00 – O Idiota
DIVORCED | AGORA
Graz, Áustria.
Vladimir estava tendo um péssimo dia.
Primeiro, ele havia acordado atrasado após seu celular ter descarregado no meio da noite, ainda preso no loop de um vídeo pornô, já que ele tinha praticamente apagado na noite anterior, cansado demais para bater uma. Então ele se confundiu com suas roupas, na pressa de se vestir, e só percebeu que estava usando as roupas sujas quando foi erguer seu braço para pegar o maldito pó de café na prateleira de cima do armário da copa ao lado da sala de segurança em que trabalhava, e sentiu o cheiro pungente de suor de sua axila. Mas foi só trinta minutos depois, após ouvir uma longa reclamação de seu chefe, Leonid, e finalmente colocar seu celular para carregar, que seu mundo
efetivamente desabou. Uma mensagem apenas do advogado de Martha, sua esposa: os papeis de
divórcio.
Assinados.
Merda! Porra! Vladimir desejou chorar no mesmo segundo, mas se orgulhou ao conseguir ocultar dos olhares curiosos de seus outros colegas. A verdade era que Vladimir sequer se importava com Martha em si. Claro, ele deveria ter se apaixonado por ela em algum dos seis primeiros meses, mas puta merda, ela
falava tanto! E sempre havia alguma coisa nova para resolver, alguma merda que ele tinha feito e a deixava mal humorada. Ou então era simplesmente
tão grudenta, tão ciumenta,
tão irracional! Mas quer dizer, ela era uma
puta gostosa quando eles se conheceram, e tinha uma bunda incrível, além disso, os amigos de Vladimir adoravam dizer como ele era
sortudo por ter conseguido fisgar alguém como Martha. Vladimir era a
porra de um herói. E não importava o que ele fizesse, Martha
sempre voltava. Ela era
segura.
Estável. Foi por isso que ele havia se casado com ela. E por uns seis meses, ele realmente achou que estava com a mulher de sua vida, mas bem… ele tinha necessidades, e detestava a ideia de ficar
limitado. Seus amigos
enfatizavam que Vladimir era
muito novo para ficar limitado a apenas
uma mulher, e muito
bonito para descartar suas
outras opções.
E bem, não era como se as mulheres fossem
inocentes também.
Mas ele havia sido fiel. O tempo inteiro. Durante todo aquele tempo, ele não havia se apaixonado
por nenhuma outra mulher: nem mesmo Lydia, Carol, Nilce, Ksenya… não! E olha que haviam melhores,
muito melhores do que Martha! Vladimir só queria
variedade, era uma coisa
de homem! Só isso, ele não
queria fazer! Mas Martha
ainda descobriu, e Vladimir tinha completa certeza de que a mulher o perdoaria, que eles iriam superar aquela fase ruim do casamento deles,
até agora.
Depois de tudo o que ele havia feito por ela! Como ela podia fazer aquilo com ele? Como podia ser tão baixa e mesquinha ao ponto de largá-lo assim? De assinar aqueles malditos papeis! Era uma puta mesmo, deveria o estar traindo também, e estava usando o erro dele para conseguir a desculpa perfeita para sair como vítima, mas ele
sabia a víbora que ela era. E se Martha achava que ele deixaria barato…
—
Para a porra de um autointitulado segurança, eu não faço ideia do que mantém seu emprego aqui, Vorobyov, mas definitivamente não é a inteligência — resmungou Leonid Novokov com um tom de voz afiado, ameaçador.
Vladimir se tencionou, praguejando baixo ao perceber que não havia ouvido,
outra vez, Leonid se aproximar. Ele bloqueou a tela de seu celular, se endireitando, assumindo sua postura mais profissional e durona ao encarar o moreno, mas algo no fundo de sua mente o deteve. Que Vladimir adoraria cortar a garganta de Leonid, isso não era
dúvida, mas puta que pariu, se Vladimir não tinha
medo do desgraçado, no fim das contas.
Leonid estreitou o olhar, observando-o em completo silêncio. Havia algo perigoso em Leonid, algo que soava…
insano. Os olhos escuros como a noite pareciam sempre alertas, observando, absorvendo, como se ele fosse capaz de ler a todos, mas ninguém, simplesmente
ninguém sabia o que se passava por sua mente. Até onde Vladimir sabia, Leonid era um completo mistério. Não falava muito. Não tinha amigos ali. Passava a maior parte do tempo calado, e ninguém sabia se ele tinha família, pais, irmãos, inferno, nem uma stripper o filho da puta havia sido capaz de foder como qualquer outro homem
normal. A única coisa que ele dizia, era que havia sido casado antes, mas a esposa havia morrido há alguns anos. A maioria do
Departamento especulava que Leonid provavelmente a havia
matado, era a ideia mais lógica e provável considerando que o cara parecia ter saído de uma página policial de procurados. Leonid tinha
aquele tipo de olhar. Mas Vladimir acreditava piamente que a esposa morta dele deveria ter se
suicidado. Porra,
ele também se suicidaria se tivesse que conviver vinte e quatro horas com Leonid.
—
Vou precisar dizer mais devagar para que você entenda, Vorobyov? Vladimir tencionou a mandíbula com força, negando lentamente com a cabeça antes de voltar sua atenção para as pastas nas mãos de Novokov. Uma sensação de incerteza atingiu o fundo de seu estômago, mas ele habilidosamente conseguiu mascarar suas emoções antes que o olhar cortante de Leonid pudesse perceber
mais do que
deveria.
Por um breve segundo, Vladimir sentiu uma confusão de emoções. Ele
sabia que ele estava ali para fazer o trabalho, não era uma questão, e durante todo aquele tempo
ele tinha feito. Sem questionar, sem tremer ou hesitar. Mas sempre que Vladimir via as pastas novas que chegavam – e
sempre chegavam pastas novas – e ele lia os nomes impressos no material, sempre que ele
via as
fichas, algo dentro de seu peito apodrecia mais e mais. Era impossível não se sentir sujo ao observar as fotografias. Elas eram tão
pequenas… tão frágeis… algumas sequer tinham mais do que 4 anos!
Mas antes elas do que ele.
No fim do dia, infelizmente,
ele não tinha escolha. Não havia muita coisa que Vladimir pudesse fazer, havia? Estavam condenadas. Era o que era. Quer dizer, é claro que ele se sentia culpado. Ele não era um monstro! Seu coração doía por elas, mas era assim que o
Departamento X funcionava. Era assim que as coisas ali funcionavam. O laboratório demandava
novas cobaias, e as meninas eram trazidas conforme a demanda pedia.
Havia sempre mais de onde aquelas vinham. Ele sentia muito pelas garotinhas, mas era melhor elas pagarem o preço do que ele.
Ninguém merecia ser tratado daquela forma! Absolutamente ninguém.
—
Quantas dessa vez? — questionou Vladimir, tentando mascarar o tremor em seu tom de voz e manter a postura profissional e indiferente que Leonid sempre exibia.
Vladimir soltou um pigarro, unindo as sobrancelhas, enquanto tomava das mãos de Leonid Novokov as pastas, erguendo preguiçosamente uma sobrancelha para convir desinteresse. Vinte e nove pastas. Vinte e nove garotinhas. As idades variavam entre 6 anos a 13 anos.
—
Dezessete. Lyudmila deixou claro que não quer nenhuma maior de 8 anos. São mais difíceis de controlar, maior o risco de resistência — respondeu Novokov com um tom de voz baixo, sua voz, gutural, raspando os ouvidos de Vladimir como unhas agressivas. Mas era clara. Estupidamente clara, desprovida de quaisquer espaços para dúvidas. Direta, como sempre. E assustadora. Puta que pariu… os dedos de Vladimir seguraram com mais intensidade as pastas, engolindo em seco.
Merda, porra, cacete! Ele não consegue olhar, ele não consegue olhar, ele não consegue olhar… Vladimir obrigou-se a voltar seu olhar para as pastas, assentindo sem dizer mais nenhuma palavra a Novokov enquanto repousava as pastas sobre as mesas. Sentia-se travado. Como se seus músculos estivessem se transformando lentamente em meras placas de metal, enferrujadas e enroscadas entre si, que o impossibilitavam de se mover. Como se houvesse gelo percorrendo sua corrente sanguínea, prendendo-o no lugar. Mas ele precisa se mover. Demonstrar franqueza na frente de Leonid seria pior. Demonstrar que estava sendo afetado por tudo aquilo seria condenar a si mesmo a um destino cruel. Um destino o qual ele não merecia. Aquelas garotinhas estavam condenadas. Fizeram por onde, deveriam culpar a si mesmas. Elas haviam confiado nas pessoas erradas. Elas estavam vulneráveis. Elas estavam no lugar erado, na hora errada! Não era culpa dele. Não era culpa dele. Não era culpa dele! Não era culpa dele! Não. Era. Culpa. Dele!
Não era culpa dele! NÃO ERA CULPA DELE!! Dezessete. Dezessete garotinhas entre 6 a 8 anos foram selecionadas por Vladimir. O restante é descartado em uma pilha e entregue a Leonid novamente. Leonid sequer parecia reagir às pastas, eram como
nada mais do que apenas
trabalho tedioso. O que era esperado. Ele sequer piscou ou hesitou. Não. Leonid Novokov era incapaz de exibir quaisquer sinais de humanidade em sua expressão, mesmo se fosse necessário. Mesmo se sua vida dependesse disso.
Um arrepio desconfortável percorreu a espinha de Vladimir que percebia,
pela primeira vez em toda sua vida, que a implacabilidade de Leonid não era, exatamente, algo a que deveria se admirar, mas sim, ser observada com atenção. Se ele era tão insensível assim àquelas pastas, então, o quão fácil seria para ele…
Click, clack.
Leonid engatilhou sua arma, estreitando o olhar enquanto se aproximava das pastas descartadas, os olhos escuros percorrendo-as rapidamente. Não estava lendo as fichas, muito menos os nomes, estava
memorizando as fotografias. Os rostos das garotinhas que haviam sido trazidas para a base e que em breve seriam descartadas. Não era culpa dele. Não era culpa dele. Não era culpa dele.
Não era culpa dele… —
Convoque o restante do esquadrão. Feche os portões no Leste e Norte, avise que a ordem é para que nenhuma escape. Se tiver que caçar, irá caçá-las. Fui claro? — A voz de Leonid era autoritária, mas estranhamente neutra, e por um segundo Vladimir não souve dizer se era capaz de respondê-lo ou não.
Era fácil deixar-se levar pela raiva e frustração quando se tratava de Novokov. Era fácil deixar-se convencer de que ele era apenas um esquisitão que não se encaixava em nenhum espaço, que tinha aquele maldito olhar de
Vale da Estranheza. Mas então, em pequenos momentos, momentos como
aquele, Vladimir era relembrado dolorosamente que de fato:
ele não sabia nada de Leonid. Leonid era a porra de um livro codificado e Vladimir mal sabia ler. Era sempre um choque ser lembrado disso.
Vladimir forçou um pigarro, endireitando-se, desesperado para manter sua postura de profissional, desesperado para manter as rachaduras ocultadas dos olhos de Novokov, então ele apenas assentiu lentamente.
—
Onde está a porra da sua arma, Vorobyov? Vladimir arregalou os olhos praguejando entre dentes, e assentindo para Novokov outra vez, incapaz de dizer quaisquer palavras. Ele tocou o rádio preso em seu uniforme, esperando ouvir a resposta de Kuznetsov ou Sokolov antes de repassar as ordens de Novokov, avisando o restante dos esquadrões do comando
“Código Azul”.
Vladimir se aproximou das mesas um pouco mais ao fundo da sala de segurança, onde alguns servidores estavam, junto com
geradores de energia reservas que funcionavam como uma terceira assistência caso a energia principal e os primeiros geradores fossem cortados durante a algum ataque ou incidente. Ele havia deixado sua arma ali quando havia chegado aquela manhã. Merda, onde ele havia colocado? Porra, era por isso que ele tinha que deixar sua arma dentro do coldre, toda vez ele se esquecia de colocá-la de volta no lugar!
Os olhos dele percorreram as mesas um pouco mais ao fundo da sala, prendendo, instintivamente, a própria respiração, sem sequer perceber o que fazia. Havia algo de estranho dentro de seu peito. Uma agitação que ele costumava decodificar como
reação à Martha, toda vez que sua esposa – bem,
ex-esposa agora – parecia estar perto de clicar no botão errado de seu celular e abrir acidentalmente alguma conversa com alguma das outras mulheres com que Vladimir a havia traído.
Sua garganta estava estranhamente seca, fazendo com que o gesto de engolir sua própria saliva se tornasse desconfortável. Sua respiração parecia curta e superficial, visivelmente controlada, escapava por suas narinas, mas o oxigênio nunca parecia entrar, como se ele estivesse em algum tipo de estado permanente de falta de ar –
e crescente.
Então, Vladimir encontrou a
merda de sua arma no canto que ele havia deixado, como sempre, mas havia se esquecido porque estava mais desesperado para carregar o celular do que prestar atenção em alguma outra coisa. Vladimir avançou para pegar a arma, destravando-a e retirando o pente com a munição, verificando quantas balas tinha disponíveis. Doze. Um pente inteiro. Engolindo em seco, Vladimir se obrigou a retornar o pente de novo na arma, engatilhando-a, mas suas mãos estavam trêmulas demais.
Ele não sabia por que estava tremendo, mas era
impossível conter.
Tinha a estranha sensação de suas mãos estarem começando a formigar, amortecidas, por algum motivo, quando Vladimir conseguiu, finalmente, destravar e engatilhar sua arma. Seu coração nunca esteve tão acelerado. Sua pulsação nunca esteve tão alta aos seus próprios ouvidos. Não, não era medo, não
podia ser medo. E, todavia, era inegável. O martelar intenso de seu coração contra sua caixa torácica começava a se tornar desconfortável, doloroso ao seu peito, enquanto sua corrente sanguínea estava afundando-se em adrenalina e mais adrenalina.
Vladimir se voltou, hesitante, na direção de Novokov, como se estivesse determinado a perguntar se ele também estava sentido aquela estranha sensação. Como um sussurro, suave e convidativo na nuca, como se seu sangue estivesse começando a queimar dentro das veias, como um oceano agitando-se em frente à tempestade. Mas da boca de Vladimir, não saiu nada.
Novokov não parecia estar prestando atenção. Porra, sequer parecia estar ouvindo alguma coisa. Os olhos escuros estavam fixos no chão, com aquele
maldito ar de
Vale da Estranheza que ele sempre adquiria quando ficava muito tempo em completo silêncio. Como se estivesse fora de seu corpo ou fosse a porra de um boneco e nada mais. Nunca nada mais
humano que isso.
Por um breve momento, Vladimir se permitiu observar Leonid Novokov sem preocupação alguma de acionar o lado perigoso ou ser intimidado pelo homem. Os dedos de Vladimir agarraram o punho da arma com tamanha força que o metal gélido machucou a palma da mão dele. Leonid Novokov era
estupidamente bom no que fazia. Ele era
o melhor entre todos que tinha ali. Ninguém sabia de onde ele vinha, claro, sequer poderiam dizer se ele era
humano, mas havia algo que eles não poderiam negar, era a
eficiência de Novokov em
quaisquer situações. Um
super soldado – talvez,
melhor.
Leonid Novokov era um soldado estoico, impossível de ser lido, mas naquele momento, os olhos dele cintilavam com alguma coisa
incompreensível. Leonid virou-se instintivamente na direção de uma das telas de monitoramento, como se tivesse
alguém e não a porra de um dos laboratórios. Ele pareceu estar prestes a fazer algo, os músculos de seu corpo se tencionando enquanto as mãos se fecharam em punhos firmes. As sobrancelhas se arquearam em uma expressão que não era vulnerável, mas explicitava uma dúvida, uma
mínima, quase
imperceptível, hesitação. Os olhos dele buscando
alguém…
alguma coisa… do outro lado da tela. As mãos de Leonid começaram a sangrar, as unhas entrando nas palmas e as cortando.
Vladimir se tencionou. Não, não estava com
medo, longe disso! Vladimir não sentia medo de nada, era
apenas…
apenas precaução. Pura e somente precaução. Eles não podiam falhar em seus trabalhos e Leonid claramente não estava concentrado no que estava fazendo, encarando a porra de tela como se estivesse em algum tipo de transe, acabando de se lembrar de alguém amado que estava esperando-o do outro lado, ou seja lá o que aquela porra de homem poderia ter em sua mente que fosse assim tão digno de nota. Mas então, os olhos de Vladimir registraram algo esquisito, grotesco, começar a acontecer. Da narina direita, uma grossa gota de sangue escorreu, deslizando por entre o lábio superior de Novokov e desabando de seu queixo, pingando sobre a mesa de metal à frente das telas de monitoramento. O brilho azul das telas deixou o sangue de Novokov mais escuro do que de fato era.
Vladimir engoliu em seco. Nunca em sua vida havia acreditado que Leonid Novokov era sobre-humano, longe disso. O cara era o mais esquisito que ele já havia conhecido, mas com toda certeza era humano. Mas para Vladimir, Novokov
sempre havia sido intocável.
Impenetrável. Até agora… o coração de Vladimir se acelerou ainda mais, e ele se questionava se iria infartar a qualquer momento, ao mesmo tempo que a outra parte de sua mente, uma parte traiçoeira e desesperada, começava a espiralar a ideia que tinha em mãos.
A oportunidade. Novokov estava
vulnerável agora.
Completamente e
indubitavelmente vulnerável. Leonid Novokov nunca veria o que o havia acertado, tudo o que Vladimir precisava ter era coragem o suficiente para erguer seu braço e puxar o gatilho. Tudo o que ele precisava fazer era erguer sua arma e disparar, e ele nunca mais precisaria se preocupar com Leonid Novokov outra vez. Ele estaria seguro e tranquilo, talvez até ganhasse uma promoção. Com Leonid Novokov fora de seu caminho, Vladimir era o único que sabia como lidar com toda a merda daquele lugar, talvez Vladimir soubesse mais. Tudo o que ele precisava fazer era erguer a porra da arma…
Mas ele estava paralisado.
Porque se algo conseguia afetar Leonid, então… o que não faria com ele?
O momento se esvaiu com um piscar de olhos. Novokov pareceu voltar a si mesmo com uma inspiração funda e afiada, levando a mão esquerda imediatamente na direção de seu nariz e limpando o sangue que fluía dali com uma expressão mais sombria que o normal. Vladimir se esforçava, com muita dificuldade, para manter uma expressão cínica e desprovida de quaisquer outros questionamentos que não fosse apenas um: “e aí? Vai ficar parado?”, sentindo o olhar penetrante de Novokov quase expor sua alma, nua e crua, a seus pés. O que esse cara tinha de tão errado dentro de si? Vladimir já havia conhecido
muita gente
merda, mas aquilo… aquilo não era normal.
—
Se mexe. — É tudo o que Novokov diz e Vladimir não é burro o suficiente para contestar.
Inspirando fundo, tentando acalmar sua pulsação cardíaca desenfreada e obrigar a seus músculos tensos a se moverem, Vladimir engoliu em seco, seguindo a alguns passos atrás de Novokov na direção onde as garotinhas deveriam estar esperando.
Os corredores que seguiam para a parte subterrânea dos laboratórios, alguns consideráveis níveis abaixo da terra, eram estranhamente organizados e sufocantes. Pálidos, e esterilizados, nada parecia fora do lugar, nem mesmo uma gota de sangue. Os elevadores pesados, com portas duplas, eram revestidos e à prova de balas, mais parecidos com
cofres de segurança do que elevadores em si, altamente tecnológicos, funcionavam com base em voz e reconhecimento ocular. Ainda assim, dos três elevadores,
um possuía marcas de mãos perturbadoras, como alguém que havia tentado abri-las a força. Mas era impossível para que um
humano o tivesse feito. O mito era que havia sido
Wolverine o culpado por fazer aquilo quando escapou, mas Vladimir não tinha muita certeza. Toda vez que eles eram obrigados a descerem até aquela parte da base, nos níveis subterrâneos, era
sempre perturbador. Havia uma estática estranha que pairava no ar. Uma tensão invisível que carregava o espaço e o fazia parecer sufocante. Branco demais, limpo demais,
silencioso demais.
Por entre as celas e capsulas de contenção, havia
monstro por todos os lados. Acorrentados até a boca e contidos contra a parede, suspensos no ar, aprisionados dentro de máquinas de contenção que estalavam com o eco de choques elétricos ou então submersos em um estado de coma induzido. Trancas pesadas impediam que pessoas de fora acessassem aquele lugar, nem mesmo Vladimir possuía acesso ali, apenas o
alto escalão o tinha, e dentre eles, estava, é claro, Novokov.
Vladimir ignorou a sensação de desconforto que começou a emergir e inundar seus pensamentos, ignorando o tremor que percorria todo o seu corpo, engolindo em seco, e preparando-se para o que estava por vir, ouvindo alguns gritinhos desesperados de garotinhas sendo arrastadas de uma das salas para outra, separando-as das mais velhas, quando um movimento em sua visão periférica chamou sua atenção.
Vladimir uniu as sobrancelhas, virando-se na direção de onde a mancha havia chamado sua atenção, hesitando. Não, ele não deveria se afastar de Novokov. As ordens eram claras, seguir o que Novokov dizia, não fazer perguntas, esquecer o que acontecia ali embaixo. Vladimir não era exatamente a pessoa certa para arriscar sua vida por pura curiosidade. Então ele
tentou ignorar, mas bastou seus olhos encontrarem
os dela que tudo desapareceu.
Por um breve segundo, Vladimir só conseguiu encará-la, estupefato.
Ela era a criatura
mais linda que ele já havia visto em toda sua vida. Nem mesmo em seus sonhos mais selvagens, nem mesmo quando ele viu Ksenya de joelhos, entre suas pernas, engolindo praticamente
tudo, seria o suficiente para compará-la. Ela era
completamente de
tirar o fôlego. Cabelos pendendo delicadamente por seus ombros, olhos , intensos, fixos no rosto dele com uma mistura de inocência e medo, e algo dentro de seu peito se aperta para chegar até ela para protegê-la. Vestida de bailarina, impecavelmente. Escondendo-se atrás de uma das paredes, e encarando-o… encarando-o como se ele fosse o
único que pudesse salvá-la.
A respiração de Vladimir se perdeu em sua garganta, e então ele tomou sua decisão. Ele
iria salvar ela. Não importava o que acontecesse, ele iria salvar ela. Seu coração martelava dolorosamente contra seu peito, com uma crescente arritmia, descompassado e amortecendo suas mãos de leve. Vladimir engoliu em seco, lançando um breve olhar para as costas de Novokov, antes de disparar na direção contrária da qual deveria seguir, em direção à mulher. Ele precisava alcança-la.
Ele iria salvá-la.
Custasse o que custasse,
ele iria salvá-la.
Mas a mulher soltou um chiado baixo, desprovidos de qualquer som possível, arregalando os olhos quando ele a flagrou, e imediatamente começou a correr, em desespero. Vladimir sentiu o desespero aumentar por seu peito enquanto ele se obrigava a correr mais rápido que seu corpo permitia. Por que ela estava fugindo dele? Ele não era um monstro ali! Ele só queria ajudar! Ele iria ajudá-la! E então ela ficaria grata pelo que ele havia feito, e eles seriam felizes. Era assim que funcionava. Era assim
que sempre funcionaria.
Os cabelos dela deslizaram pelo ar suavemente, pareciam ser tão macios, tão sedosos ao toque. As pernas elegantes de bailarina se moveram com surpreendente força, velocidade, para alguém tão frágil como ela. Como ela havia entrado ali? Quem era ela? As perguntas espiralavam pela mente de Vladimir enquanto ele tentava alcança-la, descendo escadas, e virando em corredores pálidos e mais pálidos, em um labirinto de celas que se tornavam mais grossas e mais antigas do que deveriam, os números gravados nas portas quase desaparecendo, enquanto o espaço adquiria um ar esquisito de ter sido esquecido pela passagem do tempo, um ar de contenção proibida e restrita que nem mesmo alguns do alto nível pareciam parecer e, todavia, lá estava, as portas estranhamente abertas, com manchas de sangue obscurecidas, secas e antigas demais para que ele se preocupasse com sua própria segurança.
—
Espera! Eu… eu só quero…! — Vladimir balbuciou sem fôlego, quase implorando para que a mulher parasse de correr, para que a linda mulher não tivesse medo
dele. Ele não era um monstro, ele estava ali para ajudá-la. Ela
deveria parar de fugir dele!
Mas tudo o que ela fez foi olhar por cima do ombro, encarando-o com uma ponta de horror, os olhos , doceis e frágeis, exibindo uma nítida vulnerabilidade, como se ela fosse quebrar a qualquer momento, o que fez Vladimir querer abraça-la e protegê-la. Pior, o fez querer mantê-la somente para si mesmo.
Pureza. Era
isso que Vladimir havia buscado sua vida inteira. Pureza. Não a merda que ele havia encontrado em todas as outras mulheres com quem ele havia estado, que caíam tão fácil, desesperadas por atenção, vadias e corruptas. Não, era alguém como
ela. Pura. Intocada. Delicada como uma brisa.
Vladimir piscou, e então a mulher desapareceu completamente.
Por um breve momento ele encarou o vazio à sua frente completamente estupefato e em choque. Para onde ela havia ido? Ela estava à sua frente não fazia nem mesmo dois segundos! Mas então os olhos dele repousaram na entrada de uma sala ampla, obscurecida pelas luzes apagadas e coberta por uma camada densa de poeira, enquanto um ruído contínuo, elétrico, ecoava pelo espaço. Uma escadaria feita de cimento queimado se abriu à sua frente quando ele se aproximou das portas que deveriam ter pelo menos 70 centímetros de grossura, em uma mistura de metais poderosos e vibranium. As trancas, antigas e renovadas, altamente tecnológicas, estavam quebradas, havia um
glitch continuo em um dos painéis com o vidro trincado, piscando em um alerta que Vladimir não conseguia ler direito devido às fissuras e do
cristal líquido das telas. Havia um cheiro intenso de borracha e carne queimadas espalhando-se pelo ar enquanto os olhos dele absorviam o espaço com uma expressão assustada.
Câmaras de criogenia.
Em sua maioria estavam vazias, exceto por
uma. Ao centro da sala, um pouco mais ao fundo, enterrada entre o chão e escorada por inúmeros tubos e fios vindos do teto com estrutura industrial. Pilhas e pilhas de papéis estavam espalhados pelo chão, esquecidos e abandonados, enquanto ele se aproximava de onde a câmara de criogenia estava. Um arrepio percorreu o corpo inteiro de Vladimir enquanto seu coração martelava de maneira intensa contra sua caixa torácica, o peito dele a essa altura estava dolorido e incômodo, mas ele sequer prestou atenção
nisso. Não. Os olhos dele estavam fixos no rosto da mulher presa entre os tubos, praticamente congelada, dentro da câmara de criogenia. Lá estava ela, presa pelos cabos e inconsciente, sequer parecia estar viva, os cabelos emoldurando o rosto dela, flutuando ao redor de si, os cílios tremendo suavemente e o peito subindo e descendo fracamente sendo a única indicação de que ela estava, na verdade, viva. Provavelmente em um estado de hibernação profundo, se fosse considerar a quantidade de fios que a enroscavam no lugar.
Vladimir prendeu a respiração sem conseguir desviar os olhos dela. Ele
precisa fazer alguma coisa,
qualquer coisa.
Ela se moveu.
Vladimir arregalou os olhos prendendo a respiração ao observá-la esticar a mão na direção dele, os olhos , tão vulneráveis, tão assustados. Vladimir não percebeu que ele havia dado um passo na direção dela, quase que instintivamente, sentindo em seu peito o aperto de alguém que finalmente havia tomado uma decisão – ele iria
salvá-la; se ele fosse seu salvador, então ela seria
sua.
A mão de Vladimir tocou o vidro gélido e espesso, hipnotizado, sequer capaz de perceber que sangue fluía, agora, de seu nariz com mais intensidade, pingando na frente de seu uniforme e no chão à sua frente, tudo o que ele conseguia pensar era na mulher. Na maneira com que ela parecia estar se sufocando, desesperada para alcançá-lo.
Então, a mão dela tocou o vidro no mesmo lugar em que a mão de Vladimir estava, e ele soltou uma exclamação baixa, encantado. A mão dela era tão delicada, mesmo coberta por camadas de gelo que deveriam estar doendo para porra. Ele nunca quis tocar uma mulher em toda sua vida. Ele quase podia senti-la. Quente, macia, adoravelmente frágil em suas mãos… porra, ele estava ficando duro só de pensar.
Os olhos de Vladimir voltaram a se encontrar com os dela, mas o sorriso de Vladimir desapareceu, dando espaço para uma expressão de horror. Nos olhos havia nada senão apenas
pura fúria.
Um monstro. Era
isso que ela era.
Um completo monstro. Mas é tarde demais para Vladimir. As unhas dela fincaram-se contra o vidro espesso, com as manchas do sangue onde as pontas dos dedos dela haviam sido completamente esmagadas com a violência que ela tentou agarrá-lo. O rosto contorcido por dor, e alguma coisa
impossível de compreender, mas que chegava próximo a apenas fúria. Uma violência profunda e enraizada profunda demais dentro de si mesma. Mas era tarde dema…
Nota da Autora: sim, descobri recentemente que minha trope PREFERIDA é: Doomed Siblings Angst, não to bem. The Line do Twenty One Pilots, da série Arcane, é uma boa música para servir como soundtrack desse capítulo. Sim, desculpa, mas vai ficar pior. Esta fic é escrita de madrugada, quando estou sobrecarregada com estímulos externos e preciso de uma forma de me regular, portanto perdão antecipado por incoerências, erros gramaticais e algumas confusões, meu e-mail está sempre aberto para discussões e opiniões.
01 – O Soldado
LONGING | AGORA
Coney Island, Nova York
De todas as ideias que ele já tinha tido,
aquela era de longe a
mais estúpida.
Mas ainda assim… o aroma de
funnel cake,
hot dog, óleo queimado e urina a céu aberto permeia os arredores. Os gritos de pura animação das crianças correndo em disparada para conseguirem tempo o suficiente para irem no máximo de brinquedos se espalham ao redor, algumas tropeçando em seus pés e apenas evitando atingir o chão, porque Bucky instintivamente os segurava, oferecendo seu sorriso mais gentil e o aviso de “cuidado” ou “sem correr”, antes de os assistir, com uma expressão contemplativa, voltarem a correr para longe, ouvindo um agitado “obrigado!” que seria consumido e esquecido completamente com os outros gritos e o barulho das máquinas do parque de diversões.
Há um ponto de hesitação que percorre a expressão de Barnes. Por um breve segundo, ele é transportado para 1939, antes da guerra, e onde a única preocupação dele era apenas conseguir alguns trocados, para conseguir impressionar alguma garota bonita que havia aceitado sair com ele para algum encontro, e, é claro, encontrar uma garota que desejasse conhecer Steve também, porque Bucky
jamais deixaria Steve para trás. Ou sairiam a quatro ou não haveria encontro. E por mais que isso soasse meio questionável – para dizer o mínimo – Bucky era leal demais para isso.
Mas observar agora o parque de diversões, com todas as luzes em neon, com todas as músicas estranhamente agitadas e que pareciam pulsar pela cabeça de Bucky, sobre beijar milhões de garotos à beber para esquecer alguém, era no mínimo uma experiência curiosa. Quer dizer, a montanha russa
Cyclone ainda estava ali, evidenciando a fé absurda que algumas pessoas possuíam em um objeto que estava, teoricamente, fadado ao fracasso de certa forma, ou pelo menos não estava exatamente tão seguro assim para sequer ter carrinhos correndo a toda velocidade, quiçá carrinhos com
pessoas dentro. Era uma receita para o desastre, mas ainda assim parecia divertido o suficiente para que pessoas se sujeitassem a tal de qualquer forma.
—
Quanto tempo faz que você não anda no Ciclone para estar encarando-o como se fosse seu ex-namorado? — A voz irritante de Sam não oculta o tom de divertimento enquanto Barnes rapidamente pisca, voltando a si mesmo e lançando um olhar ao redor, irritadiço.
Não é como se Sam estivesse observando-o muito a fundo, na verdade, se olhasse pelo ombro esquerdo, um pouco mais a noroeste, de frente para um pequeno carrinho que estava vendendo batatas chips e pipoca com corante doce, Sam Wilson, ou, para a completa frustração afetiva de Bucky, o
novo Capitão América, estaria discretamente fingindo que estava esperando sua vez para ser atendido como qualquer pai divorciado ausente esperando conseguir um presente barato para agradar seus filhos. Mas o fato é que Bucky ainda sente suas bochechas se aquecerem, um claro sinal de que ele havia corado, e isso significava que a piada de Sam o havia pegado desprevenido e, para a satisfação do Capitão América, Bucky sabia que Sam o estaria atormentando pelo resto da semana por causa dessa maldita piada.
—
Quer saber? Terminando aqui, a gente vai andar nessa montanha russa. Se amarelar, vou dizer para as crianças que você é uma galinha.
Bucky nega com a cabeça frustrado, pronto para retorquir ao que Sam havia dito com algum comentário sarcástico e igualmente infantil – apenas por fazer –, mas se contém abruptamente quando os olhos azuis esverdeados do soldado se encontram com os desconfiados, enrugados e evidentemente aborrecidos de uma senhora de meia-idade, claramente uma mãe, com cabelos
chanel loiro e uma expressão de alguém que parecia discutir em um caixa porque estava faltando um centavo no troco que lhe foi entregue, lhe lança um olhar torto. Bucky sabe que não precisa dizer nada, mas seu impulso fala mais alto, então, com apenas seu sorriso mais fácil possível, Bucky retira o celular do bolso, e aponta para a orelha no qual o comunicador está enterrado, e diz em sua voz mais cínica possível:
— Minha esposa. — Bucky volta a andar antes que sequer possa ouvir algum comentário de volta, exalando baixo, mal-humorado. Não porque está realmente incomodado com alguma coisa. Bem, na verdade está, mas não é com as piadas de Sam. Não, é
aquela maldita situação. E todavia, ele não consegue convencer a si mesmo a dar meia volta e ir embora. É claro que não. Se havia algo que Bucky havia se tornado
proficiente nos últimos tempos é em
sentir culpa, e aquela, bem… ele não pode exatamente pedir desculpas a alguém morto, mas pode
ao menos tentar fazer as pazes com o fantasma e oferecer reparações, por menores que fossem.
—
Muito discreto, Robocop, cê sabe que não dá pra levar a sério o seu papo de espião, né? —
Cala a boca — Bucky retorque ao comentário de Sam e apenas revira os olhos ajeitando a lapela de sua jaqueta por mais alívio de um tique nervoso do que por estar realmente desajeitada.
Bucky tenciona a mandíbula bem marcada, um pequeno músculo movendo-se sob a pele, enquanto os olhos azuis esverdeados dele deslizam pelas outras pessoas, buscando por um rosto em específico.
—
O ponto inteiro da espionagem é não ser pego. Como você explicaria um comunicador, Sam? Você faz parecer óbvio para ocultar a intenção por trás. Sam fica em silêncio por alguns segundos antes de praguejar baixo com um riso discreto. Bucky se aproxima de uma banca de jogos chamada de “Palhaço”, que consistia em apenas uma série de cabeças de palhaço se movendo da direita para a esquerda, e então ao contrário, consecutivamente, enquanto o único propósito era arremessar bolinhas de isopor pintadas de laranja na boca do palhaço e assim conseguir um prêmio.
Bucky aperta os lábios assentindo para o dono da barraca quando ele entrega a bolinha de isopor para ele, antes de unir as sobrancelhas e voltar sua atenção para as bocas dos palhaços com uma ponta de nostalgia. Ele era
muito bom naquele jogo, um sorriso nostálgico quase surge pelos lábios dele ao lembrar-se de como ele tinha o truque de sempre acertar no canto superior da boca do palhaço para conseguir fazer cair dentro, como ele conseguia os ursinhos de pelúcia e boneca para Dotty – ele nem lembrava mais como ela era, qual a cor dos olhos, como era o rosto, era apenas um manequim –, como Steve reclamava que Bucky estava trapaceando…
—
Se vai jogar essa bolinha, é melhor fazer do jeito certo, Bucky.
Sem roubar — diz Steve pelo comunicador, e a respiração de Bucky se perde em sua garganta.
Ele nega com a cabeça, mas sem conseguir conter o sorriso torto que surge por seu rosto ao arremessar a bolinha no primeiro palhaço. Seu peito se aquece, e por um momento, Bucky quer só largar tudo e ir abraçar o melhor amigo, mas ele rapidamente afasta o pensamento de sua mente, revirando os olhos, fingindo sentir uma exasperação que de fato, não existia.
—
Consegue guardar muitos segredos, hein, Sam. —
Não vem me culpar não, eu não tenho nada a ver com isso, Robocop. Tô seguindo para o sul, vou cobrir as saídas do leste — retorque Sam sem ocultar o próprio divertimento de seu tom de voz ao dar
mais um apelido a Bucky, como se ele não estivesse o chamando por aquele nome fazia semanas. Quer dizer, ele já havia arriscado pesquisar na internet sobre o que diabos era um Robocop, e Bucky havia definitivamente ficado irritado porque
obviamente ele
não era um policial. Barnes só assumiu, por fim, que Sam era redundantemente estúpido, mas bem, onde estava a surpresa nisso? Eles eram amigos de Steve, maior bandeira vermelha, seja lá o que
isso significasse, era o suficiente para representar Bucky e Sam naquela situação. —
Tenta não começar um incidente internacional, Homem de Aço. Bucky revira os olhos sem conseguir conter a própria frustração naquele momento.
—
É vibranium! Eu tenho um braço de vibranium.
—
Homem de vibranium soa estúpido — contra-ataca Sam e, meio à parte, Bucky quase consegue ouvir a risada contida de Steve do outro lado da linha de comunicação.
Barnes morde o interior de suas bochechas, contendo o impulso de responder Sam com um ataque inteligente e preciso, porque não é exatamente o melhor momento para fazer aquilo, então Bucky apenas concentra-se nas bocas dos palhaços giratórios, unindo as sobrancelhas enquanto se concentra em arremessar as duas bolinhas restantes que tem em sua mão.
Ele inspira fundo, e, desta vez, faz como Steve havia pedido.
Ele mira a bolinha, mas dessa vez não no cantinho em que ele sabia que iria entrar, mas como qualquer outro civil o faria. Bucky se dá ao luxo até mesmo de dar alguns passos para trás, para conseguir construir um espaço bom o suficiente para que pudesse arremessar a bolinha sem que atrapalhasse a trajetória, e, inspirando fundo uma única vez, a arremessa. E então, a última, seguida. Steve solta um riso nasalado, mas há uma ponta de nostalgia no eco da voz dele transmitido pelo comunicador preso na orelha de Barnes.
—
Exibido — resmunga Steve, e Bucky apenas oferece um sorriso meio desconfortável meio plástico para o atendente da barraquinha que indica para que ele escolha um dos prêmios, e por um breve segundo, Barnes precisa pausar e tentar
lembrar-se.
Do que ela gostava? Ele não tinha a mínima ideia. Mas então, os olhos azuis esverdeados de Bucky se tornam pesarosos, mais nublados do que antes enquanto repousam em uma raposinha esquisita e ridícula, feita de tecido, esguia, com patinhas que mais se pareciam com rolos de tecido laranja e branco e detalhes em preto, e botões pretos no lugar dos olhos. O gosto amargo em sua boca é pungente, mas é mais do que isso. Bucky sente
culpa. Bucky não hesita em pedir pela raposinha anêmica de pelúcia, gentilmente a pegando e a observando com uma expressão distante por um breve momento. A ponta de seu polegar acariciando o tecido, mais instintivamente do que conscientemente, antes da voz de Steve ecoar pelo comunicador, dessa vez mais suave:
—
Você tem realmente certeza que quer fazer isso? Bucky exala pesado, lançando um olhar novamente para as pessoas ao redor do parque antes de tencionar a mandíbula com força, oferecendo um sorriso educado para o atendente da barraquinha e então voltando a caminhar por entre adultos em encontros ou apenas conversando tranquilamente entre si, pedindo para que as crianças agitadas e com rostos sujos de doces parem de correr.
A nota sombria de seu olhar parece se aprofundar um pouco mais enquanto Bucky se aproxima de onde a estrutura espetacular de lona e metal do circo, onde a fila, apesar de grande, estava se movendo rápido para as pessoas que assistiriam o espetáculo. Bucky passa por Steve, mas os olhos dos dois homens não se encontram. Steve tem um folheto em suas mãos, parecendo estar lendo atentamente algo sobre algum tipo de higiene e proibições na cabine da
Roda Gigante, enquanto Bucky apalpa casualmente o bolso de seu casaco pesado para encontrar onde o ticket dele estava, os dedos biônicos, envolvendo o pescoço da raposinha anêmica de pelúcia com um pouco mais de força do que deveria.
—
Não. Não tenho certeza — admite Bucky silenciosamente, mas de maneira honesta, finalmente conseguindo alçar o ticket de dentro de seu bolso, tencionando a mandíbula enquanto os olhos azuis esverdeados repousam nos dizeres:
“Maravilhosa Luna” do espetáculo que aconteceria nos próximos minutos.
Steve fica em silêncio por alguns segundos.
—
Você não precisa fazer isso, Bucky. Você já fez o trabalho. Encerrou tudo isso há um tempo. Recebeu o perdão da Corte Americana, você está finalmente livre — diz Steve com um tom de voz compassivo e a compreensão familiar consegue, ao menos, passar a falsa sensação de segurança a Bucky.
Barnes tenciona a mandíbula com um pouco mais de força, enquanto une as sobrancelhas, encarando com intensidade o funcionário que está recebendo os tickets, mas não o enxerga de fato. Não, seus olhos estão presos no passado, em um amontoado de cabelos desgrenhados e despenteados, e olhos intensos que beiravam a pura insanidade; medo. Bucky percebe que, pela primeira vez em muito tempo, ele não se sente completamente incerto, sozinho, perdido. Aquece seu peito de uma maneira que ele havia achado que tinha morrido completamente após 1945, quando ele havia sido capturado pela
primeira vez pela
Hydra. Uma parte que ele nunca recuperaria.
—
Bucky, escuta… às vezes cometemos erros. Erros que não tem como consertar, que não tem reparação. Precisamos aceitar que cometemos essa falha, e aceitar que, por mais que desejássemos mudá-la ou repará-la, não há nada que possa ser feito. Não há desculpas ou gesto redentores. O melhor que podemos fazer é enterrar. Algumas coisas precisam ficar enterradas. Para o seu próprio bem.
—
Corajoso ser vocêa dizer isso, Rogers. — Apesar das palavras afiadas, o tom de Bucky é mais incerto do que agressivo, quase nostálgico e pesaroso. Bucky inspira fundo, entregando o ticket para o funcionário, e acenando com a cabeça em agradecimento, seguindo para as arquibancadas buscando por seu acento.
Steve solta um riso seco, sem humor.
—
Por ser quem sou que estou dizendo, Bucky. Às vezes, o melhor que podemos fazer é recomeçar. As luzes do picadeiro se acendem com um chiado eletrônico e o eco da voz do apresentador soa pelas caixas de som, dispostas ordenadamente a cada quatro pilares, convenientemente, com uma bem abaixo do acento de Bucky –
sorte a dele; não é como se ele tivesse assim também uma
boa adição,
graças a Hydra e os
choques. Mas seus olhos não estão presos no apresentador em questão, animando a plateia e introduzindo o espetáculo de acrobacia e contorcionismo que iria acontecer em breve. Não. Os olhos azuis esverdeados de Bucky estão fixos no púlpito de, no mínimo, cinco metros de altura em que a figura se encontra fantasiada, como se fosse feita de pequenos cristais espalhados pelo corpo inteiro dela, enquanto os cabelos estão repuxados para trás, envoltos em pequenas correntes e contas de ouro espalhados pelas mechas. Os olhos , três tons mais claros e mais vívidos refletem as luzes com tons gélidos, enviando uma onda de tensão pelo corpo de Bucky. Ele tenciona a mandíbula novamente, unindo as sobrancelhas, determinado. Os dedos biônicos de seu braço soltam pequenos estalidos eletrônicos quando se fecham com força o suficiente para rasgar a pelúcia.
•••
—
Você precisa ter muita coragem para vir até aqui, Sargento.
Bucky move a mandíbula, mas não responde, ao menos não imediatamente. A voz adulta de soa mais esquisita do que ele lembrava, mas bem, ele a havia conhecido quando ela era apenas uma garotinha de 6 anos, assustada, escondendo-se nos cantos das celas ou espiando por entre as grades de ferro. Sua garganta se aperta enquanto Bucky tenta se
obrigar a não se lembrar atrás de
quem se escondia quando era só uma garotinha. A maneira com que agarrava à roupa
dela, ou como se colocava
sempre à frente de , não importasse o quão machucada estivesse – não importava o quanto sua vida dependesse disso. O cheiro de , todavia, é o mesmo, madeira, maçã e cigarro, coçam o nariz dele, mas não é
desconfortável, só familiar o suficiente para ser desconfortável.
permanece sentada em sua cadeira desconfortável de metal, projetando-se na frente do que parece ser uma penteadeira saída diretamente dos anos 50 com as lâmpadas de fundo amarelado formando quase uma linha ao redor do espelho, ressaltando a maquiagem pesada e artística que enfeita seu rosto, ou a maneira com que os cristais e ouro refletem contra a luz, criando pequenos reflexos suaves na madeira e no chão, ao redor de .
Sem desviar o olhar da mulher, Bucky aproxima-se cautelosamente devagar até onde ela está sentada e repousa, um pouco meio sem jeito, e em uma oferta de paz, a raposinha anêmica de pelúcia que ele havia conseguido ganhar na barraquinha de palhaços, com a única intenção de entregar a a pelúcia. É claro que, agora, com o rasgo, era
inútil, mas ele espera que ao menos pudesse servir como uma oferenda pacificadora e significaria a que ele, pelo menos,
havia tentado apaziguar as coisas. Não é o suficiente,
nunca seria o suficiente, mas é um começo, certo?
não se mexe, os olhos dela apenas acompanham o movimento que Barnes faz, e então, ela se deixa recostar contra a cadeira de metal em que está sentada, erguendo o queixo de maneira desafiadora, um sorriso preguiçoso surge pelos lábios dela, repletos de descrença e uma raiva contida que não seria exposta, ele sabia, mas que não estava sendo, igualmente, ocultada de ninguém. Os olhos dela queimam o rosto dele, e Bucky se sente imediatamente desconfortável com a atenção que recebe, ele tenta ignorar a descrença, a raiva e o nojo que há nos olhos de , e apesar de tudo, Barnes não pode deixar de sentir seu coração afundar em seu peito, o peso, desconfortável e sufocante, indesejado, mas não menos verdadeiro. Talvez, esse fosse o problema de sentir-se
culpado, a consciência de que
nada, absolutamente
nada que ele pudesse oferecer, poderia apagar o erro que havia cometido, mesmo que não estivesse em seu controle naquela época, não mudava o fato de que havia feito. Bucky engole em seco, percebendo tardiamente que havia sido,
de fato, um erro ir até ali, mas agora é tarde demais para voltar atrás.
Mas se Rogers não era um calhorda! —
Porra… — nega com a cabeça com um riso contido, desprovidos de quaisquer traços de humor, enquanto o tom de incredulidade é pungente em sua voz.
Quando ela era pequena, era uma criança doce, até mesmo meiga, extremamente tímida. Agora? Parecia agressiva, instável, e com um tom de voz rouco e arrastado que o fez se questionar internamente o
quão sóbria ela estava naquele momento. Bucky não a culpa. De todas as coisas que ele poderia fazer, de todas as coisas que ele havia sido subjugado a executar, a última coisa que ele poderia fazer, era culpá-la por qualquer coisa, por mínima que fosse. Ainda assim, engolir o gesto, tem gosto amargo.
Bucky trinca os dentes com força, mas obriga-se a desviar os olhos do rosto de para a mesa com a maquiagem que ela havia usado para o espetáculo. se empurra para trás, colocando-se de pé com um rangido metálico irritante da cadeira, e então encara Barnes, os dentes expostos em um sorriso afiado, mas que mais parece com uma careta felina, preparando-se para atacá-lo. Ele não a julgaria se ela fizesse. Ele não a impediria. Mas não faz nada, e talvez
isso seja a pior parte de tudo.
—
Tá fodendo com a minha cara, seu merda?! Cê tá achando mesmo que pode entrar aqui e me obrigar a te ajudar, huh?! A audácia que cê tem… Bucky engole em seco, dando um passo para trás e erguendo as duas mão para cima, em um aviso silencioso de rendição a . Ele não está ali para lutar, e definitivamente não iria iniciar um confronto, não com .
—
, por favor… — dizBucky, hesitante, tentando apelar para a parte da mente de que não o via como ameaça, a parte da mente de que era a garotinha que ele havia segurado em seus braços, arriscado sua vida para proteger enquanto escapava da Hydra pela segunda vez. Alguma coisa daquela garotinha que confiava nele, que havia segurado sua mão sem soltar e implorado para que voltasse por ,
deveria estar ali.
Precisava estar ali. Se não estivesse, então… —
Eu só preciso de informações, isso não precisa acabar de maneira ruim, por favor, , não me faz ter que te atacar, por favor… Mas o riso de é cortante, e a súplica morre na garganta de Bucky antes que ele possa fazê-la.
—
Me atacar? Quem disse que você consegue chegar assim tão longe? arremessa bruscamente as maquiagens na direção de Bucky, que instintivamente usa seu braço direito para cobrir seu rosto, enquanto o braço biônico dele se aciona. Um estalido eletrônico escapa, e antes que Bucky possa se dar conta, o braço biônico agarra com força o braço esquerdo de , impedindo-a de acertar-lhe um soco, usando o punho direito para atingir com força o suficiente para
impedir e
não machucar a mulher, no ombro dela, empurrando-a para trás, ao mesmo tempo que tenta acertar um cruzado no rosto de Barnes.
Bucky agarra com o braço biônico o pulso da mulher, apoiando a mão direita no ombro dela, tentando imobilizá-la, mas é mais rápida e consegue atingir um chute bem colocado na lateral de seu joelho. Um grunhido escapa da garganta de Bucky, seu joelho cedendo ao próprio peso, e desabando em seu joelho, usando o momento para desviar de uma joelhada de em direção ao seu rosto, girando rapidamente para a esquerda, e obrigando-se a colocar-se de pé.
Trincando os dentes com um estalo, Bucky para ao lado de , envolvendo o pescoço dela com seu braço direito, apertado o suficiente para roubar o fôlego dela, mas não o suficiente para machucá-la, praticamente tentando fazer ouvi-lo:
—
! , por favor! Mas é claro que, se havia algo que era
boa, era
justamente ao ser completamente
incapaz de
ouvir alguma coisa que era dita a ela. Maldita teimosia desgraçada que ela possuía!
Bucky rosna baixo meio grito de pura frustração, sentindo o cotovelo dobrado de se conectar com suas costelas, roubando-lhe o fôlego dos pulmões – algo
difícil de ser feito, se fosse ser honesto –, enquanto aproveitava a distração para chutar o calcanhar direito de Bucky, e usar a queda para lançar-se para a frente, derrubando-o e rolando por sobre seu ombro a fim de livrar-se dele.
acerta um soco violento no rosto de Bucky, que grunhi entre dentes, sentindo seu rosto ser lançado para a esquerda bruscamente, a dor explodindo por trás de seus olhos, enquanto a pele queima com o contato do punho da mulher.
O braço biônico de Bucky se aciona novamente, agarrando o pulso de bruscamente, ouvindo-a soltar um grito estrangulado pela maneira com que o sonoro
crack escapa, evidenciando que Bucky deveria
pelo menos ter deslocado o membro do lugar, enquanto a puxava para o lado, tentando tirá-la de seu caminho e disparar em direção à saída do camarim – ele
realmente não queria machucá-la, porra! Mas é claro que não o deixaria escapar,
deixaria? Não.
sempre precisava levar
tudo ao extremo, não é? Ela sempre tinha que passar de todos os limites até que não tivesse mais outra escolha senão matar ou morrer. Merda, Rogers! Por que de todas as pessoas
você tinha que estar certo?
Ainda no chão, desliza na direção de Bucky, lançando um chute que Barnes consegue desviar, mas antes que ele possa registrar, acerta outro chute forte na altura de seu peito, mandando-o para trás. Barnes avança na direção da mulher, desta vez, deferindo um golpe rápido e preciso na altura da costela dela, ouvindo-a grunhir com raiva e dor, antes de acertar o rosto dela, tentando encontrar uma abertura na postura de para conseguir imobilizá-la, mesmo que por meros segundos, no lugar. Bucky trinca os dentes com força, mas o peso em seu peito é maior, mais
sufocante, e ele não pode escapar da própria culpa que havia enterrado tantos anos atrás. Ou
quer escapar.
—
Eu sei que você queria que as coisas fossem diferentes, , eu gostaria que as coisas fossem diferentes… — A voz de Bucky desce uma oitava, mais grave, mais pesarosa, enquanto ele luta contra a parte de sua mente que grita que aquela é uma luta perdida.
Não. Não! Ele não pode perder a garotinha que estava em sua memória. Não,
não, porra! Se ele a perdesse, então… então era tarde demais para cumprir com aquela
última tarefa. Então era tarde demais para perdão e ao menos fazer as pazes com o passado, e tudo o que lhe sobraria era a consciência de que
não havia mais nada a ser feito, que a Hydra havia o transformado em uma arma e usado, e que ele
não poderia corrigir isso,
não para . Não na visão
dela. Ele
precisava que ela acreditasse que ele
não era o Soldado Invernal. Ele precisava que ela
visse.
—
Eu não tinha controle… por favor, , acredite em mim…. O riso de é implacável e afiado, como facas, fincando-se lentamente pela pele de Barnes, e um arrepio gélido percorre por sua espinha como ácido, corroendo tudo que está pelo caminho. A respiração dele se perde momentaneamente em sua garganta, enquanto o aperto dele ao redor do pescoço de se aperta
um pouco mais do que deveria. A reação é
instintiva. Talvez, Rogers estivesse
mais certo do que deveria. Talvez tivesse sido um
erro terrível ter ido até ali. Talvez mortos
devessem ficar enterrados pela sanidade e bem de todos. Talvez ele não desejasse que …
—
É isso que diz para você mesmo? Que não tinha escolha aquele dia? — ofega com um rosnado, enquanto o riso desprovido de quaisquer traços de humor rasga por seu peito.
Ela não se debate contra Barnes, as unhas dela apenas fincam-se com mais força contra o braço direito dele, tirando sangue. Ela está tremendo, mas se de raiva ou algo além disso, Bucky não sabe dizer, porque, no momento que as palavras ecoam pelo camarim, é tudo o que ele consegue pensar e ouvir apenas.
—
Ninguém estava te controlando aquele dia, estava? Você tinha quebrado o código e estava fugindo, que ordens a Hydra poderia ter te dado aquele dia? Eu sei muito bem por que você a matou, Barnes. Bucky não reage. Os olhos azuis esverdeados dele apenas encontram-se com os de , em uma súplica silenciosa – pelo o que tampouco ele poderia
saber –, mas ele não diz nada. Ele não a impede, dessa vez, quando se livra de seu aperto, puxando com força o braço direito de Bucky para o lado, apoiando sua mão esquerda sobre o ombro de Barnes e então o puxando com força para a frente, usando o joelho para atingir o rosto de Bucky.
Dor explode por seu rosto, e um sonoro
crack ecoa, onde seu nariz deveria ter acabado de ser quebrado. O ataque o desorienta e Bucky cai para trás, quando chuta novamente seu peito, tossindo e tentando se
forçar a respirar, enquanto um grunhido baixo escapa por seus dentes cerrados, mas Bucky não se defende.
Os olhos azuis esverdeados dele acompanham se aproximando de novo de sua penteadeira enquanto Bucky se arresta um pouco para trás, tentando colocar-se sentado enquanto limpava o sangue que escorre de seu nariz. Ele cospe o sangue que se acumula em sua boca, unindo as sobrancelhas e então congelando no lugar quando se volta na direção dele com uma arma em suas mãos, agora.
É claro que ela teria escondido uma pistola automática em algum lugar do camarim,
elehavia ensinado isso a ela. Há uma parte traidora de sua mente que não pode deixar de se
orgulhar pela mulher. Ela
havia aprendido afinal. Sua garotinha havia crescido. E de repente, Bucky percebe-se mais disposto do que deveria a aceitar sua morte se realmente estivesse determinada a matá-lo. Seria o justo.
—
Cê não tem ideia de como eu sonhei com esse momento, Tovarisch — cospe entre dentes, erguendo a arma na direção de Bucky que não move um músculo.
Os olhos azuis esverdeados de Bucky se encontram com os de e há uma nota de compreensão, mesmo que ele não deseje evidenciar nada a ela. Não porque ele não desejasse que ela compreendesse de onde ele vinha, mas porque sabia que ela não
gostaria de ver remorso ou culpa no rosto de Barnes. Mesmo que ele se culpasse e sentisse o remorso corroer sua mente todos os dias por tudo o que a
Hydra o havia obrigado a fazer, não cabia a
Bucky mesurar o sofrimento que ele havia causado. E se pagar com sua vida é o preço justo que havia estipulado, então… ele estava em paz com isso. Bucky fecha os olhos, esperando o disparo.
Mas ele nunca chega.
solta um grito abafado, baixo, se lançando para frente quando um risco metálico praticamente corta o ar à frente de onde ela estava, enterrando-se contra a parede do camarim, enquanto Steve Rogers praticamente salta na direção de . Bucky abre os olhos de supetão, surpreso, e encara a cena à sua frente com uma breve confusão, antes de saltar sobre os ombros de Rogers, girando pelo ar e desabando no chão, antes de disparar para fora do camarim, correndo o mais rápido que conseguia. A arma esquecida no chão. Steve tosse baixo, tentando recuperar seu fôlego, enquanto se levanta do chão. Bucky solta um grunhido de dor baixo, colocando seu nariz de volta ao lugar e então balançando a sua cabeça ao se levantar, oferecendo uma mão na direção de Rogers, que a aceita sem hesitar.
— Eu tinha tudo sob controle — diz Bucky com um tom de voz irritado, mas é mais do que isso. Barnes não queria que Steve tivesse visto sua decisão no final porque sabia que eles
teriam que conversar sobre isso mais tarde. Sabia que Steve faria perguntas e Bucky não estava assim tão disposto a respondê-las. Sequer supunha que estava disposto a responder a si mesmo, como poderia falar algo para Rogers?
Steve ergue uma sobrancelha, com um sorriso seco, negando com a cabeça.
— Bem, para mim, você parecia precisar de ajuda — confessa Steve, seu cenho se franzindo enquanto parece tentar recuperar o fôlego, e Bucky aperta os lábios com uma careta. Barnes sente o incômodo dos golpes de , que não eram precisos, mas eram fortes o suficiente para machucar, mesmo que Bucky Barnes não tivesse um organismo
humano, por assim dizer,
ainda era um experimento;
pior,
ainda era uma mutante, então, de certa forma, após tantos anos, ela
deveria ter aprendido a canalizar seus poderes para conseguir resultados mais efetivos.
Inspirando fundo, Bucky observa Steve levar a mão esquerda em direção à orelha, apertando o botão do comunicador, tentando conseguir avisar Sam a tempo.
—
Sam, ela está seguindo na sua direção. Hostil. Comando para subjugar e imobilizar.
—
Tenho ela na mira, mas é melhor vocês virem rápido. —
Cuidado, Sam — é tudo o que Bucky responde pela linha do comunicador, pegando a arma de do chão, e destravando-a rapidamente.
Ele une as sobrancelhas, retirando o carregador da pistola automática, para verificar quanta munição havia, seis balas, e então colocando-a de volta no lugar, destravando a arma, e guardando-a atrás de si, lançando um olhar na direção de Steve com um aceno de cabeça, disparando atrás de .
Bucky e Steve disparam por entre os civis, tentando tirá-los do meio do caminho para que não se tornem casualidades, enquanto, pela linha do comunicador, eles podem ouvir Sam direcionando-os para onde ele estava em confronto com . Barnes solta um grunhido deixando
Coney Island e seguindo em direção à praia, praguejando alto quando ele observa desferir uma
rajada de energia pálida em direção de Sam, arremessando-o para trás, derrubando-o.
Bucky rosna, disparando na direção de Sam, saltando para conseguir agarra-lo e usando seu próprio corpo como escudo para amortecer a queda. Os dois rolam pela areia, e Bucky faz uma careta quando o cotovelo de Wilson acerta bruscamente a mandíbula de Barnes, e Bucky atinge alguma coisa de Sam, mas os dois ignoram, tentando se ajudar a se levantarem enquanto Steve tenta conter sozinho. Os dois disparam na direção de , tentando impedi-la de escapar.
A mulher congela no lugar, visivelmente irritada, mas surpreendentemente, não luta contra os três heróis, pelo contrário. Resignada, apesar da fúria que parece cintilar e acender seus olhos, ergue suas mãos lentamente para cima, fuzilando Bucky com o olhar furioso contido. Ele
sabia naquele momento, que a havia perdido. Não havia mais nada que Bucky pudesse fazer para tentar ao menos se desculpar por ter destruído o mundo e a vida de , por tê-la livrado dos tormentos da
Sala Vermelha, mas condenado, por consequência, e
matado, sua irmã mais velha antes disso. Por ter abandonado a garotinha sozinha em um mundo cruel, sem amparo algum. Ele sabia que não era
digno de sentir o
luto por matar – mesmo que ele não pudesse
evitar. Então, não é mais o Sargento Barnes à frente de , tentando fazer as pazes e consertar os erros que a
Hydra o havia obrigado a fazer e pela crueldade que ele sabia que manchava suas mãos e alma em profundidade
ainda. A crueldade que
sempre mancharia. Não.
Este havia desaparecido, agora restava era a implacabilidade do
Soldado Invernal. Quisesse Bucky ou não, aquela parte
sempre estaria duramente fundada em seu ser, era
também quem ele havia se tornado, e diante de , naquele momento, não havia mais outra escolha. Ela havia escolhido seu caminho, e não restava mais nada a Bucky senão usar a força agora. De qualquer forma,
ele teria as respostas que precisava.
—
Zephyr — Bucky rosnou entre dentes, dando um passo na direção de e então mais outro, até que estivesse a centímetros de distância da mulher, os olhos presos nos dela, sem desviar, pronto para atacá-la e subjugá-la se fosse necessário. —
Eu sei que você sabe onde os códigos estão. Você vai dizer tudo, e se tentar mentir, eu vou quebrar seu pescoço. Então é melhor começar a falar, , agora.
03 – Bailarina
POINTE-SHOES | 1951.
Leningrado, União Soviética.
O silêncio ensurdecedor só foi quebrado após longos vinte minutos.
Os olhos dela se ergueram lentamente dos dedos longos e repletos de cicatrizes, as unhas fincando-se instintivamente e meio à parte de sua mente ansiosa, em algumas cicatrizes mais fundas, delineando a estranha profundidade que desfigura seus dedos. Ela não se lembrava de onde as havia conquistado, mas sabia que, em alguns raros momentos, quando ela estava prestes a pegar no sono, ou distraída demais com sua própria mente para perceber de imediato, ela poderia sentir o
toque fantasma ali. Dedos ásperos que não lhe pertenciam, traçando gentilmente as cicatrizes das mãos dela, até chegar no interior de seu pulso esquerdo. Ela raramente retirava o pequeno bracelete feito de veludo escuro, vermelho, e com um brasão antigo, provavelmente de sua família, onde uma numeração marcava a parte interna de seu pulso. Uma tatuagem, antiga. A essa altura, a tinta desgastada agora tinha uma tonalidade meio azulada nas extremidades, revelando um passado que não conseguia se lembrar de ter existido, mas que, com provas físicas, era
inegável.
Disseram que ela havia sido capturada pelos nazistas próximos das fronteiras da Áustria, em um dos
fronts russos. Disseram que a haviam encontrado desacordada, mal respirando direito, quando o
Exército Vermelho retomou as fronteiras, que foi uma das poucas sobreviventes dos experimentos em campos de concentração. Disseram a ela que era uma reação natural de seu cérebro, após experienciar um evento traumático como aquele, perder a memória ou esquecer-se do que havia acontecido lá. Disseram que ela estava em casa novamente, segura e que um renomado e confiável médico iria ajuda-la. Mas não
se sentia em casa, e muito menos
segura: não com os pesadelos constantes. Não com os ecos de imagens que invadiam sua mente, com frequência. Ainda assim, ela
estava se esforçando para progredir, pelo bem de
, mas igualmente porque se ela não fizesse… o quanto de sua mente ainda poderia ser considerado sã quando ela não tinha ideia do que estava vendo, sentindo, ouvindo era real, e quando não era?
Se seus sentidos poderiam tão facilmente enganá-la, então, o que era de fato a realidade?
—
Ouça, eu sei que pode ser difícil encontrar as palavras certas, ou sequer mesmo palavras para se expressar. Todos nós temos limitações que nos impedem de expor algo, e isso é normal — Fennhoff começou a dizer, finalmente quebrando o silêncio após longos minutos, mas não conseguiu respondê-lo. Não é que ela não queira, ela simplesmente
não conseguiu dizer. tinha aquela estranha sensação de estar sendo amordaçada vinte e quatro horas por dia, como se algo estivesse impedindo-a de falar alguma coisa, como se algo estivesse preso em sua boca, profundamente enroscado em seu esôfago, impedindo-a de falar. Fennhoff havia dito que aquilo era normal: algumas pessoas
após sofrerem algum evento profundamente
traumático poderiam acabar experienciando a perda da fala. Ainda assim, não conseguia deixar de sentir-se desconfortável ao ver que Fennhoff, por uma fração de segundos, em todas as sessões
esperava que ela falasse. Uma progressão, qualquer que fosse, e , todavia, só conseguia sentir-se
estagnada. Presa no lugar. Era sufocante. Sentia que estava
enlouquecendo. —
Essa resistência é natural, especialmente tendo em vista o que você passou. Veja, querida, você não está mais em perigo. Eu não estou aqui para ditar normas ou te repreender. Não há certo ou errado. Estou aqui apenas para ouvir o que você tem a dizer. — Fennhoff fez uma pausa, e engoliu em seco, recostando-se contra o estofado macio do sofá dele. precisou conter o impulso de deixar-se escorregar até que estivesse no chão, sentindo a estranha sensação de que, se apoiasse mais peso do que deveria em seu corpo ali, ela iria acabar caindo para trás, acabaria sendo absorvida pela poltrona e desapareceria em um mundo permeado apenas pela escuridão e o silêncio. Ela umedeceu o lábio inferior, assentindo lentamente para o que Fennhoff diz, mas ainda em completo silêncio. —
Preciso que diga algo, , do contrário, não vou poder te ajudar. Quando não respondeu, outra vez, Fennhoff anotou alguma coisa em seu
sketchbook vermelho, a caneta deslizando pela superfície porosa do papel grosso, soando como um pequeno farfalhar que fez se tencionar um pouco. Ela não estava com medo, mas por que diabos estaria? Era só uma folha, uma caneta, e o barulho quase silencioso demais para ser percebido com clareza de alguém escrevendo. Mas seu coração ainda estava pulsando rápido demais em seu peito, e suas mãos ainda se fecharam com força enquanto ela tinha aquela maldita sensação de
dejavu outra vez.
—
Tudo bem, certo, por que não começamos por um tópico mais simples? Me fale um pouco de como foi a sua semana? Como está a preparação para sua estreia? Como tem se sentido? — Fennhoff tentou, e inspirou fundo, assentindo lentamente para o doutor.
Os olhos de se desviaram do rosto do médico, e repousaram na janela à sua esquerda, observando sem exatamente querer muito, o mundo do lado de fora daquela sala pequena, porém confortável.
Sentiu-se como se estivesse dentro de um globo de neve. Estava nevando àquela altura, mas não era uma
tempestade, ao menos,
não ainda, manchando os telhados e as estruturas de cimento que envolviam a cidade. Por um breve momento a neve pareceu simplesmente
parada no ar, como se estivesse
estática. piscou os olhos, abaixando-os rapidamente, unindo as sobrancelhas enquanto apertava os lábios em uma linha.
—
Estou nervosa — gesticulou por fim. Não era melhor do que escrever, já que, nem todos eram capazes de entende-la quando ela usava linguagem de sinais para se comunicar, mas Fennhoff havia estabelecido uma maneira de comunicação alternativa desde o começo com para que ela pudesse se expressar, sem precisar escrever ou ao menos ter uma segunda alternativa. Além disso, nem sempre estaria com um bloquinho de notas para escrever o que estava pensando, logo teria que ter uma segunda e talvez até mesmo uma terceira maneira de se comunicar claramente.
voltou a linha de seu olhar para o chão, observando os veios de madeira impecavelmente encerados e organizados, sentindo uma pequena ponta de desconforto quando os olhos dela localizaram para uma estranha fissura entre duas tábuas. uniu as sobrancelhas, confusa, ao perceber que, por baixo das madeiras do assoalho, havia cimento queimado — o que não fazia sentido algum, uma vez que estavam em um
prédio antigo, logo, a estrutura deveria ser
apenas de alvenaria.
Um pigarro de Fennhoff a despertou de sua distração outra vez. tentou não se encolher quando, por uma fração de segundos, os olhos dela se encontraram com o rosto dele, mas tudo o que ela viu foi apenas um crânio putrefato. Larvas escorriam por entre os orifícios de seus olhos e nariz, a mandíbula pendia pela esquerda, sem o músculo para sustenta-la. inspirou fundo uma vez antes de desviar seu olhar para suas mãos de novo.
—
não tem parado de falar sobre isso. Disse que quer ser uma bailarina também, por causa dos tutus e das pedrarias, tem usado todas as tiaras, até mesmo para dormir. Acho que está mais ansiosa do que eu — gesticulou para Fennhoff que assentiu lentamente, em um pequeno incentivo para que ela continuasse falando, uma aprovação discreta de que ela estava indo pelo caminho certo. hesitou por um breve momento, sem saber o que mais dizer. Sabia que existia ali um vínculo de confiança, e Fennhoff nunca a havia feito desconfiar de suas intenções por trás da ajuda que ele oferecia. Ela
sabia que estava no caminho certo, por que diabos não estaria? Mas não era confortável. Por algum motivo, ao fundo de sua mente, havia alguma coisa estranha. Algo que estava fora do lugar. E ela não conseguia entender exatamente
por que o fazia.
O que ela não estava vendo desta vez? Onde ela estava errando agora? Por que ela estava sempre errando? O que ela não estava vendo…—
Os ensaios têm ajudado bastante a manter minha cabeça no lugar, é mais fácil focar quando tenho algo em mãos, e também tem sido um desafio bem-vindo, depois de tudo… quer dizer, eu não sei se estou sendo uma boa… figura materna para ela, mas… estou tentando… Ela parou de gesticular sem saber aonde queria chegar. Sem saber o que dizer. uniu as sobrancelhas, voltando a encarar suas mãos outra vez, esfregando o polegar ao longo de seu indicador, ansiosamente, deixando o canto de sua unha percorrer a profundidade grotesca da cicatriz, fazendo-a se arrepender de não ter usado luvas aquele dia. Havia tentado tomar um risco, aceitar uma mudança e fazer um
salto de fé. Deus, como ela havia fracassado. Havia achado que conseguia passar o dia sem as luvas, seu único consolo era a pequena pulseira de tecido envolvendo seu pulso esquerdo para esconder a numeração de quando estivera no campo de concentração. Mas… mas ela não era assim tão forte. E odiava a sensação. Odiava ter que olhar para suas próprias mãos e…
—
Não sinto que meu corpo me pertence — confessou por fim, fechando os olhos, sem conseguir encará-lo. Ela
não queria ver a
pena no olhar de Fennhoff, não queria ver alguém sentir-se mal por ela porque
piorava tudo. Ela
não merecia aquilo… se ela tivesse sido melhor, mais rápida, se ela não fosse tão… tão
ela, talvez sua família estivesse viva, talvez os amigos que haviam sido capturados e mortos no front Austríaco estivessem em casa, talvez tivesse uma infância tranquila e feliz com os pais de verdade. Se ela
pudesse ter trocado de lugar. Se ela pudesse voltar no tempo. Céus, ela tinha
nojo de si mesma. Por que
sempre sentia que havia algo de errado com ela, porque, se todos a olhavam de maneira diferente, então, certamente, havia algo de errado com ela, não é? Quando
uma pessoa lhe encarava com nojo, talvez, e apenas talvez, poderia ser um problema relacionado apenas à pessoa que lhe encarava, mas o que significava quando muitas lhe encaravam da mesma maneira? Certamente todas elas não estariam erradas também, não é? Não… não poderiam estar… —
É como se eu não estivesse dentro do meu corpo, como se fosse uma estranha encarando-me de volta no espelho, como se nada em mim… fosse mesmo meu… não sou eu… sinto que sou uma estranha… não sei quem sou... ficou em silêncio por alguns minutos, tentando absorver sua própria confissão a Fennhoff, e, ao mesmo tempo, esperando uma resposta vinda do médico, mas a resposta dele nunca chegou. Hesitantemente, ela se obrigou a abrir os olhos, franzindo o cenho em confusão.
Fennhoff tinha momentos de silêncio. Momentos ofertados para que absorvesse o que havia acabado de dizer e refletisse sobre, mas… nunca havia sido um completo silêncio. Nunca havia sido apenas a pulsação alta em seus ouvidos, sua única companhia. O que…
franziu o cenho ainda desorientada com toda a situação, observando agitadamente o consultório. Ela prendeu a respiração instintivamente, ignorando a parte de seu corpo que
sempre reclamava pela atitude, hesitando, mas sentando-se na beira do divã, observando o consultório, desorientada. Ela engoliu em seco, franzindo o cenho, enquanto as mãos dela repousavam na lateral do divã, seus dedos fincando-se contra o estofado macio, tentando encontrar uma
maneira de manter-se naquele momento, uma maneira de certificar-se de que aquilo era
real, que estava
realmente acontecendo.
Ela pensou em chamar pelo nome de Fennhoff, mas sua voz não saía.
colocou-se de pé, devagar, prendendo a respiração, os olhos , agora arregalados, enquanto tremor aumentava, não somente por suas mãos como igualmente por seu corpo inteiro. Sua garganta estava dolorida, e o gosto de sangue era pungente, atingindo sua língua de forma desconfortável, antes de voltar a engolir, os dentes cerrados pareciam travados. As paredes do consultório de Fennhoff eram
familiares. Eram compostas por uma faixa bege suave que compunha o teto, e madeira revestindo metade da parede com desenhos quase
semelhantes aos da porta, retângulos largos seguidos de quadrados pequenos, com o verniz impecável deixando a madeira
ainda mais escura do que de fato era. O piso de alvenaria estava
encerado, e quase poderia ver seu reflexo se ela se concentrasse bastante. Um tapete grosso se espalhava abaixo da poltrona de Fennhoff e o divã que ela estava sentada. Abajures estavam dispostos, um sobre uma mesa de mogno antiga, com apenas uma gaveta ao centro, e onde ele havia repousado pequenos livros e decoração, como estatuas de bronze e até mesmo um quadro com paisagem desconhecida de montanhas nevadas, enquanto os outros dois, maiores, encontravam-se no canto da sala. Persianas meio abertas evidenciavam a neve que tingia a cidade do lado de fora, mas a iluminação precária não possuía aquela tonalidade amarelada que ela estava acostumada, pelo contrário.
Agora pareciam cintilar em
azul.
franziu o cenho ainda mais, fechando suas mãos em punhos firmes enquanto buscava pela porta de saída do consultório de Fennhoff, mas não havia porta alguma. Apenas duas janelas com as trancas de ferro fechadas, e
estantes repletas de livros. As estantes são feitas de madeira, e estavam dispostas paralelamente ao lado da parede esquerda, com certificados presos na madeira como um lembrete da especialidade de Fennhoff. Ainda assim, parecia errado. Os olhos de se desviam para o chão, momentaneamente, observando manchas no assoalho, riscos de
algo sendo arrastado. Mas era impossível…
Glitch.
A parede de cimento queimado do consultório de Fennhoff levava a apenas uma estante naquele lugar, de metal, revestida por uma camada descascada de tinta
especificamente para a superfície, mas que deveria ter sido pintada há bastante tempo, uma vez que estava descascando. Tremendo, se aproximou da estante, lançando um olhar ansioso na direção da porta dupla trancada, observando brevemente o aviso da tranca por reconhecimento
digital suavemente piscar em meio à penumbra do espaço, antes dela voltar-se para a estante. Tremendo, ela usa toda a força de seu corpo para empurrar a estante para o lado.
O rangido alto do metal em contato com o concreto queimado envia arrepios pelo corpo de , uma sensação estrangeira e igualmente
familiar a envolvendo enquanto
novas marcas surgiam no chão. O mesmo padrão, o mesmo caminho, ela não percebe, mas ela não havia sido a
primeira a fazer aquilo.
Sua respiração torna-se mais pesada e irregular, o ar invade seus pulmões agora de forma brusca e
demanda por espaço, o peito expandindo e contraindo-se enquanto sua garganta está desconfortável, seca, raspando. Ela instintivamente leva sua mão esquerda em direção a seu pescoço, como se pudesse fincar suas unhas ali e arrancar a sensação de desconforto, mas no máximo ela apenas usa para convencer-se de que não estava sonhando outra vez. Porque à frente dela há um elevador.
Estranho, de metal revestido, lustroso, e com um brilho azulado intenso nas extremidades. São portas duplas, logo o elevador deveria ser industrial, ou, ao menos, preparado para carregar mais peso e coisas do que pessoas. Há algumas manchas de graxa no painel, os botões parecem em perfeito estado, indo do zero ao nove, e então do S1 ao S9. Ela não percebeu os números acima, no pequeno painel de aviso em que
andar o elevador poderia estar parado, começar a diminuir aos poucos, anunciando que o elevador estava se
movendo outra vez. Os olhos dela estavam fixos no painel, nos botões, que agora estavam começando a
sangrar.
Ping. prendeu a respiração, voltando seu rosto imediatamente para as portas que se abriram a sua frente, sentindo seu corpo
gritar para que ela se movesse, para que ela corresse daquele lugar, para que ela
fizesse alguma coisa embora estivesse
congelada no lugar. Os olhos se encontram momentaneamente com os azuis esverdeados, os cabelos longos e a máscara que envolvia a parte inferior do rosto do soldado cobrindo-o ao ponto de impedir sua
identificação.
—
?! ! — Ela piscou rapidamente, os olhos obscurecendo sua realidade por uma fração de segundo, e quando ela abriu novamente, imediatamente se encontraram com o rosto desdenhoso e divertido de Lyubov. engoliu em seco, dando um passo para trás, chocando-se contra uma parede de concreto queimado, confusa.
Onde ela…? Quando…? Por que ela estava com tanto medo…? —
! — Lyubov estalou os dedos a frente de seu rosto, agora, parecendo um pouco mais impaciente.
A outra bailarina já estava vestida com suas roupas de apresentação. O corpete delicadamente costurado a mão com os padrões florais que poderiam parecer delicados, mas que a intenção era puramente refletir algo
assombrado, um padrão delicado mas que ainda assim passasse a mensagem de forma
efetiva:
—
Onde está Natasha? — arriscou-se a perguntar, fazendo uma careta ao sentir o gosto de sangue pungente se espalhar
ainda mais por sua boca e garganta. Ela segurou novamente sua garganta, praguejando baixo, arrependida de ter usado sua voz, mas então, ela não tinha certeza de que estava
realmente falando. Era como se ela tivesse exposto para Lyubov apenas uma intenção, ou ao menos,
tentado falar tal coisa, mas ela não estava
ouvindo sua própria voz. Por que seus ouvidos estavam tão
abafados agora? E por que sua garganta estava doendo tanto aquele dia? Que dia era…?
—
! — A voz de Lyubov ecoou pelos ouvidos de de novo, em meio a um risinho baixo de outras duas bailarinas que só poderiam ser Katerina e Darya. tentou buscar em sua mente por que diabos Katerina e Darya não gostavam dela, mas a verdade é que ela só encontrou uma lacuna . —
Kudrin resolveu mudar os papeis, você agora é um dos fantasmas, não Giselle. franziu o cenho. Como assim? Mas ela estava treinando tão duro, tinha decorado a coreografia e ensaiado por… por… meses?… desviou os olhos do rosto divertido e desdenhoso de Lyubov, e encarou o véu que ela tinha em suas mãos, tocando-o com uma ponta estranha de
letargia. Seus dedos percorreram o tecido, mas sentiu como se estivesse
amortecida, seus dedos percorreram a extensão do pano delicado, observando o véu apenas criar uma nota esbranquiçada em sua pele, enquanto farfalhava suavemente, os cantos das unhas dela enroscando-se perigosamente no material, ameaçando desfiá-lo por acidente. Mas ela apenas conseguia encarar sua mão… não eram suas…
Ela fechou e as abriu, sentindo o tecido se enrugar e contrair contra a palma de suas mãos, mas a sensação
ainda era estrangeira. Os ouvidos dela estavam pulsando agora, as vozes desaparecendo ao longe enquanto soavam
abafadas como se ela estivesse de
baixo d’água. Sua respiração era o único som que reverberava alto o suficiente para que ela conseguisse
escutar de fato. Seu estômago contraiu, de novo, e de novo, e de novo, e ela sentiu a estranha sensação do
suor começar a se formar em suas costas e pescoço, gélido. abriu e fechou a sua mão, respirando pesado, sua visão, de repente parecendo estar
saturada,
desconexa, estava mais vivida, mas igualmente embaçada. Por mais que tentasse focar seu olhar sobre algo, ela não conseguia de fato, parecia apenas…
estrangeiro.
Ela ofegou, desorientada. Lyubov ainda estava falando alguma coisa. Tirando sarro das sapatilhas de ou comentando algo sobre como Natasha iria ser melhor no papel de Giselle com um tom condescendente, e, bem,
bom para Natasha, certo? Mas não conseguia livrar-se daquele maldito
loop. Sabia que deveria se arrumar o mais rápido possível que ela conseguisse, mas a sensação desesperadora de estar fora de seu corpo, amortecia tudo ao seu redor, diminuía a prioridade e ela não sabia dizer ao certo se sequer conseguiria se concentrar em outra coisa no momento. Mas o show
precisava continuar.
Então, a passos rápidos, ela caminha em direção ao camarim, virando à esquerda, e descendo rapidamente a escadaria de madeira, apoiando-se contra a parede enquanto tateava seu caminho
cegamente. Ela prendeu a respiração com força, assim que conseguiu alcançar a porta certa, agarrando-se à maçaneta de metal da porta, tentando de forma desesperada abrir a maldita porta e falhando miseravelmente. lançou-se contra a porta emperrada, sua visão embaçada demais para conseguir enxergar direito o que estava à sua frente, girando com mais força a maçaneta, até conseguir, usando seu próprio peso, empurrar a porta.
se desequilibrou, desabando no chão com um alto
thud. A luz a ofuscou. franziu o cenho, desorientada, sua respiração agora transformava-se em um pesado ofegar, irregular, e escapando mais rápido do que deveria por entre os lábios entreabertos dela. ergueu o braço esquerdo em direção ao seu rosto, a fim de proteger seus olhos da intensidade do holofote focalizado em seu rosto. franziu o cenho, lançando um olhar ao seu redor, os olhos dela cintilando com as lágrimas que começavam a se acumular, escorrendo por suas maçãs do rosto sem que ela sequer as sentisse.
Tecido agitava-se ao seu redor. O ruído das sapatilhas era alto o suficiente para que ela pudesse ouvir apesar dos ouvidos abafados por sua pulsação, enquanto as outras bailarinas disparavam ao seu redor, seguindo a coreografia. O véu cobrindo seu rosto apenas piorava a situação, seu coração martelava dolorosamente contra sua caixa torácica, a adrenalina amortecendo a dor de seu calcanhar direito que ela provavelmente deveria ter torcido com a queda.
Levou alguns breves minutos até que ela
percebesse o que estava acontecendo ao seu redor. tentou se levantar o mais rápido que conseguia, tremendo, mas seus músculos estavam travados. Em cima do palco, ela podia sentir os olhares surpresos, e até mesmo condescendentes da plateia voltados para ela. Soldados, sua maioria eram soldados de alta patente do exército vermelho, acompanhados de suas famílias é claro, ou apenas sentados juntos com seus amigos. Soldados…
por que diabos soldados estariam ali? tentou pedir por ajuda, voltando seu rosto na direção de Lyubov ou até mesmo Natasha, mas foi somente quando seu rosto capturou todos os espaços do palco que ela percebeu, em pânico, que
estava sozinha.
A saia de sua roupa de apresentação farfalhou, o tecido, mesmo que fino e delicado, a fim de oferecer um ar
etéreo para a apresentação, arranhou sua pele de maneira desconfortável. Sua garganta estava doendo ainda mais, desta vez, sufocando-a enquanto ela tentava se lembrar de como se respirava. Ela poderia se arrastar para fora do palco, mas a imagem seria humilhante. Ela poderia tentar se levantar, mas não sabia por quanto tempo conseguiria se manter em pé: seu tornozelo estava latejando pela queda, provavelmente torcido, e ela tinha a sensação sufocante de que algo grosso, encorpado e líquido escorria por seus ombros e sua nuca.
O que estava acontecendo? O que ela não estava vendo? O que estava falhando em perceber? piscou uma, duas, três, quatro vezes, balançando sua cabeça e tentando desesperadamente arrancar de seu rosto o véu que cobria suas feições. As unhas se fincaram em sua pele, deixando para trás marcas avermelhadas, o tremor de seu corpo agora era mais violento, e ela tinha a sensação terrível de estar
caindo sem ter lugar algum para se apoiar. Ela arrancou o véu de seu rosto, ofegante, e então, os olhos dela se encontraram com uma plateia
vazia, apenas
um soldado presente.
—
Não… não, por favor… por favor… — sussurrou em pânico, observando-o, não caminhar em sua direção, mas a arma que ele empunhava. A máscara preta cobria como uma mordaça a parte inferior do rosto dele, ocultando suas feições enquanto o braço biônico esquerdo reluzia de forma esporádica conforme a luz dos refletores se encontrava com ele, projetando mais sombras em seu corpo e rosto, obscurecendo os olhos azuis esverdeados do homem. Os cabelos castanhos escuros, consideravelmente longos, pendiam por seu rosto, mas era a tinta preta espalhada ao redor de seus olhos que havia incomodado .
Camuflagem. —
Por favor, você não precisa… — começou a implorar, deixando-se cair para trás, e então, usando toda a sua força para tentar se arrastar para longe dele.
Sabia que não poderia fugir do disparo se ele apertasse o gatilho, mas ainda assim, vã e tola era sua esperança de ao menos manter uma distância possível entre si mesma, e seu provável assassino. Ela soluçou baixo, as lágrimas agora pingavam a frente do corpete com pedras delicadas compondo sua fantasia branca, acompanhado pelo sangue que escapava de sua boca. O vermelho pungente do sangue dela escorreu por seu pescoço, rapidamente tingindo a frente de seu corpete branco em uma imagem nojenta, como se tinta tivesse sido acidentalmente derramada no tecido, fazendo-o pesar contra a pele dela, cálido, encorpado,
horrível.
Algo pulsou dentro dela, acompanhando seu coração.
O Soldado destravou a arma com um
clic clac, subindo no palco. Suas botas pesadas, deixando um rastro de
neve e
sangue enquanto caminhava na direção de . Ela pensou em implorar novamente, mas desta vez, sua voz não saiu de sua garganta. As costas dela se chocam com a parede de concreto queimado, e ela não percebe que bateu a cabeça contra a superfície. Ela ofega, piscando algumas vezes quando seus olhos novamente ficam embaçados demais para que ela percebesse qualquer coisa à sua frente, tremendo com força. Outra pulsação, reverberando por seus ossos, e por seu corpo, intensa.
apoiou as duas mãos contra a parede de concreto queimado, agora seu chão, enquanto as botas do soldado paravam a poucos centímetros de distância de seu rosto. congelou no lugar, suas unhas fincando com mais força contra o concreto, quebrando-as, unindo suas sobrancelhas, tossindo com força, a dor insuportável em sua coluna revelava o buraco em seu estômago aberto onde o primeiro disparo havia a acertado. Sangue tingiu o chão a sua frente enquanto ela tentava se afastar dele. Não que ela fosse conseguir, de qualquer forma.
—
Por favor… — implorou , soluçando baixo.
E o Soldado Invernal
hesitou.
Por uma fração de segundos, encontrou com os olhos azuis esverdeados do homem, e em meio ao silêncio, por breves
impossíveis segundos,
quase havia tido compreensão ali. viu
surpresa, confusão e algo estranhamente vago como
assombro, e ela tinha certeza que ele não iria apertar o gatilho, embora o tenha feito antes. Por uma fração de segundos, ela quase teve certeza que ele teria a
ouvido, mas então, algo mudou em sua expressão, e os olhos azuis esverdeados tornaram-se mais obscurecidos, ameaçadores.
O Soldado Invernal usou a ponta de sua bota para empurrar o corpo de para trás fazendo-a virar a barriga para cima antes, antes de apontar a arma na direção da cabeça dela. tentou negar com a cabeça, implorando para que ele não o fizesse, implorando por sua vida, implorando para que ele não fizesse…
Ele apertou o gatilho.
acordou com um grito preso em sua garganta. Estava suando o suficiente para ter feito com que a fronha de seu travesseiro tivesse ficado umedecida enquanto o vento gélido invernal russo adentrava pela janela parcialmente aberta. piscou algumas vezes, tentando entender onde estava e como havia parado ali. Os olhos dela se arregalam enquanto ela observava as mãos dela, os braços, buscando por pistas, buscando pelo sangue que havia manchado o concreto. tocou seu tronco, verificando seu abdômen e sua cabeça, buscando pelos buracos dos disparos, mas a pele estava lisa. Ela passou os dedos por seus cabelos suados, tentando afastá-los de seu rosto quando a porta de seu quarto foi aberta com força. havia se preparado para defender-se, mas os olhos grandes, animados da garotinha, cintilando com animação e uma mistura de inocência infantil que chegava a ser dolorosa. Ela tentou forçar um sorriso para enquanto a garotinha corria em direção a sua cama, com um sorriso largo, deixando à mostra as covinhas adoráveis que ela tinha em suas bochechas gorduchas e rosadas, rindo baixo, enquanto carregava Alpine em seus bracinhos. — Sestra! Sestra! Olha! Olha! Olhaaaa! — riu baixinho, no ápice de sua animação infantil, esticando Alpine na direção de , a fim de mostrar o gato velho, branco e ranzinza vestido como um maldito elfo natalino, parecendo estar no limite de sua tolerância com a garotinha rindo de sua arte. — Posso levar comigo hoje? — Papa deixou você fazer isso? , tá machucando ele, por que fez isso? — resmungou com uma ponta de paciência, mas, ao mesmo tempo, entendendo que a garotinha era apenas uma garotinha, e a responsabilidade de cuidar dela era de . apertou os lábios com força, lançando um olhar breve na direção de que ainda estava rindo como a garotinha travessa que era, jogando-se em sua cama e se enrolando com o lençol de , se aninhando como um pacotinho antes de sentar novamente, balançando as perninhas para frente e para trás, animadamente. Alpine rosnou baixo, deixando os dentinhos a mostra enquanto tentava retirar a fantasia que havia colocado no pobre gato. — Você vai hoje mesmo? — questionou baixinho, encarando com um olhar sentido, e sentiu algo dentro de seu peito partir-se ao olhar o rostinho de sua irmã mais nova, e por um momento, as palavras fogem de sua boca. engoliu em seco, franzindo o cenho consigo mesma, terminando de retirar as roupinhas de crochê que ela havia feito para as bonecas de , e não o maldito gato, e repousá-lo no chão, antes de voltar-se para a menininha, alçando-a com cuidado, e colocando-a sentada em seu colo, tentando abrir um pouco o lençol que ela havia se enroscado. — Não quero que você vá embora… — Eu sei, eu sei, mas eu não estou indo embora, eu só estou indo ajudar Papa, hm? — tentou dizer da forma mais suave que ela conseguia, afastando uma mecha do cabelo desgrenhado de com cuidado, observando o rostinho da irmã mais nova com uma ponta de pesar. tinha quase certeza que não iria vê-lo mais, ainda assim, forçou um sorriso gentil, assentindo para a menina, tentando tranquilizá-la da forma que podia. — O papai vai voltar logo para casa, e a senhora Olga já disse que vai gostar de ter você com os pequenos dela, você mesma disse que gostava de brincar com Dima e Aliocha. E assim que me liberarem do treinamento, eu ainda vou poder voltar para visitar você antes de ir para o front. fungou baixinho, se encolhendo contra enquanto mantinha a cabeça baixa, encarando os pezinhos com um beicinho triste. suspirou suavemente, apoiando o queixo sobre a cabeça da garotinha enquanto acariciava a costinha da menina, tentando reconfortar a irmã mais nova. — Você não vai voltar — sussurrou, acusatória, e pressionou os lábios um pouco mais, inspirando fundo e tentando controlar suas próprias emoções. poderia ser uma criança pequena e ter preocupações simples como atormentar Alpine e esconder doces debaixo de sua cama, ainda assim, não estava protegida das manchetes de jornal e das estações de rádio. havia tentado o máximo que conseguia deixá-la a salvo das notícias que chegavam dos fronts, afirmando que seu pai teria mandado uma carta informando se algo ruim tivesse acontecido. sabia, todavia, que isso era uma mentira, e que muitos dos soldados que estavam lutando nos fronts naquele momento, afim de tentar parar a ameaça alemã, não voltariam para casa. Muitos destes já deveriam estar mortos, e seria, por consequência, mais um nome. — Por que você vai me deixar sozinha? Você não vai voltar, e eu não quero ficar sozinha… inspirou fundo, beijando a têmpora da garotinha, incapaz de dizer mais alguma coisa, especialmente, porque ela sabia que seria uma mentira. — Você não está nem mesmo aqui agora — acusou, e franziu o cenho, confusa, o que diabos…? — Você não está aqui, . Você precisa acordar. Acorda . Acorda.
•••
SNOW| AGORA
Graz, Áustria.
O corpo dela desabou no chão com força, esparramando-se pelo concreto queimado com espasmos.
Ela rolou no chão, suas costas nuas pressionadas contra a superfície sólida e gélida quando seu corpo novamente recebeu um espasmo, suas costas se curvaram, a garganta dela trancando por um momento enquanto ela buscava por mais ar. Os olhos rodaram por suas órbitas em convulsão. O cheiro pungente de carne
queimada invadia suas narinas, o ruído elétrico ecoando por seus ouvidos, amortecendo-os por um breve momento, antes de conseguir
registrar o que diabos estava acontecendo ao seu redor. Ela se engasgou, arfando por ar, a tosse rompeu por sua garganta e boca, como garras dilacerando-a de dentro para fora. O
sangue estava acumulando-se ao seu redor, a sensação elétrica que percorria sua pele não apenas reverberava por seus dentes. O ruído em seus ouvidos, altos e desorientador aos poucos começam a diminuir, enquanto os olhos dela, finalmente, conseguem se focar em algo.
virou o rosto para o lado, suas pupilas contraindo-se e descontraindo-se, focalizando na presença de diversos sapatos agora parados à sua frente. Ofegante, tentou se levantar, mas a dor em sua cabeça foi
lacerante, pulsando, arrastando-se lentamente ao fundo de sua mente, destruindo e corroendo tudo o que encontrava pelo caminho. Ela tentou se levantar, mas seu corpo não estava respondendo, não estava obedecendo. As lágrimas outrora presas, agora fluíam por seu rosto livremente, pingando contra o chão de concreto queimado, manchando-o, misturando-se com seu próprio sangue. Tudo doía, tudo pulsava e ela não tinha
ideia do
porquê! Os músculos do corpo dela, doloridos, permeavam-se por câimbras. Seu coração estava martelando de maneira errônea, acelerando subitamente e então pulsando devagar, fazendo com que a respiração dela se perdesse por sua garganta, soluços desesperados escapando por entre seus lábios entreabertos e o sangue que escorria por seu queixo. Era como se o próprio cérebro rejeitasse seu corpo, e uma parte de desejou desesperadamente arrastar-se para fora de sua própria pele, desejou desfazer-se de cada músculo, de cada tez até que lhe restasse apenas seus ossos, se isso fosse ao menos lhe dar o conforto breve de um segundo de paz.
A luzes pálidas da sala eram ofuscantes e momentaneamente a cegaram.
Então mãos a agarram com força, dedos fincando-se com brutalidade em seus braços e ombros doloridos, unhas lhe cortando a pele, puxando-a para trás com força, colocando-a de joelhos. Estava completamente nua, coberta por alguma coisa viscosa que não parecia apenas
água que escorria por seu corpo de forma nauseante. Mechas de seus cabelos pendiam por seu rosto, grudando contra sua pele, alguns fios adentrando em seus olhos, fazendo-os arder enquanto ela piscava inúmeras vezes para afastá-los de seu rosto. Os olhos ainda embaçados, identificando
quase silhuetas, mas não feições, não características relevantes. Ela tentou se soltar das mãos que a seguravam, mas sentiu as unhas rasgarem sua pele com uma dor afiada, aguda o suficiente para mantê-la no lugar.
Ela prendeu a respiração com força quando a silhueta que se aproximava dela finalmente tomou forma. Os olhos de então encontraram-se com o rosto austero e estarrecido do homem. Os lábios finos apertados em uma linha fina, os olhos, penetrantes e intensos, com aquele tom amendoado nem verde, nem cinzento, fazendo com que ficassem
mais escuros do que realmente eram apesar das luzes de
led ofuscantes que envolvia o espaço. Os cabelos dele estavam perfeitamente alinhados, penteados, com mechas grisalhas pontuando os cabelos vermelhos. Os olhos dela repousaram em um pequeno crachá pendendo a frente do corpo do homem estranho, ainda, familiar, de certa forma.
J. Fennhoff. franziu o cenho confusa, com a sensação
aterrorizante de que já
havia o visto em algum lugar, ou em algum momento, mas sem saber ao certo de
onde ela o conhecia,
porque ela o reconhecia afinal.
Por uma fração de segundos, ele não havia feito nada, apenas a encarado em completo silêncio. De pé, parecia surpreendentemente mais alto do que ela gostaria que ele fosse, mais
imponente do que deveria, o alarme de perigo retumbando pelos ouvidos de , os instintos dela suplicando por uma reação, para que ela
fugisse dali, mas foi somente quando ele se colocou de cócoras a frente dela, a fim de fazer com que seu olhar estivesse na mesma altura que o dela, analisando com cuidado a expressão de . inspirou bruscamente, trincando os dentes com força, encarando-o embora seu corpo inteiro gritasse para que ela simplesmente saísse correndo o mais rápido que ela conseguisse. Ela tinha a estranha sensação de que já
havia o visto em algum momento, em algum lugar, mas sem saber ao certo de
onde ela o conhecia,
por que o reconhecia…
—
Por favor… me deixa ir… — implorou ela.
Sua voz não havia passado sequer de um sussurro. Rouca, áspera, baixa demais para ela sequer ouvir o que estava dizendo, a súplica havia escapado incoerente, um arfar doentio de alguém que não sabia identificar mais o que era realidade e o que não era. Uma prisioneira, em seu
próprio corpo, ou talvez, em
sua própria mente.
—
Senhorita ? ? , querida, está me ouvindo? — Ela engasgou, prendendo sua respiração enquanto fechava seus olhos com força. Seu instinto é se afastar de Fennhoff, se debatendo contra os braços que a prendia no lugar, tentando criar o máximo de distância entre ela e o toque dele, mas os dedos dele
ainda repousavam em seu queixo, eles ainda se fincavam em sua pele. Ela soluçou, o ato escapando alto e inconscientemente por seu corpo, enquanto ele a forçava a encará-lo novamente. Os olhos amendoados de Fennhoff eram implacáveis, e por um breve momento, ela apenas o encarou, incapaz de reagir.
Houve então uma estranha calmaria, como se sua pulsação estivesse diminuindo, mas aquela onda que reverberava por seu corpo inteiro, pulsante e gélida,
continuou.
—
Por favor… eu só quero voltar para casa… me deixa voltar para casa… — implorou ela novamente, mas, como todas as outras vezes, sua voz foi completamente emudecida.
Um dos soldados puxou a parte de trás da cabeça de , fazendo-a por uma fração de segundos encontrar com os olhos castanhos escuros do homem, e então, ele prendeu no rosto dela uma máscara.
A máscara em questão era feita de um material resistente, maleável como tecido, mas firme como metal, fincava-se na pele da parte inferior do rosto de com força o suficiente para marcar e deixar vergões vermelhos, até mesmo
cortar, mas acima de tudo funcionava como uma bem posta
mordaça silenciando-a completamente. Sua respiração, agora escapava com arfares baixos, pesados, por entre os pequenos buracos de sua máscara, um pouco mais alto do que deveria. Outra pulsação percorreu pelo corpo dela, e desta vez, pareceu reverberar em Fennhoff e os outros soldados ao seu lado. Por uma fração de segundos, ela os
sentiu.
Corações. Pulsando. Ritmados com os dela.
—
Você está ficando nervosa novamente, querida, preciso que inspire fundo e se acalme — comandou Fennhoff com um tom de voz suave, aveludado, até mesmo convidativo, mas por que aquele homem havia deixado o corpo dela em completo estado de alerta e feito seu sangue percorrer suas veias como lascas de gelo? Ela estava tremendo, e não era porque estava nua, ou molhada, era
ele. —
Você está em casa, , querida — sussurrou Fennhoff, desta vez, limpando as lágrimas do rosto dela, a digital áspera enviando uma onda de
náusea involuntária para o corpo dela, o tremor aumentando, uma parte de sua mente, uma parte branca e repletas de lacunas, instintivamente implorando para se mover, para reagir. Gritava, esperneava com o perigo à sua frente. Mas…
ela estava em casa. Por que ela teria medo de casa? —
Abra os olhos, , olhe para mim — comandou Fennhoff, e ,
acatou.
Ela abriu os olhos, mesmo contra sua própria vontade, mesmo com seu corpo implorando para que ela fizesse de tudo para escapar, para correr para longe de Fennhoff, e das mãos do soldado que a mantinha no chão. Mesmo quando seus instintos segundos atrás eram resistir, revidar,
obedeceu. Ela olhou para ele, uma parte de sua mente aos poucos relaxando, involuntariamente aceitando as palavras dele. Mas,
por que…? —
Você está a salvo. Somos uma família, eu e você, somos um time, uma parceria, você não tem que ter medo de mim, eu estou aqui para te ajudar, eu sou seu amigo. —
Ela estava a salvo. Eles eram uma família, ela e ele, tudo o que ela queria naquele momento, alguém que pudesse ajuda-la a se lembrar, um apoio, ele era sua família, ele estava ali para ajudá-la, era seu amigo! Ela não tinha que ter medo, por que diabos estava com medo? O eco desapareceu ao fundo de sua mente, enquanto os olhos de se encontraram com os de Fennhoff, bem devagar, quase congelada no lugar, ela assentia a ele. Por um breve momento, tem a percepção horrenda de não estar conseguindo controlar seus movimentos, como se seu corpo não lhe pertencesse, como se ele tivesse um
comando próprio, um
dono próprio. Como se ele pertencesse a…
Fennhoff.
—
Essa é minha garota — Fennhoff disse categoricamente, e percebeu
que ela era a garota dele. Ela fazia o que ele mandava. Ela não pertencia a si, mas a ele. Ela obedecia. —
Você vai me ajudar também, não vai?—
balançou a cabeça, concordando. —
Bom, muito bom. Você quer saber por que eu despertei você? —
assentiu novamente. —
Eu quero que você encontre o Soldado Invernal, e eu quero que você o traga para mim. Você consegue fazer isso para mim, querida?
Continua
NOTA DA AUTORA: de todos os personagens que eu já escrevi sobre, Johann Fennhoff é o que mais me perturba.
04 – O Soldado
RUSTED | AGORA
Las Vegas, EUA.
O banheiro não era pequeno, mas era
sufocante.
A água da torneira esvaía-se em sua potência máxima, fazendo barulho o suficiente para abafar o ruído em seus ouvidos, para abafar a discussão de Steve e Sam sobre o que fariam com agora, para fazer com que a voz da mulher se tornasse
apenas um ruído branco, mas não silenciava sua mente.
James piscou. Uma, duas, três vezes, tentando clarear sua visão, mas falhou outra vez.
Havia algo de errado, ele podia sentir.
Percorrendo por baixo de sua pele, rastejando e arranhando-o, dilacerando-o lentamente com uma sensação sufocante de amortecimento. Como se, mesmo que ele tentasse esfregar as pontas de seus dedos, mesmo que fincasse suas unhas, não sentiria nada. Aquela sensação familiar e distante de que seu corpo não lhe pertencia. Bucky abriu os olhos novamente, encarando seu reflexo, e por um segundo, o que ele enxergou ali, não era James Buchanan Barnes, ou o que havia
restado dele; era o
Soldado Invernal que o encarava de volta. Os cabelos cortados mais curtos haviam sido uma vã tentativa da parte dele de tentar desvincular-se da imagem pessoal que possuía de si mesmo com o Soldado Invernal, mas seus cabelos já haviam crescido novamente e pendiam por seu rosto desalinhados. Algumas mechas um pouco maiores enrolando-se em sua orelha enquanto os olhos dele pareciam ter
dificuldade para
focar em algo. A barba por fazer parecia ter ficado mais grossa apenas aquela semana, e Barnes se questionou se a deveria fazer, mais pelo desespero de livrar-se da sensação de estar vendo
aquela parte de si estava falando mais alto.
Ele não conseguia dizer ao certo o que estava errado, mas podia sentir que estava deixando passar alguma coisa. Não era como se uma peça estivesse lhe faltando, mas sim, como se uma peça estivesse oculta de sua visão, escondida tão cuidadosamente que sequer poderia dizer que tinha
ideia de que existia, ou guardada segura o suficiente para que sequer sua sombra Bucky pudesse identificar. Era como amarrar um velho trapo ao redor de seus olhos e caminhar cegamente em um campo de batalha, ele podia ouvir de onde os disparos estavam vindo, ele podia reconhecer de onde os gritos partiam, ele podia sentir o frio percorrendo por suas veias, transformando seu sangue em lascas de gelo, arranhando sua existência enquanto seu coração martelava erroneamente em seu peito. Ele podia sentir a tensão de seu corpo, obrigando-o a dar mais um passo, e então mais um, e mais um, em direção a um vazio de escuridão silencioso e enlouquecedor. Mas ele
não sabia como retirar
o trapo de seu rosto.
O que ele não estava enxergando dessa vez? Bucky engoliu em seco, desligando a torneira quando a pia havia finalmente se enchido de água, e então estendeu sua mão esquerda, biônica, para pegar o balde de gelo que ele havia retirado do frigobar — havia sido a escolher aquele lugar, ela muito bem poderia pagar pelo gelo; seria o
mínimo que a mulher poderia fazer por eles depois de ter tentado escapar duas vezes e quase custado a cabeça de Sam —, unindo suas sobrancelhas quando sua mão biônica se afundou em neve.
Bucky prendeu a respiração, afastando-se de forma brusca do balde de gelo, derrubando-o com um estrondo no chão do banheiro, ofegante. Os olhos azuis esverdeados se voltaram para a mão metálica como se esta estivesse em chamas, abrindo-a e fechando-a, com assombro, ouvindo os pequenos estalidos dos mecanismos da estrutura interna de seu braço biônico, e então, os olhos dele voltaram-se para o ponto em que o balde se encontrava, agora, no chão, espalhando o gelo pelo espaço inteiro. Bucky piscou algumas vezes, balançando sua cabeça, tentando despertar daquela sensação de amortecimento quando seus olhos se encontraram com seu reflexo.
Seu coração martelava contra sua caixa torácica, acelerado, descompassado, estranhamente doloroso. Por uma fração de segundos sua visão não conseguia focar-se em nada, apenas havia se tornado embaçada e um zumbido alto ecoou por seus ouvidos, abafando-os como se estivesse embaixo de água, ou, pior, de volta àquela
maldita cadeira. O gosto amargo, denso, por sua boca agora era pungente e sufocante, o fez querer gritar. Ele inspirou fundo, tentando acalmar seu próprio coração, mas de pouco adiantava, a tensão ainda estava presente em seus músculos; ele tinha a sensação de que iria explodir. Que a barragem invisível em sua mente que o mantinha a salvo iria escapar por entre suas mãos como água. Seus olhos se encontraram com seu reflexo, e Bucky franziu o cenho, surpreso.
Sua narina direita, levemente inflada pela força com que ele puxava o ar, estava sangrando. Bucky uniu as sobrancelhas, engolindo em seco enquanto se aproximava devagar do espelho à sua frente. De forma instintiva, levou sua mão direita em direção à sua narina, observando com uma ponta de assombro o sangue deixando para trás uma pequena linha enquanto deslizava por entre seu lábio superior, adentrando em sua boca. Um gosto salgado, enferrujado de seu próprio sangue espelhando a textura cálida do líquido quando as pontas de seus dedos o tocaram.
Bucky Barnes
raramente sangrava.
Se o fazia, não demorava muito para se recuperar. Era sempre mais provável que ele fosse acabar com
manchas roxas do que com cortes ensanguentados por muito tempo. Mas a gota de seu sangue ainda caiu dentro da água límpida que ele havia juntado na pia, espalhando-se pela mesma e desaparecendo aos poucos. O zumbido em seu ouvido aumentou até ele ouvir um clique alto.
— James? — chamou ela. Bucky engoliu em seco, congelado no lugar.
Não teve coragem de virar-se. Sabia o que iria encontrar ali. Sabia que nada daquilo era real. Mas ainda assim, uma coisa era ele se convencer de que estava bem, saber que não havia mais mecanismo algum da Hydra para acionar o
Soldado Invernal, outra coisa bem diferente era ter que lidar com os mecanismos de defesa que seu próprio
cérebro havia desenvolvido ao longo do tempo para
sobreviver.
— James, olhe para mim… — a voz aveludada dela ecoou como um convite tentador pelos ouvidos dele, um pedido silencioso, tão simples.
Barnes trincou os dentes com força, irritado, fechando os olhos, mas mesmo assim ele podia
sentir a presença dela ali. Podia sentir a ponta dos dedos dela gélidos, calejados, deslizando contra sua pele como um
toque fantasma, mal tocando-o de fato, mas deixando um rastro elétrico por sua pele. Ele sentiu aquela mão fantasmagórica percorrendo sua coluna, deslizando por suas omoplatas até chegar em sua nuca, os dedos enroscando-se em seus cabelos. Então ela puxou a cabeça dele para trás com força.
— Quanto tempo vai levar até que você finalmente admita… — sussurrou ela ao pé de seu ouvido.
Bucky trincou os dentes com força, tentando manter sua respiração normalizada, mas falhando miseravelmente. A sobrecarga de estímulos que pulsavam por seu corpo, a maneira com que o corpo dele sequer parecia compreender que aquilo não passava de apenas uma alucinação desperta por causa de
… uma fantasia de sua própria mente sobrecarregada atraindo-o para um buraco obscuro e sem escapatória, distorcendo sua própria percepção de liberdade, do sentimento de estar livre desde Wakanda…
—
Você… me… criou… James… Buchanan… Barnes… Bucky engoliu em seco, trincando os dentes com força, sentindo um peso em seu peito ser depositado. De repente era como se houvesse toneladas dispostas sobre si mesmo, empurrando-o com força para baixo, para um buraco escuro que consumia tudo e não retornava nada, sufocando-o vivo.
Eu não fiz nada… ele queria suplicar à alucinação, mas ela não estava ali.
Aquela não era ela!
Nunca seria! nunca seria nada mais do que um mero fantasma assombrando-o, mesmo quando ele acreditava que estava em paz. Mesmo quando ele
sabia que estava bem e que deveria seguir em frente. Ela não estaria ali, como igualmente nunca receberia sua medalha por
bravura, ela nunca retornaria para sua casa, para mostrar ao pai
quantos filhos da puta nazistas ela havia conseguido matar no
front, ela nunca contaria as histórias de guerra ou cantaria aquela maldita melodia melancólica sobre noites frias em São Petersburgo. Ela nunca passaria de nada senão
um maldito fantasma.
estava
morta.
Bucky lembrava-se vividamente de como arrebentou a caixa torácica dela, de como
ela o havia encarado, as lágrimas manchando seu rosto delicado, os olhos arregalados, os lábios entreabertos enquanto engasgava-se com o fluxo de sangue que pingava de sua boca, escorrendo por seu queixo, em uma busca desesperada por oxigênio que jamais conseguiria ser suprida. Ele lembrava-se de como seu braço biônico havia se fechado ao redor do órgão que pulsava. Em como ele a havia deixado cair no chão de cimento queimado como se não fosse nada melhor do que uma boneca de pano, quebrada,
inútil. Lembrava-se de ter jogado o corpo dela no porão que
eles haviam transformado em uma espécie de vala improvisada, onde os corpos dos subjetos falhos eram sempre descartados para a incineração.
O Soldado Invernal nunca falhava.
E ele havia tido
certeza de que ela
nunca escapasse daquele destino.
—
, por favor… — sussurrou Bucky em um quase tom de súplica. Tentando silenciar a voz dela, repetindo seu nome em um loop agonizante. Ele podia sentir
sua respiração, tão
perto de seu rosto, gélida como neve, debatendo-se com a mão fantasmagórica, tentando se livrar, tentando
despertar daquele maldito estupor.
—
Bucky? — chamou ela contra seu ouvido, mesmo quando ele se lançou para frente tentando enterrar seu rosto dentro da pia cheia de água, a fim de usar a água gélida, profusamente preenchida pelo gelo que havia pegado do frigobar da suíte de , para despertar-se daquele pesadelo. Uma tentativa desesperada de dar um choque a si mesmo, de livrar-se daquela maldita sensação de falta de controle, de acionar sua adrenalina. Mas a voz dela o acompanhou. —
Bucky?! Ele ofegou, abrindo os olhos, virando-se na direção da voz, apenas para encontrar Steve parado ali na entrada do banheiro.
— Bucky? — A pergunta não feita, ensurdecedora entre os dois homens, enquanto o loiro adentrava no banheiro. James prendeu a respiração, quase de forma instintiva, não por medo de Steve Rogers, mas por causa de uma pequena repulsa gravada ao fundo de sua mente que o fez, ainda assim, dar um passo em direção à janela, contendo aquela eterna voz ao fundo de sua cabeça que o alertava para estar pronto para fugir. Não importava o quanto ele tentasse desligar
aquela parte de sua mente, seu corpo estava condicionado a ela. — Você estava demorando — pontuou Steve, lançando um olhar cauteloso na direção da pia e então analisando as mãos fechadas de Barnes, em punhos, franzindo o cenho por consequência.
Bucky moveu sua mandíbula, franzindo o cenho enquanto voltava-se para a pia, ligando a torneira outra vez. O movimento rápido o fez perceber como suas mãos estavam tremendo. É claro, isso não havia passado despercebido de Rogers; nada
nunca escapava de Rogers.
— Estou bem, você não precisava ter verificado — mentiu Bucky. Steve estreitou os olhos, percebendo de imediato, mas sendo Steve Rogers, o loiro não respondeu de pronto. Ciente de que não seria uma boa ideia dar espaço para Steve
questionar o que diabos estava acontecendo com ele, Bucky logo tratou de emendar: — Cadê o Sam? Deixou ele sozinho com ?
Apesar de tentar manter uma expressão de neutralidade enquanto esfregava suas mãos, as unhas fincando-se em sua própria pele e deixando vergões avermelhados com a força e o descaso que Bucky as lavava, seu tom de voz
ainda havia soado preocupado com o outro amigo. Bucky gostava de fingir que odiava Sam e que sua implicância era provinda simplesmente pelo bem da implicância, mas estava se tornando um ato expirado a essa altura, e sua preocupação era
genuína. Steve pareceu tentar conter um sorriso, cúmplice com Bucky que lançou um olhar de aviso para o melhor amigo para que ele escolhesse muito bem as palavras, porque Bucky não teria medo de usar seu braço biônico para acertá-lo.
— Eu fico fora por seis meses e você já me substituiu? — resmungou Steve, cruzando o braço sobre o peito largo, erguendo uma sobrancelha. Bucky encarou Steve com uma ameaça velada, erguendo seu braço biônico como se estivesse questionando silenciosamente “está duvidando?” e Rogers bufou, negando com a cabeça. Sua expressão divertida aos poucos derreteu em uma mais séria, contida, até mesmo cautelosa. Barnes não gostou do que viu ali. — Ele se ofereceu para ficar de olho na sua amiga enquanto eu vinha até aqui checar como você está.
Bucky encarou Rogers surpreso.
— Ela continua amarrada?
— Se soltou faz dez minutos, mas não vai atacar — disse Rogers antes de imediatamente tentar acalmar Bucky, cujo impulso de ir até lá e prender outra vez estava falando mais alto. Barnes trincou a mandíbula com força, um músculo movendo por baixo de sua pele enquanto o homem continha um chiado entre dentes.
— Você não faz ideia de com
quem você está lidando, Steve — Bucky rosnou baixo, inspirando fundo e deixando sair por sua boca, antes de apoiar-se na pia vazia. Barnes estreitou os olhos, observando o tremor de sua mão direita aumentar. Mas que por…?
Steve bufou, concordando com a cabeça.
— Seria mais fácil se você simplesmente me dissesse a verdade, James. — Bucky encarou o reflexo de Steve com frustração. Não era que ele não quisesse contar a verdade para o melhor amigo, era que ele
não conseguia. Uma coisa era ele ter sido uma das vítimas da Hydra, posto sob um local onde a
Hydra havia o transformado e nada mais do que
apenas uma arma, outra completamente diferente, era admitir para seu melhor amigo que, para poder salvar , ele tivera que ter certeza que
jamais viesse atrás da menina. — Como vou poder ajuda-lo se não me fala nada? Bucky, qual é, Bucky! — Steve deu um passo na direção de Barnes e desta vez o moreno não se moveu, aceitando a aproximação. Ainda assim, não encarou Steve. A mão calejada de Rogers repousou no ombro humano de Barnes, a luva desgastada pelo uso
contínuo, áspera sob a pele exposta de seu ombro, familiares. — Eu nunca vou abandonar você, James. Até o fim, lembra? Não são só palavras — confessou Steve, sua voz mais suave agora. — Não para
mim. Confie em mim.
Bucky não respondeu, mas seus olhos se fixaram na pia, culpado.
— Perguntei a Natasha sobre . — Steve quebrou o silêncio que havia se instalado ali por fim, e Bucky se voltou na direção do melhor amigo, irritado. Desta vez Steve não se afastou, apenas sustentou o olhar que Bucky lhe lançava, analisando-o com cuidado.
— O que Romanoff te falou?
Steve pareceu calcular por uma fração de segundos o que iria dizer para o melhor amigo, então seus olhos azuis claros se abaixaram brevemente.
— Que ela não faz ideia de
quem seja — respondeu Steve devagar, os olhos voltando a repousar nos de Barnes. — Mas ela
conhece o sobrenome,
.
Bucky trincou os dentes com força, contendo o impulso de praguejar, desviando os olhos instintivamente quando Steve pronunciou
, tentando conter as emoções que pareciam querer transbordar por seu rosto neutro, mas então obrigou-se a voltar a encarar o melhor amigo, sustentando o olhar dele. Seus olhos azuis esverdeados se moveram a fim de acompanhar os olhos do melhor amigo. E por um longo momento os dois ficaram apenas se encarando em completo silêncio; as palavras não ditas pesando entre eles como correntes, amarrando-os pelos punhos e calcanhares, puxando-os para afundá-los em um mar obscuro de mentiras, omissões e culpa, mas igualmente entrelaçando-se entre si, prendendo-os
juntos naquilo.
— Bucky. — Barnes viu nos olhos do melhor amigo que Steve
não desejava pressioná-lo, mas igualmente não iria arrastar-se de forma tímida para longe das perguntas
necessárias pelo bem dele. Barnes engoliu em seco sabendo qual seria a pergunta que seria feita a seguir, mas deixou que Steve a fizesse mesmo assim. — Quem é ?
Após um longo momento em silêncio, os olhos de Barnes se abaixaram para o peito do melhor amigo, onde antigamente costumava ficar uma estrela, agora revelava apenas um tecido revestido
preto. O uniforme pesado militar, mas que não possuía mais nenhuma identificação, o lenço que envolvia seu pescoço, semelhante ao que se era usado no Iraque para proteger-se das tempestades de areia e ao mesmo tempo ocultar seu rosto, protegendo-se de ser identificado.
Steve Rogers não era mais o Capitão América, era apenas um
nômade.
E Bucky Barnes não era mais Bucky Barnes.
Steve o observou em silêncio.
Se havia percebido a mentira ou não, Bucky sabia que ele não demonstraria. Algo no estômago de Bucky se contorceu, como se estivesse vivo. Uma descarga de adrenalina percorreu por seu corpo inteiro, enviando uma onda gelada de choques por sua espinha. Steve apertou os lábios, parecendo considerar por um segundo o que diria a seguir, e então indicou com o queixo na direção de Bucky, voltando a sustentar o olhar de Barnes, sem desviar.
— Mas quem é
ela para
você? Bucky Barnes não soube responder.
•••
Surpreendentemente as ameixas estavam mais doces do que ele esperava, mas não poderia dizer que estava saboreando-as com o olhar silencioso de preso em seu rosto. Bucky havia tentado ignorá-la a viagem inteira até ali. Havia tentado oferecer o espaço que sabia que ela deveria desejar e havia ignorado seus comentários. Mas não deixava de ter um gosto amargo observar a menina que ele havia
salvado — talvez sua
única redenção enquanto como
Soldado Invernal — o encarar com aquele desprezo tão profundo. Bucky sabia que havia lhe roubado mais do que deveria, que a havia condenado de certa forma, mas, igualmente, não era
justo que o tratasse daquela forma, não quando ele havia feito de tudo por ela, e
faria novamente.
Bucky Barnes mataria de
novo, e
de novo,
e de novo, se lhe desse a certeza de que estaria segura. Que estaria a salvo.
Mas ter
salvo havia sido, igualmente, como a sentença de sua
perda.
Bucky engoliu a ameixa que estava mastigando preguiçosamente, voltando seu olhar para a janela panorâmica do apartamento.
Cortesia de , é claro, quem havia desenvolvido um gosto muito
apurado para as coisas finas da vida — um grande contraste com a postura e pensamento que a irmã mais velha dela tivera.
Las Vegas lembrava de certa forma um pouco Nova York. Uma cidade que nunca dormia, exceto que o local se encontrava no meio de um deserto árido, mesmo no inverno, possuía luzes e sons muito altos, e dormia sim,
de manhã. A vida noturna de Las Vegas pulsava, ofertando inúmeras possibilidades, diversos entretenimentos e convites. Seja lá qual fosse o entretenimento que lhe divertisse,
certamente haveria ali. Era o local perfeito para se
esconder não apenas os códigos, mas igualmente
pessoas. Dentro de uma cidade turística ninguém iria procurar por alguém
deslocado e
perdido.
Os olhos azuis esverdeados de Bucky percorreram momentaneamente a rua agitada de Las Vegas antes de repousar, por instinto, nos telhados dos outros prédios que se estendiam do outro lado da rua. Sentiu novamente aquele instinto de
buscar alguma coisa ali; algo que estivesse errado, uma armadilha disfarçada de casualidade que não deveria ser percebida se você não fosse treinado para
percebê-la. Por um breve segundo, algo havia chamado a atenção de Barnes, um lampejo rápido de cabelos chicoteando o vento do outro lado de um prédio. Uma sombra projetando-se para a esquerda, e então desaparecendo tão rápido que Barnes poderia facilmente alegar ter sido um vulto. Mas ele sabia perfeitamente bem que,
naquele mundo, não havia
vultos, tampouco
coincidências. O gosto amargo em sua boca retornou, corroendo a doçura da ameixa quando ele a engoliu, sentindo aos poucos seus sentidos voltarem a ficar em alerta.
— Fala sério, você tá mesmo acreditando em tudo isso, Steve? — Sam interrompeu com impaciência. A conversa da qual Barnes não participava finalmente atraiu sua atenção, fazendo-o agarrar as cortinas e fechar a visão que se possuía da cidade inteira com a janela panorâmica, arrastando uma cadeira e retirando o boné de sua cabeça, apoiando-o sobre o encosto.
Steve lançou um olhar silencioso para Bucky, como se estivesse questionando o que Barnes estava fazendo, embora, uma parte do antigo Capitão soubesse
o que James estava criando.
Uma armadilha.
— Tá achando que eu estou mentindo? Tudo bem, não precisa acreditar em mim — retorquiu a acusação de Sam com um sorriso torto, deixando-se recostar contra a cadeira, apoiando seu braço esquerdo no encosto enquanto mascava de forma audível o chiclete. Os olhos de voltaram-se para os de Bucky, sustentando seu olhar de maneira desafiadora. Bucky engoliu em seco, trincando os dentes. Aquela não era mais sua garotinha… aquela não era mais a menina que ele havia salvado… — Até onde
eu sei, são
vocês que precisam da
minha ajuda para chegarem até os códigos de Zephyr. Não o contrário. — Ela deu de ombros, desdenhosa, jogando seus cabelos dourados para trás, e então grunhido baixo, exasperada. —
Ugh, como eu detesto esses merdas americanos! Tudo tem que ser sobre eles! —
Você está mentindo, — Bucky finalmente quebrou seu silêncio, cruzando os braços por sobre seu peito largo enquanto os olhos azuis esverdeados voltavam-se para a loira. bufou, inclinando sua cabeça um pouco para o lado, cinicamente sustentando o olhar de Bucky enquanto movia sua mandíbula de um lado para o outro com um estalo.
—
Magoei você? — provocou , o comentário enviesado, embora dito em russo, possuía um tom reconhecível o suficiente para que Steve e Sam olhassem imediatamente para Bucky, cientes de que deveria ter sido uma retórica ofensiva.
Bucky trincou a mandíbula, encarando em um pedido silencioso:
“não me obrigue a fazer isso”, ele queria dizer, mas , sendo quem era, é claro que não o ouviu.
—
Eu matei sua irmã, — cuspiu Barnes com uma voz mais fria do que costumava usar. Uma voz familiar, todavia, uma voz que pertencia a
ele. Ao
Soldado Invernal. O sorriso de desapareceu lentamente. —
Será mais fácil com você. pareceu prender a respiração se tencionando.
Doeu enxergar nos olhos dela a mágoa e até mesmo o
medo pela situação em que se encontrava. Doeu perceber o quão vulnerável ela estava, mesmo com seus poderes e treinamento. Doeu
ainda mais reconhecer no rosto de a garotinha que havia agarrado a seu braço enquanto ele a empurrava para dentro do vagão de trem. Mas aquela garotinha já não era mais a mesma pessoa, e nem James.
—
Repete suas palavras, mas em inglês, desgraçado de merda — retorquiu , com raiva, antes de voltar seus olhos para Steve. — Fala na frente dele, eu quero
muito ver se ele continua acreditando que
você tem salvação.
— Já chega! — grunhiu Sam irritado. — Você tá puta porque perdeu alguém importante para você? Bem-vinda à porra do clube, loirinha! Todo mundo aqui perdeu alguém importante. Isso não dá o direito a você de agir como se somente
você importasse. Quer ser egoísta, então seja, ninguém aqui está te impedindo, mas tenha pelo menos a decência de parar de fingir que é a porra de uma vítima. A forma que a gente reage a essa merda é o que importa, se você escolheu ser miserável, não culpe ninguém mais senão você mesma. — A impaciência na voz de Sam pegou Barnes desprevenido, que encarou em silêncio o amigo.
— São palavras corajosas — respondeu lentamente, voltando seu olhar para Barnes, desafiadoramente. — Para um bando de anestesiado emocional. Vocês sabem o que criam? Brincando de heróis por aí, como se isso fosse redimir os monstros que são? Por favor, o que vocês possuem de heróis, qualquer outro idiota militar o tem…
— Se nos detesta tanto assim poderia simplesmente ter desaparecido, — retorquiu Steve com um olhar severo, mas não menos compreensivo. Bucky tencionou sua mandíbula com um pouco mais de força, sentindo o peso de suas palavras alguns momentos atrás, e se questionando se não teria razão, afinal. Se Steve Rogers o ouvisse realmente,
ainda seria seu amigo? — E, no entanto, aqui está você, presa conosco neste quarto, guiando-nos em direção ao inimigo. Pode tentar nos antagonizar, mas não pode fingir que não precisa de nós também.
— Devo lembrar você de que me
arrastaram para cá? — respondeu com um tom incrédulo.
Steve estreitou os olhos, assentindo.
— Mas sempre foi livre para deixar este quarto a hora que quisesse. Você não o fez até agora — Steve apontou e trincou a mandíbula, fazendo uma careta, percebendo tardiamente que havia sido pega com as mãos sujas. Bucky observou os olhos dela se moverem rapidamente de um lado para o outro, como se estivesse calculando o que diria, e tencionou-se. — Por quê?
não respondeu.
O silêncio se arrastou pelo espaço como uma ameaça de implosão. A irritação era como estática pairando pelo ar, percorrendo pela pele de Barnes, fazendo os pelos de seu braço e nuca se arrepiarem.
— Porque ela quer se vingar — disse James por fim, quebrando o silêncio e então lançando um breve olhar de volta para a janela, mais por precaução do que qualquer outra coisa, antes de voltar a aproximar-se de onde estava. Parou à frente dela, e, mesmo que agora fosse uma adulta completa, talvez bem mais velha do que sua aparência
física lhe apresentava, uma parte traidora da mente de James
ainda conseguia enxergar a garotinha que ela havia sido. Aterrorizada com a visão da irmã mais velha transformada em monstro. O olhar de Bucky se endureceu enquanto os punhos se fechavam em punhos firmes.
Todo mundo aqui havia perdido alguém de fato… — É por isso que você está fazendo isso tudo, não é? Está ganhando tempo, dificultando e nos distraindo.
revirou os olhos, colocando-se de pé, mas mesmo assim não era tão alta quanto Bucky e certamente não era mais rápida ou forte que o Soldado Invernal.
— Você fez
muitos inimigos,
Sargento Barnes — rosnou entre dentes, mas com uma ponta sarcástica escorrendo por seu tom de voz contido. Então ela bufou, inclinando sua cabeça para trás. — Tá, tá, tudo bem, eu levo vocês até um cara que
sabe sobre essa merda de código, mas depois disso vocês estão por sua conta. E sinceramente, se vierem atrás de mim
outra vez eu não vou me importar em executá-los, sabe? Exatamente como
me treinaram para fazer.
— Quem é ele? — questionou Steve com uma ponta de desconfiança.
— Pode parecer uma surpresa para você, Rogers — começou a dizer, se espreguiçando com uma careta antes de suspirar pesado, girando em seus calcanhares e andando de costas até a janela panorâmica. Bucky se tencionou no mesmo segundo, encarando a mulher com atenção, quase vidrado, tentando encontrar a armadilha na postura dela —, mas você nunca foi e nunca será outra coisa senão uma arma
biológica. Quando vocês, americanos, tiveram o sucesso com o Miss América aqui, começou uma corrida armamentista mundial
biológica. Cada país desejou ter um para si, e
nós não estávamos atrás somente da
fórmula, para enfrentar um inimigo, o melhor que você pode fazer é
se tornar um deles. Como Barnes bem sabe, nós nos infiltramos em todos os países-chave que nos eram oponentes na época. Estes agentes são chamados de
Agentes Dormentes, vocês
sabem o que eles fazem. Fingem que são residentes, pessoas normais, até o chamado para ação. Os códigos foram divididos entre
eles, Zephyr não é a
continuação do Projeto
Soldado Invernal, é a
melhora dele.
— Nós?
deu de ombros, desdenhosamente.
— É difícil não pensar dessa forma quando
vocês fazem com que estrangeiros se sintam tão bem-vindos aqui — retorquiu ela, revirando os olhos, e Sam bufou, erguendo uma sobrancelha ao encarar .
— Você quer dizer isso
bem para mim, loirinha? — Sam apontou, e, pela primeira vez em todo o tempo desde que a haviam encontrado no Circo em Coney Island, deixou um sorriso torto surgir por seus lábios, balançando a cabeça de forma suave em concordância com o herói. Bucky engoliu em seco, estreitando os olhos, reconhecendo a camaradagem silenciosa. Uma pílula amarga para engolir, mas ainda assim necessária ser engolida.
— O nome dele é Mikhail. É um dormente, um bêbado idiota que não serve para nada, mas ainda assim é um KGB, e um dos perigosos, devo ressaltar — pontuou tencionando a mandíbula, enquanto cruzava os braços sobre o peito, dando de ombros, os cantos de seus lábios se repuxaram para baixo, não desdenhosos, mas certamente, não eram amigáveis. — Não tem como chegar no Mick sem passar pelo
Patch, então vão ter que confiar na minha palavra e fazer
exatamente o que eu disser para fazer. — deu de ombros, voltando seu olhar para Bucky com uma ponta sombria pairando por seus olhos prateados. Uma nota velada de perigo que se misturava com um divertimento sombrio. — O Patch pode ser meio temperamental, ele se ofende muito rápido.
— Por que você não está planejando nenhuma merda além disso, não é? — retorquiu Bucky com uma expressão cínica, observando o sorriso de se tornar um pouco mais afiado.
— Olha a língua — Steve cortou Bucky, instintivamente. Bucky lançou um olhar de soslaio para Steve, e Steve uniu as sobrancelhas, pigarreando, tentando manter o pouco da dignidade que ele havia acabado de perder na frente de seus amigos e , piscando algumas vezes antes de cinicamente apontar para . — Não se fala isso na frente da dama.
Sam lançou um olhar cético para Steve.
— Educação não parece funcionar para essa aqui, Cap.
revirou os olhos, mas seu rosto estava voltado para Barnes, sustentando o olhar dele com aquela expressão irritante de desdém, raiva e desprezo. O exato olhar que o fazia lembrar do porquê ele não desejava associar a si mesmo com a imagem do Soldado Invernal e por que não conseguia
escapar disso. O olhar que despertava sua
culpa, o olhar que ele oferecia a si mesmo.
— Ato e consequência, Barnes — disse , por fim, devagar. — Você deveria saber disso, foi
você quem me ensinou.
— Te ensinei mais do que isso — retorquiu Barnes com um tom de voz amargo, e bufou, forçando um sorriso afiado, mas seus olhos, silenciosos, pela primeira vez pareceram hesitar, ainda que por uma mísera fração de segundos. — Vá em frente, estamos bem atrás de você.
desta vez não chegou a responder, apenas negou com a cabeça e passou por Barnes, acertando com força seu ombro com o dela. Bucky a acompanhou com o olhar, observando como ela se movia. Era um evidente contraste para com a menina que ele se lembrava vagamente; andava com força, firmeza, como se desejasse se fazer percebida, mas ao mesmo tempo, Barnes podia perceber como aquilo era mais do que aparentava, pisava com todo seu peso no chão, como se esperasse um ataque vindo de qualquer lado, por qualquer um. Mesmo que ele a tivesse salvado da Sala Vermelha e de sua própria irmã, ela
ainda havia seguido pelo mesmo caminho que havia sido direcionada:
uma arma.
Um tapa em seu ombro despertou Bucky de seus próprios pensamentos, fazendo-o silenciosamente assentir para Sam, caminhando em direção a onde ele havia deixado sua própria bolsa militar com seu uniforme, vestindo-se o mais rápido que conseguia enquanto verificava a quantidade de munição e assegurava-se de ocultar quantas facas precisava por
precaução. Havia ficado decidido que Sam e Steve ficariam para trás, Steve os esperaria na entrada, enquanto Sam estaria nos telhados, dando-lhes cobertura. Apenas e Bucky adentrariam no bar em busca desse tal Patch, para evitarem chamar mais atenção do que já deveriam estar fazendo.
O lugar se chamava
Bar da Princesa, e
Patch era seu dono.
O cheiro do charuto mistura-se com o aroma pungente do whisky e do suor corporal que se espalhava pelo espaço. O bar possuía uma estrutura mais rústica feita de madeira, embora misturasse mármore e porcelanato com paredes espelhadas para parecer bem maior. A maioria ali estava interessada nos jogos de cassino que se encontravam logo na entrada, mulheres em vestidos de sedas, homens com paletó ou simplesmente turistas rindo alto, bebendo bebidas alcoólicas e tentando sua sorte da forma que conseguiam — fosse nas roletas ou nas máquinas caça-níqueis. Mais ao fundo, após passar por uma porta dupla de madeira esculpida a mão, eles se deparavam com a entrada para o Bar, mesas de madeira com alguns motoqueiros e pessoas de reputação questionável. Um homem, talvez mais novo que ,
cajun, girando um baralho de cartas em suas mãos, jogando-as de um lado para o outro, distraído, encontrava-se sentado em uma das mesas próximas a entrada. Tinha cabelos longos, castanhos, mas mais vívidos do que os de Barnes. A barba feita por fazer pelo bronzeada, e bonito — o tipo de cara que
sabia que era atraente e usava isso para sua vantagem; cafajeste e trapaceiro até o último fio de cabelo. Mas o que mais impressionava Barnes eram seus olhos.
Suas órbitas eram completamente pretas, mas a íris de seus olhos eram
vermelhas, pulsando com energia.
— , , ,
mon cher. — O homem abriu um sorriso preguiçoso, os olhos de íris vermelhas pareceram cintilar com energia contida ali, e Bucky sentiu suas mãos se fecharem em punho, lançando um olhar na direção da nuca de , mas não o encarou. O sotaque cajun do
mutante ecoando de forma pesada por seu inglês. — A boa filha a casa
sempre torna. — Ele estalou a língua com um risinho baixo, prendendo o palito no canto de sua boca a fim de voltar a masca-lo. permaneceu cinicamente calma.
— Cadê o Patch, Remy?
— Esperando por você, ali dentro, mas se eu fosse você teria cuidado, ele não tá muito sociável hoje. — O tal Remy deu de ombros, voltando a recostar-se contra a cadeira em que estava sentado, indicando com um aceno de cabeça, em forma de cumprimento para Barnes, e um flash de sorriso crepitou nos cantos dos lábios de Remy, discreto demais para ser percebido de imediato, mas Bucky percebeu, e percebeu igualmente como o homem havia girado por entre seus dedos a carta em suas mãos, as pontas dos dedos iluminando-se com o mesmo brilho que faziam seus olhos estranhos cintilarem.
Havia algo de errado ali. Algo que ele não estava percebendo ainda.
Eles atravessaram o portal abobadado da entrada para o que parecia ser a entrada da
adega do bar, com a iluminação de fundo amarelada levemente precária, oscilando de um lado para o outro. Prateleiras e mais prateleiras de variadas bebidas alcoólicas se espalhavam pelo que parecia ter sido, outrora, um salão, mas agora havia sido adaptado para servir como adega e estoque. A temperatura estava mais baixa, Barnes uniu as sobrancelhas, observando o termostato marcar o número 16 antes de voltar sua atenção para a parede ao fundo onde um homem se encontrava praticamente deitado sobre a cadeira de madeira velha, as pernas cruzadas estendidas tinham os calcanhares apoiados sobre um dos barris de madeira de
chopp, o chapéu de cowboy preso em sua cabeça, ocultando quaisquer visões que Barnes poderia ter de seu rosto, embora fossem visíveis as costeletas bem pronunciadas, um charuto pendia do canto de sua boca preguiçosamente tragado, enquanto com um tapa-olho sobre o olho esquerdo, e uma blusa de flanela xadrez, laranja, marrom e branca, estava com as mangas arregaçadas, revelando antebraços estranhamente peludos, embora fossem as mãos que tivessem chamado a atenção de Barnes.
Entre os nós dos dedos havia
fissuras.
Um sinal de alerta se acendeu ao fundo da mente de Bucky, que voltou seu olhar imediatamente para as costas de . O que diabos…
— Cê não devia tá aqui,
bob — o homem rosnou entre dentes, tragando o charuto bem devagar, sem erguer sua cabeça na direção de , mas ainda assim a inclinando para a direita, e fungando algumas vezes. Bucky sentiu sua pulsação começar a aumentar ao perceber, tardiamente, que o homem estava
farejando o ar.
— Olá para você também,
Logan.
O sangue de Bucky Barnes congelou quando o cumprimentou. Barnes prendeu sua respiração, tencionando-se no mesmo segundo. Imprimiu ainda mais força em seus punhos cerrados, agora trêmulos, os olhos azuis esverdeados voltando-se para com uma injúria crescente e uma expressão de pura
traição. Então
esse era o jogo de ?
Mais uma farejada no ar, franzindo o nariz, e então, Logan,
oWolverine, deixou suas garras deslizarem por entre os nós de seus dedos, erguendo sua cabeça, os olhos azuis cinzentos finalmente encontrando-se com o rosto de Barnes, cuspindo seu charuto ao levantar-se. Havia uma mistura de fúria animalesca má contida no olhar do mutante com desejo por retribuição e uma amargura profunda. Wolverine estalou seu pescoço, deixando seus dentes a mostra, mais de uma forma animalesca do que um sorriso amargo de fato, enquanto seus olhos permaneciam fixos, vidrados, no rosto empalidecido de Bucky.
—
Finalmente— rosnou Wolverine. —
Cê é meu. Então ele avançou na direção de Bucky.
1 O Bar da Princesa se localiza, originalmente, em Madripoor. Foi adaptado aqui para melhor encaixe na história.
Eu lendo o prólogo e só julgando o Vladimir, porque TAVA ÓBVIO QUE ALGO DE ERRADO NÃO ESTAVA CERTO!
Moço, tinha que ter aprendido a pensar mais com a cabeça de cima, né? 🙄
Eu provavelmente estou moscando com o passado do Bucky, mas aos poucos vou entendendo. Quero ver o que vai ser desses três e quando vai aparecer a bonita pra assombrar ainda mais o pobre do moço.
KSKSKSKSKKSKAKAK nem dá pra defender Vladizin, o erro do pobi foi amar demais
Confia no processo Le, juro que tudo se encaixa uma hora! Hehehe próximo cap ela “aparece”, mas cuidado que tem gente disfarçada tbm que vai ser beeeem importante mais pra frente. Meu conselho? Não confia em ninguém, nem na autora
Ae, a bonita apareceu! Agora fica aí a questão se esse final foi no agora ou não OPASJNDPOANSDPO
Quero ver ela surgir dos mortos na frente de geral só pra assistir a reação de todo mundo. Sou dessas sim.
QUERO O RESTO, OBRIGADA.
KSKSKSSKSKS não confie em nada do que você “vê” aqui, especialmente o que for na perspectiva da PP
tem mais algumas coisinhas para acontecer antes que eles finalmente se encontrem, mas já aviso que vai dar merda, vai dar muuuita merda, porque eu amo o caos
VOU MANDAR (hehehe sobrecarregar você, perdão!)
Gente, a cabeça desse povo todo é UMA BAGUNÇA, HELP IAODNAOIDN
Passado, presente, futuro do presente, tá tudo indo e vindo e aí eu fico tipo “será se é confusão mental ou será se tão viajando no tempo mesmo, hein?” HAHAHAHAH
Já vimos Bucky como Bucky e como o Soldado Invernal aka com o cérebro lavado, tô até com medo de descobrir o que ele fez com a Anya nesse estado. E o que rolou com Masha, por que ela menina tava com tanto medo? Era uma lembrança real da Anya? Foi implantada? Era dela mesmo a lembrança? Tantas perguntas… INASOPDNAPOD
KKSKSKSKSKSKSKS tudo confusão mental, pra conseguir controlar a Hydra tem que tirar toda a segurança deles, tornar vulnerável e dependente, isso INCLUI também a percepção de tempo deles. Mulher, nem te conto, tem uns babados fortíssimos pro que ele fez, tadinho, tava sendo controlado né, mas ainda assim, dois lados da mesma moeda. A Masha é o ponto fraco da Anya, é justamente o que desestabiliza ela, só isso que digo o resto vem com as próximas atts
Ok, essa atualização trouxe ainda mais questões para a cabeça IHASIODAIDOO
Essas “lembranças” todas, um turbilhão de confusão, e agora temos um cara que controla a boa vontade das pessoas, achei ofensivo isso aí HAHAH
Vamos ter o embate da Anya com o Bucky em breve? :O
Vai sim, próximo capítulo se não me engano ksksksksks AÍ a coisa desanda de vez, especialmente pra Masha
Primeiramente, que dó que eu fico do Bucky, o pobre tá lá sofrendo com os “fantasmas” do passado dele e daqui a pouco o passado vai chegar e dar-lhe um chutão (tô sendo boazinha) na cara. E a nossa bailarina vai fazer ele pensar que tá louco, mais do que ele já pensa, não vai? IOASHDOIASDHNO TADINHOOO
Segundamente: É GAMBIT! MEU GZUS, É O GAMBIT!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Eu era louca nesse homem E NÃO LEMBRAVA DISSO ATÉ ELE SURGIR AQUI DE NOVO NA MINHA VIDA. JÁ QUERO UM SPIN OFF DELE PRA ONTEM NA MINHA MESA, OBRIGADA, DE NADA.
Esse homem é o charme em pessoa, DEUS, MIM AJUDA.
Eu sei que saí completamente da história e do que aconteceu no capítulo, MAS PQP
Ok, agora que vamos ter participação dos nossos mutantes queridos eu tô mais do que louca esperando a atualização!