Drag Me To Hell

  Eu era um cara apaixonado e jovem, vi minha vida se despedaçar com a morte da garota que mais amava em minha vida. Fiquei insanamente tomado pela dor e pelo desespero. O que faria sem ela? Podia dizer que não descansaria enquanto não a tivesse de volta.

   era a garota mais alegre e cheia de vida que eu conheci em toda a minha vida. A menina que me fez viver de verdade. Por que tinham que tirá-la de mim dessa forma? Por que não podiam esperar o tempo certo para levá-la?

  Era uma noite ironicamente chuvosa quando soube do que havia acontecido com minha pequena. Um assalto que levou muito mais do que uma bolsa, levou a vida de e a minha também. Eu me sentia morto e vazio, aquilo não podia ser verdade.

  Algumas horas se passaram quando meus amigos vieram me buscar para o velório. Fiquei longe do caixão, não podia suportar a ideia de tê-la perdido para a morte. Na manhã seguinte o enterro aconteceu e depois do último adeus à e da terra ser jogada por cima de seu corpo, todos os familiares foram embora e eu fiquei sentado num dos bancos de mármore perto dos túmulos. Fiquei encarando a terra fofa que havia acabado de ser recolocada em seu lugar e as flores que cobriam a mesma área.

   foi me buscar depois de meia hora me procurando por todos os lados. é minha irmã mais nova, mas ainda assim ela era mais responsável do que eu. Sempre foi preocupada comigo, companheira, uma segunda mãe, talvez.

  Ela estava preocupada com meu estado, tão deprimente.

  — , pelo amor de Deus, precisa se recuperar disso tudo! — ela exclamou algumas semanas depois do enterro de .

  — Não consigo, … — murmurei sem voltar minha atenção à ela.

  — Não, , você não quer superar, é diferente de não conseguir. — Ela bufou pegando sua bolsa em cima da mesa e se voltando para a porta do meu apartamento. — Ela não vai voltar, .

   tinha razão, mas eu nem sempre enxergava a razão…

  Eu me lembrava de um vidente esotérico que costumava visitar às vezes, quando se sentia carregada demais ou com falta de sorte. Eu nunca acreditei muito no que ele dizia poder fazer… Um homem que pode falar com mortos, prever o futuro, quebrar maldições? Aquilo não existia! Mas o que o desespero não faz com um homem? Muda seus conceitos, seus pontos de vista, seu modo de viver… O desespero muda tudo.

  Peguei meu carro e fui até a loja de Akahard, o homem vidente.

  Ele me atendeu um pouco surpreso, eu nunca passava da porta daquele lugar.

  — Bem, o que posso fazer por você, meu rapaz? — perguntou o senhor de cabelos grisalhos com seus olhos curiosos.

  — está morta — murmurei entrando de vez na loja do guru.

  Akahard pareceu prender a respiração por um momento.

  — Ah, sim, a jovem … Sinto muito por isso, mas creio que não possa fazer nada por você sobre esta questão.

  Eu encarei o senhor à minha frente, ele parecia preocupado com algo.

  — Vamos, menino, melhor ir embora, não posso te ajudar — ele murmurou abrindo a porta.

  — Eu a amava mais do que tudo, senhor Akahard. Ela era minha vida e se foi! — exclamei. Eu não prestava muita atenção no fato de que ele dizia não poder me ajudar.

  — Filho…

  — Eu preciso dela, senhor… Preciso dela aqui.

  Akahard me encarou sério e um pouco furioso. Me encarava como se já soubesse o que eu fazia ali.

  — Filho, não se brinca com a vida e muito menos com a morte. Aqueles que se foram não devem voltar — ele vociferou num tom que não combinava com sua voz.

  — Não devem… — murmurei para mim mesmo.

  — O quê? — Ouvi a voz confusa do senhor.

  — Se não devem, então eles podem voltar? — perguntei ignorando a face do vidente estampada de surpresa.

  — Garoto…

  — É isso não é?

  Akahard ficou em silêncio por longos segundos, com a boca quase que escancarada enquanto me encarava. Seus olhos esquadrinharam cada centímetro de minha expressão esperançosa.

  — Que Deus me perdoe por dizer… — murmurou baixinho para si mesmo. — Sim, eles podem voltar.

  — Como? — Foi tudo que consegui perguntar.

  — Filho, isso não importa. — O vidente segurou meus ombros. — O que volta de… Lá, nunca é o que deveria. O corpo volta, mas a essência se perde — Akahard murmurou.

  — Preciso dela, senhor — murmurei de volta me esquivando e me voltando para a porta.

  — Por favor, menino, por favor, não faça nada de que possa se arrepender! — ele exclamou praticamente me implorando, mas a razão em mim já havia partido há muito.

  Foi difícil conseguir alguma informação a mais sobre o que o senhor Akahard havia dito. Não existiam muitos lugares que falavam sobre o assunto e, francamente, me espantaria se existisse. Encontrei minha resposta numa livraria esotérica, perdido em meio a vários livros que haviam sido doados e agora estavam isolados num canto do lugar.

  O título não era lá essas coisas, se chamava “Pactuando”. Eu o comprei por preço de banana se me permite a expressão. Corri para minha casa e passei o resto do dia lendo-o. Depois de horas procurando as respostas de que precisava, encontrei o capítulo que desejava.

  Ali havia um pacto com as sombras que poderia realizar qualquer desejo à quem conseguisse terminar o ritual.

  Era uma coisa um tanto brutal, mas eu não estava pensando naquilo naquele momento, eu só queria ter de volta. Precisava de um sacrifício, papel, meu sangue e uma vela qualquer.

  Eu estava completamente extasiado com o fato de que poderia ter minha pequena de volta, que mal liguei exatamente para o que eu teria de fazer. No dia seguinte fui adotar um gato, escolhi o mais gordo, mas também o mais velho. Esperei a noite cair e num canto qualquer e isolado do cemitério comecei o ritual.

  Abri um buraco na terra à minha frente, depois matei o gato murmurando um cântico escrito no livro, e com seu sangue escrevi meu desejo num pedaço de folha de papel branco. Joguei a carcaça do animal no buraco que havia feito e logo em cima coloquei a folha com meu desejo. Peguei um pequeno canivete retrátil e cortei meu pulso deixando que algumas gotas de sangue caíssem na folha e no gato. Murmurei outro cântico enquanto tapava o buraco e no fim acendi a vela em cima de tudo.

  Voltei para meu apartamento um tanto perturbado. O que eu faria se não desse certo? Como eu poderia viver com o que eu havia acabado de fazer? Seriam coisas que eu teria de deixar para depois, a perda de sangue recente estava me deixando tonto e fraco. Só tive tempo de abrir a porta e cair no sofá completamente inconsciente.

  Acordei com o sol batendo em meu rosto e com alguém falando comigo.

  — , por que dormiu no sofá, garoto? — Ouvi uma voz conhecida murmurar bem perto de mim.

  Abri meus olhos e quase tive um ataque. Lá estava ela, a minha pequena, a minha vida, a minha . Ela usava uma roupa que usaria em seu dia-a-dia: camiseta, calça jeans e seu sobretudo bege. Cocei meus olhos e pisquei algumas vezes, aquilo era real?

  — É mesmo você, ? — perguntei sem deixar de encará-la.

  — Sim, , sou eu. — Ela sorriu, mas logo parou. — Não devia ter feito isso. — Ela me encarou séria, seus grandes olhos pareciam irados.

  — Eu precisei… — murmurei me encolhendo um pouco envergonhado.

  — Claro… Você foi um idiota, ! — ela exclamou agora um pouco desesperada.

  — E o que vai fazer, ?

  — Eu devia ir embora, voltar para de onde eu vim.

  — Não podemos simplesmente aproveitar o que nos deram? — perguntei me aproximando dela.

  — E o que nos deram? — devolveu revirando os olhos.

  — Mais tempo. — Sorri beijando-lhe os lábios, eles continuavam macios, mas o gosto era diferente.

  — Não, . Sabe o que vai acontecer depois de algum tempo, não sabe? — ela perguntou com seus olhos marejados. — Precisa me deixar ir, !

  — Não.

  Claro que eu sabia o que aconteceria depois. O ritual não estava completo. Como todo pacto com o mundo inferior, eu ainda devia uma coisa valiosa a eles: minha alma. Se eu quisesse que continuasse viva eu teria de me entregar em algum momento, se eu quisesse continuar vivo teria de entregar ao inferno e havia também mais uma opção para nós.

  — , não me importo com o que vai acontecer, só quero te ter ao meu lado para sempre — sussurrei abraçando-a.

  — Mas você vai para o inferno! — Ela tentou novamente me convencer.

  — Não me importo se eu tiver você por mais um tempo.

  Ela não havia voltado muito diferente de seja lá onde, continuava doce e meiga, mas seus lábios tinham um gosto de ferro, um gosto estranho que logo descobri a origem. Ela agora só se alimentava de carne crua, com bastante sangue a pingar. Esse era o único fato que me fazia ter certeza de que ela voltara dos mortos, nada mais.

  Os dias foram se passando e eu estava feliz ao lado da pessoa que eu mais amava.

  Sete dias exatos se passaram desde que havia voltado. Nos divertimos como antes, sorrimos, rimos e nos beijamos como se nada tivesse acontecido, mas naquele sétimo dia, as coisas estavam diferentes.

   estava acuada em um canto do apartamento, triste e amedrontada e eu sabia bem o porquê. A hora de decidir estava chegando e pela expressão dela eu sabia que ela pensava em se sacrificar por mim. Mas então, de que teria adiantado tudo o que eu havia feito? De que teria adiantado eu tê-la trazido de volta?

  — Sinto muito por isso, … — murmurei cabisbaixo.

  — Não vou deixar te levarem, — ela murmurou baixo, mas com firmeza.

  — Shh. — Eu a fiz se calar. — Eu não vou deixar te levarem, pequena — eu murmurei acariciando-a e ela me encarou incrédula, mas sabendo bem o que eu queria dizer.

  Fomos ao cemitério de noite e paramos no mesmo local onde eu havia feito o pacto. estava nervosa e eu sabia que ela tentaria me impedir, mas eu não a deixaria. Eu havia condenado sua alma por ser egoísta, não a deixaria se sacrificar ainda mais por minha culpa. Eu também sabia que ela iria comigo, porque ao contrário de mim, ela sempre pensou primeiro nas pessoas ao seu redor e por último ela pensava em si mesma.

  Era meia noite quando ela segurou em minhas mãos.

  — Ficaremos juntos, — ela sussurrou apertando forte meus dedos entrelaçados aos seus.

  — Me perdoe, pequena — murmurei antes de sentir a terra fofa começar a ceder abaixo de meus pés.

  Era chegada a hora, o submundo estava cobrando suas dívidas. A terra começou a tomar formas abstratas e pareciam puxar a mim e à para baixo.

  Ela me encarou sorrindo tristemente.

  Eu a abracei com força enquanto ainda tinha braços, beijei-a enquanto ainda tinha lábios. Nós dois sabíamos que quando aquilo acabasse, já não seríamos nós mesmos, não seríamos humanos.

   me encarou com os olhos se inundando.

  — Eu te amo, — murmurei acariciando seu rosto.

  — Eu sempre estarei com você, — ela sussurrou deixando uma lágrima escorrer.

  Por fim parei de lutar contra as forças que me puxavam pra baixo da terra. Eu havia ouvido o que mais precisava ouvir e sabia que a minha faria o impossível para cumprir o que havia dito, então respirei fundo abraçando-a com força, e nós nos deixamos ser arrastados para o inferno.