Estrada Para o Inferno
Há tempos não ficava num silêncio como aquele. Um silêncio penetrante mas ao mesmo tempo vazio.
Havia algo errado com aquela sensação. E esse algo estava naquele instante no porta malas do carro que dirigia.
Os gritos agora haviam parado, e com ele veio o silêncio. O maldito silêncio pelo qual ele tanto esperou.
Felix ouvia a esposa reclamar como sempre ela fazia durante todos aqueles oito meses e meio de gestação. Apesar de pensar em seu herdeiro à caminho, o homem já não aguentava mais as reclamações da mulher.
Ele sabia bem que o casamento já estava por um fio antes da gravidez de Helena, e também sabia que aquele pesadelo todo de oito meses era apenas o troco da esposa para um marido infiel.
Apesar de saber que merecia tudo, não era fácil aceitar as insinuações da mulher que vivia dia e noite ao seu lado… E pensar que os dois se casaram pensando em um felizes para sempre que durara cerca de um ano.
Felix ainda se lembrava das promessas que fizeram um ao outro.
— Sempre estarei com você, pela eternidade. — Disse Helena uma vez sem saber que já estava sendo traída.
Era difícil pensar no que estava por vir. No futuro que ele havia planejado para sua esposa e seu filho que mal nascera. Não queria exatamente fazer aquilo, só queria que as reclamações parassem, mas não havia outra saída para ele já que sua esposa jamais pararia de jogar em sua cara que a infelicidade dela era sua culpa.
— Adeus, amorzinho… — Foi o que murmurou antes de bater em sua cabeça, deixando-a desacordada.
Com certo esforço colocou Helena no porta malas e disparou para a estrada. Não sabia o que faria com ela depois, mas isso deixaria para mais tarde.
Naquele momento os gritos haviam começado. O homem ao volante estava irritado e fez uma curva fechada, o que provavelmente fez a mulher calar-se novamente. E então o silêncio. O silêncio enlouquecedor dominou o carro. Felix sorriu e logo esse mesmo sorriso se tornou uma gargalhada. Estava tão aliviado em ter se livrado das reclamações!
Então, num momento de distração, numa curva perigosa, um caminhão se fez visível tarde demais…
Um ano mais tarde
Felix lia seu livro deitado tranquilamente em sua cama. Sua esposa, Rachel, havia saído com algumas amigas e deixara o bebê dormindo aos cuidados do marido.
Sim, o homem havia se casado novamente com a mulher que o tornou infiel à Helena. Haviam acabado de ter o recém-nascido que agora dormia tranquilo no quarto ao lado.
Após mais alguns minutos de leitura, Felix acabou adormecendo com o livro no colo. O homem acordou com o choro do bebê que se esgoelava. Isso era estranho, Frederic nunca chorara daquela forma, não parecia ser o seu filho.
— Não vai ver o que nosso bebê quer? — Ele ouviu ao seu lado. Com toda a certeza não era a voz de Rachel.
Felix olhou em direção à voz e quase teve um ataque ao encarar aquele rosto tão familiar. Não era fácil distinguir as feições por trás das queimaduras espalhadas por todo o corpo da pessoa ao seu lado, mas daqueles olhos ele jamais esqueceria.
— Helena? — perguntou hesitante.
A mulher tinha o corpo quase que completamente carbonizado, o vestido branco quase já não cobria mais seu corpo de tão comido pelas chamas e uma parte da pele de seu rosto parecia ter sido engolido pelo fogo também.
Felix fechou os olhos. Aquela cena era horrível demais para se ver.
— Vamos, Fell, olhe para mim. – Helena sussurrou tocando o rosto do homem à sua frente com seus dedos ossudos recebendo um aceno negativo em resposta. — Olhe para o que você me fez, Felix, veja no que você me transformou! — Ela posicionou o rosto do rapaz de frente para o seu. — OLHE! — Seu grito pareceu o rosnado enfurecido de uma fera.
Felix abriu os olhos se deparando com o rosto desfigurado da ex-esposa.
— VÁ EMBORA! ME DEIXE EM PAZ! — gritou caindo da cama.
A mulher deu uma risada misturada com raiva e logo se dirigiu em sua direção.
— Não vou à lugar nenhuma, Fell. Sempre estarei com você, pela eternidade… Eu e nosso bebê.
Assim que ela terminou de dizer aquilo, uma criaturinha ensanguentada e completamente deformada apareceu na porta chorando como o bebê que chorava há alguns minutos. Ele se arrastava pelo chão em direção a Felix sem ter como caminhar.
— Tenha bons sonhos, querido. — Helena sorriu tocando a face do homem que não podia fazer mais nada além de gritar.
Fim
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