Capítulo 1 – Kobra
• ANOS ANTES.
São Petersburgo, Rússia.
O gosto do sangue era pungente em sua boca quando a lâmina deslizou pela garganta dele. Imediatamente, começou a se afogar. As mãozinhas do garoto de no máximo 9 anos voou em direção a própria garganta, apavorado, tentando estancar o sangue enquanto se afogava, hiperventilando mais e mais rápido. Os dedos do menino se fincaram na carne de seu pescoço, sentindo o líquido encorpado e cálido que era seu sangue escorrer, agora como água, por entre os nós dos seus dedos, pingando rapidamente contra o chão. Estava doendo mais do que a mente aterrorizada do menino era capaz de compreender no momento. Os olhos , arregalados, os lábios entreabertos do menino escorriam o sangue que pingava de seu queixo. O corpo do garotinho se curvou para frente, chocando-se contra o chão, debatendo ali. Ele não queria morrer! Ele estava com medo, apavorado com a ideia de morrer, mas não conseguia fazer nada. A pressão em seu peito estava ficando gradualmente mais forte, e suas têmporas estavam latejando. Seus ouvidos, lentamente, ficaram estranhamente abafados, como quando ele havia apostado com Ygor, seu irmão mais velho, que conseguiria ficar submerso por mais tempo. Ainda assim, conseguia ouvir os pedidos de seu pai com clareza. Sergei , a personificação antropomórfica da palavra força, o implacável Cossaco, como o chamavam, por algum motivo que era pequeno demais para entender, mas que sabia que era dito com deferência e até mesmo medo pelos colegas de trabalho do pai. O homem com inúmeras tatuagens pelo corpo, gravuras intrínsecas e até mesmo dolorosas de uma vida que beirava a legalidade, o homem que achava que era implacável, e, acima de tudo, impenetrável, estava de joelhos agora, à frente de seu velho amigo, com as duas pernas quebradas, o punho esquerdo decepado, revelando apenas o osso branco fraturado, cercado pelos corpos da esposa e seus três filhos, quatro, se fosse considerar que , agonizando no chão, estava perdendo aos poucos a consciência. — Por favor! Por favor, Ilya! Ilya, cacete! Por Deus, me escute! Só me escuta! — A voz de Sergei estava entrecortada, mais aguda que o normal, revelando o desespero por trás da urgência de suas palavras agora. Uma súplica desprovida de quaisquer traços de ego, e tampouco orgulho, apenas implorando para que um deus maior e mais poderoso lhe permitisse suplicar por qualquer mínima misericórdia que pudesse oferecer a um pecador antes de ser morto como punição. , que nunca havia visto o pai chorar em toda a sua vida, ficou bem mais surpreso em vê-lo aos prantos, implorando para aquele homem engravatado e de expressão austera do que com a possibilidade da morte iminente. E estava morrendo. — Poupa o garoto! Pelo menos o menino! Não, porra, me escuta! Faço o que você quiser, só salva ele, é só uma criança, por favor, meu irmão, tenha apenas essa… — Um soco violento vindo de Aleksei Goroshko, o braço direito de Ilya, silenciou Sergei violentamente, jogando-o de volta no chão, antes de Sergei ser arrastado para trás, outra vez, assumindo sua posição de submissão. Por um segundo, os olhos de Ilya apenas se focaram nos de , silenciosamente observando-o como um maldito felino de grande porte. Um predador. O garoto tossiu, o corpo tendo espasmos bruscos e contorcendo-se no chão, tentando se afastar do monstro, mas sem conseguir. Começava a sentir uma dormência assustadora, suas mãos estavam perdendo a força, os músculos começando a ficar dormentes e seus olhos se escurecendo nos cantos. — Não se preocupe. Você sabe que Sasha é excelente com a faca, o corte não foi fundo, seu garoto ainda pode sobreviver a isso. — A voz de Ilya era distorcida ao chegar aos ouvidos do garoto. Como se ele estivesse afundando mais e mais dentro d’água e não estivesse conseguindo entender mais as palavras de fato, apenas as breves nuances de reações dos dois homens mais velhos. As pálpebras do menino estavam ficando mais e mais pesadas, o peso insuportável em seu peito amortecendo o restante de seu corpo enquanto ele tremia em colapso. piscou uma vez e viu o pai agarrar o colarinho de Ilya . piscou uma segunda vez e então a arma de Ilya havia sido acionada, explodindo a cabeça de seu pai. piscou uma terceira vez. E sua visão se ajustou novamente ao brilho matinal das ruas em São Petersburgo, ao som de
Kino e à conversa
irritante de seu colega de trabalho, outra vez.
— Você tá com aquele olhar de novo — , ou, como apenas deveria ser conhecido por todos,
Wolf, resmungou com um tom de voz baixo e levemente exasperado, sem desviar o olhar da rua à sua frente.
O motor do
Mustang 65 preto estava um pouco mais alto do que deveria e tentou obrigar-se a ignorar o ruído sabendo
perfeitamente bem o porquê de estar assim. Sem conseguir conter o impulso, o homem levou a mão direita em direção à gola alta de sua blusa preta, ao invés de puxá-la para baixo, como era o
costume de muitos, pressionou um pouco mais contra seu pescoço, como se a necessidade de
certificar-se de que estava presa no lugar fosse um instinto mais
alto do que sua própria discrição para não atrair a visão curiosa de terceiros. — O
grande e
mal-humorado Viper agindo como se estivesse constipado
outra vez, sabe, se quiser, posso te arrumar um
supositório, talvez ajude, ou pelo menos te faça gozar por algumas horas. Cê tem
muito a cara de quem curte
plug anal.
apenas ignorou o colega de trabalho, retirando o aparelho celular do bolso de seu casaco de trincheira pesado e verificando o endereço pela
quarta vez antes de voltar o olhar para frente, bloqueando a tela, ignorando as mensagens que se acumulavam no topo da barra de tarefas. ajeitou-se no banco, apoiando o braço esquerdo na porta, estalando um por um de seus dedos em sua mão direita, usando o polegar, em um ritual para conter seu próprio temperamento e tensão. Era muito mais fácil estalar os dedos do que quebrar o nariz de , embora a ideia de quebrar o nariz de Wolf fosse o
único resultado
realmente satisfatório.
— É a próxima rua.
revirou os olhos cintilando com uma mistura de impaciência familiar e algo a mais, algo
perigoso como a porra de um
urubu observando o momento que a
carniça deixaria de ser observada para se deleitar.
— O chefe disse os riscos dessa vez? Ou isso é outro encontro com a
Tríade? — disse retirando do bolso interno de sua jaqueta de couro um palito de dente e então prendendo-o no canto de sua boca, mascando-o enquanto os olhos desviavam-se para a curva indicada por .
encarou em silêncio por um longo momento. retornou o olhar, exasperado.
, mais uma vez, não respondeu.
, ao invés disso, apenas deu um soco no porta-luvas do carro, abrindo-o na força, e então retirando de dentro a pistola automática. O peso da arma era familiar a seu corpo, quase como uma extensão de seu braço, mesmo a falta de balanceamento da arma e a tendência de
empurrar havia se tornado quase como uma extensão de si mesmo. retirou com um movimento rápido o
tambor da arma, verificando o quanto de
munição eles ainda tinham e anotando mentalmente:
9 balas. Tencionou a mandíbula, voltando o tambor novamente para dentro da arma, destravando-a antes de assegurá-la na lateral de seu quadril, procurando pelos outros cantos do carro por mais cartuchos de munição.
guardou no interior de seu casaco os dois cartuchos com 12 balas cada que ele havia encontrado no carro de , sem se importar em pedir autorização
ou avisar a que os havia pegado, ignorando o olhar que o outro havia lhe lançando, parecendo mais incomodado com o
silêncio de do que a postura de:
“por sua incompetência eu tenho que fazer tudo por aqui” que sempre possuía quando estava perto de . Verdade seja dita, mesmo
poderia
ver que e ele estavam a
um passo de tentarem se matar com mãos limpas, mas dizer que se importava? Bem… seria
pedir demais.
deixou-se recostar contra o estofado do
Mustang de , estreitando os olhos enquanto analisava a entrada do prédio amarelo claro extenso com apenas
três andares. Um daqueles casarões da época
czarina que haviam sido divididos em pequenas lojas e apartamentos
pós modernidade.
Na
34 Zastavskaya Ulitsa ficava um conglomerado habitacional. Alguns carros estavam estacionados do outro lado da rua, enquanto a neve cobria parcialmente já boa parte das calçadas e calhas. Carros populares, provavelmente de segunda mão se fosse levar em consideração os riscos e marcas que tinham na lataria de alguns. tencionou a mandíbula com força estreitando os olhos enquanto inclinava a cabeça para o lado observando as janelas com uma expressão contemplativa.
Não era que ele não gostasse do trabalho. Na verdade não se
importava de fazer o trabalho sujo para a família . Era bem mais fácil com sua vida quando a única coisa que precisava se preocupar era justamente um
alvo e uma
meta visível. Um corpo para ser despachado no
Neva, e o descarte das evidências. sabia trabalhar com isso, era
bom nisso. Se não estivesse determinado a chegar a Ilya poderia muito bem ter sido parte de alguma milícia ou simplesmente agir como um assassino de aluguel. Mas a sensação de estar
amortecido era
pior quando ele estava sozinho, quando precisava
esperar de tocaia por algum alvo, a percepção de que não havia sido apenas sua garganta que havia sido cortada, mas algo intrínseco, cravado em sua
alma. Bem,
parcialmente, não era como se tivesse realmente uma alma após vender,
propositalmente, sua vida a .
O sacrifício, ainda assim, era
pequeno tendo em vista seu
objetivo final. E bem, se isso fazia com que Ilya confiasse em , ele não teria problemas em continuar a levar aquela farsa adiante.
—
Ah, merda, que porra, Agnes… — murmurou por entre sua respiração em
romeno, e se esforçou muito para não reagir ao comentário, e muito menos reagir a menção do nome da
esposa de Ilya, vinda assim, tão livremente da boca do
carniceiro como , quase sentindo vontade de rir.
É claro que havia sujeira ali, mas não era
ansioso, ao contrário, era
meticuloso demais para fazer algo impulsivo. Além do mais, o propósito da presença dos dois ali era outra coisa
completamente diferente do que extorquir por
ora. — Então é um
daqueles trabalhos, huh? Puta merda…
— Se mexe.
— Se mexe.
lançou um olhar incomodado na direção de , mas se pensou em dizer alguma coisa ou demandar alguma coisa, ele não conseguiu dizer, porque já havia descido do carro.
Estava ventando apesar do céu limpo, afastando as mechas de cabelo de para longe de seu rosto, ou jogando-as no canto de seu olho esquerdo, enquanto o nariz de passava a arder de forma familiar que só o fazia na temperatura baixa do inverno russo. Sua respiração, controlada, se tornava uma fumaça esbranquiçada, elevando-se à frente de seu rosto, enquanto os olhos estreitados, , moviam-se pelas janelas e entradas do prédio, analisando com cuidado as potenciais
testemunhas.
— Qual é o nome dela? — questionou assim que conseguiu alcançar os passos pesados e rápidos de , dirigindo-se para dentro do prédio amarelado. tencionou a mandíbula, desviando de um idoso e dois adolescentes rindo ao gravar alguma coisa em seus celulares, e instintivamente inclinou sua cabeça para a esquerda, ocultando seu rosto a qualquer custo de potenciais câmeras antes de voltar seu olhar para , marchando, agora, mais à frente dele. tencionou a mandíbula tentado a ignorar o colega de trabalho, mas bem, ainda
precisavam ter o mínimo de comunicação para se certificar que o trabalho seria
bem feito.
— Irina — respondeu por fim enquanto ajeitava a lapela de seu casaco de trincheira, agarrando o antebraço do colega de trabalho e puxando-o com força, os dedos fincando-se no braço coberto pela jaqueta de couro do outro, brusco e com força desnecessária, direcionando-o para a escadaria, e não para os elevadores. deveria ter chiado, mas havia apagado completamente o ruído de sua mente enquanto mantinha seu olhar fixo nas escadas à sua frente. — Irina Koltsvona. O garoto se chama Lev, tem 4 anos.
pareceu engolir em seco, lançando um olhar tenso na direção de , parecendo estar medindo suas próximas palavras, buscando a forma correta de dizer o que estava pensando, e considerando se seria, como sempre, fechado por . Mas então o outro homem apenas tencionou a mandíbula, trincando-a com força enquanto assentiu em silêncio para , seguindo, desta vez, o
comando de Viper.
— Agnes sabe dessa criança? — É tudo o que havia dito por fim, e sufocou um bufar meio riso, parando de andar brevemente para encarar Wolf por cima do ombro. Os olhos de cintilaram, mas o brilho não era derivado de alguma curiosidade infantil ou até mesmo uma ponta de divertimento em descobrir uma
fraqueza na postura de alguém que o irritava profundamente. Não, longe disso. Era um brilho
predatório, perigoso, de um animal peçonhento à espera do movimento correto para dar o bote, um animal
perigoso assistindo atentamente sua próxima presa.
Se tinha ficado com medo ou não, havia escondido tal coisa
com maestria. — O que importa é que Ilya
sabe e foi ordem
dele. Matar a mulher e o filho, trabalho limpo, rápido e eficiente. Goroshko estará aqui em vinte para retirar os corpos, então, a não ser que tenha uma
ideia melhor em otimização de tempo, eu sugiro que se
mexa,
Wolf. — não havia emoção na voz de , apenas uma neutralidade angustiante que por ventura começava a ser mais frequente do que deveria. O amortecimento emocional que o deixava sentindo-se como se estivesse envolto em um manto de plástico, conseguia respirar, às vezes até mover-se, mas não parecia estar
presente. Não parecia
sentir sua pele ou até mesmo o peso que atormentava seu peito. Havia apenas este
buraco ao centro de seu peito que se desfazia mais e mais, e por entre as fissuras, esvaíam-se agora vermes robustos, gorgolejando, contorcendo-se ao corroer o restante que havia ficado de sua pele morta.
Ainda assim, seja lá o que estivesse pensando, isso fez com que o homem de cabelos e olhos unisse as sobrancelhas e hesitasse,
genuinamente hesitasse desta vez, parecendo adentrar em algum espaço de conflito interno que não conseguia dizer que
compreendia. Para , as coisas eram
bem mais
simples: havia os trabalhos que ele deveria executar para consolidar sua posição naquela máfia, e havia o
alvo final que ele queria atingir. Qualquer coisa além disso ele não se importava.
— Mas é filho
dele! Que se dane a mulher, ela sabia o que estava fazendo e
com quem estava se envolvendo, mas o garoto, porra, Viper, só tem
quatro anos, não precisamos
matá-lo, se dermos um susto nele, não vai sequer
sonhar em ir atrás do pai… — até tentou negociar, mas bastava um olhar sobre a expressão sombria de que ele sabia perfeitamente qual era a resposta e
como estava perdendo tempo com aquela conversa.
— A gente não deixa pontas soltas,
Wolf.
nunca negociava, ele apenas
matava.
•••
Em algum momento havia parado de tentar esfregar suas próprias mãos e simplesmente passado a arrancar pedaços de sua carne.
Suas unhas eram curtas para evitar deixar traços de seu
DNA para trás. Mesmo que usasse luvas constantemente para evitar qualquer prova incriminatória, era bem comum que o sangue de suas
vítimas acabasse por penetrar o tecido de suas luvas e manchar suas mãos. Ou, talvez, ele estivesse sendo apenas, mais uma vez,
paranoico. Sentindo-se
sujo, pior do que algumas horas antes, mas não pior do que viria a ser nas próximas horas. Arrancar um pedaço da primeira camada de sua pele não era doloroso, ele
sequer era capaz de sentir quando suas unhas rasgavam a pele, mas era frustrante o suficiente para fazer com que o próprio sangue manchasse a bacia da pia de mármore branco à sua frente.
trincou os dentes com força, um chiado escapando por entre seus lábios enquanto lutava para limpar a porra de suas mãos. Os olhos fixos em seus dedos retalhados por suas próprias unhas, o sabonete de
erva doce fazendo os cortes abertos
arderem como
fogo por sua pele enquanto tentava fazer com que o tremor de suas mãos diminuísse.
Não era o grito de Irina que o estava atormentado. Ele havia se acostumado com os fantasmas que pairavam na parte de trás de sua mente, arranhando as barreiras de sua racionalidade e deixando um rastro de destroços e fragmentos de atos que,
certamente, não o deixavam orgulhoso — ainda assim, não fazia diferença, porque era quem ele era, e era o que ele fazia, não havia uma vida diferente para e
muito menos um futuro diferente. Ele havia se acostumado em conviver com
aquela culpa, mas não havia uma maneira mais fácil de
engolir o que havia acontecido naquela
manhã. Os olhinhos assustados do garotinho, a maneira com que ele havia se agarrado ao ursinho de pelúcia e se encolhido. Não havia ruído algum. Não havia gritado, não havia implorado, só o havia encarado com aqueles grandes inocentes olhos …
acertou com força o vidro do espelho, enterrando fundo seu punho no vidro, ignorando a maneira com que as lascas cortaram sua mão. Mas ele
ainda conseguia ver seu próprio reflexo, então ele acertou de novo, e de novo, e
de novo, até que tivesse um buraco onde deveria estar o seu rosto. A respiração de havia se tornado irregular, e ele estava tremendo. Os olhos estranhamente marejados, mesmo que não houvesse
impulso algum para chorar. Uma parte de
queria começar a chorar, queria aquele
alívio, ainda que momentâneo, que o fizesse
sentir alguma coisa —
qualquer coisa — que fosse, mas seu rosto
permanecia seco.
fechou os olhos com força, inspirando fundo, tremendo, enquanto tentava encontrar uma maneira de diminuir a pulsação que ensurdecia seus ouvidos, que reverberava por sua corrente sanguínea e martelava a carótida. Sua respiração pesada escapando por entre os dentes em grunhidos ofegantes enquanto o
eco da voz de seu pai reverberava, mais e mais alto, sem parar.
Por favor, Ilya! Por favor, Ilya! POR FAVOR, ILYA! A porta do banheiro se fechou com um som alto e agudo atrás de depois de quase vinte minutos tentando enfaixar sua mão da forma que dava, usando suas luvas pretas para ocultar quaisquer indícios do caos que ele havia deixado no banheiro.
Não havia sido sua ideia mais inteligente, mas havia provocado, ainda que momentaneamente, uma pequena
sensação que não fosse aquele maldito amortecimento emocional. Havia causado algo entre raiva e dor,
familiar, seguro.
ajeitou a gola de seu casaco de trincheira, desviando de algumas bailarinas vestidas com seus
collant e meias-calças, os cabelos presos em coques altos e cuidadosos para não terem um fio fora do lugar, as bolsas pendendo pelo ombro esquerdo ou direito, correndo uma atrás da outra para conversarem com suas amigas ou apenas andando rápido para pegar o ônibus.
Tudo naquele estúdio parecia estranhamente
delicado. Ao menos, o fazia se destacar como um dedão
podre e
esquisito. Um homem alto, com ombros largos, expressão de poucos amigos, e cabelos mal cortados, normalmente sabia que iria se destacar de alguma forma em espaços sociais, era por isso que uma parte dele estava sempre inclinada a apenas aceitar se esgueirar pelas sombras, como a porra de um
encosto ou um
fantasma, ele não se importava. Às vezes, os locais eram mais condizentes com sua aparência ou
espírito. Normalmente não tinham uma boa reputação e a propensão de legalidade era referente a zero. Mas em raros momentos, momentos como
aquele, se pegava buscando por uma saída ou um espaço discreto em que pudesse imitar uma sombra, consciente dos olhares que receberia.
uniu as sobrancelhas em uma expressão irritadiça quando o olhar de duas bailarinas escoradas no corrimão da escadaria que levava para o quarto andar repousou nele. sabia que não deveria, mas considerou por alguns breves segundos assustá-las. Não seria muito difícil, se ele fosse ser honesto, a verdade era que bastava uma careta ou um resmungo baixo mais ríspido e ele tinha certeza que se afastariam. Raramente as pessoas o viam como alguém
confiável de se ter por perto. sabia que tinha algo
muito doente dentro de si mesmo, e sabia, igualmente, que as pessoas ao seu redor
conseguiam sentir o
cheiro desta doença. Negando com sua cabeça para si mesmo, voltou a linha de seu olhar, observando escorado contra o corrimão em uma das paredes de vidro que se espalhavam pelo estúdio.
As lâmpadas fluorescentes eram
claras demais, o porcelanato de mármore era quase espelhado e fazia seus passos mais altos do que
gostava que fossem. O cheiro era uma mistura de produtos de limpeza, um aroma sofisticado, e
suor. Mas acima de tudo, havia uma ponta de inocência entre as mulheres e garotas que caminhavam pelo espaço. É claro, havia igualmente algo
traiçoeiro ali,
velado, algo que não era capaz de identificar apesar de ter a sensação de ser algo
esquisito, mas acima de tudo era aquela imagem de
rigidez e
perfeição que o incomodava profundamente.
É claro que estava assistindo o ensaio com os olhos
atentos. sabia perfeitamente bem
o que ele estava encarando e observando ao longe enquanto um grupo pequeno de apenas dez bailarinas dançava dentro da sala com espelhos na parede e paredes de vidro.
sequer parecia querer
disfarçar. Porra de
ninfomaníaco do caralho.
Diferente de que parecia se incomodar até o
âmago de estar em um lugar como aquele, portava-se como alguém que estava em
casa. Os olhos traçando as curvas dos seios ou o movimento fluido que fazia com que as saias das bailarinas se erguessem.
— Sobreviveu — resmungou com um sorriso torto, desviando o olhar de forma preguiçosa enquanto encarava o rosto de e um instante seguinte estava novamente analisando a maneira com que uma bailarina loira estava erguendo sua perna no ar, elegante quanto um cisne, ou seja lá o que fosse que elas estivessem interpretando. tinha pouco conhecimento
cultural em relação a
“artes nobres”.
As mãos de , impecavelmente
limpas, alcançaram o bolso interno de sua jaqueta de couro, retirando um cigarro do maço e então prendendo-o entre os dentes, acendendo o cigarro, mesmo que estivesse abaixo de uma placa de “não fumar”. Ninguém iria tentar expulsá-los, todavia, bastava um olhar na direção de ou para saber a
quem os cães de guarda
pertenciam.
— Mais um pouco e já iria chamar os seguranças, eu detestaria encontrar o seu corpo em algum canto.
Pelo tom que usou, sabia perfeitamente bem que não, ele não detestaria
não.
apenas ignorou o comentário de , cruzando seus braços sobre o peito e então dando alguns passos para a sua direita, tentando usar para a sua vantagem um
pilar de concreto que fazia as divisões do ambiente entre os caminhos de ida e vinda.
— Ela está ficando melhor — quebrou o silêncio novamente após longos cinco minutos, agora, com um tom de voz mais silencioso, reflexivo. estreitou os olhos, bufando baixo consigo mesmo, cínico, enquanto os olhos voltavam-se para Wolf, analisando-o e, sem dúvidas,
julgando-o. estava observando através das paredes de vidro, para uma pessoa em específico dentro daquele estúdio, girando graciosamente enquanto parecia flutuar por entre as outras bailarinas.
.
… não respondeu, outra vez, os olhos apenas seguindo os de Wolf e repousando em também. estava dizendo alguma coisa, talvez algum comentário idiota que relacionasse a jovem à sua madrasta,
Agnes ou até mesmo às suas meias-irmãs Darya e Nádia. Provavelmente um dos típicos comentários de que não era
cruel ou
negativo sobre , mas que, igualmente, soava de maneira
condescendente. Talvez fosse por lealdade, tinha pouco interesse em descobrir o que
relacionava à família , ou talvez fosse puramente apenas o desejo
sardônico de observar o caos familiar alheio, e a facilidade que se existia em provocar o
elo mais fraco daquela família. sabia que muito do interesse de era
exatamente o detalhe de ser o
único fruto
extra conjugal de Ilya que
ainda estava
respirando.
E era talvez uma das mulheres, não,
a mulher mais linda que já havia visto em toda sua vida.
O que quer que estivesse resmungando ao seu lado sobre o maldito trabalho aquela manhã, não prestou atenção alguma — tampouco poderia dizer que se
importava tanto assim com as merdas que costumava falar com frequência.
era
tentadora. Um convite
diabólico. Até mesmo
perverso.
Era o calor a alguém congelado. O abraço ao saudoso. O banquete real ao esfomeado. A água ao sedento. Um sonho
inalcançável. Fossem os olhos profundos, intensos o suficiente para roubar o
fôlego de qualquer um em que repousasse. Fosse pelos cabelos longos, densos, , que deslizavam por seus ombros, muitas vezes lembrando-o de um manto, agora presos naquele coque alto que fazia seu rosto ficar ainda mais anguloso. Fosse pelo tom
convidativo de sua pele, implorando para que fosse tocada ou até mesmo
venerada, ou pelos lábios quase sempre retorcidos em um sorriso discreto, torto,
completamente ; um contínuo incentivo silencioso para seu expectador tomar como objetivo
impressioná-la — e porra como
ele gostaria de o fazer. Fosse pelo corpo com curvas que as roupas de
bailarina não faziam sequer o menor
esforço para ocultar. Fosse pela voz, aveludada o suficiente para que as palavras gentis e compreensivas fossem capazes de
gravar sua carne como remanescentes de
brasas. Fosse pelo rosto delicado que poderia passar falsamente a imagem de uma fragilidade produzida inexistente, apesar de sua
inteligência afiada. era a
perfeita concepção artística do que uma sereia, em um corpo humano, poderia, talvez, ser.
Convidativa. Eloquente. Arrebatadora.
Tudo em gritava
problema. E ao mesmo tempo, não conseguia deixar de
desejar afogar-se e perder-se naquela infinitude atraente que era a jovem mulher. Ele certamente não se importaria com as consequências. Ele não se importaria com nada. Só desejava
uma chance que fosse…
Mas então havia
Ilya.
poderia dizer que estava vivendo diariamente dentro do
inferno, tentado diariamente pelo
cheiro que o perfume floral misturado com algo que era
unicamente essência de ou como as mãos dele se
coçavam para alcançá-la, para sentir a pele dela sob suas palmas calejadas, mesmo sabendo que não deveria, entretanto, dizer que estava no inferno por
desejar algo, era estupidez.
Não havia inferno se você
ansiava pela
condenação.
— Dá para ver por que o velho gosta dela — murmurou baixo, exalando a fumaça de seu cigarro, inclinando a cabeça para o lado e observando como a porra de um
lobo.
Algo borbulhou no peito de .
Quente. Sufocante. Cego.
Pura fúria.
A mão de deslizou quase como um reflexo de seu corpo para a faca presa na parte de trás de suas costas, os dedos enroscando-se contra o punho de madeira, com força, pressionando o suficiente para fazer com que os cortes em sua mão latejassem. As pupilas de se contraíram, as narinas inflaram, puxando o ar para dentro com mais força que deveria. podia ouvir a pulsação de sua corrente sanguínea martelar, novamente, em seus ouvidos, mas desta vez não havia desorientação ou incômodo, não, desta vez era crescente, um alarme em prelúdio ao que estava por
vir. Sua mente havia se fixado em apenas
uma coisa, a tarefa em mãos, como sempre acontecia durante algum trabalho.
Levaria cinco minutos, talvez três, para acabar com . Olho, carótida, têmpora. Mas igualmente não
queria matar
rapidamente. Não, não, queria
aproveitar o momento,
fazê-lo para por sequer ter
ousado na possibilidade de
manchar com sua porra de mãos. Não, iria começar pela porra das mãos dele, quebraria um por um os dedos de , e então os pulsos, e somente quando tivesse a certeza que não havia
osso no lugar, iria decepar as mãos de , e o faria engoli-las, custasse o que
custasse. Então iria decepar o pau de e enfiá-lo no meio do…
— Viper. — Vindo de algum ponto à direita de , reconheceu quase imediatamente a voz de Ilya .
Os olhos de se encontram com os de enquanto a expressão de voltou a se tornar neutra, contida, os olhos
levemente estreitados ao observar o mais velho.
Ilya era um homem com traços austeros e até mesmo grosseiros, o rosto era repleto de ângulos mais agressivos, os cabelos grisalhos misturavam-se com os tons , orgulhosamente não ocultados, assim como a barba grossa que encobria sua mandíbula. O rosto possuía rugas, especialmente na testa e nos cantos dos lábios, mas o que mais chamava atenção era a cicatriz que atravessava a lateral de seu olho esquerdo, e a
cor de seus olhos, , mas não eram como os de . Os olhos de eram simplesmente
joias preciosas, eram intensos e faziam com que você
desejasse se afogar no tom dele. Os de Ilya eram opacos, pelo menos três tons mais claros e insípidos como a porra de um amontoado de neve na beirada da calçada, descongelado após uma tempestade de neve. Era nojento, sujo e
frio.
Mas ao invés de exibir seu desgosto pela presença do mais velho, apenas ergueu o queixo, mantendo firmemente o olhar de Ilya enquanto endireitou seus ombros um pouco mais para trás. Se por tentar enfatizar competência ou petulância, a linha mostrava-se tênue demais para uma análise profunda, Ilya assentiu na direção de em um cumprimento silencioso, antes de caminhar, como a porra de um
felino de
grande porte em uma floresta, até parar ao lado de .
observou a maneira com que Ilya verificou , uma expressão mais sombria e protetora manchando o rosto do homem grisalho antes deste voltar a encarar de forma neutra. O impulso de avançar no pescoço de Ilya era
grande, mas tencionou a mandíbula tentando contê-lo, não,
ainda não.
— Como foi o trabalho? — questionou Ilya discretamente, o rosto voltado para a parte do corredor atrás de verificando o movimento, enquanto tencionava a mandíbula com força, mantendo seu olhar fixo à frente, acompanhando o movimento de sem fazer o gesto ser óbvio.
queria verificar se ela estava bem, ao mesmo tempo, ter certeza que a jovem mulher não iria se aproximar e correr o risco de escutar algo indevido que pudesse assombrá-la. não sofreria aquele destino enquanto estivesse vivo,
isso, tinha a completa determinação de executar custasse o que custasse.
— Rápido. Limpo. Goroshko já fez o descarte. Exatamente como disse para que fosse feito — relatou esforçando-se para manter sua voz firme, neutra e desprovida de quaisquer emoções possíveis, e, apesar de tudo, ele conseguiu. De alguma forma, talvez, ao passar tanto tempo dizendo a si mesmo que não tinha sentimento algum restante, ele tenha
realmente conseguido se convencer de tal coisa, porque não sentiu nada além do maldito buraco de vermes em seu peito.
Ilya apertou os lábios, assentindo com a cabeça por um momento, perdendo-se em pensamentos. se questionou quais seriam os passos de Ilya agora que tinha se livrado do empecilho da sua amante e filho bastardo. Presentes caros, longos gestos amorosos e demonstrações de afeto públicas para convencer Agnes, certamente.
— E como você está, filho? — , por um breve segundo, quase perdeu sua racionalidade e avançou no pescoço de Ilya quando a mão do mais velho repousou em seu ombro,
paternalista.
Olho. Carótida. Têmpora. Têmpora. Têmpora. Têmpora. Carótida. Carótida. Carótida. Carótida. Plexo solar. Plexo solar. Plexo solar. Mandíbula.
— Bem.
Ilya estreitou os olhos observando o rosto de em silêncio por um considerável período de minutos, parecendo buscar alguma coisa no rosto de , mas quando não o encontrou, Ilya soltou um riso baixo, nasalado, batendo de forma orgulhosa no ombro de com ar de aprovação. enfiou suas mãos dentro dos bolsos de seu casaco de trincheira, puramente para ocultar os espasmos fantasmas
ardendo para alcançar sua faca.
— Sua lealdade será compensada, filho. E suas
habilidades também — disse Ilya com o fantasma de um sorriso satisfeito pairando por seus lábios, mas o que quer que ele fosse acrescentar depois disso, nunca foi dito, porque os passos suaves de ecoaram para fora da sala, agarrando a alça da bolsa dela, enquanto apressava-se para alcançar onde os três homens se encontravam.
Preocupação manchava o cenho dela enquanto os olhos iam de para Ilya, então e de volta para Ilya. Havia alerta em sua postura, até mesmo uma ponta de medo, mas sobretudo uma elegância silenciosa, observadora, parecendo tentar entender todos os humores primeiro antes de dizer alguma coisa.
— Papa — disse com um tom de voz hesitante.
conteve sua expressão, neutro e até mesmo desinteressado, mas os olhos do homem percorreram momentaneamente o rosto de , notando os pequenos detalhes. Ele teria franzido o cenho se soubesse que ninguém estaria olhando para seu rosto, ao notar as olheiras levemente arroxeadas abaixo dos olhos de , o canto direito do lábio inferior estava machucado, como se ela tivesse arrancado a pele, e o pequeno tique em seu olho esquerdo, um tremor rápido e discreto, mas que não havia passado despercebidos por . Ela ofereceu um aceno em cumprimentos a e antes de forçar um sorriso calmo e gentil para o pai.
— Disse que te encontraria no restaurante, não precisava…
Ilya caminhou até onde estava,
por favor, Ilya, estendendo as mãos na direção do rosto da jovem mulher,
por favor, Ilya, e acariciando com cuidado a bochecha dela, paternal.
POR FAVOR, ILYA! desviou os olhos para um ponto invisível à sua frente, incapaz de silenciar a voz de seu próprio pai,
implorando por misericórdia, outra vez. Sergei sempre implorava por misericórdia e todos os dias recebia a mesma resposta: uma bala em sua cabeça.
— E perder a chance de vê-la dançar? Tsc, tsc, não, jamais,
malishka. — Ilya riu baixo, consigo mesmo, enquanto assentiu com afeto em seu olhar para a jovem mulher. — Além disso, é um mundo perigoso, querida, e eu seria um péssimo pai se ousasse deixar você andar por aí sem proteção.
— Mas…
— Mas nada, . Você é minha filha, e isso vem com consequências queira você ou não — Ilya a corrigiu como se ela fosse uma criança de 8 anos e não uma jovem mulher em seus quase
20 anos. poderia concordar com o perigo nas ruas, e a determinação em protegê-la, mas havia algo no tom de Ilya que o incomodava. Se por ser um reflexo de si mesmo ou algo estrangeiro, pouco poderia dizer. — Você e seus irmãos são minha grande obra, malishka, e eu protejo o que é meu. Agora, recordo-me de uma promessa de um almoço feita semanas atrás a qual estou
ansioso que seja paga, pedi para que separassem até o seu vinho preferido, e não vou aceitar não como resposta. Sinto falta da minha filha, mesmo que ela seja uma artista tão atarefada ultimamente.
, desta vez, sorriu com sinceridade, e o coração de se apertou.
O que ele não daria para que fosse para ele aquele sorriso? — Incorrigível — resmungou ela, concordando com o pai mesmo contragosto, enquanto Ilya sorriu satisfeito por ter convencido a filha a aceitar sua proteção.
Indicando com a mão na direção de , observou o mais velho estalar os dedos, em um comando silencioso, e banhado pelo instinto, apenas desabotoou o casaco de trincheira dele, retirando discretamente o celular, chaves e canivete suíço, antes de entregar para Ilya. praguejou mentalmente por não ter pelo menos limpado o casaco antes, para que não tivesse que lidar com seu suor ou cheiro de
sangue que normalmente tinha suas roupas, mas seus pensamentos evaporam quando Ilya repousou o casaco de sobre os ombros de .
Chegava a ser cômica a certa diferença de tamanho. O casaco a cobria devidamente, ocultando suas curvas de olhares indevidos e pervertidos, mas era bem maior nela. Onde batia nos joelhos de , chegava quase aos tornozelos de . As mangas longas o suficiente para que ela tivesse que arregaçá-la, enquanto os olhos , aqueles
doces e
deslumbrantes olhos se fixaram no rosto de de forma
apologética, uma desculpa velada pela situação.
desejou morar ali naquele olhar.
Ilya estava prestes a dispensar e quando se interpôs entre o velho homem e seus dois carrascos com uma expressão preocupada, misturada com genuína gentileza. Os olhos evidenciando um pedido silencioso ao pai, que, aparentemente, era tão refém dela quanto qualquer um. Um refém
voluntário.
— Deixe que eles pelo menos nos acompanhem, por favor — ela pediu com um sorriso hesitante, franzindo o cenho enquanto estalava os dedos nervosamente. e se entreolharam em silêncio. , curioso, , impossível de ser lida. — Seria uma… forma de compensação? Por me esperarem aqui, eu imagino que tenha sido pelo menos desconfortável ficar quase quarenta minutos em pé aqui.
mordeu o lábio inferior, e se obrigou a pensar em como as lâmpadas fluorescentes funcionavam adequadamente em qualquer lugar ou como a palavra fluorescentes tinha letras demais, e não na forma em que seu sangue havia fluído para suas calças com o pensamentos
vívidos e
expositivos que ele queria fazer com a boca dela.
— Tsc, você e esse seu coração — Ilya resmungou baixo desaprovador, mas os olhos do mais velho pareceram suavizar após alguns segundos considerando o pedido da filha. Ilya assentiu, e abriu um sorriso largo, feliz. E o corredor pareceu menos frio para . — Mas terá que caminhar comigo, e jantar esta noite com seus outros irmãos, como uma
família.
assentiu, parecendo tomar para seu coração o acordo, colocando as duas mãos para trás e seguindo o pai com passos calmos. bufou baixo, parecendo sarcástico, mas sequer havia percebido, os olhos de estavam focados demais na jovem mulher, sorrateiramente deixando-se caminhar mais devagar para emparelhar com os passos de . Ela sorriu para , encarando-o curiosa, deixando-o preso em um limbo entre: dar as costas e sair dali o mais rápido que podia e apenas parar e admirar. Por via das dúvidas, desviou os olhos para o chão de porcelanato do estúdio, concentrado, como se sua vida dependesse disso.
— Desculpa pelo casaco, eu prometo devolvê-lo limpo e em bom estado, será só o tempo de lavar — disse , a voz suave, doce como uma carícia que havia falhado em perceber quando
desejava. Ele uniu as sobrancelhas encarando a jovem mulher, apreensiva com a porra de um casaco.
— É só um casaco — respondeu ele, sua voz soando estranhamente mais baixa que o normal, mais rouca e…
suave? apertou os lábios dando de ombros enquanto os olhos se desviavam igualmente para o chão. A diferença entre ela e era que quando ela fazia aquilo ela ficava adorável.
— Você o usa desde que começou a trabalhar com meu pai, sempre achei que fosse sua peça preferida, por isso — disse franzindo o cenho, e não sabia o que dizer. Era só a porra de um casaco, nunca havia pensado muito além disso; agora
era seu casaco preferido. assentiu para si mesma, parecendo considerar alguma coisa antes de voltar a falar. — Tio Aleksei disse que você gostava de comida italiana, não é? Se quiser, posso tentar convencer o cozinheiro a empacotar um pouco mais para viagem. — Ela sorriu com um brilho travesso adorável em seu olhar. Não, ele não gostava de comida italiana, na verdade nunca sequer havia comido uma pizza;
era sua comida favorita agora.
sorriu concordando com , incapaz de respondê-la.
Capítulo 2 – Volk
TW: o texto a seguir possui descrições gráficas de SEXO, CORPOS MUTILADOS, e VIOLÊNCIA FÍSICA. Não leia este texto caso sinta-se desconfortável.
• AGORA.
São Petersburgo, Rússia
Ele estava tão perto de gozar que não se importou em conter os grunhidos que escapavam do fundo de sua garganta ao penetrar Agnes com força, mesmo que ela tivesse o instruído para não fazer ruído algum.
Não que alguém fosse se importar, quer dizer, todos estavam mais interessados no velório acontecendo sob as escadarias no primeiro andar da casa funerária, e não no que quer que a, agora,
viúva fazia ou deixava de fazer com um dos capangas de seu falecido marido. Porra, ele
amava a sensação de estar profundamente introduzido dentro dela, desde que tinha apenas 15 anos
esta era a melhor sensação que conhecia, mas
naquele dia havia uma nota a mais de satisfação. Uma sensação deturpada de poder sobre o filho da puta que havia transformado a vida dele em um completo inferno enquanto fodia a esposa dele sobre sua tumba. Porra, não podia ter pedido por um
dia melhor do que aquele.
Agnes soltou um grunhido baixo, movendo seus quadris em ritmo com os de , apoiando-se precariamente entre o vão em que ele a havia suspendido enquanto a pressionava sem muita gentileza contra a parede de pedra da tumba requintada da família . Antes que ele sequer pudesse
ver, Agnes atingiu um tapa doloroso em seu rosto, jogando-o para o lado, e então segurando a mandíbula com força, as unhas elegantes e vermelhas como sangue fincando-se contra a bochecha de .
— O que eu disse… — Agnes gemeu, perdendo por uma fração de segundos a linha de seu pensamento quando acertou aquele
ponto sensível dentro dela, sentindo-a contrair ao redor de seu pau. A familiar sensação crescente em sua pélvis um anúncio silencioso que tudo o que ele precisava era só de mais
um movimento. Uma contração. O que quer que Agnes lhe oferecesse, mas é claro que a mais velha parou de se mover. — O que eu disse sobre fazer barulho,
pet? — Agnes fincou com mais força as unhas na pele de , e soltou uma mistura entrecortada de gemido e grunhido, apoiando o braço esquerdo contra a parede, enquanto mantinha o aperto de sua mão direita firme nas coxa de Agnes. — Já chega — comandou Agnes.
apoiou sua testa contra Agnes, sua respiração pesada e irregular misturando-se com a tensão que envolvia seu corpo, o impulso de mover-se gritando por seu corpo desesperado por alívio, o tremor aumentando por seus músculos tensos enquanto ele trincava os dentes com força, fechando os olhos.
— Qual é, Aggy… — ele tentou negociar, sua voz soando patética e suplicante, o que fez apenas com que o sorriso de Agnes aumentasse. Que ela o tinha em suas mãos, isso não era dúvida, mas havia uma parte dela que
ele sabia que gostava de ouvir o
quão patético era por uma foda com ela.
Agnes acertou outro tapa no rosto de , este mais doloroso do que o anterior, fazendo-o acertar acidentalmente os dentes contra seu lábio inferior, cortando-o, ao mesmo tempo que forçava sua mão esquerda sobre o peito largo de , forçando-o a se afastar. Algo na expressão de se tornou sombria, os olhos obscurecendo-se como se fossem desprovidos de alma ou uma consciência humana, deixando para trás apenas uma reação animalística enquanto por uma fração de segundos, sustentando o olhar de Agnes , ele sabia que
poderia continuar, independentemente dos desejos de Agnes ou não, não importava, ele podia continuar se quisesse.
Agnes ergueu uma sobrancelha, parecendo divertida e ao mesmo tempo desconfiada da expressão de , antes de um pigarro ecoar do topo da escada. não precisava se virar para saber
quem havia convenientemente chegado para atrapalhar seu momento. Para ser sincero, o filho da puta que mais se parecia com um fantasma, mal vivo, esgueirava-se pelos cantos como um encosto,
sempre dava um jeito de atrapalhar qualquer merda que tinha interesse em fazer. Especialmente se havia um momento que queria
aproveitar.
, frustrado, com um pau latejando, e com uma propensão a esta altura a desenvolver
bolas azuis, deixou-se ser empurrado para trás por Agnes, grunhindo com a sensação do ar gélido contra sua pele cálida, praguejando entre dentes, considerando terminar o trabalho com a porra de sua mão ou simplesmente se concentrar muito em algo nojento para tentar ao menos diminuir o tesão — não que fosse funcionar. ajeitou suas calças e cueca, lançando um olhar enviesado para Agnes e aquele
maldito sorriso torto, endireitando o vestido preto elegante que havia escolhido para participar do velório de seu marido, percebendo com uma compreensão quase sufocante que por mais que ele adorasse poder fodê-la, uma parte de si a
odiava profundamente.
— Não se fazem homens como antigamente — resmungou Agnes a ninguém em particular, mas o elogio enviesado atingiu em cheio o ego de , enquanto a matriarca da família endireitava seu chapéu agora parcialmente destruído, voltando seu olhar na direção de onde Viper, aquela porra de encosto, estava parado, encarando os dois com aquela maldita indiferença quase
robótica. — Que bom ter alguém como você em minha família, querido. — Agnes voltou seu olhar diretamente para Viper, e sentiu aquela familiar sensação sufocante que transformava suas veias em lava pura e o queimava de dentro para fora, o
ciúme que ia muito
além da atenção de Agnes voltada para outra pessoa. trincou os dentes com um estalo alto, terminando de fechar o zíper de sua calça, observando quando Agnes deu um tapinha no peito de Viper, que, para a surpresa de ninguém, permaneceu inexpressivo.
Viper
sempre havia sido perturbador — ou no mínimo
perturbado —, mas céus sabiam que o desgraçado parecia apenas ter embarcado em uma espiral de dessensibilização humana fazia consideráveis anos àquela altura. Se é que era capaz de sentir ainda alguma coisa, era sempre aquela expressão distante, fria e desprovida de quaisquer emoções que nem mesmo um elogio vindo diretamente da chefe daquela casa — agora que Ilya havia morrido — que parecia o fazer expressar alguma coisa. Os olhos quase lupinos cintilando em meio a penumbra que se projetava ao redor deles, fixos no rosto de com aquele
maldito ar de superioridade.
Tudo o que mais desejava era ter apenas
um momento oportuno com o desgraçado e aí sim, mostraria ao filho da puta
quem tinha as melhoras cartas naquele jogo. não expressou reação nenhuma quando Agnes voltou a desaparecer escadas acima, onde o cortejo de seu falecido marido já deveria ter começado, ajeitando de forma lenta, quase preguiçosa, a gravata que envolvia seu pescoço, caminhando deliberadamente na direção de Viper.
— O que? Nenhum discurso dessa vez? A posição já está subindo à cabeça,
chefe? — não conseguiu conter sua própria inclinação a provocar pessoas mais perigosas e de maior escalão que ele, deixando um sorriso torto surgir por seus lábios, inclinando a cabeça para trás para encarar Viper.
O cara era um completo mistério, e dito isso não em um aspecto positivo, mas era consideravelmente curioso
como ele havia conseguido ganhar uma posição de poder e confiança como braço direito do velho Ilya ao jogar a filha
preferida do cara de baixo do ônibus tão facilmente. não podia deixar de achar divertido, a frieza quase patológica de Viper não era menos desconfortável do que seus olhos intensos e impossíveis de serem lidos. Uma coisa, todavia, parecia
sempre funcionar em tirá-lo do sério.
Otário do caralho. Era isso que Viper era. Por sorte não demoraria muito para que o filha da puta fizesse merda e acabasse sendo expulso daquela maldita organização com, de preferência, pelo menos quatro tiros dilacerando seu peito e rosto. até mesmo se ofereceria para executá-lo se fosse o caso, apenas pelo despeito e frustração. O desejo de ver Viper morrer o poderia fazer ficar tão duro quanto Agnes. Mas é claro que, , sendo quem era, possuía a inerente tendência de
subestimar quem ele provocava e tentava puxar briga.
Com um movimento rápido de seu pulso, Viper avançou na direção de , apoiando a lâmina gélida e afiada de sua faca sobre a garganta do outro, pressionando a lâmina até que sentisse uma picada ardida em sua pele. Não demorou para que o homem sentisse aquela sensação encorpada e cálida do líquido escorrendo por sua garganta, acumulando-se na gola de sua camisa social. Os olhos de Viper permanecerem fixos no rosto de , sem mover-se um centímetro, quase vidrados, enquanto o empurrava com força contra a parede, mantendo-o preso ali. A garganta de ficou seca, a respiração perdeu-se em algum lugar de sua garganta enquanto seu estômago se contraiu, o gosto amargo da bile atingiu sua língua mais uma vez, e um tremor quase impossível de ser contido percorreu seu corpo.
Pela primeira vez em algum tempo, foi acometido mais
uma vez pela percepção de que Viper, sendo quem era, poderia
facilmente acabar com sua vida na hora que quisesse. Não era que Viper não tivesse consciência alguma, na verdade, em algum ponto ele tinha provavelmente, ele apenas não se importava.
Tendo as mãos tão sujas quanto as de , o que era mais um corpo em sua conta?
— Você quer mesmo me matar, chefe? — questionou , mas o tremor que escapou por sua voz o fez se arrepender no mesmo segundo por ter se pronunciado.
Os olhos de Viper queimaram, fixos no rosto de , incandescente com o mais próximo que um apático como Viper poderia evidenciar de fúria contida.
— Por quê? Você quer dizer para que eu não faça? — Viper rosnou entre dentes, erguendo o queixo de forma desafiadora.
arregalou os olhos surpreso com a violência contida impressa nas palavras de Viper. Não uma ameaça, tampouco um desafio, um aviso, latente do que ele iria fazer com . tentou empurrar Viper para trás, mas o outro homem apenas o agarrou com mais força, empurrando um pouco mais a faca contra sua garganta. Os olhos parecendo pulsar silenciosamente uma fúria quente e sufocante direcionada diretamente para .
— Vai me dizer não agora, ? — Viper rosnou entre dentes, um pequeno sorriso ameaçador quase surgindo pelo canto de seus lábios enquanto os olhos seguiam o de , obrigando-o a encará-lo. — Alguns minutos atrás não pareceu ser algo tão importante assim para você, não tem por que se preocupar em dizer não para mim agora, tem?
sentiu a raiva inflamar por sua corrente sanguínea, a frustração gritante enquanto ele desejava empurrar Viper para trás.
Quem ele pensava que era para vir ditar moral sobre ? Só porque o bastardo filho da puta de merda havia lambido as bolas de Ilya para ganhar a posição de chefe daquela porra, só porque ele havia traído a tudo e todos para conseguir virar o cachorro pessoal de Ilya, não significava que ele tivesse direito de dizer
uma palavra para . Além disso, Agnes não era melhor do que uma vadia e comportava-se como uma, o que quer que tivesse pensado em fazer não dizia a respeito de Viper… mas ele não queria morrer. Não agora, não nunca, então tremeu, assustado.
Trincou os dentes com força, esperando pelo golpe final de Viper, mas o homem apenas o empurrou para trás, abaixando a faca. chocou-se bruscamente contra a parede da tumba, escorregando um pouco enquanto inspirava pesado, desconcertado, trêmulo e assustado.
— Se mexe — ordenou Viper, implacável.
acompanhou com o olhar enquanto Viper tomou novamente a liderança, tentando conter o impulso de se lançar contra o colega de trabalho. Quase vinte anos trabalhando ao lado do desgraçado e nem mesmo a porra de um nome ele possuía. Viper era pior do que um fantasma, ele era
real e não tinha
nada que pudesse ser feito para ser impedido. havia visto
inúmeros crimes cometidos pelo outro, e não havia sequer remorso nos olhos lupinos do outro homem, apenas aquela apatia profunda, distorcida, violenta.
Havia homens que entravam naquele tipo de trabalho porque não tinham escolha, era um deles se fosse ser honesto — embora preferisse morrer a admitir tamanha vulnerabilidade —, e havia homens como
Viper que haviam nascido para fazer aquele tipo de trabalho, que não parecia possuir nada além de uma mira precisa e uma apatia doentia.
encarou as costas do colega de trabalho por um momento, considerando acertá-lo por trás. O que era honra entre criaturas desprezíveis como eles? sentiu-se tentado a acertar Viper pela parte de trás de sua nuca, um golpe rápido e preciso que o paralisasse e então mostraria a
Viper quem estava no poder, mas o pensamento foi completamente abandonado quando Anatoli Gromov, o novato contratado por Viper, projetou-se pela porta da tumba, cambaleando um pouco, com o rosto pálido e os olhos arregalados.
— Senhor! — disse Anatoli de forma atrapalhada, gaguejando um pouco e uniu as sobrancelhas. Tirando a clara demonstração de sua inabilidade para o trabalho, especialmente pelo medo tingindo o rosto de Anatoli, não pôde deixar de sentir uma ponta de tensão percorrer por seu corpo, observando a postura do garoto. Pela potencial gravidade em sua postura, algo estava muito,
muito errado. — Senhor, você precisa ver isso!
•••
“30 moedas de prata, agora você pode ir em paz”
A escrita era estranhamente elegante e coerente, mesmo feita por puro sangue. não poderia dizer que não havia achado um certo
apelo pela dramaticidade da cena, era quase
convidativo, mas era igualmente perturbador absorvê-la, mesmo Viper, em toda sua postura taciturna, apática, parecia ter suas sobrancelhas unidas e uma expressão sombria, parecendo ter dificuldades para entender o que havia acabado de acontecer. Preso por entre cordas suspensas, a pelo menos bons dois metros de altura, do lado de fora do cemitério, encontrava-se Aleksei Goroshko, o antigo braço direito de Ilya , aquele que até então era responsável por comandar e administrar o que Ilya havia deixado para trás — toda a sua atividade ilegal, se fosse querer ser tático com a ideia —, encontrava-se
agora suspenso no ar, dilacerado, com a mandíbula quebrada, cheia de moedas de prata caindo no chão de sua boca entreaberta. sentiu sua respiração ser roubada de seu peito, lançando um olhar ao redor surpreso e ao mesmo tempo assustado.
Quem diabos poderia ter feito isso?
Pior, quem poderia ter feito aquilo sem que
eles percebessem que havia sido feito? Bem abaixo de seu nariz?
Os batimentos cardíacos de se aceleraram enquanto o homem abria e fechava as mãos sem perceber que o fazia, tentando conter um pouco da ansiedade que o estava envolvendo.
A cena à sua frente era uma verdadeira visão de puro
gore. Era nítido que Aleksei Goroshko havia passado por algum tipo de tortura, cortes no supercílio, unhas quebradas e completamente expostas em carne viva, couro cabeludo queimado e o rosto e tronco deformados pela quantidade de socos que provavelmente havia levado. Os cortes se espalhavam com mais profundidade no tronco, desnivelados, como se alguém tivesse começado a esfaqueá-lo com um braço firme, mas fosse perdendo o controle lentamente. 48 facadas. A mão esquerda havia sido decepada, e em um canto próximo da grama,
viu um pote de plástico pequeno ainda cheio com o sangue de Goroshko e um pincel. sentiu vontade de rir, não porque houvesse algo engraçado naquela maldita situação, mas porque parecia surreal demais.
Quem diabos poderia ser tão doente assim a ponto de usar a porra de um pote de plástico e um pincel para enviar uma mensagem para eles?
Viper, todavia, permaneceu em um silêncio sepulcral.
Enquanto o
chefe deles não se movia, parecendo perdido demais em seus próprios pensamentos, fez questão de tomar a frente encontrando naquela oportunidade algo que poderia usar contra o taciturno maldito Viper. passou suas duas mãos por seu rosto e então por seus cabelos, tentando afastar as mechas platinadas para longe de seu rosto, tencionando sua mandíbula enquanto sufocava um riso. Ele estava enlouquecendo, puta merda, ele estava enlouquecendo e quem quer diabos que havia feito aquela merda estava disposto a enlouquecê-lo.
Veja bem, admirava o estilo, mas porra, justamente na
vigília dele?! Aí também não dava, né?!
— Oi! Filha da puta, os dois aqui! — bradou sem um pingo de paciência restante em seu corpo. Primeiro Agnes e aquele maldito jogo dela, então Viper querendo bancar o machão, e agora isso? Puta merda, quando ele acordou acreditando que teria o melhor dia de sua vida, não sabia o quão erroneamente havia assumido aquilo. gesticulou abrasivamente na direção de Pietro e Anatoli, unindo as sobrancelhas com impaciência. — Anda, porra!
Os dois mais jovens, com não mais de 24 anos cada, correram na direção onde estava, agitados, e parecendo assustados, o que era estupidez pura, afinal, o que aqueles paspalhos de merda esperavam encontrar quando se tratava de uma
máfia? Porra de confete e bolinhos coloridos decorados? Ah, vá para merda…
— As câmeras, eu quero que verifiquem
todas as câmeras
agora, não é para deixar
uma pedra sem revista — comandou com os dentes trincados, retirando o celular de seu bolso e então digitando rapidamente os números de Tio Bogdan, exasperado, já imaginando a reação que um dos irmãos mais velhos de Ilya teria para com toda aquela porra de situação. Quem quer que o tivesse feito, havia,
propositalmente, escolhido o fazer em um dos
piores momentos possíveis, durante o enterro do líder deles? Não era apenas uma provocação, mas um desafio silencioso, e se havia algo que Bogdan não gostava era insubordinação.
Finalmente, Viper pareceu despertar de seu estado congelado.
O homem de olhos lupinos piscou algumas vezes, voltando a si, e com uma expressão que parecia esbanjar irritação contida, avançou na direção de , tomando o celular de do homem com um movimento brusco e então o quebrando abruptamente. praguejou em alto bom tom encarando Viper como se ele tivesse acabado de perder sua cabeça.
— Que porra, Viper?! — exclamou , mas o homem taciturno apenas o ignorou, os olhos voltando-se novamente para o corpo que passou pelo processo de
sangria.
— A família — ordenou Viper, as duas palavras soando completamente desconexas para se ele não conhecesse o homem bem há mais de vinte anos. praguejou entre dentes, correndo no mesmo segundo, acompanhado de Viper em direção ao escritório de onde, àquela altura, a leitura do testamento de deveria estar sendo feita.
Eles correm discretamente por entre os convidados, determinados a não chamarem atenção — embora o único que tivesse tido sucesso com isso fosse
Viper, já que acidentalmente esbarrara em duas convidadas e acabara derrubando vinho em uma terceira.
Os dois adentram o escritório de em meio a uma discussão acalorada entre Darya, Lyubov — a esposa de seu irmão mais velho Nikolai — e Nádia. O advogado da família, Taras Stanislavovich, um homem bem-apessoado apesar de sua idade considerável, os cabelos ainda impecavelmente escuros, embora algumas mechas grisalhas fossem perceptíveis nas laterais de seus cabelos bem penteados, barba cuidadosamente bem feita e estilizada, e olhos verdes escuros penetrantes permanecesse silenciosamente observando a discussão entre os futuros herdeiros de com uma ponta de desprezo crescente. não poderia dizer que não compartilhava do mesmo sentimento, para ser bem sincero, ao total de 6 filhos que Ilya possuía, não havia simplesmente
nenhum que agradava , nem mesmo a adorável Nádia que o que tinha de bela, tinha de mimada. Agnes, por sua vez, permanecia tranquilamente sentada em uma das poltronas confortáveis que o falecido marido possuía, um martini em sua mão direita, mastigando preguiçosamente a azeitona enquanto assistia, indiferente, a discussão entre seus filhos.
Uma parte de não pôde deixar de admirar a mulher, mesmo com certa idade, ela ainda era uma puta gostosa. O vestido preto justo ao corpo acentuando os seios fartos e as pernas fortes, não era apenas atraente e sensual, mas um lembrete do perigo que ela era para qualquer um. Os olhos de Agnes voltaram-se momentaneamente para quando ele se aproximou dela. Mantendo uma expressão séria e contida, ela apenas gesticulou com a mão enluvada para que se calasse, impedindo-o de dizer uma palavra sequer, enquanto Viper silenciosamente marchava em direção de Taras Stanislavovich, sussurrando o mesmo informe que queria repassar para Agnes.
Vadia maldita do inferno, se ele pudesse…
A porta de entrada do escritório se abre uma segunda vez, e, , que esperava deparar-se com algum de seus homens vindo informar-lhe
quem diabos havia liderado aquele maldito ataque à família , sentiu todos os seus pensamentos desaparecerem de sua mente, nublando-a com uma mistura de incredulidade e reconhecimento enquanto seus lábios se entreabriam, surpresos, quase em choque.
Vestida com um vestido de veludo preto justo ao corpo, o tecido adornava sua silhueta com quase uma zombaria de perfeição, demarcava de forma elegante a cintura fina, estreita, e os seios fartos com um decote reto, discreto, embora as mangas pendessem pelos braços dela, as luvas que usava de renda preta chegavam elegantemente até a altura de seus cotovelos, ocultando o que pareciam ser não apenas tatuagens intrínsecas espalhadas pelos braços e antebraços dela, mas como, igualmente,
cicatrizes. O vestido abria-se em uma fenda do lado esquerdo de seu quadril acentuado pelo tecido, revelando as pernas longas e elegantes dela. Os cabelos, outrora longos, agora estavam curtos em um
pixie cut desalinhado, deixando o rosto dela
ainda mais delicado do que ele se lembrava de ser. A mandíbula bem marcada estava tencionada, bem pronunciada o suficiente para que ele visse um pequeno músculo saltar com o gesto dela, embora tivesse sido rápido demais para ele acreditar realmente que havia visto alguma coisa. Os olhos cintilando como os de um gato enquanto ela retirava os óculos escuros e caminhava calmamente em direção a uma das poltronas.
A sala de repente foi envolta por um silêncio sepulcral gritante. Mesmo Agnes, que permanecia indiferente até o momento, parecia ter se endireitado, os olhos cintilando uma fúria contida, fria e calculada. teria até mesmo sentido uma ponta de satisfação por ver Agnes reagir daquela forma, mas estava encantado demais com a visão de para se importar com Agnes.
Depois de quase onze anos. Puta merda… e se ela não era uma visão de sensualidade e elegância. Mesmo as tatuagens que decoravam suas costas e braços, padrões de aparência muito especificas que pareciam mais servir para ocultar algo do que celebrar algum tipo de obra de arte em sua pele, davam a ela um ar de sensualidade e poder que ele não se lembrava de ter visto quando ela era mais jovem. A doce bailarina de Ilya. Um sorriso começou a despontar pelos lábios de , alheio ao fato de que Viper parecia pálido como neve, encarando a penetra com assombro.
acenou com um sorriso educado, discreto, na direção de Taras Stanislavovich, elegante como uma pantera, ignorando os olhares fulminantes que recebia de Darya, ou a surpresa estampada no rosto de Nikolai, Maksim e Ygor, os mais velhos de Agnes, ou até mesmo o rosto preocupado de Nádia que encarava Agnes em busca de auxílio.
— Obrigada por terem tido a decência de me esperarem — disse , sua voz terrivelmente doce, tão suave quanto o veludo que vestia, mas havia algo em seus olhos, algo que enviou uma onda de excitação e cautela pela corrente sanguínea de , que ele reconhecia de longe. Havia uma
sombra ali. Quando ela sorriu, desta vez, a docilidade de seu gesto não chegou até seus olhos. Era como observar uma predadora disfarçada de presa, observando-os de volta com uma falsa inocência convidativa. — Eu detestaria perder este evento em família
também.
Nota da Autora: embora esteja categorizada como um Dark Romance, é muito provável que essa história seja mais um suspense do que um dark romance. Não crie expectativas para esse relacionamento.
Capítulo 3 – Kobra
TW: o texto a seguir possui menções a CANIBALISMO e descrições de um ATAQUE DE PÂNICO. Não leia este texto caso não se sinta confortável:
MAKAROV • ANOS ANTES.
São Petersburgo, Rússia
O zumbido em seus ouvidos havia se tornado mais alto, agora, amortecendo-os de vez.
ofegou, sentindo o tremor em suas mãos aumentarem. Ele tossiu, fechando os olhos com força, pendendo para frente e quase acertando o espelho à sua frente. Seu peito parecia estar sendo esmagado por toneladas invisíveis, empurrando-o para baixo, como se ele estivesse aprisionado dentro de um cofre e tivesse sido abandonado em meio às profundezas do oceano. Como se tivesse acabado de ser lançado em direção à bocarra de uma criatura de sombras, esfomeada, que desejava consumi-lo por completo —
já o estava consumindo. Sua pele parecia estar formigando, a sensação fantasmagórica de inúmeras pequenas agulhas sendo fincadas e retiradas rapidamente por sua tez, enviando uma sensação, não apenas de tensão, mas igualmente
desespero. Estava começando a ficar consciente de tudo que o envolvia, a maneira com que as luvas de couros cobriam suas mãos, a forma com que o tecido grudava em sua pele suada e
como fechar e abrir suas mãos não lhe oferecia conforto algum que não fosse apenas a sensação fantasmagórica de ser um intruso para seu próprio corpo.
Mas a pior parte eram suas vias respiratórias. Estas pareciam estar em chamas, esfriando abruptamente apenas para voltar a ficar em chamas outra vez, enquanto ele tentava se obrigar a continuar a respirar. A continuar inalando o máximo de oxigênio que conseguia. Mesmo que seu coração estivesse martelando de forma dolorosa contra sua caixa torácica. Mas quanto mais ele tentava se obrigar a respirar, mais parecia que ar lhe faltava. Ele trincou com força seus dentes, se obrigando a não deixar nenhum ruído escapar por entre seus lábios cerrados, mas mesmo assim, os ofegos e soluços continuavam escapando de sua garganta; inicialmente apenas uma tosse, agora tornavam-se uma hiperventilação desesperada.
Cego pelo instinto e pânico, as mãos trêmulas, ainda enluvadas de , dispararam em direção à sua garganta, agarrando com toda sua força o colarinho de sua blusa de gola alta, tentando estourá-la. Tentando rasgá-la quase em completo desespero. Suas unhas fincaram-se na pele de seu pescoço, encontrando-se com a cicatriz grossa e irregular que envolvia seu o local, e por um momento, uma breve fração mísera de segundos, sentiu-se tentado a reabri-la. Se isso fosse lhe garantir o ar que tanto precisava, ele não hesitaria. Então ele tentou fincar com força as unhas em seu pescoço, mas o que encontrou foi apenas a textura porosa do couro envolvendo suas mãos.
Ele ofegou; o ruído escapando por sua garganta, rouco e lembrando a um ganido.
debateu-se contra o próprio colarinho de sua blusa, falhando em rasgá-lo, quando suas mãos ficaram completamente amortecidas. A sensação incômoda de sua pele sendo espetada por minúsculas agulhas fantasmagóricas acompanhando um ritmo semelhante ao de sua pulsação, agora criava pequenos espasmos em seus dedos, dificultando que ele conseguisse obrigar-se a sequer fechar suas mãos em punhos para rasgar o colarinho. Movido pelo pânico cego que o envolvia, então arrancou sua blusa de gola alta, debatendo-se contra o banheiro até que o tecido estivesse longe de sua pele e seu tronco, carregado por marcas — cicatrizes e as afiliações em tinta que aquele trabalho o havia obrigado a ter —, estivesse completamente exposto. Dois novos curativos envolviam a lateral de sua cintura, mas não havia outra cicatriz que se pronunciava mais do que a que se encontrava em seu pescoço. Atravessava de uma lateral a outra, profunda, e costurada de forma mal feita. Os nós que haviam sido dados haviam deixado para trás protuberâncias na vertical seguindo o padrão irregular do corte que a faca de Ilya havia deixado para trás.
engasgou-se outra vez, suas costas chocando-se contra os azulejos impecáveis de porcelanato branco da mansão de arquitetura renascentista russa que a poderosa família possuía desde da
Revolução Russa. Ele se engasgou outra vez, deixando sua cabeça pender para trás, atrapalhando-se ao retirar as malditas luvas. Suas pernas cederam ao seu peso, e ele desabou ao chão com um baque surdo. Nem mesmo a textura lisa e gélida dos azulejos conseguiam enviar-lhe o conforto gélido de diminuir a temperatura de seu corpo febril. fechou os olhos com força.
Não demoraria muito até que…
— ? — A voz familiar ecoou por seus ouvidos, e quase sorriu ao ouvi-la. Fazia tanto tempo desde a última vez que ele havia ouvido e visto a dona daquela voz. Tanto tempo que agora misturava-se em sua memória uma falsa percepção que talvez, no passado, não tenha sido tão doce e suave quanto ele ouvia agora. — Ah,
moy malysh, o que eles fizeram com você? — não ousou abrir os olhos, concentrando-se em lutar para controlar sua respiração ao bater ritmadamente sua cabeça contra o azulejo, mesmo quando ele teve a falsa impressão do toque dela percorrer seus cabelos bem maiores do que quando
ela os cortava. — Por que deixou que eles fizessem isso com você, ? Por que deixou que eles o transformassem
nisso? Não tem vergonha… — o sussurro de sua mãe pareceu reverberar de um ouvido para o outro.
obrigou-se a balançar a cabeça, desesperado para livrar-se da sensação fantasmagórica da mão de sua mãe percorrendo seus cabelos. Era uma memória, agora, desgastada pelas garras cruéis do tempo, sequer verdadeiras — parte de si sabia que seu cérebro estava desesperado para encontrar uma mísera ponta de conforto, mesmo que tivesse que criar uma. Verdade seja dita, não se lembrava mais de quem Faina a havia sido. Não se lembrava mais do tom dos olhos de sua mãe, tampouco como sua risada soava ou como era seu sorriso. Ela havia se tornado, afinal, um completo fantasma, uma assombração de sua mente que retornava apenas para misturar-se com as alucinações que o seguiam toda vez que seu ataque de pânico ficava fora de controle.
Quando abriu os olhos, o que ele encontrou, todavia, não foi a visão de sua mãe, mas o rosto de um garotinho. Pequeno, não mais que 3 anos ou 2 anos, encarando-o com aqueles malditos olhos , assustado. No centro de sua testa, o buraco da bala que havia disparado. O sangue escorrendo devagar pelo nariz e queixo pequeno da criança. fechou os olhos com força, grunhindo, quase desesperado para livrar-se daquela imagem. E no entanto, não poderia. Estava
gravada em si.
concentrou-se então em apenas ouvir o barulho ritmado de sua cabeça acertando o azulejo, inspirando fundo pelo nariz e exalando por sua boca. Quando a pressão começou a diminuir em seu peito, o homem alçou do bolso de sua calça seu celular, a tela, agora rachada na lateral esquerda e com uma pequena bolha obscurecida de onde o cristal líquido estava vazando, evidenciava apenas uma notificação simples de Aleksei Goroshko, comandando-o para procurar por , que havia fugido da sala de jantar não fazia sequer cinco minutos.
sentiu seu corpo voltar ao estado de alerta imediatamente, registrando o comando, inicialmente confuso, calculando o que diabos poderia ter acontecido naquela maldita sala de jantar para tê-la feito fugir — uma ocorrência que não era incomum, mas que normalmente levava
tempo para realmente desenrolar-se —, antes de soltar um grunhido irritado, vestindo sua camisa de gola alta outra vez, e mal cobrindo-a quando saiu do banheiro a passos rápidos, considerando onde diabos poderia ter ido e se ela estaria bem.
•••
Encontrou-a no jardim, dentro da fonte grande e imponente que emoldurava o centro do labirinto vivo que o jardim de Agnes possuía, encarando o céu obscurecido pela noite com a maquiagem borrada e lágrimas nos olhos.
não percebeu, mas exalou com uma ponta de alívio. Seu corpo relaxando com o consolo de saber que a havia encontrado depois de correr pela mansão inteira em busca dela. Já estava considerando deixar a mansão e passar a investigar os locais que ele sabia que ela frequentava — um café um pouco mais ao norte da cidade, a biblioteca pública, um mercado de pulgas chamado Udelnaya Flea, a loja de antiguidades da melhor amiga dela, Nina Pavlova Lebedeva, o estúdio de ballet e até mesmo seu apartamento no centro da cidade —, quando decidiu procurar pelo labirinto vivo. não deveria estar surpreso de tê-la encontrado ali, desde que era mais jovem, ele a via sempre esconder-se naquele maldito labirinto, correndo como um coelhinho, vulnerável e assustado, tentando fazer-se invisível. Na época, não se importava em verificar, afinal era apenas uma adolescente sendo uma adolescente e talvez querendo um momento de privacidade, faria apenas o que lhe era comandado e ficaria de olho na menina caso ela precisasse de alguma coisa, ou Ilya o comandasse trazê-la de volta.
Foi somente durante uma noite de insônia e pesadelos com os gritos de seu pai implorando por sua vida a Ilya, que vagou pelos jardins da casa e se deparou com uma de 19 anos deitada dentro da fonte, encarando com uma expressão melancólica e quase desesperada as estrelas, como se de alguma forma desejasse tornar-se uma delas. Foi a primeira vez que ele
realmente a havia visto. A tristeza que a corroía de dentro para fora, a escuridão que parecia engoli-la viva — uma imagem espelhada do monstro que
ele tinha dentro de seu peito — e algo despertou dentro de . Não apenas um desejo desvairador de protegê-la havia criado raízes em seu peito e se espalhado como uma praga, consumindo o que ainda restava de sua alma — se é que ele ainda possuía alguma —, como igualmente um profundo e perigoso anseio o havia corroído.
Uma avidez inexorável, uma ânsia cáustica e abrasadora, transformando o sangue em suas veias em lava, queimando-o e consumindo-o
por ela.
engoliu em seco, suas sobrancelhas se uniram em uma vã tentativa de manter sua expressão neutra ao aproximar-se devagar de onde estava. Mesmo com a maquiagem borrada, o rímel marcando suas maçãs do rosto e bochechas, ela
continuava a ser uma visão. E percebeu com uma ponta de frustração e ao mesmo tempo rendição, que ele nunca teria o
suficiente daquela visão. Percebeu-se decorando os mínimos detalhes, como se desesperado para gravar cada mísera particularidade do rosto, da expressão, do corpo dela em sua memória. Por que ele não
queria esquecer . Não
ela.
Os cabelos dela, encharcados pela água da fonte, grudavam ao redor de sua pele como tentáculos , desalinhados e encaracolados, aderindo-se à curvatura de seu pescoço, sobre a clavícula, maçãs do rosto e têmporas. Os cílios longos, agora molhados, grudavam entre si, quase formando os padrões de estrelas ao redor de seus olhos gentis. Com a iluminação forte esbranquiçada dos refletores e postes de iluminação, o tom parecia ficar mais claro, menos vívidos, exibindo as pupilas dela com facilidade. Os lábios convidativos estavam trêmulos, mesmo que ela estivesse parecendo se esforçar para não deixar em evidência o pequeno tique que revelava seu choro — ou a consequência de seu choro silencioso, já que não havia mais lágrimas escorrendo por seu rosto delicado. Os olhos dele se prenderam nos lábios dela por um momento. Sua mente divagou para aquele familiar território traiçoeiro que não o consumia, mas certamente não lhe oferecia consolo algum; espiralando no desejo de tomá-la em seus braços, de vencer a distância que os separava e beijá-la. Algo dentro de si
queimava ao imaginar como seria a sensação de ter os lábios dela nos seus, de como seria o gosto dela na boca dele, se seria tão doce quanto ele imaginava que fosse.
Os olhos dele moveram-se para mais para baixo, na curvatura delicada do pescoço dela, a maneira com que as veias e cartilagem se pronunciavam quando ela inspirava fundo ou prendia a respiração. A pele suave atraindo-o como um imã de polaridades opostas. Como ele queria inclinar-se só um pouco mais. Como ele queria inspirar o perfume dela até que estivesse gravado em sua própria pele, em sua própria mente. Como ele queria deixar uma trilha de beijos pela coluna de seu pescoço. Como ele desejava traçar o ponto de sua pulsação com a língua dele; como ele desejava sentir a pulsação dela acelerar-se sob sua língua. engoliu em seco, contendo o impulso de umedecer seus lábios de repente insuportavelmente secos. Ainda que ele tivesse lutado contra o impulso, seus olhos, como sempre, o traíram.
Percorreram pelo corpo inteiro dela, registrando tudo, cada mísero detalhe. A linha da clavícula dela, a maneira com que a blusa vermelha escura, quase preta devido a água que a enxarcava, grudavam em seu corpo como uma segunda pele, acentuando a curva suave e macia de seus seios, o fazendo imaginar qual seria a sensação de tê-los em sua mão, em sua boca. O pensamento enviou uma onda de calor e sangue para suas calças e se moveu, sentindo o desconforto inconveniente, o tecido parecendo mais apertado do que deveria. Ele praguejou mentalmente, pigarreando e obrigando-se a desviar os olhos dela.
Uma parte de si estava desesperada para tomá-la em seus braços, em perder-se na textura suave de sua pele, no gosto de seus lábios e na sensação de ter o corpo dela pressionado contra seu. Já a outra, a parte que se apegava à sua própria consciência, a visão que tinha de si mesmo, a possibilidade de manchar, de corromper de qualquer forma, ainda que mísera, de ceder àquele desejo era o suficiente para fazer com que o estômago de se revirasse e a bile invadisse sua língua. Não era apenas a consciência de
quem era o pai dela — afinal ela não possuía culpa alguma de ser a filha de quem era, ela não havia escolhido aquilo para si —, mas igualmente a compreensão distinta de que
havia algo de podre em .
Havia algo de errado em , e ele sabia.
Havia algo de corrupto, de ferrado além da salvação que o consumia todos os dias, e a ideia de que ele poderia transferir isso para , ainda que de uma pequena forma que fosse, o fazia hesitar. A luta constante entre sua consciência e seu próprio desejo não oferecia acalanto algum quando ele a observava em momentos como aquele.
exalou baixo, virando seu rosto na direção da entrada do labirinto vivo e por um momento permitindo-se a observar as folhagens esverdeadas e as estruturas altas, consciente de que não havia como ouvi-lo ali, tampouco encontrá-lo. Ele sentiu novamente aquela familiar descarga cálida de desejo percorrer seu corpo, mas escolheu, por ventura, ignorá-la. Tencionando a mandíbula, retirou o maço de cigarro do bolso de sua calça, alçando um e prendendo por entre seus dentes enquanto ele caminhava em direção à fonte. Manteve seu olhar baixo, evitando encará-la por mais tempo que deveria, mas seus olhos, sempre traidores, demoraram-se por um breve momento nos seios dela outra vez.
se sentou na beirada da fonte, apoiando os cotovelos sobre seus joelhos e curvando-se um pouco para frente enquanto concentrava-se em acender o cigarro. tencionou com força sua mandíbula, um músculo pequeno saltando em sua bochecha com o gesto, quando o cheiro do perfume dela tomou seu nariz. Floral, suave e doce, como era. Um arrepio percorreu a coluna do homem taciturno e ele sentiu o maldito impulso convidativo de simplesmente jogar tudo para o alto e tomá-la ali mesmo. Ao invés disso, ele apenas esfregou seu rosto com impaciência, as palmas calejadas de sua mão esfregando abruptamente e de forma áspera, tentando obrigar-se a manter sua mente no lugar certo.
já estava condenado há muito tempo; ele
não podia condenar também.
Ele escutou a movimentação de atrás dele. Ouviu quando ela se sentou dentro da fonte, abraçando seus joelhos e puxando-os em direção ao seu peito, enquanto repousava o queixo sobre os joelhos. Os olhos desviando-se das costas de para encarar algum ponto invisível da estatua de vênus à sua esquerda.
— Estou muito encrencada? — questionou , e sua voz fez com que o coração de saltasse e se contraísse impulsivamente.
A voz de era como um balsamo sobre uma ferida aberta e há muito infeccionada na alma de , e, mais uma vez, em questões de minutos, ele apenas considerou jogar todo seu cuidado e cautela no inferno e tomá-la em seus braços. Sentiu um tremor involuntário percorrer suas mãos com o desejo sufocante de tocá-la, de puxá-la contra si e enterrar seu rosto na curvatura do pescoço dela até que o corpo dela se moldasse ao seu. Até que ele estivesse intoxicado e bêbado com o cheiro do perfume dela e com o calor de seu corpo. Até que ele estivesse completamente perdido nela para ser resgatado, para poder encontrar seu caminho outra vez. Mas se conteve. Ao invés de ceder ao impulso, o homem apenas ergueu uma sobrancelha, voltando seu rosto parcialmente na direção dela, encarando-a de soslaio, com uma expressão curiosa.
Ele tragou o cigarro devagar, sentindo o alívio que a nicotina enviou por sua corrente sanguínea, proporcionando uma distração para a maneira com que seu corpo parecia queimar e arrastar-se para a orbita de . Para a maneira com que aquela parte traidora de sua mente apenas desejava ceder ao sentimento e à necessidade que seu corpo parecia ter desenvolvido por
. Após um longo momento em silêncio, uniu as sobrancelhas, finalmente encontrando sua voz em uma tentativa de falar com de forma natural, quase neutra — sem que sua voz o traísse e expusesse o
anseio que afligia sua alma e que só poderia ser aplacado por
ela.
— Maksim fez pior — disse em voz baixa, voltando seu olhar para as paredes de folhagem que o labirinto vivo formava ao redor deles. Era um espaço convidativo para quem gostava da solidão que proporcionava. Se fechasse seus olhos, quase poderia sentir uma pequena versão deturpada de paz com o silêncio que os envolvia. Se ao menos os fantasmas não retornassem para assombrá-lo toda vez que tudo ficava em completo silêncio. exalou a fumaça por entre seus lábios, franzindo o cenho, contemplativo. — Assim tão ruim?
Ele não precisava elaborar, ele sabia que ela entenderia. Era estranho pensar sobre, mas às vezes parecia que podia ler a mente de , e isso o deixava
apavorado. Não apenas pela possibilidade de ela perceber o
quanto ele a queira, e como aquela obsessão, aquela
necessidade estava começando a consumir sua mente mais e mais, deteriorando o que quer que havia restado. Não, era mais que isso. apavorava-se com a ideia de que aquela mulher, doce e gentil, que sempre o havia tratado de maneira tão delicada e considerativa, que não se encolhia ou afastava quando ele se aproximava — mesmo ele sendo quem era —, percebesse quem
realmente era. O monstro sob a pele de humano que havia se tornado. A criatura inescrupulosa adestrada que apenas seguia as ordens de Ilya , desesperado para encontrar uma brecha, sedento para localizar aquela maldita vulnerabilidade que o levaria a finalmente fincar uma faca no pescoço de Ilya e o fazer
pagar por tudo o que havia feito, não a , mas à sua família. Por tê-los tomado quando era tudo o que tinha.
Ele escutou quando suspirou pesado. O som enviou uma onda de calafrios pela pele de , fazendo-o deixar suas mãos penderem à frente de seus joelhos enquanto voltava seu rosto parcialmente na direção dela. À meia luz da lua, era simplesmente de tirar o fôlego. sorriu, franzindo as sobrancelhas, passando os dedos delicados e longos por entre os fios molhados de seus cabelos, retirando-os de seu rosto. sentiu sua boca ficar de repente seca, seus olhos repousando não no rosto da jovem, mas sim, em suas costas despidas pela blusa com o corte em V. Os músculos suaves sob a pele, evidências de sua rotina como bailarina, a suavidade uniforme de sua pele macia, marcando delicadamente sua espinha, e ele se questionou se a textura da pele dela seria tão macia quanto ele imaginava que era. Sua mão coçou para tocá-la outra vez, traçar devagar a curva da coluna dela…
— Não é assim tão ruim — disse com um tom de voz forçado, tentando parecer divertida, embora tivesse percebido de imediato o tom autodepreciativo em sua voz.
Ele a viu inclinar a cabeça para o lado, ao perder-se em seus próprios pensamentos. Algo queimou no peito de , algo forte e intenso, capaz de enlouquece-lo se ele olhasse um pouco mais a fundo, algo que chocava-se e misturava-se com o monstro que o consumia atraído por seus próprios pecados. praguejou mentalmente, censurando-se pelo sentimento. Tentou, ao em vez disso, focar nas palavras
dela.
— Nádia é divertida muitas vezes, e Darya sempre é gentil. Até mesmo Agnes tolera meus absurdos e estupidezes… — começou a justificar, e pegou-se investigando o olhar dela.
A tristeza quase sufocante que havia ali era algo que ela
sempre havia tido, desde menina. lembrava-se da primeira vez que a viu, só uma garota que havia acabado de entrar na adolescência, e lembrava-se de ter se questionado internamente que merda poderia ter acontecido com ela para que seu olhar fosse assim tão triste. Com o passar do tempo, assumiu que era apenas a natureza de . Uma melancolia presa em sua alma, mas que igualmente lhe servia como consolo. Agora, ao observar e perder-se naqueles malditos olhos , únicos e doces, percebeu que a sombra havia crescido. A melancolia estava se transformando em outra coisa, algo
perigoso e ele temeu o que isso poderia significar. forçou um sorriso para , ainda sem encará-lo.
— Os meninos não falam muito comigo, talvez só Ygor às vezes, mas são respeitosos. Todos eles são.
sentiu seu coração apertar-se em seu peito, e ele desejou apenas assegurá-la de que tudo estava bem, de que ele a protegeria de tudo — incluindo de si mesmo. Mas era mais do que isso. Era a sombra no olhar dela crescendo mais e mais ao longo dos meses, a tristeza profunda que tornava mais realçada no rosto delicado dela quando ela estava na mansão da família. Quando ela estava na presença de
Agnes. Ninguém precisava ser um gênio para entender as entrelinhas da sutileza de abusos que lhe era oferecida através de uma polidez refinada. Tirando por Ilya , ninguém mais parecia
respeitar naquele lugar, e isso o enfurecia.
E, todavia, mesmo assim, não dizia nenhuma palavra cruel sobre eles.
— Só acho que estou… — começou a dizer com um tom de voz baixo, ecoando levemente tenso por entre o suspiro pesado. estreitou os olhos, observando-a com atenção quando ela forçou aquele sorriso novamente para ele. Desta vez, sentiu uma sensação gélida percorrer suas veias. Ele não gostou nem um pouco do que havia visto no olhar dela. — Cansada. Digo, de tudo isso. A temporada de apresentações está chegando e há toda essa… situação com a minha… bem, minha progenitora… Se eu fosse mais parecida com meu pai, talvez fosse mais fácil, mas… talvez seja só o meu carma mesmo. Algo adequado para o que sou e quem sou. — tentou fazer piada, mas o riso suave não chegou aos seus olhos.
não conseguiu se conter. Ele se inclinou um pouco para trás, o cigarro em sua mão esquerda esquecido, enquanto os olhos dele se fixavam na maneira com que os cantos dos lábios dela se curvaram para baixo em um gesto de desgosto, mas não pela situação em que ela havia sido colocada, e tampouco para os perpetradores de sua infelicidade. O desgosto que ela parecia nutrir era voltado para
si mesma. E ele viu, ele viu
tudo. A maneira com que os olhos dela cintilavam com o brilho de lágrimas que não iriam escorrer por seu rosto delicado, mas que permaneceriam presentes ali. A maneira com que o queixo dela se contraiu, exibindo, ainda que por um momento, a tempestade de emoções que envolvia sua mente. Ele inclinou-se um pouco mais, inconsciente da atitude, quando com todo o cuidado que um bruto como ele poderia ter, tomou o rosto dela em sua mão, forçando-a a encará-lo.
A pele dela era
realmente macia sob seu toque. Sem as luvas — descartadas e esquecidas no banheiro em meio a seu próprio desespero para encontrá-la —, ele podia sentir a textura suave da pele dela, o calor de seu corpo mesmo envolto pela água gélida da fonte. tencionou sua mandíbula tentando conter o impulso de inclinar-se na direção dela, usando seu polegar para enxugar as marcas da máscara de cílios que as lágrimas dela haviam deixado para trás. A tinta escura acumulou-se na ponta de seu polegar, deixando uma mancha sob a maçã do rosto alta de , quando ele tentou limpar suas lágrimas. Mas aquilo não pareceu importar, nem para ela, nem para ele.
tentou dizer alguma coisa para ela. Tentou assegurá-la ou corrigi-la, céus sabiam o quanto ele estava desesperado para reconforta-la. O quanto uma parte do que havia restado de sua alma estava desesperada para ao menos tentar confortá-la de alguma forma, qualquer forma possível que ele conseguisse, mas ele era , e jamais o
saberia fazer. não conhecia gentileza, e tampouco
sabia como confortar alguém. Não importava o quanto seu âmago desejasse, implorasse para que ele dissesse alguma coisa, suas palavras o traíram e nada saiu de sua garganta, senão apenas o silêncio.
o encarou pelo que pareceu uma eternidade. Os olhos arregalando-se levemente antes de desviarem-se dos olhos dele e focarem em seus lábios. E ele sentiu naquele mesmo instante que algo havia mudado. uniu as sobrancelhas, observando o rosto dela, a maneira com que as pupilas haviam se dilatado, a forma com que os lábios dela se entreabriram, e antes que ele percebesse, ele já estava se inclinando na direção dela. Ele observou quando os lábios de se partiram ligeiramente em um convite silencioso. E ele perdeu
ali. Ele estava tão perto dela que podia sentir o gosto dos lábios dela. O resquício do vinho tinto que ela havia tomado durante o jantar em família mais cedo. O gosto que era
único dela. a teria beijado. Ele o teria feito sem importar-se com as consequências…
— Senhorita . — A voz de Aleksei Goroshko ecoou atrás de , e afastou-se de no mesmo segundo. Seu coração martelando contra sua caixa torácica por ter sido flagrado justamente pelo
braço direito de Ilya.
A tensão envolveu o corpo de como o tencionar de um elástico. inspirou fundo, de forma áspera, quase dolorosa, praguejando a existência de Aleksei Goroshko, trincando os dentes com força, sua mandíbula travando, um pequeno músculo saltando com o ato enquanto ele se obrigava a se levantar imediatamente. Os olhos de se encontram com os de Goroshko por uma fração de segundos, e considerou matá-lo. Seria fácil se assim ele desejasse: jogar as cinzas de seu cigarro nos olhos de Goroshko e então soca-lo até que o rosto do homem se tornasse um amontoado de carne destroçada. Porra, iria
gostar de acabar com Goroshko. Ele iria gostar de destruir Aleksei Goroshko,
lentamente, gostaria de quebrar osso por osso de Goroshko, de assistir enquanto lentamente a vida de Aleksei se esvairia até não sobrar mais nada.
queria destruir Aleksei Goroshko, mas queria fazer isso devagar, para se permitir decorar cada expressão de desespero e pânico que Aleksei Goroshko iria expor.
Mas não fez nada. Pelo contrário, obrigou-se a afastar dali, a caminhar para longe, ouvindo parcialmente Aleksei pedindo para que voltasse para dentro da casa. não se atreveu a olhar para trás, ele continuou marchando para longe, sua respiração pesada e irregular. E somente quando ele havia chegado no estacionamento da mansão que se permitiu exalar com força, fechando os olhos com frustração ao deixar-se recostar contra a parede de cimento queimado. Ele sabia que deveria estar preocupado com a repercussão que aquilo poderia tomar, ele sabia que deveria estar praguejando sua própria fraqueza por aproximar-se de e por deixar que alguém percebesse aquilo. Ele sabia que Ilya não deixaria aquilo passar. Ilya não iria permitir que alguém, fosse lá quem quer que fosse, tocasse na garotinha dele. Ilya iria matá-lo antes que tivesse sequer uma chance de retribuição. Mas não era nada disso que consumia seus pensamentos.
Não naquele momento, ao menos.
O que o consumia era a frustração de ter tido algo que viera a desejar com ardor tão próximo de suas mãos, apenas para escapar por entre seus dedos como a porra de um amontoado de areia. exalou frustrado. Aquilo não deveria importar. deveria focar-se nas consequências de seu momento de fraqueza, por ter deixado se aproximar. Uma coisa era ele sentir aquela maldita atração e desejo pela jovem, outra coisa completamente diferente — e no mínimo perigosa — era
retribuir tais sentimentos. poderia conviver com o sentimento a sua vida inteira sem importar-se com a frustração que o consumiria ao longo dos anos que viessem; poderia conviver com o que não poderia ter e assistir ao longe seu objeto de desejo encontrar a felicidade à sua maneira.
Outra coisa completamente diferente era saber que
ela estava ali, disponível e de boa vontade, esperando por ele. Que seria apenas esticar sua mão e poderia tê-la da forma que desejasse. praguejou baixo, passando a mão esquerda por seus cabelos, apoiando suas mãos em seus joelhos, tentando acalmar sua própria pulsação antes de endireitar-se. A vibração de seu celular o despertou de seus próprios pensamentos. inspirou fundo, retirando o aparelho do bolso de sua calça, unindo as sobrancelhas ao observar a mensagem na barra de notificação. Puxando para baixo a mensagem sem vê-la de fato, tudo o que ele viu foi apenas a mesma de sempre:
“Koven. 12:00. Não deixe que percebam. – B.”
•••
O clube de cavalheiros — uma palavra elegante para dizer
bordel — chamado Koven, era comandado pela família há cerca de quase 70 anos. Ficava localizado na rua
Bolshaya Knyushennaya no centro de São Petersburgo. O prédio antigo e histórico possuía três arcos de
pleno-cintro que se estendiam pelos quatro andares que se estendiam para cima. Os arcos, sustentados por piastras e colunas semicirculares com capteis ornamentados, remetiam a uma época distante, mas ainda presente e viva no coração de São Petersburgo, vindas do século XIX. As paredes superiores do terceiro e quarto andar — se você considerasse o térreo como um andar — eram feitas de tijolos vermelhos cuidadosamente reformados para parecerem uniformes apesar da estrutura histórica mantida. Já os dois andares abaixo possuíam uma tonalidade mais clara, de um bege queimado, manchado como uma folha de papel que absorveu um pequeno montante de café antes de secar outra vez. Janelas antigas do século XIX emolduravam as faixadas com uma coloração marrom profunda que sempre havia achado que era apenas uma desculpa esfarrapada para ocultar a ferrugem que o metal deveria ter acumulado ao longo dos anos.
De qualquer forma, o foco de não era a entrada ornamentada que se espalhava para a entrada do pátio interno e as lojas elegantes. Alguns níveis abaixo da calçada, encontrava-se a entrada do que parecia ser uma loja elegante e sofisticada de ternos de alfaiataria. A escadaria levava para baixo até a entrada da loja, uma porta única, pequena, de material semelhante aos da janela do restante do prédio, simplória, até mesmo, que só possuía uma placa de “Fechado”. Dentro daquela loja, um alfaiate permanecia escorado sobre o balcão, concertando alguma calça ou ajustando algum outro terno, atendendo aos poucos desavisados que levavam a sério, e não tinham ideia do que a porta do estoque da loja, ao invés de guardar os novos tecidos e parafernálias para produzir os ternos, ocultava na verdade a entrada para o
Koven.
Ajustando o boné sobre sua cabeça para ter certeza de que não haveria olhares sobre si mesmo que ele soubesse perfeitamente que ele era uma figura alta e, talvez, musculosa demais para passar assim tão despercebida, aproximou-se do balcão onde o velho careca e com expressão severa, Oleg Vorobyov, encontrava-se costurando à mão uma manga rasgada. tencionou a mandíbula com força, reconhecendo o terno, pertencia a Ilya, é claro, um terno que deveria estar impecável até a próxima semana quando tomaria posse de sua nova posição como prefeito da cidade.
— Um dia lindo para se dar uma volta, não? — murmurou Oleg sem erguer seus olhos da manga em que trabalhava, enquanto tencionava sua mandíbula com força. O cheiro forte de ferro quente e vapor, madeira velha e linho atingiram o nariz de antes mesmo que ele pudesse se preparar para isso. Era vago e estranhamente familiar, mas não lhe ofereceu conforto algum.
— Prefiro ler um livro — respondeu com um tom de voz controlado, até mesmo calmo, mas por baixo da máscara que apresentava ao velho Oleg havia uma tensão pulsando por sua voz, mais forte do que ele era capaz de ocultar.
— E qual seria? — Oleg pausou sua costura, abaixando os óculos até a ponta de seu nariz e então encarando o rosto de com atenção.
— A Divina Comédia.
Oleg resmungou uma concordância monossilábica voltando a costurar a manga do terno de Ilya, jogando disfarçadamente o cartão sobre o balcão. inspirou fundo, pegando o objeto pequeno revestido por plástico e imã, caminhando por entre as estantes com os ternos fabricados por Oleg e sua equipe de costureiros, até alcançar o estoque. Dentro do estoque, por entre os rolos de tecidos, os armários com abotoaduras e outras parafernálias para produção de peças distintas e elegantes da alfaiataria, havia uma porta de madeira maciça, revestida por uma segunda de vidro com uma tranca tecnológica que requeria uma chave especifica. A chave costumava mudar durante o dia, então era seguro dizer que, a não ser que você soubesse
exatamente o que estava procurando, e
como conseguir o que estava procurando, o máximo que você encontraria seria uma parede e um tiro na cabeça.
Passando pelo corredor de tijolos de barro, baixou o rosto, desviando de duas mulheres visivelmente bêbadas que estavam agachadas no canto do corredor, limpando a cocaína de seus narizes, antes de virar à direita e descer a escada espiral de metal tingida de preto enquanto a música pulsava por seus ouvidos, as luzes estroboscópicas girando ao redor em padrões abstratos, verdes, rosa-choque, vermelho, amarelo, e roxo, piscando e girando com uma velocidade quase incômoda e nauseante.
Os olhos de percorreram pela pista de dança observando com familiaridade o espaço. Gelo seco se espalhava pelo espaço, envolvendo os corpos suados que se moviam em sincronia. O ritmo acelerado do
hard techno pulsando pelos ouvidos de quase de forma desconfortável. Algumas prostitutas se espalhavam pelas pessoas, oferecendo drogas ou buscando rostos mais
interessantes para convidá-los para o andar de baixo. abaixou outra vez seu rosto, desviando de Lyubov Novikova, marchando sensualmente onde, muito provavelmente, Nikolai , o primogênito de Ilya, deveria estar na pista de dança, aproveitando a noite de farra sem responsabilidades. sufocou o impulso de chiar entre dentes, determinado a não chamar atenção para si enquanto deslizava para dentro da porta dupla preta pesada que proibia a entrada de qualquer um que não fosse autorizado a passar, em direção ao 2º ciclo.
A atmosfera alterava-se bruscamente de um clube noturno para a porra de um bordel, no máximo que a palavra permitia deliberação. Chegava a ser sufocante, a iluminação deixava de ser cores pulsantes, girando sem rumo e dançando pelos corpos que apenas moviam-se ao ritmo da música, para uma inteiramente vermelha. A música se tornava mais marcada e lenta, acompanhando os movimentos daquela que tomava a passarela principal aquela noite —
Glimmer, se era capaz de lembrar do nome da prostituta. Mulheres com quase nenhuma lingerie ou simplesmente nuas dançavam em mesas ou giravam graciosamente em barras de metal. Rostos familiares e poderosos se espalhavam por entre as cabines privadas e abertas; empresários, mesmo a porra dos chefes de policia e o comissário policial da cidade, Kirill Vasiliev, encontrava-se em um sanduiche entre duas outras prostitutas, fumando o que assumiu ser no mínimo um baseado.
Atravessar aquela parte do Koven sempre fazia com que o estômago de se contraísse. Não pela visão das meninas em si, na verdade, ele até mesmo gostava de observar algumas, eram uma boa distração para o anseio doloroso que ele não conseguia escapar em muitas noites quando estava sozinho em seu quarto. Ofereciam até mesmo alívio, se ele fosse ser sincero, quando fantasiar com tomava um caminho perigoso, demandando ação. Mas eram os outros rostos que o perturbavam. Os
convidados.
Tantos rostos conhecidos, era quase impossível que alguém já não tivesse visto seu rosto, e embora pudesse facilmente encontrar uma justificativa para sua presença naquele lugar para Ilya — uma até mesmo estúpida como a necessidade de esvaziar suas bolas — com a certeza que Ilya facilmente aceitaria e ofereceria mais tempo livre para , a paranoia de não existia sem justificativa.
Ilya e Bogdan , só compartilhavam o amor fraternal no papel.
não sabia qual era a maldita história entre os dois, tampouco poderia dizer que se importava em descobrir, tudo o que desejava era encontrar uma forma de chegar a Ilya e matá-lo de uma vez por todas. Destruí-lo, de dentro para fora, e ele
iria fazer isso.
empurrou a última porta pesada dupla com acesso restrito, descendo mais uma escadaria giratória em direção ao 3º ciclo e último do Koven. A música sensual, as risadas e os gemidos desapareceram atrás de si, enquanto a temperatura caía a cada passo que ele dava em direção ao último corredor. De todos os espaços do Koven,
este era o que mais se incomodava. Diferente do 2º ciclo, onde a prostituição e os jogos de poder ocorriam, o 3º ciclo do Koven era um espaço elegante, cuidadosamente arrumado e simplório que lembrava o de um restaurante cinco estrelas de Tóquio.
sabia que havia influência externa ali.
Não era tolo de acreditar que não haveria pela maneira com que a estrutura elegante se formava ao seu redor, corredores limpos e organizados, plantas de decoração com folhas longas e bem cuidadas, de um verde escuro quase ofuscante, luzes nos cantos superiores e inferiores das paredes, o piso de porcelanato branco, refletindo o rosto de quem o atravessava. Abrindo-se ao que pareciam ser pequenos cubículos limpos e elegantes, com mesas e almofadas dispostas para a privacidade de seus convidados no melhor estilo de restaurante possível para agradar o palato de seus exigentes clientes. Mas é claro que havia uma armadilha traiçoeira naquele lugar, uma que fazia com que o estômago de se revirasse apenas de
pensar.
Os olhos de repousaram brevemente no prato bem apresentado de aparência convidativa de carne disposto em um dos cubículos, a bebida, vermelha, de um vermelho profuso intenso, embora diluída com água. O cheiro, pungente, metálico no ar. O coração de martelou contra sua caixa torácica de forma desconfortável ao atravessar o corredor até o penúltimo cubículo de mármore branco e vidro espelhado, retirando seus sapatos, como de costume, e então adentrando no espaço.
Bogdan era um completo contraste de Ilya.
Enquanto Ilya possuía uma postura carismática e até mesmo atraente para qualquer um que desejasse ter um amigo, Bogdan era o oposto, mais baixo e mais magro, com uma palidez estranha em sua pele e olhos escuros que não pareciam ter vida, mas igualmente não pareciam humanos. Inexpressivos. Como se Bogdan tivesse se esquecido de como funcionava seu rosto, ou o que poderia vir a ser uma expressão genuína. Seus cabelos eram mais grisalhos, a barba um pouco mais grossa, as roupas menos elegantes e mais simplórias, quase
monásticas.
— Foi seguido? — questionou Bogdan calmamente, sua voz suave ecoou pelos ouvidos de estranhamente acalentadoras, embora fosse apenas um truque, uma manipulação do que se ocultava por trás dos olhos vazios de Bogdan.
resmungou baixo em discordância, monossilábico, enquanto sentava-se no estofado diretamente posto no chão em frente à mesa baixa japonesa. Os olhos de o traíram por um breve momento, fixando-se no prato de carne pela metade do velho homem à sua frente, e então se encontraram com o rosto de Bogdan, observando-o limpar sua boca deliberadamente. O tecido branco, imaculado, adquirindo manchas avermelhadas e mais escuras vindas do molho.
— Estive pensando ultimamente sobre o passado e o todo que nos une. Seria irônico dizer a você que não calculei suas verdadeiras intenções ao unir-se a mim, mas sejam estas quais forem, suponho que sejam derivadas de um ferimento muito mais profundo do que você deixa a mostra, não, ?
Uma onda de gelo percorreu pelas veias de , movendo-se como lascas e arranhando-o de dentro para fora enquanto continha um tremor. não o respondeu, apenas o encarou em completo silêncio, o cheiro de carne cozida enviando uma mistura desconfortável de fome e incômodo. Bogdan pareceu perceber isso pelo sorriso discreto que seu rosto imóvel foi capaz de oferecer. Sequer parecia com um sorriso, mas como se um dos cantos dos lábios de Bogdan estivesse sendo manipulado por algum tipo de ventríloquo doente.
— Americana. Do sul da Califórnia. Ainda deve haver mais um pedaço da coxa, caso queira experimentar, posso pedir para que Miron prepare um prato para você — ofereceu Bogdan, educadamente, mas a expressão de apenas se obscureceu.
Em face do silêncio crescente do homem taciturno à sua frente, Bogdan suspirou pesado por um momento, descartando o guardanapo sobre a lateral da mesa e então apoiando as duas mãos uma de cada lado da estrutura de madeira.
— Muito bem, vamos direto ao assunto em questão. Eu suponho que Ilya já o tenha enviado para eliminar seu bastardo mais recente, não? Ilya tem esta
errônea ideia de que basta apenas um aperto de gatilho e um homem disposto a desfazer-se de um corpo que todo o problema estará acabado. O nome dela é Polina Maximova, a irmã mais nova de Olga, caso não saiba. Eu suponho que você conheça o resultado da história de Olga Maximova e Ilya, não? — questionou Bogdan com uma sobrancelha erguida e um olhar
quase divertido se não fosse sádico. não respondeu, mas tencionar sua mandíbula foi o suficiente para dar a resposta que Bogdan desejava encontrar. — A doce e adorável . Acontece que Polina está muito perto de descobrir a existência de . — sentiu o gosto amargo percorrer por sua língua, as mãos repousadas sobre seu colo se fecharam em punhos firmes, enquanto ele lutava para manter sua expressão neutra e distante. — E esta é nossa chance, .
não respondeu, apenas ergueu uma sobrancelha. Seu corpo tenso o suficiente para dar-lhe a falsa impressão que qualquer mísero movimento o faria perder o controle de si mesmo. Obrigou-se a manter seu olhar focado no rosto de Bogdan, sem desviar.
— A chance que você e eu esperamos por tanto tempo. A chance de finalmente termos Ilya
exatamente onde queremos — disse Bogdan com um tom de voz suave, quase aveludado, que destoava fortemente de sua expressão. tremeu, se por fúria ou um desejo sombrio de retribuição, pouco poderia saber dizer. — Só precisamos dar a Polina, .
Continua
Nota da Autora: :’D socorro.
Eu ainda não sei como que a Yelena vai se tornar a personagem principal falda na sinopse, mas estou no aguardo dessa transformação HEHEHEHE
E como que o menino quase morrendo virou um dos cães do homem que exterminou a família dele? Imagino como deve ter sido difícil aprender e entender que antes de se vingar ele ia ter que ganhar a confiança do homem e pra isso fingir demência, né. E será se ele vai conseguir a vingança dele?
Tô julgando o Konstantin, mas vamos ver como ele vai ser no resto dessa história. QUERO VER TODO MUNDO COMENDO NA PALMA DA MÃO DA PP EHEIOHEOEHOEIHEO
Gente, quanto tempo se passou do primeiro capítulo pro segundo? O que rolou nesse tempo???
E por um momento eu pensei que tivesse sido a Yelena que matou o moço lá. Mas sei lá, será que ele ficou tão deturpada a esse ponto? Talvez tenha sido a mando dela, mas não acho que seja ela? Ou talvez seja só um acerto de contas casual da máfia e estou dando muita atenção a isso HAHAHAH
Quero ver Yelena botando fogo no parquinho, mas de forma beeeem escondida pra ninguém nem perceber até ser tarde HEHEHEHEHEHE
Hmmm, essa tal da Polina tem algo a ver com a prisão da Yelena?
E o Bogdan é o irmão do Ilya? Gzus amado, que irmão achado no inferno, né? E ele tem a ver com a prisão da Yelena também?
Eita que a Yelena tá retribuindo os sentimentos do Dmitri, QUE PERIGO. E ao mesmo tempo, que bom pra ela que ele tem interesse nela, mais fácil arrumar uma boa vingança assim HEHEHEEH
Deixo aqui o registro que fiz uma bela careta quando tudo implícito nesse restaurante me bateu com a verdade. EEEEWWW