Falling Hard
Meus olhos o seguiram enquanto ele subia ao palco.
Vestido com uma regata branca e uma calça jeans larga, o colar de couro em torno de seu pescoço me chamava mais a atenção do que os bíceps com todos os músculos disponíveis para qualquer pessoa ficar babando.
– Shawn! Shawn! Shawn! – o público berra ao meu redor.
Eu havia ido até o Rock in Rio para assistir qualquer apresentação que minha melhor amiga quisesse. Era o aniversário dela e eu havia prometido que iria acompanhá-la onde quer que fosse, afinal, ela havia pago as passagens, os ingressos e todos os outros gastos aqui no Rio de Janeiro. Daniella conseguia ser bastante convincente quando decidia abrir a própria carteira – ou, no caso, do seu pai.
– Lindooo! – ela grita ao meu lado, os dois braços erguidos para cima.
Nós estávamos em uma área privilegiada. Uma tal de área VIP. Daniella trabalhava com a própria imagem; disse ser influencer, mas seus seguidores vieram mesmo por conta de sua tia, uma real influencer famosa no país. Mesmo assim, ela estava próxima de completar 700 mil seguidores, o que a tornava bastante notória na área. Dani passava 95% do seu tempo com uma equipe a acompanhando em todos os lugares, fazendo caras e poses e pensando em maneiras de chamar a atenção de novas marcas. Ela não queria vender piada, como sempre disse. Estava mais interessada no lifestyle, seja lá o que isso queira dizer.
Com todos esses benefícios que a fama e o dinheiro trazem, o ponto negativo é a dificuldade de saber quem realmente está do seu lado porque gosta de você ou porque está interessado na atenção que irá receber com sua presença. Eu sempre disse que Dani tem sorte de ter suas amigas de infância junto dela até hoje.
Não me leve a mal. Ela, de fato, é uma ótima pessoa. Amorosa, carismática e muito divertida. Responsável, trabalhadora e também humilde. Mas esse tipo de personalidade costuma fazer com que a vida com outras pessoas do ramo seja difícil; gente querendo passar a perna, trair e se aproveitar. Uma das meninas do nosso grupo, Soraia, mais conhecida como A Bruxa, é responsável por cuidar da inocência de Dani. Ela é a empresária. Dani a contratou após nosso grupo fazer a sugestão quando a So foi demitida porque denunciou seu chefe de abuso sexual no trabalho.
“Fui demitida, mas não sem antes expor aquele canalha pra todo mundo. Mandei um vidro de pimenta para a esposa dele de presente e uma carta sugerindo 8 maneiras de fazer uso dele em algumas partes do corpo daquele filho de uma…”
Após o acontecido, foi difícil não ter indicado Soraia para cuidar da carreira de Daniella. Foi ótimo. Dani não precisou mais gastar um tempo enorme pesquisando sobre as marcas, porque o trabalho de Soraia basicamente consistia em descobrir os podres das pessoas e usá-las contra elas. Hoje, dois anos depois, So criou sua própria agência e representa outras 3 influencers e 1 cantora que estão com a fama em ascensão.
Foi ela quem pediu que eu acompanhasse Dani no Rock in Rio, porque estaria ocupada demais no dia, cuidando de um fechamento de contrato com uma nova marca. E ela nunca perdia um fechamento de contrato.
“É meu momento favorito de trabalho. Quando coloco todas as cartas sujas na mesa e espero eles escolherem qual delas os farão ceder às minhas vontades.”
É ótimo ter uma amiga assim ao lado.
Dani é apaixonada por artistas. Talvez seja por conta de seu trabalho ou talvez seja sua personalidade romântica, que sempre a fez querer estar envolvida em polêmica. O artista da vez era Shawn Mendes. Ela havia acabado de terminar um relacionamento com um rapper famoso, mas havia dito que um influencer não pode ficar sozinho por muito tempo – na verdade, ela não conseguia ficar sozinha – e nada como poder cruzar com o caminho de um gringo, para, quem sabe, começar uma carreira internacional.
– Você devia andar menos com Gabriela. – eu disse, quando estávamos a caminho da área VIP.
Gabriela é outra peça do nosso incrível quebra-cabeça de amigas. Ela tem tudo para ser como Daniella, mas nunca quis, porque “é piranha demais”.
“Eu seria tipo uma Taylor Swift, mas sem toda a carreira de cantora e a legião de fãs para me bancar.”
Ela estava do outro lado de Dani, os braços erguidos cantando a primeira música do repertório do moço. Já havia beijado uns dois caras desde que chegamos e sem dúvida sairia de lá com algum outro, e não conosco como era combinado.
Suspirei e desviei minha atenção para as pessoas ao meu redor. Elas estavam com os olhos marejados e os rostos vermelhos. Algumas pessoas estavam inchadas por conta do imenso calor que fazia naquela muvuca inteira e agradeci mentalmente por não precisar ser amassada por fãs descontroladas e anestesiadas pelo artista no palco.
Os gritos aumentaram durante uma parte da segunda ou terceira música. De repente, braços e mãos se estenderam como tentáculos em minha direção e, pelo susto, dei um pulo para trás, trombando com alguém.
– Descul— – tentei dizer ao me virar e olhar para a pessoa e dei de cara com um par de olhos castanhos, um microfone e um sorriso gigante.
Shawn Mendes não parou de cantar mesmo com a trombada que lhe dei. Pelo contrário, sua mão apoiou em minha cintura, servindo de base para que eu não caísse. Durante 3 segundos ouvi sua voz por detrás do microfone, não era playback. Seus olhos permaneceram encarando os meus, até uma fã berrar ao meu ouvido e, com um pequeno pulo, me desvencilhei de seus braços e me afastei para não estar envolvida no meio de toda aquela agitação.
O cantor continuou sorrindo e voltou sua atenção para o público, mas, após essa cena, pude vê-lo olhar em minha direção diversas vezes.
– Acho que é você quem vai sair daqui acompanhado de outro. – Dani gritou ao meu ouvido. Não respondi. Estava ocupada olhando para o palco, recebendo a atenção de um homem charmoso com uma voz gostosa.
Quando o show acabou, o evento mostrou que havia chegado ao fim. Nós fomos para uma área coberta, repleta de mesas para nos acomodarmos e outras enormes que servem buffets variados.
Gabriela sumiu antes que chegássemos na área VIP e Dani gastava mais tempo interagindo com outras pessoas – possivelmente famosas. Decidi fazer o melhor que poderia naquele momento e rodeei as ilhas de comida para poder encher minha barriga antes de ir embora. Se conheço minha amiga bem, não teria nada de gostoso para comer na casa da Dani e eu seria obrigada a comprar algum lanche pelo aplicativo.
– Essa me parece uma escolha boa para combinar com esse drinque – uma voz soou ao meu lado em uma língua que não era o português.
– Acho que prefiro comer um doce com ele – respondi, olhando para o dono da mão que me estendia um Moscow Mule. Era Shawn Mendes, que abriu um sorriso e deu um passo para mais perto de mim.
– Ainda bem que você fala inglês – sua voz soou, mesmo, um pouco aliviada.
– O que você faria se eu não soubesse?
Vi seus ombros definidos se mexer, mas o sorriso permanecia estampado no rosto.
– Mímica?
Soltei uma risadinha e peguei a bebida dele.
– Você não é minha fã.
Inclinei a cabeça para ele enquanto bebia um gole do drinque.
– Eu gosto das suas músicas.
– Mas não é minha fã.
Demorei um pouco para responder. Não sabia o que ele queria dizer com aquilo, então optei por ser sincera.
– Não. Minha amiga quem é – apontei para algum ponto atrás de mim. Dani provavelmente não estava mais onde eu havia a deixado alguns minutos antes. – Mas curti bastante sua apresentação.
– Eu vi.
Ergui minhas sobrancelhas, mostrando explicitamente a surpresa. Talvez fosse coisa de gringo ser direto em suas cantadas.
– Você sabia de algumas letras.
– Eu disse que conheço suas músicas.
– Quando eu estava escrevendo uma das músicas do meu novo álbum – ele encostou na mesa ao meu lado, seus olhos fixos aos meus –, eu imaginava um momento como este.
– Este?
– Este. – ele sorriu grande. – Com alguém que atraísse minha intenção de qualquer lugar do cômodo.
– Que música seria?
Com um só passo, Shawn eliminou o espaço entre nós e desceu seu rosto até meu ouvido, dizendo:
– Você vai precisar ouvir o álbum para descobrir. Ele lança no próximo dia 18.
Abri a boca, achando divertido a maneira que ele fazia a publicidade de suas músicas.
– É assim que você conquista fãs?
– Funciona?
– Não.
Ouvi uma pequena risada e então foi a vez dele beber um grande gole do Moscow Mule dele.
– Você é daqui do Rio?
– São Paulo. Mas venho pra cá com mais frequência do que gostaria.
– Não gosta daqui?
– Não gosto de ser babá. – olho na direção de Dani, mas ela já havia sumido. Suspiro e volto a encarar Shawn, que tinha um pequeno sorriso no rosto, como se aproveitasse minha distração para me avaliar melhor. – E você?
– Ah, eu gosto muito daqui. Do Brasil em geral. Já fiz shows em São Paulo e Goiânia antes, e nunca me decepcionei. Acho que qualquer cidade me fará continuar amando o país.
Shawn mostrou-se um cara que fala mais do que seu rostinho inocente mostra. Mesmo assim, a conversa não girou em torno dele; vira e mexe ele mostrava seu interesse em saber mais sobre mim e minha vida. Quando ameacei caminhar porque queria pegar uma nova bebida, ele não disfarçou ao caminhar ao meu lado, não dando a oportunidade de uma quebra em nossa conversa.
E tudo bem, porque eu bem que estava gostando.
Depois de um tempo, me vi confortável ao lado de um artista mundialmente conhecido. Ele fazia o tempo ao redor parar e os ruídos cessarem. Além disso, seus olhos estavam sempre em mim, assim como toda sua atenção corporal. Shawn estava dedicando todo seu tempo a nós dois e não disfarçava para ninguém. Os poucos que se aproximavam dele para puxar um papo, eram obrigados a me cumprimentar e mostrar interesse em mim, já que ele fazia questão de me apresentar como se me conhecesse há anos.
– Ei, que tal um passeio? – pergunto depois de 1 hora sendo interrompida de falar por uma fã ou artista.
– Achei que não ia perguntar nunca – ele comentou, me fazendo abrir um sorriso.
Ao invés de segui-lo, fui à frente. Sabia onde era a entrada para artistas VIP como ele. Quando entramos em uma van que nos levaria para onde fosse melhor para Shawn, mandei uma mensagem enquanto ele dava a orientação à própria equipe. Minha intenção era de avisar às minhas amigas que estava indo primeiro, mas, na verdade, elas já haviam enviado mensagem antes avisando que eu era quem estava sendo deixada para trás.
Bem, os últimos serão os primeiros.
– Então – ele disse, sentando-se ao meu lado, muito próximo –, me fale mais sobre você.
– Eu sou melhor ouvinte do que locutora.
Shawn deu uma risada e passou a mão pelos cabelos. Eu pagaria uma graninha para saber o que se passava dentro da mente dele. Sua comunicação corporal me dizia que eu o estava enlouquecendo, mas sua boca não disse nada do que eu queria ouvir.
Admito que conquistar um famoso internacional não estava na minha lista de “To Do’s”, mas meu ego estava sendo muito bem massageado pela ideia de tê-lo aos meus pés.
Por quanto tempo o meu interesse permaneceria nele? Será que eu deixaria ele de lado quando chegasse o momento em que ele confirmaria que estava, de fato, doido por mim?
Soltei uma risadinha que obviamente não passou batido por Shawn.
– Um dólar por seu pensamento.
– Eu acho que valho mais do que isso.
– Devo trocar o dinheiro por um encontro? – seu sorriso mudou para um mais charmoso.
Ele só esqueceu que a presa aqui não sou eu.
– Você vai precisar se esforçar mais que isso para um encontro comigo.
– Bem – ele voltou a se encostar no banco da van que nos levava a algum lugar, com comida, espero –, você está comigo agora.
Ousei dar mais uma risadinha, dessa vez passando a mensagem explícita: É você quem está comigo.
Shawn
Só podia ser bruxaria.
Não tenho orgulho de dizer que sou duro na queda. Que não me apaixono fácil. Minhas músicas podem falar por mim. Eu sinto mais do que realmente vivo.
O problema é que a realidade bateu muito forte quando a vi de cima do palco. Seus ombros estavam relaxados ao invés de tenso por uma adrenalina que minha presença fazia crescer em quem era fã meu. O olhar passeava de lá para cá, analisando tudo, me fazendo querer ser o centro de sua atenção.
Quando a encurralei, durante uma música, ela se desvencilhou de mim com um simples passo que parecia mais um ensaio de uma valsa. O cheiro da fumaça que vinha da produção podia ser forte, mas o aroma de seu perfume foi o que tomou conta da minha respiração.
Então, meu corpo foi atraído para onde ela estava. E tudo o que ela dizia soava como inspiração para minha próxima música; e eu mal havia lançado meu novo álbum.
Ela é como a medusa e eu, sua vítima. Petrificado com sua beleza, seu carisma e inteligência. Quanto menos ela falava, mas eu queria ouvi-la.
Não é como as garotas que surgem nos meus shows para querer passar a noite comigo. Não sou muito de noitadas. Sou homem de relacionamentos, mesmo não tendo muitos e os últimos tendo sido público demais.
Mas eu poderia enfrentar mais exposição e julgamento se ela quisesse ficar comigo.
Pelo amor, eu poderia levá-la comigo para Los Angeles se pudesse.
Como eu disse, só podia ser bruxaria.
– Quem te falou sobre essa pizza? – ela perguntou quando um assistente meu chegava com duas caixas de pizza na área da piscina do hotel em que eu estou hospedado.
Ninguém perguntou quando ela entrou me acompanhando. O som e a luz dos flashes diziam que estaríamos no alvo das fofocas em alguns minutos. Mas se ela não se incomodava, eu também não me incomodaria.
– Todo mundo. Literalmente.
riu e se inclinou para mais perto das caixas que agora estavam no fim da chaise longues que nós dois estávamos sentados.
– Como você sabe que como tanto?
Abri um pequeno sorriso ao abrir a lata da Coca-Cola Zero para em seguida passar para ela.
– Telepatia?
Ela riu mais uma vez; dessa vez, ri junto.
– Você até que é engraçado.
– Até? Uau, talvez eu tenha que te raptar. – digo, mordendo um pedaço da minha fatia. – Eu sou muito engraçado.
– Precisa se esforçar mais.
Meu estômago embrulhou, e o motivo não era a pizza. Esse jogo de vaivém que ela faz comigo, ao invés de me desanimar como sempre fazia, me fazia querer ficar. Querer fazer com que ela me quisesse da mesma forma que eu estava a querendo.
Isso é o que dizem “cair forte de amores”?
Tentei respirar fundo, mas eu já estava intoxicado pelo seu perfume.
Quer saber? Que se dane.
Me movi para poder encará-la de frente. pareceu perceber que eu estava prestes a dizer algo – como uma bruxa –, porque logo ergueu o rosto e me olhou nos olhos.
– Você está de férias?
– Não. Vim como babá, lembra?
– Está fazendo um péssimo trabalho – eu comento com um sorrisinho e ela retribui.
– A culpa é de quem?
– Ora, você poderia ter sugerido que elas viessem junto.
dá uma pequena risada, satisfeita com o que havia ouvido.
– Elas haviam ido primeiro.
– Bem, então você está de folga do trabalho ou das férias?
Demorou alguns segundos para ela me responder. Parecia que ela estava avaliando se eu valia a pena teus próximos dias ou não. Por algum motivo, fiquei tenso.
– Estou de férias.
Se eu pudesse respirar fundo, de alívio, eu o faria. Mas não queria dar mais munição para ela saber o quão interessado eu estava nela.
– Que tal viajar para alguns lugares do Brasil?
– Quer me levar como se fosse um cachorrinho?
– Você não é tão obediente assim – comento, vendo-a revirar os olhos –, entenda mais como um passeio estendido.
– Bem, não tenho tanto tempo assim de férias.
– Não será muito longo – falo rapidamente, me arrependendo de ter parecido tão desesperado em convencê-la. Ela ergueu uma sobrancelha e limpei a garganta com uma leve tossida –, apenas o suficiente para nos conhecermos melhor.
– Quão melhor você quer me conhecer?
Foi a minha vez de dar uma pequena risada. Olhei para a pizza e então voltei a encarar , dessa vez querendo entregar a ela tudo o que eu queria mostrar em meus olhos.
– Eu quero conhecer tudo sobre você.
Fim
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