Burn The Night Away
Para melhor interatividade, ouça essa música enquanto lê (:
São três da manhã e eu ainda não estou dormindo, porque eu estou finalmente participando do seu jogo.
O brilho de seus olhos me intrigavam toda vez que eu os encarava. Me hipnotizava como faziam os psicólogos, chamavam minha atenção como as crianças choronas no shopping. As cores mescladas de seu caderno jazia em sua frente fechado, eu podia vê-la digitar letras em seu celular, formando palavras que seriam enviadas para alguém no mundo. Alguém que não era eu e este fato, de alguma maneira, me perturbava. A parte inferior das pernas, o que chamamos de batatas, estavam cruzadas e os cabelos penteados já não estavam mais uniformes conforme o vento que entrava pelas janelas abertas e batia nelas, como se quisesse levar com elas, conseguindo apenas espalhar o odor cítrico para o resto da sala.
Eu estava sentado na janela por escolha própria. Ingenuamente achava que nada me chamaria atenção na sala de aula. Gastaria meu tempo encarando o tempo e as folhas das árvores se balançando. Ao contrário do que imaginei, jamais olhei para as árvores.
Estávamos os dois sozinhos na sala. A aula havia acabado faziam alguns quinze minutos e eu não conseguia mover meus pés enquanto ela não movesse os dela. Agora que não havia ninguém lá dentro, eu podia encará-la como se nada mais existisse ao meu redor. E não existia. De vez em quando eu a via levar o polegar da mão direita à boca, mordendo a unha levemente por distração. Logo então, voltava a digitar em seu celular.
Finalmente se levantou tirando-me do transe. Arrumo o cabelo desajeitado e retiro a franja que insistia em cair em frente de meus olhos e mexo em meu caderno, tentando disfarçar a presença.
- Você vai ficar aqui? – ouço-a perguntar e eu sabia que estava se dirigindo a mim. A quem mais seria naquela sala vazia?
- Não. Já vou também. – pego minha mochila e a coloco em meu ombro, empurrando a cadeira de volta para seu devido lugar. Olho para ela, que estava em pé ao lado de sua própria carteira, na fileira do lado da minha. Ela se sentava em minha diagonal. Isso sempre fazia o professor achar que eu o estava encarando, quanto tudo o que eu via era ela anotar o que ele falava ou escrever coisas jogadas em seu caderno. Pareciam histórias. Histórias de alguém que não existia.
- Você copiou a matéria de ontem de gramática? – ela pergunta, se colocando ao meu lado quando eu começo a andar. Sem perceber, abro um pequeno sorriso. Eu gostava da maneira que ela conversava com todos como se os conhecessem há tempos e o fato de, de fato, não nos conhecer não a atrapalhava em nada.
- Não vim na aula ontem. – era mentira. Eu havia vindo. Cheguei atrasado e antes de entrar, como de costume sempre que perco a hora, vejo se ela está sentada em sua carteira. Como não vi sua presença, dei meia volta e fui-me embora.
- Ah. Eu acho que consigo com outra pessoa então, se você quiser copiar comigo…
- Seria legal, valeu.
A vejo sorrir e abraçar mais o caderno que estava posto contra seu peito. A escola nesse horário estava vazia. Era irônico que de manhã, no horário da entrada, ela demorava a encher, mas agora, no horário da saída, ela rapidamente esvaziava. A acompanhei até sua bicicleta pois seus pais não tinham um carro. O dia não estava bonito e ameaçava chover. Minha vontade era de perguntar se ela gostaria de uma carona. Eu tinha um carro, a esta altura do campeonato, praticamente todos os alunos do último ano tinham carros. Menos ela.
Nos separamos como nos outros dias, cada um indo para seu lado. Chego em casa e como o almoço que minha mãe havia deixado antes de ir trabalhar. Ao lado do prato feito para mim, havia um post it amarelo que sinalizava atenção. Em casa nós sempre tínhamos essa maneira ridícula de chamar atenção das mensagens pelas cores dos post its. Nele estava escrito que havia me ligado para lembrar da passagem de som que haveria para a apresentação do final de semana. Amassei o papel e o taquei na pia.
Fora uma enorme surpresa vê-la ali quando cheguei na casa de . Ela estava sentada com no sofá conversando alegremente e não pude deixar de notar o sorriso que eu adorava direcionada a ele. Caminhei diretamente para meu lugar no palco improvisado no jardim de e passei a mexer em meu instrumento, afinando-o.
- Não te vi aí! – ouço a voz de animado. Levanto meu olhar e encontro seus olhos. Ele estava mais feliz do que o costume, talvez a conversa com ela tivesse sido boa.
- Acabei de chegar. – respondo e ele solta uma risada como sempre fazia.
- Escuta, estávamos pensando em todos irmos até a montanha ascender uma fogueira e tocar um som com um vinho e algumas coisas pra comer. – ele aponta para o resto da sala, que não estava cheia, tampouco vazia. Podia chutar algumas doze pessoas entre estar em pé e sentados, todos conversando animadamente com outro. Balanço a cabeça indicando que eu estava dentro e ele sorriu, gritando para e se aproximarem, conta a novidade enquanto eu encarava o pessoal se comunicar com o outro. Meus olhos param nela, sentada com seu sorriso no rosto, mais uma vez o direcionando para uma outra pessoa. chamou minha atenção, estalando os dedos em minha frente enquanto os três riam de minha transe e passamos a ficar em nossos postos, tocando e cantando as músicas que eles provavelmente estavam cansados de ouvir.
A fogueira estalava com a umidade das toras de madeira que havíamos usado para fortalecê-la. As pessoas ignoravam a enorme quantidade de fumaça que subia o céu até enfim desaparecer. Haviam sacolas azuis de plásticos espalhadas pelo local informando que apesar de alterados, éramos um grupo de jovens concientes, que jogava o lixo no lixo e não agredia a natureza. Apesar da boa ação, não deixávamos de ser um grupo de pessoas bêbadas ao redor de uma fogueira. e Climer se divertiam com o violão com algum de nossos amigos. estava com uma de suas paqueras e eu degustava uma garrafa de vinho. Sabe-se lá quantas outras já tornei para dentro de mim. Meus olhos estavam pesados por causa da embriaguez, o vinho não era fraco.
- Você precisa seriamente comer alguma coisa. – ouço sua voz chegar em meus ouvidos e me esforço a olhar para o lado, onde ela se sentava com uma tábua de queijos cortados. Sorrio e pego um, colocando em minha boca, mas logo falando:
- Não acho que vá fazer alguma diferença a essa altura do campeonato.
Ela riu. Riu uma risada que ecoou em minha cabeça por minutos mais de quando ela parou. E que me fez tão bem por saber que era para mim. Me fez… feliz, por saber que quem causara aquilo fora eu, o cara desagradável que tocava numa banda de caras legais. Quantas vezes não ouvi este tipo de comentário. O que não falta neste mundo são pessoas para criticarem outras.
- Você parece feliz.
- Talvez seja a embriaguez. – sorrio. Fecho meus olhos e respiro fundo. A tal da embriaguez chegou ao ponto em que o sono cuidava de mim e todo meu corpo.
- Seu sorriso é muito bonito. Nunca o havia visto antes.
- Talvez porque eu nunca tivesse sorrido antes. – abri um de meus olhos lentamente a tempo de vê-a se assustar com minha afirmação e então amolecer sua expressão com um leve sorriso.
Ficamos ali por um longo tempo, onde ela falava mais do que ouvia e eu prestava mais atenção em seus olhos do que em suas mãos que se mexiam para todos os lados. As palavras vinham sempre com ternura fazendo com que o tempo passasse mais rapidamente. Enfim todos decidimos adormecer em nossos próprios carros. Mas eu não preguei os olhos. Por mais que meus olhos até então estivessem quase fechando por causa da embriaguez, nem mesmo alterado eu me sentia.
Encarava as estrelas ouvindo o crepidar do fogo e lembrando da voz doce que ela fazia soar. O vento que batia agora era gelado, me fazendo encolher ainda mais e me abraçar para me aquecer. Olho as horas e ainda não passavam das 3 da manhã. Suspiro e encosto meu queixo nos braços que abraçavam minhas pernas. As horas estava correndo rápido, eu quem estava sentindo-a passar devagar.
Fora quando de repente senti algo cobrindo minhas costas, e ao olhar para o lado, seus olhos gentis me olhavam com um sorriso ainda mais terno.
- Você vai pegar uma gripe desse jeito. – ela diz. Encaro-a da cabeça aos pés e a vejo apenas com uma calça fina e um moletom. Ouço sua risada. – Bem…
- Acho melhor você voltar pra sua cabana. – digo em minha voz grossa, talvez fosse o desuso dela durante um bom tempo depois de beber. Vejo-a assentir e sorrir, depois murmurar um ‘boa noite’ e se afastar de mim.
Fora como se ela levasse todo o ar quente junto com ela, me deixando no frio. Quando se afastara, era como se não tivesse um pedaço de pano a mais para me proteger daquele vento gelado. Fechei meus olhos para descansar e quando os abri, já estava claro. Ninguém havia acordado. Me levantei e me espreguicei.
- Hey, . – vejo dizer em frente ao seu carro, onde ele e uma garota dormiram. Balanço a cabeça em cumprimento e ele faz um sinal para que eu me aproximasse. Me arrastei devido ao sono ainda não ter me deixado despertar por completo e ao ve-lo se virar para começar a andar, deixo meus ombros caírem, como se não tivesse escolha senão acompanhá-lo: – Dormiu aqui fora?
- Caí no sono e quando vi, estava claro.
- Sei… Escuta, se importa se eu for direto? – ele coloca as mãos nos bolsos da calça enquanto eu colocava as minhas em meu blusão. Nego com a cabeça. – É uma simples pergunta, ao meu ver não é difícil de ser respondida, mas pode ser que você tenha um pouco de dificuldade de responder.
- O que é?
- Você está apaixonado por ?
Eu apostava que meus olhos se abriram de uma maneira que nunca havia acontecido em minha vida inteira logo depois de eu ter acordado. encolheu os ombros pela minha reação e eu abri a boca para responder, mas nada saiu. Eu não tinha uma resposta para aquilo. Depois de um tempo, desisti, abrindo um sorriso deboche:
- Eu não sei.
- Não sabe… – ele solta no ar. – Bom, posso dizer o que eu acho?
Levanto os ombros, sinalizando que não me importava. O vento da noite ainda estava gelado de manhã, mesmo o sol despertando ainda tímido, eu não podia sentir nem um pouco do aquecimento de seus raios solares.
- Eu acho que você está apaixonado por ela.
Fiquei calado esperando que ele dissesse mais alguma coisa, como me repreender por gostar de alguém que apenas foge de mim ou não liga a mínima, ou por me interessar em alguém que seu melhor amigo também está interessado, digo, .
- Só isso? – pergunto depois de um tempo.
- Só isso. – ele sorri.
- Não vai brigar comigo?
- Por que faria isso?
- Não sei… Talvez… Sei lá, o gosta dela, ela não gosta de mim…
- O — ! De onde você tirou isso? – ele começou a rir e levantei minha sobrancelha, me perguntando onde estava a graça ali. Ao perceber que não diria nada e que minha expressão não era das melhores, ele se recompos e limpou a garganta: – não gosta dela. Ele acabou de terminar um relacionamento, lembra? E ele também sabe do seu interesse nela.
- Sabe? – levanto as sobrancelhas surpreso.
- Sabe. Na verdade, todos nós sabemos, da banda, sabe. Não que tenhamos certeza… Mas . – o encaro ao ve-lo falar sério agora. – Nós somos amigos demais para saber quando você deixa alguém se aproximar de você ou não.
Ouvimos o vento soar por mais um tempo, e enfim abri um sorriso, pego no flagra:
- Ela tira meu sono.
Ouço sua risada:
- E foge de mim.
- Ela não foge de você. – ouço-o dizer e dar dois tapinhas em meus ombros. – Você a expulsa de perto.
- Não, não faço isso.
- Você faz sim, . – sua voz era séria. – Você a manda embora. Sei que não é proposital, é uma coisa que você faz com todo mundo. Isso o que você pensa, dela não gostar de você, brincar com você e fugir… Isso é coisa da sua cabeça, porque tudo o que ela faz é se aproximar cautelosamente e então se afastar quando você abre a boca.
Nada digo. Fico me relembrando de todas as vezes que nos falamos. Obviamente nunca fora eu quem corri atrás dela para conversarmos, obviamente ela pesquisara sobre mim, já que todas as vezes que nos falamos fora sobre algo que eu entendia do assunto: Música. E então, quando o assunto acabava, eu voltava ao meu ‘eu’ normal e a afastava de mim apenas para ter o gosto de observá-la de longe.
Aperto os olhos, mostrando a que havia caído minha ficha. O ouvi soltar um riso e dar mais alguns tapinhas em minhas costas:
- Chame-a para sair. Ela gosta de vinho.
- Uau! – abri um minúsculo sorriso ao ouvir a surpresa sair de seus lábios.
Estávamos em uma enorme adega de vinho que havia na maior loja de conveniência de Orlando. Eu havia pedido para meu pai, que era amigo do dono, para que perguntasse se seria possível eles abrirem o setor e me deixarem preparar algo legal para . Obviamente meu pai fizera de tudo para que isso acontecesse, conhecendo o filho que tem, ele não saberia dizer quando isso de eu chamar uma garota para sair aconteceria novamente. E nem eu, para dizer a verdade.
- Achei que aqui não abrisse de noite. Principalmente sábado que o mercado fecha mais cedo. – ela solta uma risada, passando os olhos por todos os vinhos do local. – Isso é demais… – ela passava o dedo por todos, pegando alguns e analisando o rótulo.
Nada respondi. E não foi por falta de vontade. Eu apenas… Não sabia o que dizer.
- Escolha um. – finalmente pensei em algo. Não muito inteligente, mas foi o suficiente para atrair sua atenção.
- Como?
- Escolha um para bebermos. – aponto para a diversidade atrás dela com a cabeça. – Acho que seria uma boa combinação com o jantar. – e olho para uma sala ao lado, onde havia uma mesa com velhas e dois pratos prontos para serem servidos para nós.
Ouvi sua risada sem graça:
- É sério? Aquilo é para nós? – ela aponta desacreditando. Levanto os ombros:
- Não faz sentido eu te chamar pra sair e não encher a sua barriga…
Ouço-a rir e então me encarar por mais um tempo, finalmente se virando e passando os olhos por todas as garrafas perfeitamente posicionadas:
- São tantas…
- Leve o tempo que quiser. – dou um passo para trás para observá-la melhor e lhe dar mais privacidade na escolha.
Demoraram cerca de vinte minutos até ela escolher uma garrafa e trazer até mim. Peguei para ler o rótulo e mesmo não sabendo bulhufas da qualidade da bebida, sorri e disse:
- Ótima escolha.
Eu nunca imaginei que um encontro pudesse ser tão interessante.
E apenas depois que a deixei em casa e toquei em seus lábios que pude entender o real significado da frase que um dia disse:
”Você só entende o que é amor quando o está sentindo. Caso contrário, tudo será uma grande besteira.”
Fim
Subscribe
Login
0 Comentários