Espírito De Natal
Aquele estava sendo um ano estranho e difícil…
Eu deveria estar feliz, afinal, estava me saindo muito bem em minha carreira, tinha grandes amigos e uma família que não me abandonaria por nada. Então sim, eu deveria estar feliz, mas é assim que me sentia. Infeliz, quero dizer… Sabe quando falta algo em você? Dá aquele vazio? Me sentia… Estranho, e isso por falta de palavras para explicar.
Eu estava jogado no sofá de casa de qualquer jeito enquanto pensava nisso. Naquele ano a comemoração seria na minha casa, já que era o primeiro ano que passava numa casa minha. Angie, minha “empregada” que mais está para governanta, já havia me ajudado a preparar todos os pratos da ceia… Ok, ok, fui eu quem a ajudou, mas isso não vem ao caso. Enfim, estava eu esperando a hora de todo mundo chegar, o que seria por volta das nove, completamente sozinho, já que Angie fora para sua casa se arrumar e eu não tinha outra companhia.
Estava um pouco cansado, afinal, eu trabalhara naquele dia já que não tinha mais nada para fazer. Depois que me joguei no sofá, fiquei encarando as luzes piscantes de Natal que enfeitavam minha sala, e cara, como aquilo dava sono!
Acordei com um estrondo e dei um pulo de susto. Mas que raios foi aquilo?
Olhei para os lados e me deparei com uma garota se endireitando ao lado da lareira, aparentemente ela havia caído e… ESPERA AÍ, CAÍDO DE ONDE?!
- QUEM É VOCÊ?! – exclamei assim que o resto do sono passou. A garota me encarou sorrindo.
- Feliz Natal! – disse toda sorrisos se aproximando.
Encarei ela por um segundo. Uma estranha entra na minha casa e tudo o que ela diz é: Feliz Natal?
- Hum, sabe, você deveria responder feliz Natal também. – Ela ergueu a sobrancelha.
- Quem é você e como raios entrou aqui? – murmurei pausadamente.
- Oras, pela chaminé… – A garota disse dando de ombros como se fosse a coisa mais óbvia do mundo o que acabara de dizer.
- Uhum, certo. – Falei em descaso. – E quem é você? – perguntei mais uma vez.
- Sou o seu Espírito de Natal, prazer. – Ela sorriu e estendeu a mão esperando que eu a apertasse.
Encarei-a por um instante. Ela havia mesmo dito que era o Espírito de Natal?
- Tá legal, você deve ser maluca. – Disse pegando o telefone para ligar para a polícia, ela podia ser perigosa… Estranho, ele estava mudo…
- Ai que ótimo, um descrente! – A garota bufou sentando na poltrona ao lado do sofá onde antes eu estava deitado. – Sabia que havia algo errado com você quando comecei a me sentir estranha. Você se esqueceu! – ela exclamou parecendo desesperada.
- Já disse, você é maluca.
Ela me olhou aparentemente ofendida, levantou lentamente da poltrona e caminhou em minha direção enquanto eu tentava recuar, mas ela foi rápida. No instante seguinte ela fez menção de dar um tapa no meu rosto, fechei os olhos e esperei pela ardência que isso causaria, mas o que senti foi um sopro suave em minha bochecha. Quando abri meus olhos o cenário todo a minha volta havia mudado. Eu encarava uma cena um tanto embaçada, uma cena que eu conhecia, uma cena que eu presenciei.
Era do Natal em que eu tinha sete anos, lá estava eu com meus primos e primas em volta da árvore de Natal da sala procurando por nossos presentes deixados pelo “Papai Noel”. Ao fundo podia-se ver minha família conversando enquanto encarava as crianças… Mas o que era aquilo?
- Oi. – Ouvi o “espírito de Natal” ao meu lado.
- Você fez isso?
- Claro, quem mais seria? – Ela sorriu para mim.
Eu já não achava que aquela garota ao meu lado era uma maluca fugitiva do hospício… Na verdade achava que eu é que tinha ficado maluco de vez.
Encarei-a e pela primeira vez a vi de verdade. Tinha os olhos azuis brilhantes como as luzes que piscavam enfeitando minha sala, os cabelos negros e compridos e um sorriso que, juro, fazia com que me esquentasse da cabeça aos pés.
Eu ia dizer algo quando ouvi as risadas alegres das crianças da minha lembrança. Olhei na direção e levei um susto quando o meu eu “flashback” me atravessou como um fantasma. Espera aí, eu estava morto?
- Você não morreu, bobo. – Ouvi a garota murmurar ainda ao meu lado. – Só quero que se lembre. – Ela sorriu mais uma vez apontando para as crianças felizes.
- Me lembre do quê? – questionei cada vez mais confuso.
Assim que perguntei me vi prestando maior atenção à cena. Bem ao lado do meu “eu” da lembrança estava uma menininha vestida com seu vestido vermelho com detalhes em verde e seu gorrinho de Natal, sorrindo enquanto me observava brincar com meus primos com o meu novo presente, um carrinho de controle remoto que logo estaria coberto por adesivos do Homem-Aranha.
Era incrível o quão feliz eu parecia estar naquela época, não só pelos presentes deixados escondidos na sala… Quando eu era pequeno o Natal era o melhor dia do ano, minha família inteira se reunia, nós ceávamos, conversávamos e eu e meus primos brincávamos até altas horas da madrugada. Era ótimo enquanto criança, enquanto a magia de um Papai Noel ainda existia e não havia responsabilidades…
- Me lembrar do quê? – perguntei me recompondo e encarando o tal Espírito de Natal.
- Se lembrar de mim… – Ela sorriu com seus olhos azuis piscando em minha direção…
Espera… Piscando? Fui acordado pela minha campainha tocando insistentemente.
Levantei do sofá num pulo com o som da campainha. Estranho, eu tinha sonhado com alguma coisa muito… Peculiar, mas não conseguia me lembrar de detalhes, sabia que havia sido algo sobre o Natal ou coisa assim, mas o que exatamente?
Resolvi deixar para lá, quando isso acontecia eu não costumava me lembrar do que havia sonhado…
- Cara, pensamos que tinha se afogado num copo de leite! – Meu primo Lerry brincou assim que abri a porta.
- Haha, muito engraçado. – Resmunguei dando um bocejo.
- Era divertido deixar um pratinho de biscoitos e um copo de leite ao lado da árvore de Natal para o Papai Noel. – Alessa, minha prima, exclamou saltitando para o lado de Lerry que concordou com um aceno de cabeça.
- É, mas agora que sabemos que Papai Noel não existe, resta a questão: Quem comia e bebia o que nós deixávamos? – perguntei rindo.
- Aposto como era o Lerry aqui! – Lessa exclamou me fazendo rir. – Lembra como ele era gorducho? – perguntou e Lerry mostrou-lhe o dedo do meio.
- Hei, pessoal, estão interditando o trânsito aqui! – Ouvi uma exclamação de alguém ao fundo. Só então percebi que não estavam apenas meus primos ali, meus tios, meus outros primos e meus pais também esperavam logo atrás deles para entrar e me cumprimentar.
Gargalhei por isso, eu ainda estava um tanto sonolento e realmente não havia percebido a presença de tanta gente a minha frente.
Dei espaço para que todos pudessem entrar e logo percebi que nem todos ali eu conhecia, havia uma garota completamente acanhada e grudada em Alessa que tentava fazer-se desaparecer para que ninguém a percebesse ali, ou ao menos que eu não a percebesse.
- Hei, , esta é , minha melhor amiga! – Lessa exclamou sorrindo e me apresentando à garota.
- É um prazer conhecê-la. – Sorri para a tal . Ela sorriu timidamente de volta colocando uma mecha teimosa de seu cabelo negro e comprido para trás da orelha. Seus olhos eram e brilhavam como luzes… Engraçado como ela me lembrava alguém…
- Igualmente, senhor . – Ela murmurou e eu fiz careta e Alessa riu.
- Qual é, assim você faz com que eu me sinta velho! Senhor é meu pai. – Ri da expressão constrangida dela. – Pode me chamar de . – Conclui.
Ela sorriu ainda um pouco corada.
- Pode me chamar de se quiser… – Disse tímida. Eu sorri e assenti.
Um ano mais tarde
E lá estava eu, deitado no meu sofá encarando minha sala como no ano anterior, a diferença? Agora estava sentada comigo brincando com meus cabelos.
Se eu contasse como acabamos por ficar juntos ririam da minha cara, porque até eu mesmo rio. Acreditariam se eu dissesse que tudo se encaixou com quando discutimos sobre Natal? Pois é… Coisa mais estranha do mundo, mas no final ela havia me convencido de que Natal era uma época maravilhosa do ano, não só por ter me presenteado com sua presença a partir daquele momento por todos os dias até agora, mas havia um algo a mais nisso tudo…
Eu encarava as luzes piscando ao redor da sala, pisca-piscas que mudavam de cor a cada vez que se acendiam. Uma grande parte dos momentos que passei com desde que a conheci no Natal anterior pareciam ser déjà vus, assim como aquele…
Quando o pisca-pisca se tornou azul pude me lembrar…
- É isso! – exclamei me sentando no sofá assustando que me encarou de sobrancelha erguida.
- Isso o que, ? – questionou confusa.
Olhei-a por um instante mais. Ela não era igual a pessoa que eu havia conhecido nos meus sonhos, talvez alguns traços físicos, mas nada demais… Mas definitivamente era ela.
- ? – me chamou esperando por uma resposta. Sorri.
- É isso, , você é meu Espírito de Natal. – Sorri abraçando-a e dando-lhe um beijo na testa. Ela parecia ainda mais confusa com minha resposta, mas o que importava?
- Você está bem, ?
- Ótimo! – exclamei segurando seu rosto para poder observá-la. – Muito melhor agora que tenho meu espírito de Natal de volta… – Murmurei e beijei-a sentindo algo que só ela conseguia me fazer sentir. O coração aquecido e a felicidade imensa que antes eu só sentia uma vez por ano e apenas quando criança, agora me acompanhavam todos os dias… Como se todo dia fosse Natal…
Fim
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