Him&I
Primeiro Capítulo
respirou profundamente enquanto encarava o caixão da mãe. A vida para as duas nunca havia sido fácil, e agora ali estava ela, aos dezessete anos recém completados, sozinha. Total e completamente sozinha.
A morte precoce da mãe fez um choque de realidade percorrer o corpo e a mente de . O que seria dela agora? Elas não tinham nenhum parente vivo na Inglaterra, a mãe tinha amigos do trabalho que sempre que podiam as ajudavam com o que era possível. Mas, no geral, era ela pela mãe, e a mãe por ela.
Como diabos aquilo foi acontecer? Ela viu a mãe antes que as duas saíssem — ela para o colégio e a mãe para o trabalho, e tudo estava perfeitamente normal.
De repente, quando ela voltou do colégio encontrou a mãe caída ao chão, já sem vida, vítima de um infarto fulminante. Os vizinhos a ajudaram a chamar pelo socorro, já que ela se desesperou e não soube como agir.
E agora, ali estava ela, se despedindo da pessoa que ela mais amava no mundo.
fechou os olhos por um momento, tentando absorver a dor que parecia esmagá-la por dentro. O som abafado das pessoas sussurrando ao redor a irritava. Todos os olhares de pena sobre ela a faziam se sentir menor, mais frágil. Ela não queria essa compaixão, queria apenas sua mãe de volta.
Quando abriu os olhos, observou o caixão ser lentamente fechado, como se aquilo estivesse marcando o fim de tudo o que conhecia. A cada movimento, parecia que um pedaço dela também estava sendo enterrado. Sentiu uma mão leve pousar em seu ombro, e olhou para o lado para ver a senhora Margareth, a vizinha da frente, que havia estado ao seu lado desde o momento que o pesadelo começou.
— Vai ficar tudo bem, querida — disse Margareth com um sorriso triste.
tentou responder com um aceno, mas a verdade era que nada estava bem, e ela não sabia como poderia ficar.
O cortejo até o cemitério foi silencioso. manteve o olhar fixo nas mãos, mal ouvindo as palavras do padre. Quando o caixão desceu na terra fria, o choque da realidade se intensificou. Um vazio profundo se instalou em seu peito, e as lágrimas que ela tentava segurar há dias finalmente rolaram por seu rosto. Sozinha. Totalmente sozinha.
As últimas pessoas começaram a deixar o cemitério, e permaneceu imóvel, sentindo o vento gélido que parecia cortar sua pele. Foi quando uma mulher, que ela não reconhecia, se aproximou.
— ? — perguntou a mulher com voz suave, mas profissional.
ergueu o rosto, limpando as lágrimas rapidamente.
— Sim?
— Meu nome é Sarah. Sou assistente social e precisamos conversar. — O olhar da mulher era gentil, mas havia algo sério em sua expressão. — Posso te acompanhar até em casa?
O estômago de revirou. A palavra “assistente social” soava como um aviso. Ela sabia o que aquilo significava. Ou achava que sabia. Iriam mandá-la para um abrigo, para um orfanato talvez. Ela seria apenas mais uma adolescente sem família, sozinha e sem futuro.
— Eu… eu não preciso ir para um orfanato. — tentou manter a voz firme, mas a insegurança transpareceu. — Eu posso cuidar de mim mesma.
Sarah deu um pequeno sorriso, compreensivo.
— Vamos conversar sobre isso, está bem? Não se preocupe.
Elas caminharam em silêncio, deixando para trás o cemitério e a lembrança mais dolorosa de . Cada passo parecia mais pesado, o futuro incerto começava a pairar como uma sombra sobre sua cabeça.
abriu a porta da casa com a mão trêmula. O cheiro familiar de lavanda e café ainda pairava no ar, como se sua mãe estivesse ali, preparando o jantar ou arrumando algo na sala. Cada detalhe da casa era um lembrete doloroso. O sofá desgastado onde costumavam se sentar juntas para assistir filmes, as cortinas que a mãe tinha costurado para economizar dinheiro, o porta-retratos com uma foto das duas em um parque, sorrindo sem saber o que o futuro lhes reservava.
deu um passo hesitante para dentro, sentindo o peso das lembranças. Tudo ali estava impregnado com a presença de sua mãe, e agora tudo parecia vazio, como se o coração da casa tivesse desaparecido junto com ela. Ela largou a bolsa ao lado da porta, sem se preocupar onde caía. Seus olhos percorreram o pequeno apartamento como se estivesse vendo tudo pela última vez.
Ela caminhou até a cozinha, onde a mãe costumava preparar o chá todas as noites. O silêncio era ensurdecedor. Cada canto trazia uma memória, cada objeto parecia ter uma história ligada a sua mãe. se apoiou no balcão, sentindo a onda de tristeza a envolver mais uma vez.
Sarah entrou logo atrás, fechando a porta com cuidado. Ela observou o ambiente por um momento, respeitando o espaço de , antes de se aproximar lentamente.
— Sei que isso é difícil para você — disse Sarah, com um tom gentil. — Mas precisamos conversar sobre o que vai acontecer agora.
desviou o olhar, sentindo as lágrimas ameaçando voltar.
— Eu não quero falar sobre isso. Não quero sair daqui.
Sarah suspirou, sentando-se na mesa da cozinha e indicando para fazer o mesmo.
— Eu entendo, . Você perdeu a pessoa mais importante da sua vida, e é normal sentir que nada mais faz sentido. Mas você não pode ficar sozinha, principalmente nesse momento.
sentou-se, relutante, seu coração batendo rápido. O medo de ser levada para um lugar estranho, para longe da casa que ainda mantinha o cheiro e as lembranças de sua mãe, a deixava ansiosa.
— Eu sei o que vai acontecer — disse , olhando para Sarah. — Você vai me mandar para um abrigo ou um orfanato. Eu já ouvi histórias.
Sarah a olhou com ternura, balançando a cabeça suavemente.
— Não, , você não vai para um orfanato. Há outra solução.
O estômago de deu um nó. Ela não conseguia imaginar qual seria essa “solução“.
— Você tem um parente que pode cuidar de você — Sarah começou, olhando diretamente nos olhos de . — Seu pai.
O coração de praticamente parou naquele momento. Ela olhou para a assistente social, incrédula.
— Meu pai? — Sua voz saiu num sussurro.
— Sim, ele foi informado da situação, e já está cuidando dos preparativos. Ele quer que você vá morar com ele.
balançou a cabeça lentamente, sentindo o chão desaparecer sob seus pés.
— Não… não pode ser. Ele foi embora, nos deixou… eu não o vejo há dez anos.
Sarah manteve o tom calmo, mas firme.
— Eu sei que isso é um choque, mas ele tem a responsabilidade legal. Ele vive na Coreia do Sul agora e quer que você vá para lá o mais rápido possível.
— Coreia do Sul? — As palavras ecoaram na mente de . Tudo ficou turvo. Ela não podia acreditar no que estava ouvindo. — Ele nem se importou em me ver por todo esse tempo, e agora quer que eu vá morar com ele?
Sarah se inclinou ligeiramente, tentando suavizar a notícia.
— Eu entendo que é uma situação muito complicada, mas ele é seu pai. E, neste momento, é a melhor opção para você.
sentiu um nó apertando sua garganta. A ideia de deixar para trás tudo o que conhecia, tudo o que ainda tinha de sua mãe, e ser forçada a viver com um homem que era praticamente um estranho, a aterrorizava. Ela queria protestar, gritar, fugir, mas sabia que não tinha escolha.
Ela abaixou a cabeça, sentindo-se derrotada.
— Eu não quero ir.
Sarah suspirou, compreendendo a dor de , mas também ciente de que não havia como mudar aquela realidade.
— Eu sei, . Mas não está em nossas mãos. Seu pai está disposto a te receber, e vamos te ajudar com toda a transição.
ficou em silêncio, encarando as mãos trêmulas. Tudo o que conhecia estava desmoronando, e ela seria levada para um lugar que não fazia ideia de como seria.
***
subiu as escadas até o quarto, sentindo os passos pesados enquanto a realidade da situação finalmente começava a se firmar. Ela ainda não conseguia acreditar que, em poucos dias, estaria deixando a Inglaterra para morar com o pai — alguém que ela mal conhecia. Tudo parecia surreal.
Ao abrir a porta de seu quarto, o cheiro familiar de flores e perfume barato encheu o ar. O espaço era pequeno, mas cheio de personalidade: as paredes estavam cobertas de pôsteres de suas bandas favoritas, a cama desarrumada ainda tinha o lençol que sua mãe havia lavado no fim de semana, e uma pilha de livros sobre sua mesa lembrava os planos que agora pareciam tão distantes.
Ela respirou fundo, tentando controlar a angústia que subia. Precisava arrumar suas coisas, mas, ao invés de pegar a mala, ficou parada no meio do quarto, observando tudo ao redor. Cada objeto parecia ter uma história, uma memória ligada a sua vida com a mãe. Como ela poderia simplesmente deixar tudo aquilo para trás?
Depois de alguns minutos, forçou-se a abrir o armário. Pegou uma mala velha, quase rasgada, que sempre usava para viagens curtas com a mãe. Desta vez, não seria uma viagem comum. Desta vez, ela não voltaria.
Com mãos trêmulas, começou a dobrar suas roupas de forma mecânica. Colocou alguns pares de calças, camisetas, roupas íntimas e, por fim, o suéter favorito que sua mãe lhe deu no último Natal. Cada peça parecia pesar o dobro do normal, e seus olhos ficaram marejados a cada dobra.
Do outro lado da porta, Sarah estava esperando pacientemente. A assistente social tinha deixado claro que passaria dois ou três dias em um abrigo temporário, até que todos os documentos e passagens estivessem prontos para a viagem à Coreia do Sul. sabia que não tinha escolha, mas o medo de estar sozinha naquele lugar desconhecido a fazia hesitar.
Ela pegou o porta-retratos que estava na cabeceira da cama. A foto antiga de sua mãe sorrindo para a câmera, com o braço ao redor dela, quando ainda era pequena. Aquela imagem parecia ser a única coisa que mantinha sua sanidade intacta. Com cuidado, colocou o porta-retratos dentro da mala, entre as roupas, certificando-se de que não seria quebrado.
Quando já estava quase terminando, parou em frente ao espelho. O reflexo de uma garota magra e de olhos inchados de tanto chorar a encarava. Ela mal se reconhecia. Queria gritar, fugir, voltar no tempo, mas tudo que restava era aquele vazio insuportável.
Depois de pegar seus livros e alguns objetos pessoais, fechou a mala com um estalo seco. O quarto agora parecia ainda mais vazio, como se a vida tivesse sido drenada dele. olhou em volta mais uma vez, tentando gravar cada detalhe em sua mente, sabendo que aquela poderia ser a última vez que veria aquele lugar.
Ela desceu as escadas com a mala arrastando-se atrás dela, cada batida nos degraus ecoando pela casa. Sarah levantou-se do sofá ao vê-la.
— Está pronta? — A assistente social perguntou com delicadeza.
apenas assentiu, sem conseguir responder.
— Sei que isso é assustador, mas não será por muito tempo — Sarah tentou confortá-la. — O abrigo é apenas uma solução temporária. Logo você estará com seu pai, e talvez, com o tempo, as coisas fiquem mais claras.
apenas olhou para a porta da frente, a mala pesando em sua mão. Ela não tinha certeza se queria que as coisas ficassem claras.
***
O carro estacionou em frente a um prédio discreto, de aparência simples. O abrigo temporário era pequeno, com uma fachada de tijolos antigos e janelas de vidro opaco. observou o lugar pela janela do carro, sentindo uma onda de apreensão tomar conta de seu corpo. O mundo ao seu redor parecia turvo, como se estivesse se movendo em câmera lenta.
Sarah desligou o motor e virou-se para ela.
— Chegamos, . — Sua voz era suave, tentando passar algum tipo de segurança, mas sabia que não importava o que ela dissesse, o sentimento de abandono era algo que não poderia ser apagado tão facilmente.
olhou para o prédio, o coração acelerado. O pensamento de passar ali os próximos dias, sem ninguém que conhecesse, apenas aumentava sua ansiedade. Mas o que ela poderia fazer? Não havia outra opção.
— Vamos, eu estarei com você o tempo todo. — Sarah abriu a porta e saiu do carro, caminhando até o porta-malas para pegar a mala de .
Relutante, soltou o cinto de segurança e saiu do carro, o vento frio da tarde tocando seu rosto. Ela abraçou a si mesma enquanto caminhava em direção à entrada do prédio, seus passos pesados e inseguros.
Ao entrar, foi recebida por um cheiro leve de desinfetante e o murmúrio distante de conversas. A recepção era simples, com cadeiras de plástico dispostas ao longo da parede e uma mesa de madeira onde uma funcionária estava sentada, preenchendo alguns papéis. O ambiente era limpo e organizado, mas parecia vazio de vida, como se todos ali estivessem apenas esperando o tempo passar.
— Olá, Sarah — a recepcionista sorriu gentilmente, acenando para em seguida. — Você deve ser a , certo?
assentiu, sentindo-se pequena e desconfortável. A assistente social fez questão de se aproximar da mulher atrás da mesa, trocando algumas palavras em um tom baixo, enquanto ficava de pé, tentando controlar a ansiedade crescente.
— Ela ficará no quarto três — disse a recepcionista, entregando a Sarah uma chave pequena. — Vou mostrar o caminho.
Sarah gesticulou para acompanhá-las enquanto caminhavam pelos corredores silenciosos. O lugar não era assustador, mas a atmosfera de transição e incerteza a fazia se sentir ainda mais perdida. As paredes eram de um bege desbotado, sem qualquer decoração, e o som dos passos ecoava alto, como se o silêncio amplificasse cada movimento.
Finalmente, pararam diante de uma porta simples, com o número “3” pintado em preto.
— Aqui é onde você vai ficar, — disse a recepcionista, destrancando a porta e abrindo-a. — É um quarto individual, então você terá seu próprio espaço.
espiou para dentro. O quarto era pequeno, com uma cama de solteiro encostada na parede, uma mesa de estudo e um armário pequeno no canto. Era limpo e organizado, mas extremamente impessoal. Não havia nada ali que sugerisse que alguém morava naquele espaço, exceto por um cobertor dobrado sobre a cama.
— Vou deixar você se instalar — disse Sarah, colocando a mala de ao lado da cama. — Se precisar de qualquer coisa, a recepção está logo ali, e eu estarei em contato para te atualizar sobre os próximos passos.
olhou ao redor do quarto, lutando contra a sensação de desamparo. Não era a casa dela, nem de perto. E em breve, ela seria obrigada a deixar este lugar também.
Sarah deu um passo para mais perto, tocando levemente o ombro de .
— Vai ficar tudo bem, . Eu sei que é difícil acreditar nisso agora, mas as coisas vão se ajeitar com o tempo.
apenas assentiu, sem encontrar forças para responder. Ela queria acreditar, mas o futuro parecia um borrão distante e desconhecido. Tudo o que ela sabia era que o passado, a vida que conhecia, já não existia mais.
observou Sarah sair do quarto, deixando a porta entreaberta. O som dos passos dela desapareceu pelo corredor, e, pela primeira vez, estava completamente sozinha. O silêncio do quarto parecia amplificar seus pensamentos, o eco da solidão ressoando em seu peito. Ela olhou ao redor, tentando se familiarizar com o novo ambiente. A luz suave que entrava pela pequena janela não trazia consolo, apenas reforçava a simplicidade estéril do lugar.
Ela soltou um longo suspiro e sentou-se na beirada da cama, o colchão afundando levemente sob seu peso. A mala de viagem estava aos seus pés, ainda fechada. O que estava arrumado ali era tudo o que ela tinha agora: algumas roupas, o porta-retratos da mãe e alguns objetos pessoais. Tudo parecia temporário, assim como sua própria existência naquele momento. Um limbo entre o que ela conhecia e o que ainda não conseguia aceitar.
fechou os olhos por um momento, permitindo que as memórias a envolvessem. A sala pequena da casa onde morava com sua mãe, o cheiro de chá de ervas no fim da tarde, as conversas que tinham sobre os sonhos de ambas. Lembrou-se de quando sua mãe falava com orgulho sobre o futuro de , sempre encorajando-a a buscar mais, a lutar pelos seus sonhos. Mas agora, aqueles sonhos pareciam distantes, como se fossem parte de outra pessoa.
Ela abriu os olhos e, com um suspiro resignado, começou a desabotoar a mala. Pegou o suéter favorito de sua mãe e o abraçou por um momento antes de dobrá-lo e colocá-lo sobre a cama. Sua mente vagava, pensando no que viria a seguir. A ideia de ir para a Coreia do Sul, um país tão distante e desconhecido para ela, parecia mais uma fantasia do que algo real. Como ela se ajustaria a uma nova vida, com um pai que mal conhecia, e uma família que nunca havia visto?
Enquanto organizava suas roupas no pequeno armário, ouviu uma batida leve na porta. Virou-se, um pouco surpresa.
— Entre — disse, sua voz soando mais fraca do que pretendia.
A porta se abriu lentamente, revelando Sarah. Ela tinha uma expressão gentil, mas carregada de preocupação.
— Posso entrar? — Sarah perguntou, espiando para dentro.
assentiu, afastando-se da mala e se sentando na cama novamente. Sarah fechou a porta atrás de si e caminhou até ela, puxando uma cadeira para sentar-se próxima.
— Sei que é muita coisa para processar agora — começou Sarah, sua voz suave. — Mas eu queria conversar com você sobre o que vai acontecer nos próximos dias.
olhou para ela, sem muita expectativa. Já sabia que passaria alguns dias naquele abrigo, mas o que viria depois ainda era um mistério que ela temia desvendar.
— Como te expliquei antes, você vai ficar aqui até que todos os arranjos sejam feitos para sua viagem à Coreia do Sul — Sarah continuou. — Já estamos cuidando dos documentos e do seu voo. Eu imagino que você tenha muitas perguntas… sobre como será lá.
respirou fundo.
— E se eu não quiser ir?
Sarah hesitou por um segundo, inclinando-se um pouco para mais perto.
— Eu entendo que essa mudança seja difícil. Você passou por uma perda imensa e, honestamente, ninguém espera que você esteja preparada para isso. Mas legalmente, como você ainda é menor de idade, a guarda do seu pai foi restabelecida. Ele é sua única família agora, e quer que você vá morar com ele.
abaixou os olhos para o chão, sentindo uma mistura de frustração e tristeza. Ela não sabia nada sobre o pai. Ele foi embora quando ela ainda era pequena, e nunca fez muito esforço para manter contato. E agora, de repente, ele queria ser uma parte de sua vida?
— E… como ele é? — perguntou, sua voz quase um sussurro.
Sarah sorriu de leve, como se tentasse encontrar as palavras certas.
— Ele parece estar muito ansioso para te receber. Sei que as circunstâncias são complicadas, mas acredito que ele esteja genuinamente tentando. O que você vai encontrar lá é uma família que também está se ajustando a essa nova realidade, assim como você.
continuou em silêncio, processando as palavras de Sarah. Família. Era estranho pensar nisso. Uma madrasta que ela nunca conheceu, uma meia-irmã de apenas sete anos e dois filhos do casamento anterior da mulher. Era um quadro que ela mal conseguia imaginar, muito menos se ver encaixada nele.
— Eu só… — começou, mas sua voz falhou. Ela olhou para Sarah, tentando conter as lágrimas. — Não sei como lidar com tudo isso. Sinto que minha vida virou de cabeça para baixo e eu não tenho controle sobre nada.
Sarah assentiu, estendendo a mão para tocar o ombro de em um gesto reconfortante.
— Eu sei que parece assim agora. E é normal se sentir perdida. Mas, por mais difícil que seja, você vai encontrar seu caminho. Dê a si mesma tempo para se adaptar. Não precisa ter todas as respostas de uma vez.
respirou fundo, tentando se acalmar. Ela sabia que Sarah estava certa. Talvez não houvesse outra opção, além de aceitar o que viria. Mas isso não tornava as coisas mais fáceis.
— Tudo bem — disse, sua voz um pouco mais firme. — Vou tentar.
Sarah sorriu de forma encorajadora, levantando-se da cadeira.
— Esse é o primeiro passo, . Um dia de cada vez.
Com isso, ela deixou o quarto, dando a um último olhar de compreensão antes de fechar a porta. Sozinha novamente, olhou para a mala aberta e para o quarto vazio. Ela ainda não sabia como seria seu futuro, mas, por enquanto, tudo o que podia fazer era seguir em frente, mesmo que fosse em meio à escuridão.
***
Durante os dias e noites que se seguiram, viveu uma rotina monótona e silenciosa no abrigo, marcada por momentos de solidão e ansiedade. Os dias pareciam se arrastar, e a jovem encontrava pouco consolo em suas interações com os outros residentes. O ambiente era organizado e seguro, mas a sensação de estar temporariamente deslocada não a deixava se sentir em casa. Ela mal conseguia dormir nas primeiras noites, revirando-se no colchão desconfortável e mergulhando em pensamentos perturbadores sobre o futuro.
Nas horas vagas, se isolava, preferindo não fazer muitas amizades. O único som constante era o das crianças brincando no pátio, enquanto ela ficava sentada em um canto, observando de longe. Sua mente vagava entre as memórias da mãe e a incerteza do que a aguardava na Coreia. Cada canto do abrigo parecia reforçar a realidade de que sua vida estava prestes a mudar completamente, e ela não tinha controle sobre isso.
Sarah visitava com frequência, trazendo notícias sobre o progresso da viagem e tentando acalmar seus medos. Ela explicava pacientemente como as coisas funcionariam na Coreia, e que seu pai estava ansioso para recebê-la, mas ainda nutria uma sensação de abandono, uma parte de si questionando por que ele não havia feito mais parte de sua vida antes.
À medida que os dias passavam, a mala de continuava pronta, seus pertences organizados e à espera do momento do embarque. Ela tentava se distrair com pequenos livros ou música, mas nada parecia preencher o vazio. O tempo no abrigo, embora curto, parecia eterno. Cada refeição era tomada em silêncio, e a conversa ao redor dela raramente prendia sua atenção.
Finalmente, o dia da partida chegou. Sarah apareceu logo pela manhã, com a papelada finalizada e as passagens em mãos. sentiu uma mistura de alívio e medo quando começou a se despedir do abrigo, sabendo que aquela seria sua última noite ali. O pequeno quarto, que nunca fora seu lar, já estava vazio, e as poucas lembranças que ela acumulou no lugar rapidamente desapareceram em sua mente.
Enquanto ela e Sarah caminhavam até o carro que as levaria ao aeroporto, olhou uma última vez para o abrigo, tentando assimilar que essa era a última vez que veria aquele lugar. O sentimento de incerteza continuava a pulsar em seu peito, mas havia uma nova etapa à sua espera, e ela sabia que não podia fugir dela.
entrou no carro ao lado de Sarah, segurando a mala no colo, como se aquilo fosse sua única âncora de segurança. O som do motor do carro ecoava pelo silêncio pesado entre elas, enquanto o veículo se afastava lentamente do abrigo. Ela olhou pela janela, observando as ruas cinzentas de Londres, se perguntando quando ou se voltaria a vê-las. O vento que soprava contra o vidro parecia uma despedida fria e distante, como o adeus que ela nunca conseguiu dar à mãe.
Sarah, sempre atenciosa, deu-lhe um sorriso gentil ao notar o olhar distante de .
— Está pronta? — ela perguntou, sua voz calma.
apenas deu de ombros, sem conseguir encontrar as palavras. Pronta? Como ela poderia estar pronta para deixar para trás tudo o que conhecia? Mesmo que fosse difícil, Londres era o único lugar onde sua vida havia feito sentido até agora. E agora ela estava sendo levada para um lugar completamente diferente, uma cultura que não conhecia, uma família que mal sabia como existia. Ela se sentia perdida, sem chão.
O aeroporto logo apareceu no horizonte, e o coração de apertou ao ver as luzes piscando à distância. Tudo estava se tornando real agora, e não havia mais como voltar atrás. Ela estava a poucas horas de embarcar para a Coreia do Sul, para viver com um pai que parecia mais um estranho do que alguém com quem ela pudesse contar.
Ao chegarem, Sarah a ajudou com a bagagem e, juntas, caminharam em direção ao terminal. As pessoas ao redor se moviam rapidamente, como se soubessem exatamente para onde estavam indo, enquanto sentia que cada passo que dava era mais um passo rumo ao desconhecido.
No balcão de check-in, Sarah lidou com os detalhes enquanto permanecia em silêncio, apenas observando. A assistente social fez questão de garantir que tudo estava em ordem, mantendo o controle da situação com sua calma habitual.
Quando tudo estava pronto, Sarah voltou sua atenção para .
— Você está indo para um lugar seguro, . Eu sei que parece assustador agora, mas… vai ficar tudo bem. Seu pai está esperando por você e, apesar de tudo, ele quer que você esteja lá.
assentiu lentamente, mas por dentro a dúvida ainda a corroía. O que sabia sobre o pai? Ele não estava presente nos momentos mais importantes, não ligava nos aniversários, não enviava cartões de Natal. Por que ele queria cuidar dela agora? Talvez fosse apenas uma obrigação legal, e não algo que ele realmente desejasse.
Com os bilhetes em mãos, as duas passaram pela segurança e seguiram em direção ao portão de embarque. O som de anúncios ecoava pelo aeroporto, pessoas correndo de um lado para o outro, mas para tudo parecia distante, abafado. Ela estava dentro de uma bolha de incerteza e medo.
Enquanto aguardavam o embarque, olhou ao redor, suas mãos apertando a alça da mochila. Ela sentia o vazio ao seu redor, como se o mundo estivesse se afastando dela. Era uma sensação sufocante, de que tudo o que ela conhecia estava escapando por entre seus dedos.
Finalmente, o aviso de embarque soou, e Sarah se levantou.
— É hora de irmos — disse ela suavemente, colocando a mão no ombro de .
Com um nó na garganta, levantou-se, acompanhando Sarah em direção ao portão. Cada passo parecia mais pesado que o anterior. Ela estava prestes a embarcar em um avião para o outro lado do mundo, para uma nova vida, com novas pessoas. Mas a única coisa que realmente queria era voltar para casa, para o pequeno apartamento que dividia com a mãe.
Quando finalmente cruzaram a ponte de embarque e entraram no avião, afundou-se no assento, sentindo o peso da mudança cair sobre seus ombros. Olhou pela janela, as luzes do aeroporto piscando lá fora enquanto o avião começava a se preparar para a decolagem.
Sarah, sentada ao lado dela, deu-lhe um último sorriso reconfortante.
— Vai ficar tudo bem, . Eu sei que parece assustador, mas… você é forte. Vai conseguir passar por isso.
apenas assentiu, mas por dentro se sentia pequena, perdida no caos de sua própria vida. Enquanto o avião começava a acelerar pela pista, ela fechou os olhos, tentando se preparar para o que viria. Quando as rodas se afastaram do chão e o avião subiu aos céus, soube que não havia mais volta.
Durante o voo, oscilava entre o torpor do cansaço e o turbilhão de pensamentos que invadiam sua mente. As horas se arrastavam lentamente, cada minuto parecendo uma eternidade enquanto o avião sobrevoava países desconhecidos rumo à Coreia do Sul. Ela tentava se distrair com os filmes disponíveis ou com a música que tocava nos fones de ouvido, mas nada conseguia afastar a sensação de incerteza que se instalava dentro dela.
O medo do desconhecido a consumia. Embora Sarah estivesse ao seu lado, tentando fazer com que ela se sentisse confortável, não conseguia se livrar da sensação de estar completamente sozinha. Ela se pegava pensando na mãe repetidamente, no vazio deixado por sua ausência, na injustiça de perdê-la de maneira tão repentina. Ao mesmo tempo, sua mente vagava para o pai, um homem que era apenas uma memória vaga, um estranho que agora seria sua nova família.
A cada turbulência ou movimento do avião, sentia seu estômago revirar, mas não era só o voo que a deixava desconfortável. A ideia de aterrissar em um país onde tudo seria novo, onde ela não conhecia a língua, a cultura ou as pessoas, era avassaladora. Como ela se adaptaria? Como seria viver com uma madrasta e meia-irmãos que ela nunca conhecera?
Ela alternava entre momentos de ansiedade pura e resignação, pensando que talvez esse fosse o começo de uma nova vida. Ainda assim, a incerteza era paralisante, e por mais que tentasse, não conseguia afastar os cenários negativos que sua mente pintava. As lembranças de sua antiga vida em Londres, do apartamento que ela dividia com a mãe, e dos dias simples e difíceis, mas confortáveis, agora pareciam distantes, quase irreais.
Ao longo do voo, conseguiu cochilar por curtos períodos, mas seus sonhos eram fragmentados, cheios de imagens do passado e do futuro incerto. Ela acordava com um aperto no peito, sentindo a saudade da mãe e o medo do que a esperava crescer a cada quilômetro que se aproximavam de Seul.
Quando o anúncio da descida começou a ecoar pelos alto-falantes, seu coração acelerou. O fim do voo não trouxe alívio, mas sim a certeza de que a realidade estava prestes a mudar completamente.
Eu só espero que papai tenha sentido falta da linda filha, digo apenas isso para ele 😌😌
Mal posso esperar para conhecer essa família (por favor, não quero que a madrasta seja megera. Pode ser rígida, mas má só por ser má ou ciumenta não, por favoooor).