Happy New Year
Prólogo
– Sabia que não iria nos deixar na mão, é uma das únicas que aceitou nos ajudar nessa época do ano.
- Não faz mal nenhum.
- Ótimo. Esteja no Grand Hotel a partir das três da tarde. Celina só poderá ficar até a uma, então acho que chegando até as três está de bom agrado.
- Claro. Estarei lá.
- Mais uma vez, obrigado , não sei o que seria se você não aceitasse esse trabalho.
- Já disse, não ligo para essas datas, pode sempre contar comigo.
- Obrigado mesmo. Nos falamos amanhã. Até mais.
- Tchau. – ela desliga e encara o telefone agora a base. Suspira.
era uma garota que todos poderiam chamar de solitária. Apesar de ter suas amizades, não fazia questão de estar sempre com elas. Sempre que estava sozinha, sentia que precisava de alguém, e quando estava rodeada de pessoas, queria sua privacidade. Não sabia lidar com as pessoas, não queria o bem e o mal de ninguém. Vivia sozinha em um pequeno apartamento na zona leste da cidade. Sem animais de estimação, companheiras de quarto ou televisão. Odiava a TV.
Tudo o que se tornara fora devido a uma briga que tivera com sua família numa comemoração de ano novo. No mesmo dia, seus amigos se esqueceram dela e enquanto ela ouvia os desaforos dos pais, as pessoas a quem ela chamava de melhores amigos estavam juntos, celebrando um novo ano.
sumira de suas vidas logo em seguida.
Capítulo 1
Ela não gostava de festas, mas trabalhava nelas todo final de semana. Rendia dinheiro por ser uma pessoa que conseguia fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Principalmente na época em que ninguém mais queria trabalhar. Como não se relacionava com nenhuma pessoa, não tinha de dar satisfação a ninguém. Aprendera a não querer pessoas ao seu redor. Quanto mais pessoas conhecia, mais se decepcionava. A partir de então decidira se manter sozinha.
Colocou suas jeans, sua baby look e o Allstar branco. Ao sair, vestiu seu casaco e enlaçou um cachecol em torno de seu pescoço. O inverno dos Estados Unidos era fria demais. Era por isso que todos os seus colegas viajaram para países tropicais como o Brasil para passarem a virada do ano. Abraçou o próprio corpo e passou a caminhar com calma. Encara o visor do celular e vê que precisava estar no hotel em quarenta minutos. Tempo mais do que suficiente, já que o local era apenas a três quarteirões de seu prédio. Essa era a vantagem de morar no centro de Alburn.
- Nossa, por um momento achei que você iria desistir de última hora, Celina fez isso hoje de manhã.
“Ah, não.” pensa.
- Atrasou diversas coisas, vou ter que pedir para você agitar um pouco mais.
“Sabia. Odeio trabalho acumulado.”
- Claro, sem problemas.
- Você é demais, , sério. Cinthya disse que vai te pagar o dobro por hoje, foi a única pessoa que aceitou o trabalho.
A garota nada fez a não ser abrir um pequeno sorriso.
- Então, por onde devo começar? – ela terminava de colocar seu avental.
- Pré-preparo. – ele aponta para a porta da cozinha e para lá ela caminha.
Ficara cerca de cinco horas picando legumes e enfileirando pratos para os chefs de cozinha. Assim que o evento começara, ela passara a lavar todos os pratos, copos e talheres que iam sendo repondo de acordo com que iam acabando no salão.
Ouvia tanto as pessoas conversarem na cozinha – ou berrarem devido a demora de algo – que se limitava a apenas ouvir. Não conseguia falar. Não havia espaço e nem vontade.
- Você não se cansa? – ouve ao seu lado. Olha para o lado e então volta a encarar os pratos. – Essa pilha está mesmo enorme. Ninguém te ajuda?
Mais uma vez o homem ficara sem resposta.
- Posso te ajudar, se quiser.
- Não, obrigada.
- Olha só, ela fala.
E o silêncio voltara.
- Como você enxuga tudo isso? Afinal, eu vejo pratos, talheres e copos entrarem a todo tempo no salão…
- O senhor gostaria de alguma coisa? – o corta impaciente. – Um garçom pode ir até sua mesa…
- Alguém está nervosa aqui… – ele cantarola e solta uma risada. – Certo, me desculpe. Eu deveria ao menos me apresentar, certo? Meu nome é César.
olha para os dois lados a procura de alguém que pudesse tirar o tal César de perto de si.
- Você não tem permissão de conversar com os convidados?
- Não converso com bêbados.
- Sorte que não estou alterado, então. – ele sorri. – Sei que estou sendo inconveniente, atrapalhando seu serviço. Mas te vi lá de fora e me perguntei por que uma garota bonita como você trabalharia no ano novo.
“E ainda por cima é um tarado”, ela pensa.
- Não ache que estou flertando, mas eu tenho essa mania de colocar adjetivos nas pessoas. E como a primeira coisa que pensei é em como é bela, não pude deixar de citá-la.
continuava sem falar nada.
- Das duas a uma: ou você não gosta de conversar, ou você não tem permissão para isso. Se for a primeira opção, terá de me falar para que eu possa me tocar e me retirar, se for a segunda, direi para que não se preocupe, já que ambos sabemos que só eu estou falando aqui e você está sendo completamente profissional comigo.
Mais uma vez ela nada dissera:
- Ok, cheguei a um ponto que me pergunto se você está me ouvindo ou não.
- Senhor Cielo, que honra vê-lo aqui! – os dois ouvem uma voz grossa falar na cozinha. continua lavando as louças e César vira o rosto para encarar o chef Le Pardier que se aproximava sorridente.
- Mosieur. – César brinca.
- Espero que esteja de seu agrado o cardápio, preparei especialmente para o senhor. Caroline me disse sobre a dieta que deve ter, procurei não sair muito do padrão.
- Maravilhoso, melhor impossível. – ele sorri para o chef, que devolve o sorriso orgulhoso.
- Há algo que eu possa fazer pelo senhor? A sobremesa sairá em breve.
- Não, não, estava só num monólogo muito interessante com… – ele mexe a mão e olha para , que fingia não ouvir.
- Ah sim, sim. Senhorita foi muito gentil em aceitar trabalhar conosco nesta data. Ela sempre está disponível no momento que mais precisamos. – o chef sorri para a assistente de cozinha, que sorri e volta a encarar as louças.
- , huh? Então este é seu nome? – César olha para .
- Não, não. Sobrenome. Seu nome é .
“Homem fofoqueiro do caramba, não consegue manter a boca francesa calada?”
- ? Belo nome.
- Espero que goste de sorvete de lavanda. Uma novidade que aderi este ano, muito sucesso.
- Famoso lá na Espanha, chef. Estava esperançoso que fizesse hoje, senão me obrigaria a ir até seu restaurante esta semana.
Ouve a risada do homem vestido inteiro de branco e recebe dois tapas gentis nas costas.
- Como sempre educado. Bom, vou voltar à minha função, sinto cheiro de cordeiro queimado.
César sorri e mais uma vez cumprimenta o homem, que se retira dando berros em direção aos fogões em chamas altas e controladas.
- , então. – ele cruza os braços. – Por que trabalha em datas comemorativas?
- Porque estou livre.
- E por que não comemora com sua família ou amigos?
não sabia se conseguiria agüentar por muito tempo. Ele estava sendo inconveniente demais para ela e não gostava de pessoas que se intrometiam em sua vida assim.
- Imagino que não saiba quem eu sou.
- Sei, sim.
- Então agora estou surpreso. É a primeira pessoa que ao invés de ficar me encarando, me ignora.
- Há uma primeira vez para tudo.
- Até que horas tem de trabalhar aqui?
Ela balança seus ombros.
- Suas mãos não doem?
- Já não as sinto mais.
- Não as sente? – ele arregala seus olhos e se aproxima para encarar o estado das mãos da garota. – Como consegue fazer as coisas, então?
- É automático.
- Uau. Guerreira. Você tem algum problema com datas comemorativas?
- Não.
- E prefere trabalhar a ficar em casa ou sair com os amigos?
- Estou aqui, não estou?
- Eu entendi porque não é garçonete. Você não tem humor para outras pessoas.
- Não, não tenho. – ela confirma na esperança de fazê-lo se tocar de que ele estava a perturbando. Em vão.
- A minha dúvida agora é: você está de mau humor porque está passando o feriado longe das pessoas queridas, ou por algum outro motivo?
Sem respostas.
- Você tem um dom de não responder minhas maiores indagações.
- Imagino que seja melhor você voltar à sua mesa comer o sorvete de lavanda.
- Eles me chamarão. Estou te atrapalhando?
- Desconcentrando.
- E se eu me manter calado?
- Perturbando.
- Como se pode perturbar uma pessoa, sem falar com ela?
- Eu quem deveria lhe perguntar, afinal, você é quem está perturbando.
César sorri.
- Sabe, ultimamente eu tenho pensado o quanto as mulheres estão fáceis sempre mantendo conversas e flertando assim que damos uma chance. Você mudou muito meu conceito.
- Não se iluda. Sou a exceção da regra.
- Sei…
- César, você não vai vir para a sobremesa? Precisamos tirar as fotos, falta meia hora para o show de fogos.
- Claro. – ele sorri e então se volta para . – Acho que vou te deixar sozinha.
- Vou sobreviver.
César dá uma risada e então se afasta, saindo da cozinha.
Pelo resto da festa ele não retornara ao local.
Capítulo 2
Ela terminava de colocar o seu cachecol para ir embora. Eram duas da manhã e havia sido dispensada. Cinthya ficara com dó da garota por ter de passar a virada do ano sozinha na cozinha, uma vez que se recusara de seguir até a sacada junto com os outros para assistir o show de fogos.
Olha para os dois lados e vê a rua quase vazia. Carros passavam buzinando e as pessoas dentro dele gritavam. Inicia sua caminhada de volta para casa, louca para um banho quente e relaxante com os sais de banho de camomila que Becky havia lhe dado no natal.
- Vai uma carona? – ouve a voz que tanto lhe perturbara durante toda a noite.
- Não, obrigada.
- Não vou te raptar, prometo. Só acho que merece voltar para casa sentada no quente ao invés de caminhar no meio de toda essa neve.
- Eu passo.
César solta uma risada e então suspira:
- Hey. – a chama. o encara. – Feliz ano novo.
Ela balança a cabeça e então volta a caminhar, agora sozinha.
Já em casa, ela se divertia com as bolhas de sabão que boiavam em sua banheira. Suas mãos davam pequenos choques já que passaram o dia inteiro se mexendo e a noite inteira na água congelante. Não estavam mais acostumadas ao conforto de uma água quente e relaxante.
Colocara seu pijama e deitara em sua cama relaxada. Até se esquecera de comer a ceia que Cinthya havia dado para ela. Fora sua cabeça ir de encontro ao travesseiro, que seus olhos pesaram e sua consciência se fora.
Ding Dong, ela ouvia.
Ding Dong, o som não parava. Aperta os olhos, perturbada, e então os abre lentamente.
Ding Dong, suspira e pensa se deveria ir mesmo. Olha para o lado, três da tarde. Era mesmo tarde.
Ding Dong, desiste e se levanta, caminhando lentamente alguns poucos passos até a porta de entrada.
Começa a destrancar as três travas que tem presos em sua porta. Ao abrir, arregala os olhos surpresa ao ver uma cesta de cupcakes com pequenos fogos e uma placa que marcava “Happy New Year”. Agacha e pega o envelope azul turquesa que estava grudado na alça da cesta.
“Nós brasileiros achamos que todos devem entrar no novo ano de uma boa maneira, seja sozinho ou junto de alguém. Sei que não vem do Brasil, mas achei que seria uma boa desculpa para te mandar esta lembrança. Feliz ano novo. César.”
levanta a cabeça surpresa e encara a cesta. Um sorriso se forma em seus lábios e pega um cupcake, encarando seu enfeite e dando uma mordida. A barriga ronca ao sentir comida entrando no estômago. Não comia fazia horas.
- Sabia que iria gostar. – ouve uma voz ao lado e cai sentada no chão, tirando risadas do homem, que estava parado com os braços cruzados. – Achei que iria olhar para o lado a procura de mim.
Ela volta com o sorriso nos lábios e dá outra mordida no pequeno bolo.
- Não costumo procurar pelas pessoas.
- É, eu percebi.
se levanta e suspira, pegando a cesta.
- Obrigada. – levanta o objeto.
- Por nada. – ele desencosta e se aproxima da garota. – Eu não mentia quando disse que você era bonita, até com esse pijama de bolinhas você se encaixa bem.
A garota cora, olhando para baixo e se lembrando de que havia acabado de sair da cama.
- Você me acordou.
- Estou a par disso. – ele dá mais uma risada. – Espero que me perdoe.
Ela manda um pequeno sorriso e olha para dentro de casa:
- Você quer… Hum, gostaria de entrar?
- E tomar um belo café da manhã com você?
- Acho que vou ficar te devendo um belo café da manhã, me esqueci de fazer compras.
- Sorte que temos cupcakes, então. – ele aponta para a cesta e ela sorri.
- É. Você até que é esperto. Brasileiros são mesmo assim?
- Costumamos ser, afinal, lá no Brasil chove mulheres bonitas, temos saber lidar com elas, não?
E pela primeira vez, soltara uma gargalhada.
Com este começo, era de se esperar que 2011 fosse um ano melhor do que fora 2010. Olha para trás e vê César a encarando com um sorriso no rosto.
É. Era um bom começo.
Fim
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