilo foi apenas uma brincadeira! — retrucou. — Não há nenhuma Mary! Bloody Mary é só uma lenda!
— SHHH! — A garota ergueu-se na cama, sentando-se desesperada. — Não diga o nome dela! — murmurou num tom que quase não passava de um sussurro.
— Para de bobagem, Lucy. — começava a ficar sem paciência. — Você tem que voltar para a universidade. Vamos dar um jeito em você, está péssima! — exclamou levantando e tentando puxar a amiga junto.
— Não! — Ela recuou.
— Lucy! — reclamou. — Você tem de tomar um banho!
— Mas a água reflete… — Tentou.
— Então feche os olhos! — exclamou impaciente, voltando a puxar Lucy para tirá-la da cama.
Depois de muito argumentar, finalmente conseguiu convencer a amiga de tomar banho, se arrumar e encarar a vida do lado de fora de seu quarto.
Era fim de tarde quando as duas estavam prontas para ir embora. Despediram-se dos Valentine, e assim que Lucy entrou no carro, encolheu-se no lado do passageiro e fechou os olhos, mal dando atenção à , que tentava puxar conversa.
— Lucy, olha pra mim. — pediu, sem tirar os olhos da estrada. Não ouviu resposta e aquilo já estava irritando-a profundamente. — Lucy! — exclamou novamente, sem receber resposta.
bufou com a paciência lhe esgotando, fez uma curva brusca na estrada e parou o carro no acostamento numa freada seca.
— Lucy, olha pra mim. — Disse mais uma vez, mas agora forçando a amiga a tirar as mãos do rosto. Quando finalmente o fez, pôde perceber o terror estampado nos olhos da amiga. Ela estava assustada, aterrorizada com alguma coisa; seus olhos lacrimejavam e seu rosto estava vermelho por tentar segurar o choro. — Luh, você tem que parar de acreditar que isso é real, Mary não existe!
— Você não tem como saber, você não a vê! — a garota no banco do passageiro exclamou numa mistura de sentimentos.
— Não vejo porque não existe. — Retrucou como se fosse óbvio.
— Só porque você não acredita não quer dizer que não exista. — Lucy falou séria, por alguns instantes esquecendo-se de que estava assustada. Aquela última frase finalizou a conversa entre as duas amigas.
Nos dias que se seguiram, Lucy permaneceu em sua rotina reclusa. Se recusava a sair de seu quarto e os amigos quase não a viam mais durante o período de aulas.
Ela sentia extremo medo ao pensar em abrir os olhos e vê-la. Nos últimos dias, até mesmo dormir havia se tornado um martírio. Sonhava com a imagem dela a perseguindo por todos os cantos e, agora, até mesmo de olhos fechados conseguia enxergá-la. Seu desespero estava se tornando grande.
foi até o vestiário feminino para lavar o rosto, eram sete da manhã e dali uma hora ela teria aula. Estava um caco por ter ficado acordada até tarde estudando para a prova. Ela caminhava distraída quando deparou-se com Lucy — de camisola e cabelos desgrenhados, uma cena até assustadora para aquela hora da manhã — encostada na parede de frente para o espelho.
— Luh? — chamou parando ao lado da garota e encarando o espelho.
— Shh. — Lucy murmurou sem tirar os olhos do espelho. — Ela está bem ali… — Apontou hesitante a sua frente. — Ela quer me pegar… — Sussurrou com angústia.
— Lucy, não tem nada ali a não ser os nossos reflexos… — murmurou erguendo a sobrancelha.
— Ela está bem ali! — Luh exclamou finalmente encarando a amiga, a expressão incrédula.
— Lucy, não tem nada aqui! — caminhou a passos decididos em direção ao espelho. — Tá vendo? — Bateu na superfície espelhada.
— Não! — a garota de camisola exclamou se encolhendo, sem tirar os olhos da amiga ou de trás dela.
— Lucy, para já com isso! — exclamou com a paciência se esgotando. — Não existe Mary nenhuma!
— ELA ESTÁ BEM ATRÁS DE VOCÊ!
— É? — perguntou e então virou-se na direção do espelho. — Então vem, Mary. Eu não acredito em você.
No instante em que finalizou a frase, Lucy deu um gritinho agudo que a fez se virar para tentar entender o que assustava tanto sua amiga, no mesmo instante o espelho explodiu e milhares de cacos voaram sobre , que gritou pela surpresa.
— Mas que merda…? — A garota virou-se lentamente para tentar entender o que acontecia.
— É ela… — Lucy murmurou num fio de voz.
— Luh, isso foi só uma coincidência, tá bom? Não existe Mary!
Lucy não disse mais nada, apenas gemeu de pavor e saiu correndo.
suspirou e com cuidado atravessou o mar de cacos. Precisava chamar a auxiliar de limpeza para ajudá-la a limpar toda aquela bagunça.
estava sentada em sua carteira na sala de aula, não conseguiu segurar o sorriso quando viu Lucy sentada em seu lugar habitual. se levantou e caminhou alegremente em direção à amiga, que permaneceu de costas.
— Viu, Lucy? Eu disse que não havia… — Mas ela logo parou de falar quando Luh começou a se virar lentamente.
A roupa branca tinha manchas escuras, sangue escorria por seu rosto e os olhos… No lugar dos olhos, haviam pedaços de espelho. Espelhos que estavam refletindo a expressão horrorizada que se estampava no rosto de .
— Olha o que ela fez comigo, . — Lucy murmurou num tom triste. — E vai fazer com você também. — Um sorriso macabro surgiu nos lábios de Lucy.
despertou num grito, o coração acelerado, talvez toda aquela história de Mary tivesse mexido com sua cabeça também. Sentou-se e encarou o relógio, já eram quase sete horas da manhã.
caminhou apressada em direção aos dormitórios, precisava falar com Lucy e se desculpar pelo ocorrido da manhã anterior. Ela sabia que a amiga realmente acreditava naquelas histórias de fantasmas e sua mente acabava lhe pregando peças. Bateu na porta do quarto de Luh e esperou que a amiga abrisse, mas depois de alguns minutos tentando, sua paciência se esgotou e ela por fim tentou girar a maçaneta. A porta estava destrancada.
adentrou o quarto escuro com cautela, não queria assustar a amiga. Ela quase não enxergava com as pesadas cortinas blackout tapando as janelas e a luz da manhã, então decidiu acender a luz. não conseguiu reprimir o grito ao ver a cena a sua frente. Lucy estava estirada no chão, uma poça de sangue ao seu redor; em uma das mãos ela segurava um pedaço de espelho e logo ao lado da outra mão… Havia algo ensanguentado de aparência disforme. estava com medo de se aproximar, mas o fez. Caminhou lentamente e tomou cuidado para não pisar na poça de sangue que encharcava o carpete do quarto. Não precisou chegar muito mais perto para perceber que aquela forma ao lado de Lucy era um globo ocular. O rosto da amiga estava cheio de marcas e as pálpebras estavam murchas. As duas. Ela viu apenas um dos globos oculares ali, então onde estava o outro? Ouviu um barulho nojento de algo estourando e sendo esmagado quando pisou em alguma coisa no chão. Soltou um grito de horror quando soube a localização do outro olho de Lucy.
Angustiada e atordoada por descobrir aquela cena macabra, saiu correndo assim que um dos monitores dos dormitórios surgiu querendo saber o motivo da gritaria.
sentia-se enjoada e sentia que um pouco de Lucy ainda estava grudado em seu tênis. O estômago revirava e ela tentava apagar da mente a cena que vira. Mas que diabos havia acontecido? Parou de correr apenas quando chegou ao vestiário feminino, quando se deparou com um espelho enorme reposto na parede de frente para a entrada. Seus olhos se arregalaram quando encarou seu reflexo. começou a chorar como um bebê, as lágrimas escorrendo insistentemente por seu rosto.
— Eu acredito em você, Mary… — Murmurou abrindo os olhos. Não sabia se ficava mais aterrorizada com o fato de estar encarando três reflexos no espelho, ou se por um deles ser o de Lucy.
Fim
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