Chicago
In Illinois…
E se com 10 anos de idade você recebe em seus sonhos um presente de um anjo para te ajudar a salvar vidas? Você acreditaria ser real?!
Eu não acreditei até que aconteceu pela primeira vez…
Naquela época, meu pai havia acabado de ser promovido a capitão do 21º Distrito do Departamento de Polícia de Chicago, senhor James Miller. Ele estava à frente do seu primeiro caso e não se entendia muito bem com o veterano sargento Maloy. Os primeiros sonhos que tive me deixaram ainda mais temerosa e confusa, tanto que meu pais me levaram ao psicólogo achando que minhas afirmações de poder ver coisas sobre as pessoas era uma forma de chamar atenção.
Poderia até ser, já que meu pai passava muito tempo no Departamento Policial, enquanto minha mãe sobrevivia aos seus plantões na enfermaria do hospital Gaffney Chicago Medical Center. Eu passava muito tempo sozinha. Meus pais seguiram não acreditando em mim, até o dia em que a filha de um casal amigo deles desapareceu ao se afastar dos pais. Aconteceu em um piquenique no parque Northerly Island, onde na noite seguinte ao desaparecimento sonhei com o lugar onde a criança havia caído em um buraco cedido pela chuva.
Somente meus pais sabiam do meu sonho, e ficaram paralisados quando perceberam, que todos os detalhes que havia contado estavam ocorrendo. Esse era o meu presente: Eu podia ver além do que os olhos comuns enxergavam, podia ver o passado, presente e em raros momentos até mesmo o futuro.
– x –
Manhã de sexta-feira…
— Não acredito que minhas férias acabaram tão rápido.
Me espreguicei ao entrar na sala de meu pai e não o vi.
— Onde ele está? Nem é a hora do almoço! – Cocei a cabeça de leve, rindo.
Em alguns momentos era divertido trabalhar na mesma DP que meu pai. Graças à insistência dele, e por jamais duvidar novamente de minhas visões, atualmente sou uma boa detetive e nós conseguimos solucionar a maioria de nossos casos com êxito.
Logo senti uma leve tontura, algo que me deixou desnorteada.
“Em um piscar de olhos, me vi dentro de um ambiente úmido, frio e escuro; olhei ao meu redor: o lugar apertado parecia uma tubulação de esgoto, e o cheiro também contribuía para pensar nessa hipótese. Desviei meu olhar para baixo e vi minhas roupas levemente ensanguentadas, foi quando sem entender comecei a correr como se estivesse sendo perseguida.”
Voltei a realidade em segundos, e pegando minha bolsa saí correndo da sala. Meu pai era o único na DP que sabia sobre isso, decidimos não contar a mais ninguém, seria seguro para mim e para o departamento. Desta vez como ele não estava presente, eu teria que encarar aquilo sozinha. Ao sair do prédio na pressa, acabei trombando em um homem, meu corpo paralisou sem motivos quando nossos olhos se encontraram, assim como meu coração acelerou. Uma cena passou em minha mente deste homem chorando em frente a um túmulo, havia o nome de uma mulher lá. Apertei os olhos e tentei me concentrar.
— Me desculpe, eu estou com pressa.
— Não, está tudo bem. — Ele me olhou com preocupação. — Você me parece com problema. Precisa de ajuda?
— Preciso chegar a um lugar. — Voltei meu olhar para rua, tentando ver se tinha alguma viatura disponível.
— Posso te dar uma carona então?! — se ofereceu.
— Eu não quero incomodar.
— Eu insisto, parece grave.
Assenti e segui com ele até seu carro. Indiquei o caminho e pedi que continuasse em uma rua estreita, até que gritei:
— PARE!!
Em meio ao susto, ele freou o carro e em seguida desligou o motor. Sem perder tempo saí do carro e segui correndo em direção a um outro beco escuro que havia próximo e era bem mais apertado que a rua. Eu não sabia bem o que estava procurando, mas sabia que estava lá. Certamente havia alguma entrada para algum lugar e que me levaria ao ponto da minha visão.
Pude perceber a presença do homem da carona, ele parecia curioso em saber o que estava acontecendo e entender o que eu tanto procurava pelo chão. Após alguns minutos, vi bem ao canto lateral à lata de lixo uma tampa de bueiro sendo escondida por alguns jornais picados. Me abaixei bem devagar, já conseguia sentir o mesmo cheio de antes, peguei alguns pedaços dos jornais jogando para longe e abri a tampa, retirando-a. Entrei no buraco, que felizmente revelou ter uma escada de acesso.
— É aqui — sussurrei para mim.
Ele, por sua vez, entrou logo atrás, em silêncio ainda mais confuso com o que estava acontecendo. Caminhei por um corredor central, que tinha alguns canos de tubulação de esgoto ligados nas paredes e andei por alguns metros. A cada passo aquela água suja que escorria dos canos nas paredes se remexia ainda mais e manchava a borda da minha calça, em instantes o mal cheiro foi crescendo e quase se tornando insuportável. Coloquei a mão direita na boca tendo ânsia de vômito, e olhando um pouco mais a frente avistei o que infelizmente procurava, um corpo que aparentava ser de uma criança.
— Oh, Deus. — Senti um nó na garganta, já me perguntando o motivo de não ter conseguido ver antes de acontecer isso com um inocente.
— Como você sabia?! — perguntou ele, parando ao meu lado. — Fizeram uma denúncia anônima?
Eu não dei importância à sua pergunta e voltei pelo mesmo caminho, mesmo parcialmente abalada, tinha que continuar o que havia começado e reportar ao distrito o ocorrido. Assim que chegamos perto do carro, liguei para meu pai e contei o que havia achado, falando de forma enigmática que tinha sido uma visão.
— Você não vai mesmo me dizer o que aconteceu? — Ele parou em minha frente.
— Sim — concordei, era algo racional que deveria ser dito —, foi uma denúncia anônima.
Pedi para que ele permanecesse, já que agora era uma testemunha.
Não demorou muito para que a rua fosse fechada de ambos os lados e o beco ficasse cheio de policiais, somente os especialistas forenses estavam autorizados a descer no bueiro. Aos arredores, muitos curiosos e os rápidos repórteres já estavam presentes querendo saber mais sobre o ocorrido, várias perguntas eram em relação à descoberta do crime.
Em meio a todo aquele tumulto, sentei-me no degrau que dava para a porta de saída do prédio ao lado do beco e mantive meus olhos direcionados para o chão. Em pleno silêncio, pensando em como e porque aquilo havia acontecido comigo novamente. Pois já havia se completado sete meses que não tinha visões, cheguei a pensar que havia perdido este presente.
— Você está bem? — perguntou uma policial baixinha de cabelos cacheados ao levar uma garrafinha de água para mim.
— Sim, obrigada. — Peguei a garrafinha dando um sorriso forçado. — Onde está o capitão Miller?
— Está a caminho. — A policial se afastou.
Voltei meu olhar à frente e vi que o homem da carona se encontrava ali, prestando depoimento para o policial Fontes, e perto do seu carro que ainda estava estacionado naquela rua.
— Pai! — Eu me levantei ao avistá-lo adentrando a rua.
Segui em sua direção. Não me contive em abraçá-lo, segurando as lágrimas me mantendo forte e focada.
— Aconteceu, depois de sete meses sem ver nada, aconteceu. — Respirei fundo.
— Calma filha… Como aconteceu? — Vi a preocupação nos olhos do meu pai. — Foi esta noite?
— Não… Eu estava na sua sala, fui te procurar e… — Desviei meu olhar para o chão, lembrando-me do momento. — Senti uma tontura e meu corpo paralisou. Eu não entendo… Após anos as cenas só aconteciam nos sonhos quando eu dormia, mas desta vez eu estava acordada, pai.
— Será que tem alguma relação com a pausa dos sonhos?
— Eu não sei, mas sei que o que vi foi ainda mais real que nos sonhos. — Senti um leve frio na barriga. — O cheiro, a sensação ruim, tudo era real.
— Como chegou aqui?
— Aquele homem me ajudou, trombei com ele na porta do distrito e ele me deu carona — respondi.
Seguimos juntos até o homem que permanecia parado no canto observando tudo.
— Gostaria de lhe agradecer pela ajuda — disse meu pai, estendendo a mão em cumprimento.
— Eu só estava no lugar certo na hora certa — respondeu o homem aceitando o cumprimento.
— Você estava em frente ao distrito — comentei. — Iria para lá?
— Sim. — Ele desviou seu olhar para mim, mantendo-se sério. — Sou o novo detetive, transferido de Manhattan.
— Detetive Lewis — constatou meu pai.
Desde quando ele sabia que teríamos um novo detetive e não me contou? Pensei comigo.
— Lewis — assentiu.
— Agradeço sua ajuda mesmo assim, detetive Lewis — disse a ele e me afastei.
Aproveitei a oportunidade e entrei na viatura de um dos policiais que estava deixando o local.
Certamente meu pai continuaria a comandar todos os procedimentos que ainda estavam sendo feitos no local, após recolherem o corpo da criança o lugar seria lacrado para possíveis futuras investigações. As horas se passaram e logo no final do expediente, quando o distrito já parecia mais calmo e focado nas investigações deste novo homicídio, meu pai e eu nos trancamos na sala. Nossa nova indagação era por que minhas visões haviam retornado, e comigo acordada.
— Eu não sei pai, foi exatamente como te contei mais cedo. — Me levantei do sofá que tinha embaixo da janela.
— Deve ter uma razão… — Ele respirou fundo direcionando seu olhar para a janela. — Um gatilho paras as visões terem sumido e agora voltarem de forma involuntária.
— Não imagino qual motivo poderia ser.
— Tem certeza que você não pediu?
— Pai?! Não, eu já havia me conformado. — Dei dois passos até a parede me encostando nela. — Apesar de estar grata, isso dói, física e mentalmente.
— Eu te entendo, querida. — Ele sorriu de forma reconfortante para mim. — Acho melhor ir para casa, pode me entregar seu relatório amanhã, vou ligar para sua mãe e dizer que passarei esta noite aqui.
— Logo hoje que ela tem folga?! — questionei. — Pai, você também precisa descansar. Já para casa antes que a mamãe te coloque para dormir no sofá.
— Pode deixar — ele riu.
Saí da sua sala rindo, ao passar pelos corredores do distrito, fui a cada instante parada por meus colegas de trabalho, que sempre perguntavam como eu conseguia chegar antes de forma precisa. E minhas desculpas eram sempre as mesmas, e desta vez, percebi o olhar curioso e intrigado de para mim.
Cheguei em casa me jogando na banheira de sais, meu corpo parecia ter sido moído por uma trituradora. Assim que saí, finalmente pude dar a atenção merecida para Luke, meu fiel cachorro, que eu havia resgatado há um ano de um atropelamento que presenciei o motorista fugir. Luke era meigo e dócil, não tinha raça definida mas seu pelo era bonito e brilhava sempre que voltava do petshop.
— O que acha que um episódio de Cold Case? — perguntei a ele, que já foi subindo na minha cama como se entendesse minha sugestão. — Ahhh…. Mas primeiro, preciso arrumar algo para comer, mocinho!
Ri um pouco e dei uma conferida superficial na geladeira, felizmente Tina minha faxineira/babá sempre deixava algum lanche preparado para mim. Alimentada e debaixo do cobertor, eu terminaria meu episódio e me renderia ao sono. Contava com uma noite tranquila e relaxante, porém como nem tudo que queremos é o que temos, no meio da madrugada tive um pesadelo, ou na realidade era mais uma visão.
“Parecia um celeiro, percorri meus olhos pelo lugar e vi um canto repleto de pedaços de madeira ensanguentados, ao lado tinha uma poça de sangue, a cada passo que dava minha visão parecia mais real que até mesmo o cheiro de carne podre conseguia sentir. Olhando pouco mais à frente, no meio do celeiro havia uma maca, os lençóis que a cobriam eram brancos e limpos. Caminhei em sua direção e chegando perto percebi a mudança no cheiro, aqui os lençóis cheiravam flores do campo. Então, toquei no lençol e descobri a maca, a mesma estava com uma faca afiada sobre ela e embaixo da faca havia um nome: Molly Hilte.”
Acordei assustada e com falta de ar, como das outras vezes meus olhos estavam doendo e minha visão embaçada, eu sabia que a dor passaria em alguns instantes e minha visão voltaria ao normal. Levantando-me da cama com certa dificuldade, segui para o banheiro, lavei o rosto e voltei para o quarto, precisava relembrar cada detalhe daquela visão e anotar tudo para contar ao papai. O que me levou a passar a noite em claro.
Logo pela manhã, saí correndo após pegar um pacote de biscoitos do armário, o táxi já me esperava na porta do prédio, aproveitei o caminho para terminar meu relatório digitando no bloco de notas do tablet. Chegando ao distrito, mais que depressa me isolei em uma sala que estava sendo feita de depósito, era meu refúgio quando queria meditar sobre minhas visões e não ter que dar explicações.
— Bom dia — disse ao tocar duas vezes na porta.
— O que faz aqui? — O olhei meio surpresa.
— Detetive Lewis? Te lembra algo? — Ele se manteve encostado na porta e cruzou os braços, parecia confuso com minha pergunta.
— Me desculpe, aconteceram tantas coisas ontem que, acabei me esquecendo disso. — Sorri meio sem graça e voltei meu olhar para minhas anotações no tablet.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Que pergunta? — Mantive minha atenção onde estava.
— Como sabia? — a entonação em sua voz estava com traços de seriedade.
— Sabia sobre o quê? — Voltei meu olhar para ele.
— Sobre ontem. O corpo.
— Ligações anônimas — respondi rapidamente. — Já disse.
— Eu já chequei isso. — Ele mantinha seu olhar fixo em mim como se analisasse minhas reações. — Não houve ligações, até a imprensa já está especulando sobre isso.
— O telefone do distrito não é o único do mundo. — Dei de ombros. — O que importa é que eu sabia. Mais alguma pergunta? Estou ocupada.
se retirou em silêncio. Eu sabia que ele não tinha engolido meus argumentos, mas não iria me desdobrar para fazê-lo acreditar em mim. Respirei fundo tentando manter-me calma e tranquila, aquele nome ainda martelava em minha mente e eu precisava saber a ligação dele com tudo o que acontecia.
— Aqui está você, imaginei que estivesse se escondido nessa sala, acho que deveríamos retirar essas bagunças e arrumá-la de verdade. — Papai sorriu para mim. — Conseguiu dormir?
— Não, tive um sonho muito estranho. — Suspirei fraco. — Conseguiram identificar o corpo?
— Os médicos legistas estão trabalhando nisso. — Então ele deu alguns passos para dentro. — Eu vi o detetive Lewis saindo daqui, aconteceu algo?
— Ele queria saber como eu descobri aquele lugar, disse a ele que foi ligação anônima, mas estou vendo que com ele essa desculpa não vai funcionar.
— O que pretende fazer?
— Eu não sei.
— E sobre seu sonho?
— Consegui um nome.
— Qual?!
— Molly Hilte — disse de forma direta e rápida.
Assim que meu pai saiu voltei para meu relatório e o terminei. Depois enviei-o para o e-mail da assistente dele, para que ela imprimisse e o entregasse. Senti uma leve vontade de tomar alguma coisa que não fosse água, então saí do prédio para me deliciar na cafeteria que tinha próximo ao distrito. Avistei sentado em uma mesa aos fundo fazendo alguma ligação. Ele não era somente um detetive transferido, no seu currículo havia uma longa lista de casos solucionados no 23º distrito de Manhattan, além de alguns trabalhos prestados ao FBI.
— Molly Hilte é o nome da criança que encontramos — disse ao se aproximar da mesa onde eu estava, logo após o atendente se afastar. — Agora vai me dizer como? Como soube antes dos legistas?
— Como assim? — O olhei sem saber o que dizer.
— Eu ouvi você dizendo ao seu pai — explicou.
— Você estava nos espionando? — Já estava indignada.
— Não, e isso não vem ao caso.
Eu não sabia o que dizer, ficamos em silêncio aquele tempo, até que o atendente trouxe meu café.
— Senta — disse tranquilamente.
— Não vai me dizer, não é? A verdade. — Ele se sentou.
— Estou pensando em duas alternativas — ri. — Construo um argumento racional e você sai satisfeito, ou digo a verdade e corro o risco de ser chamada de louca.
— Escolha a segunda alternativa e surpreenda-me — incentivou ele.
— Tem certeza?
— Vá em frente.
Após respirar fundo, comecei de forma suave falando sobre assuntos inexplicáveis e casos sobrenaturais, me dando a oportunidade de brincar um pouco no início, mas a seriedade veio quando contei da minha primeira visão e como foi difícil para meus pais acreditarem em mim. Era algo surreal, mas aquela era a verdade.
— Então é isso. — Peguei o copo térmico do café e me levantei. — Você pode acreditar ou não, só peço que mantenha em segredo.
ficou me olhando ainda estático e assim que dei o primeiro passo para sair, comecei a sentir uma forte dor em minha cabeça.
— AI!! — soltei um grito forte de dor, o copo que eu segurava escorregou de minha mão ao sentir meu corpo enfraquecer e minhas pernas fraquejarem.
— Detetive… — Ele me amparou antes que eu caísse. — , tudo bem?
— Está doendo. — O olhei sentindo meus olhos lacrimejarem pela dor, então minhas vistas foram escurecendo até tudo se apagar.
Despertei sentindo meu corpo dolorido, minhas pálpebras ainda pesadas não facilitaram para abri-las.
— Pai?! — Nos poucos segundos acordada, percebi que estava no hospital. — Pai?!
— Querida. — Senti sua mão segurar a minha. — Está tudo bem, querida, você está no hospital.
— Por quanto tempo fiquei desacordada? — perguntei preocupada.
— Algumas horas — respondeu.
— E o Luke?! — me preocupei com meu cachorro.
— Fique tranquila, Tina levou para casa dela, até você melhorar — ele sorriu. — Hum… Você não vai acreditar.
— O quê?!
— O detetive Lewis ficou aqui a noite toda.
— ?!
— Ele me disse que contou a ele sobre… — papai parou assim que o médico entrou.
Fiz alguns exames para confirmar se estava tudo bem comigo, então fui para a casa dos meus pais, eles não me deixariam ficar sozinha por um tempo. Claro que teria que brigar para voltar ao trabalho, foi meio constrangedor ver minha mãe me tratando como uma adolescente.
– x –
Dois dias depois, Departamento de Polícia…
— Detetive Lewis?! — disse assim que entrei na pequena sala que eu usava de refúgio. — Para onde foram todas as caixas?!
— Achei que assim seria melhor pra trabalhar — respondeu apontando para um painel pendurado ao lado da porta cheio de recortes e anotações. — Não deveria estar aqui.
— Estou melhor, consigo andar, me alimentei bem, então já posso trabalhar — retruquei. — Meu pai contou que…
— Fiquei preocupado, você me conta coisas estranhas sobre você e logo depois desmaia — ele suspirou. — Me deixou sem reação e preocupado ao mesmo tempo.
— Obrigada.
— Pelo quê? Prestar assistência é um dever de todos.
— Por não me achar uma louca.
— É porque ainda estou processando tudo o que contou — brincou ele, me fazendo rir.
Estando de volta ao trabalho, foquei naquele caso juntamente a ele por mais dois dias, a família da criança havia sido notificada e os depoimentos já estavam sendo tomados, já estavam montando uma lista de suspeitos. Segundo seus pais, a garotinha que tinha 9 anos havia desaparecido duas semanas antes de ser encontrada morta.
Neste meio tempo, continuava digerindo toda a história das visões, me fazendo várias perguntas sobre o assunto em momentos aleatórios. Outra coisa que não me deixou foram as constantes dores de cabeça, deixando-o mais preocupado ainda comigo, assim como meus pais.
— Encontramos a localização — disse uma policial veterana ao bater na porta da nossa improvisada sala.
Eu notei que estava diferente seu visual, talvez por ter descolorido seus cabelos e pintado de loiro.
— Pode entrar, Keith — eu disse.
— Aqui está. — Ela entrando na sala estendeu um papel para mim.
— Obrigada. — Me levantei pegando o papel, então peguei meus documentos e guardei no bolso.
— Aonde vai? — disse ao ver minha movimentação.
— Nós vamos. — Peguei em sua mão sem receio e o arrastei comigo.
Entrando em seu carro, seguimos até a rodovia principal da cidade.
Liguei para meu pai contando sobre o endereço, aproveitando para mencionar sobre duas visões que tive pela manhã assim que cheguei no distrito. Uma hora depois, pedi para que seguisse com o carro por uma trilha de terra, ele estacionou próximo a um lago, assim que saímos do carro escutamos um grito um pouco distante. Sem pensar, ambos corremos na direção do grito, achando um ferro-velho aparentemente abandonado.
Havia um container que certamente usavam como depósito ou casa. Enferrujado por fora, foi difícil abrir a porta que estava emperrada, mesmo pedindo para eu ficar na entrada, adentrei com ele e caminhando até os fundos, nos deparamos com uma criança. O garotinho estava com o seu corpo todo enrolado com fita adesiva, seu rosto com marcas roxas e seus olhos encharcados de lágrimas.
— Calma, não vou te machucar. — Caminhei lentamente até ele, me ajoelhando na sua frente, limpei sua lágrima dando um sorriso singelo. — Vai ficar tudo bem.
— Céus — disse ao ver a cena. — Ainda não acredito.
— , chame uma ambulância — pedi —, agora.
assentiu e retirou o celular do bolso.
Enquanto ele esperava na frente do container a chegada de todos, conduzi a pequena criança com cuidado para fora. As viaturas demoraram um pouco para chegar, mas quando chegaram, todos como sempre ficaram surpresos com a minha precisão. Para os novatos era curioso que eu acertasse mais um local, mas para os veteranos eu havia me tornado um instrumento de salvar vidas em forma de detetive.
— Por favor, tire isso com cuidado — eu disse ao paramédico que estava atendendo ao garotinho na ambulância.
— Não se preocupe, detetive Miller, farei com toda cautela — assentiu o rapaz, que começou a entreter a criança com histórias enquanto retirava toda àquela grossa camada de fita.
Sorri mais uma vez para a criança, então me afastei indo até meu pai.
— Não era pra ter um galpão aqui? — disse ele.
— Acho que sim, as coordenadas eram estas, o endereço que te enviei ia somente até a estrada — respondi. — Também não entendi, eu sempre vejo celeiros e galpões, não um container…
— O que importa é que o encontramos vivo. — Meu pai respirou aliviado.
— Já estão verificando o banco de dados das crianças desaparecidas nas últimas semanas. — se aproximou de nós. — Até agora, nada encontrado.
— Por que esta criança está desaparecida há um ano. — Respirei fundo, ainda estava me acostumando com o fato de mais alguém saber sobre minhas visões. — Seu nome é Jeremy Donson.
— Vamos avisar aos pais. — Papai se retirou apressadamente.
— Não vai perguntar nada? — Desviei meu olhar para .
— Ainda quero manter o pouco de sanidade que me resta. — Ele sorriu. — Mesmo diante dos fatos, prefiro manter minhas perguntas para mim, por enquanto. — Ele se virou e caminhou em direção ao seu carro.
Mais uma semana se passou.
Com o meu pai cuidando de todos os trâmites importantes, todos os policiais de investigação do distrito estavam focados naquele caso. Algo que parecia isolado foi se revelando nas minhas visões, que todas as vítimas eram interligadas pela idade e por um fato: Suas mães eram enfermeiras e trabalhavam em maternidades.
Algo me chamou a atenção: O fato do garotinho Jeremy Donson não ser de Chicago e nem do estado de Illinois. Sua família morava em Lawrence, no Kansas, o que me levou a montar a equipe de pesquisa mais empenhada daquele distrito, juntamente com . Mergulhamos no banco de dados de crianças desaparecidas do país inteiro, conferindo todos os casos a fim de separar os que não haviam sido solucionados ainda, e conferir se havia alguma semelhança nos que haviam sido aparentemente solucionados.
— Ok, todos estes casos que estão nas caixas brancas foram solucionados e não são compatíveis com o nosso — declarou nosso policial novato, made in Asia, Tomoe.
Seu pai, um legítimo japonês, se casou com sua mãe americana e segundo ele foi amor à primeira vista, que o fez continuar em Chicago e construir sua família aqui. Tomoe vivia chamando os veteranos de senpai, um motivo de graça e descontração para todos. Ele era um jovem bastante descontraído, o único que conseguia aguentar os ataques de mau-humor de Clair.
— Filipe, pode levar as caixas brancas — eu pedi, pegando mais uma pasta amarela. — Quanto às vermelhas com os casos não solucionados e não compatíveis, deixe-os em um lugar de fácil acesso, caso precisemos.
— Deixe-me situar — pronunciou a policial Clair. — Temos 20 casos solucionados e compatíveis nessa caixa azul, e mais 12 casos não solucionados e compatíveis na caixa laranja?
— Sim, senpai. — Tomoe pegou as caixas e saiu da sala.
— Pronto, este é o último. — Coloquei a pasta aberta sobre a mesa. – Com este temos 21 casos solucionados e compatíveis, Clair quero que separe por data do mais recente ao mais antigo e unifique os dados no painel para analisarmos melhor.
— Seu pedido é uma ordem, — disse ela brincando ao bater continência de leve.
— Agora que acabou. — pegou de repente na minha mão e me puxou para sair da sala. — Vou te levar para comer.
— Como… — me recusei percebendo que não teria sucesso.
— Acha que não percebi que não almoçou hoje?
Ele me levou até a nossa cafeteria de estimação, onde sentamos em uma das mesas que ficavam ao fundo. Pedi chá de camomila, de alguma forma me ajudava em minhas dores de cabeça repentinas, acompanhado de um pedaço de torta de maçã. Enquanto pediu um expresso duplo.
— E você não vai comer nada? — retruquei a preocupação.
— Estou sem fome agora. — Ele mantinha seu olhar sereno em mim.
Ficamos em silêncio, e por um momento me perdi em meus pensamentos enquanto olhava para a vidraçaria da lanchonete.
— Outra visão? — Ele olhou-me já com preocupação, sabia que meu físico ainda não estava acostumado com a nova condição de ter as visões acordada.
— Não… É que… Todos os casos solucionados e compatíveis tiveram seus criminosos presos. — Voltei meu olhar para a garçonete vindo em nossa direção. — Ainda não batem cem por cento.
— Então teremos que pesquisar mais. — parou um instante e esperou até que a garçonete se retirasse. — Esses 21 casos devem ter mais algo em comum, se todos forem o mesmo suspeito? Não conferimos isso.
— Tem razão. — Sorri de leve e comecei a saborear o meu pedaço de torta.
Mais uma semana se passou.
Tive mais algumas visões acordada que nos ajudaram a encontrar mais duas crianças, porém uma delas faleceu após dar entrada na UTI com parada cardiovascular.
— Então o que me diz?! — se remexeu no sofá improvisado da nossa sala, onde estava sentado e me olhou curioso pela minha reação.
— Você está me dizendo que desses 21 casos solucionados, só 7 são compatíveis? — O olhei.
— Sim. — Ele se levantou e olhou a janela. — Eu investiguei mais a fundo, as outras 14 crianças desapareceram na mesma data, mas as causas das mortes foram outras.
— Então me conta a história dessas sete crianças.
— Bem, duas eram gêmeas e foram sequestradas há dois anos, seus corpos foram encontrados boiando na represa, mas como o assassino não foi encontrado o caso foi dado como solucionado, certamente por um preguiçoso. Já as outras cinco crianças, o nome do psicopata é George Byron, preso há uns três meses.
— Então vamos até ele — eu sugeri.
Me levantei da cadeira pegando meu celular em cima da mesa.
— Não acho que valha a pena — retrucou ele.
— Por que? — perguntei.
— Segundo as informações, ele está em um manicômio — respondeu desviando seu olhar para mim, sério e seguro do que dizia. — Não acho que a saúde mental dele deva estar boa para conversas, não agora.
— Então voltamos à estaca zero. — Me sentei na cadeira novamente, sentindo uma enorme frustração.
— Acho que não, no caso das gêmeas eu li o depoimento da mãe delas — explicou .
— E? — eu indaguei.
— Havia uma enfermeira, que sempre fazia perguntas sobre as crianças que nasceram no hospital em agosto de 2012, e as filhas dela eram as únicas que havia nascido naquela data. — Ele se virou e olhou novamente para janela. — Então eu refiz nossa filtragem e descobri que Molly Hilte e Jeremy Donson também nasceram em agosto de 2012, e quanto aos 12 casos não solucionados, encontrei nele 3 crianças que nasceram nesta data. O que me diz?
— Que devemos fazer outra pesquisa, encontrar todas as crianças que nasceram nesta data que ainda não foram sequestradas, sabendo qual as possíveis vítimas, ainda que pequena, pode ter uma chance de aparecer algo em minhas visões.
— Uma ideia maluca, mas pode funcionar. — Ele sorriu de canto, parecia mais confortável com meu dom. — Vamos tentar.
– x –
Como sempre, minhas visões me proporcionavam alguns momentos de fraqueza física, que eu tentava esconder sem sucesso de . Uma novidade?! Por nunca ter visto com tanta intensidade antes, minhas visões estavam fazendo com que eu desenvolvesse uma estranha ligação com as vítimas, podia em alguns raros momentos sentir suas dores e seus medos.
Com isso vieram também os pesadelos, as madrugadas em claro com fortes dores de cabeça.
— Obrigado por vir — disse assim que abri a porta do meu apartamento para .
Meu cachorro continuou deitado no sofá, havia passado a tarde brincando na casa de Tina com outros cachorros e parecia mais cansado que eu.
— Fiquei preocupado quando meu celular tocou e era uma ligação sua — disse ele entrando. — O que aconteceu?! São duas da manhã.
— Me desculpe, você foi a primeira pessoa que veio em minha mente. — Eu estava um tanto abalada emocionalmente.
— Não precisa se desculpar.
Ele tocou em minha mão e fechou a porta, depois me abraçou de forma carinhosa, me fazendo sentir-me segura. Algo que não sentia há muito tempo.
— Não precisa dizer nada, se não quiser — ele falou baixo.
— Obrigada. — Senti uma lágrima escorrer, me aninhei em seus braços, voltando meu olhar para meu cachorro, que nos olhava com uma cara de confuso.
Em segundos meu corpo paralisou, o que me indicava outra visão.
“— , não acredito que me deixou dormir até tarde — disse ao me espreguiçar entrando na cozinha.
— Você dormia de uma forma tão fofa, não tive coragem. — Ele sorriu, enquanto despejava a panqueca que fazia no prato. — Está com fome?!
— Olha, o detetive Lewis sabe cozinhar, por essa eu não esperava — brinquei rindo.
— Há muitas coisas sobre mim que não sabe. — Ele deixou a frigideira no fogão e veio até mim. — Então…
— Sério? O quê, por exemplo?! — Mordi o lábio inferior.
— Que eu te acho uma mulher incrível e fascinante. — Ele acariciou de leve minha face, me olhando com carinho.
— Isso eu já sei, tente algo novo. — Eu ri de leve.
— Que tal isso. — Ele foi se aproximando bem devagar, até que seus lábios tocaram os meus.
Fechei meus olhos no susto e senti o doce sabor do seu beijo, que suave no início foi ficando ainda mais intenso e malicioso.”
— ? ? — ouvi a voz de me chamando ao longe, me despertando.
— ?! — Me afastei mais dele, tentando entender o que acontecia.
— O que foi? — Seu olhar parecia preocupado, ele pegou em minha mão e me guiou para sentar no sofá ao lado de Luke. — Outra visão?
— Não — sussurrei ainda em choque, não sabia como reagir e nem tinha coragem de falar. — Acho que tive um leve devaneio — expliquei disfarçando.
— Tem certeza? Se quiser posso ligar para o capitão. — Ele se sentou na mesa de centro, ficando de frente pra mim.
— Não, não quero que meu pai fiquei mais preocupado.
Respirei fundo, mantendo minha cabeça abaixada.
— Por que você sempre faz isso? — Ele se levantou, como todas as vezes não acreditava em mim quando eu dizia estar bem.
adentrou minha pequena cozinha e começou a revirar os armários.
— Já que não quer falar… — disse pegando a chaleira. — Vamos tomar um chá então.
Mantive meu olhar nele, paralisada com a naturalidade do sorriso em seu rosto para mim, logo a visão dele me beijando tomou meus pensamentos, logo meu coração acelerou.
O que representava em minha vida?
Porque em meio a tantas visões ruins e angustiantes que tive todo esse tempo com outras pessoas…
Essa foi a primeira vez que vi algo relacionado a mim, e era a chave.
“Como se eu renascesse como uma criança
Que não sabe nada
Eu pensei que era um sonho
Então eu fechei meus olhos e abri eles de novo
Você estava parada
Em frente ao meu eu desesperado e orando.”
– Angel / EXO
“Milagres: Mesmo que não sejamos anjos, podemos ser o suporte da vida de alguém. Um presente de Deus” – by Pâms
Fim
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