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Natashia Kitamura
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Temporada #020

DollHouse
Melanie Martinez

Esta história não possui capas prévias (:

Sem informações no momento.

A “Família Perfeita”

  – Sorriam!
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  Abri um sorriso doce, enquanto minhas mãos formigavam, pousadas em meu colo.
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  Vejo o som da câmera fotográfica bater várias fotos ao mesmo tempo, enquanto o flash nos cega por alguns segundos. Haviam várias pessoas atrás do fotógrafo, que nos gritava palavras incentivadoras, enquanto nós quatro permanecíamos parados feito estátuas.
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  – Perfeito! Podemos finalizar – ele anuncia, fazendo toda a equipe voltar a se mover com rapidez pelo hall e sala.
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  Olho para meus pais, ao meu lado, sorrindo e agradecendo a todos, enquanto eu e meu irmão mais velho, Thomas, aguardamos educadamente todos terminarem de fazer seu serviço.
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  Nos levantamos quando a equipe chega no cenário natalino atrás de nós e começa a desmontá-lo. Estamos em agosto, e minha mãe possui um hábito terrível e muito americano de querer enviar cartões postais para os amigos, com nossa foto estampada.
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  – Obrigada! – ela sorri para os funcionários que, aos poucos, vão deixando nossa casa. Durante a permanência deles, foram bem tratados, com bebidas e alguns petiscos, com o único propósito de falarem bem de nós para quem quer que perguntasse.
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  “Não estar negativamente na boca do povo” é o lema da nossa família. Isso significa que, não importa que estejamos em maus termos, o importante é não externalisar.
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  – Vocês já vão? – minha mãe pergunta para meu pai e meu irmão, que colocam o terno do conjunto social. – Achei que pudéssemos tomar um café.
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  – Não tenho tempo para cafés. Tenho diversas reuniões com os acionistas da NCorps para tratar de vários processos que eles estão tomando após a queda do presidente – meu irmão diz, ignorando a expressão esperançosa da mamãe.
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  – Carlos foi um tolo – meu pai disse, olhando-se no espelho que havia no hall de entrada, conferindo se a gravata estava em perfeito estado. – Não fale com Adriana por um tempo. – olhou para minha mãe, que ergueu uma sobrancelha. – Vai estragar a nossa imagem.
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  Para minha mãe, o argumento foi o suficiente para concordar com a ordem do meu pai. Olhei para os três, séria, observando o egoísmo e a vaidade percorrer como se fossem membros da nossa família.
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  Sem me importar, vou para o segundo andar da cobertura e troco de roupa. Troco algumas mensagens com Daiana, minha melhor amiga, e combino dela passar em casa para irmos a um café.
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  Vou até o espelho e faço um stories do meu look do dia. Falo também sobre como minha pele está macia, depois de eu ter começado a usar os produtos da marca S. Por fim, me lembro o que minha assessora disse e coloco um #publi para indicar que é uma propaganda.
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  Ao descer para o primeiro andar, vejo-o vazio.
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  – Cadê a minha mãe?
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  – Saiu – disse Amélia, a governanta. – Disse que ia se encontrar com a senhora Bárbara.
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  Ergo uma sobrancelha. É claro que ia.
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  Bárbara é a esposa do sócio do meu pai. Ela e minha mãe são melhores amigas de infância, então é claro que dariam um jeito de unir suas duas famílias. A família de Bárbara é tão perfeita quanto a nossa. Sua filha mais velha, inclusive, é arquiteta e namorada do meu irmão, uma conveniência para os dois, e também para os nossos pais. O mais novo, no entanto, não se dá nada bem comigo, apenas porque não sou fútil com as garotas de nosso círculo, o que significa que não sou submissa a ele somente porque ele é um bonitão rico.
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  A verdade é que a realidade bateu em minha porta há dois anos e meio, quando comecei o internato no curso de medicina. Nos plantões que fazia, tinha acesso a muitas pessoas, e acabei enxergando o famoso outro lado da moeda.
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  Desde então, faço mais serviços voluntários do que o habitual para pessoas da classe alta, e tenho mais amizades do que os seletivos que costumava andar.
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  O problema é que, quando se tem noção da realidade, é muito fácil enxergar os defeitos da minha vida. Se antes não ter uma bolsa de marca no dia seguinte de seu lançamento era um problema, agora tenho vergonha de pensar que possuo algumas que poderiam pagar meses de comida para uma família de 5 pessoas, e nunca as usei. Além disso, é mais difícil lidar com a futilidade e a luxúria que se tem ao meu redor, ao mesmo tempo que não consigo, imediatamente, mudar. É normal, para mim, ver casais fingindo um casamento perfeito por conveniência; muitos casamentos da elite foram feitos de forma conveniente; aqueles que não se separam, é porque tem mais a ganhar juntos, do que separados. Mas quando ouço as pessoas do meu trabalho conversando, é como se isso acontecesse somente em filmes.
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  – Você precisa transar.
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  Reviro meus olhos, enquanto tomo café. Para Jaqueline, toda solução envolvia copular com outra pessoa. Enquanto ela dirige para um restaurante, permaneço calada no banco passageiro. A sugestão dela veio somente porque eu estava séria demais.
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  – Você, que é médica, deveria saber dos benefícios que o sexo proporciona para as pessoas.
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  – Tenho uma vida bem ativa, Jaque, obrigada.
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  – E você está transando com quem, sua vadia? – ela ri. – Passa 90% do seu tempo dentro daquele hospital, e os outros 10% dentro de casa ou comigo. Arranjou alguém no trabalho?
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  – É claro que não. Eu faço o que todos fazem no trabalho.
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  – E o que é?
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  Olho para ela com cara de riso, achando graça da leseira que ela demonstra. Jaqueline não costuma ser burra, mas é bastante ingênua para muitas coisas, como observar o óbvio no óbvio.
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  – Trabalho, oras.
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  – Claro, a filha perfeita.
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  Não retruco sua afirmação por não poder. A meta da minha família, é mostrar para toda a sociedade de que somos, sim, perfeitos. Casal perfeito, com suas viagens e aparições sociais incríveis e sorridentes; filhos perfeitos, com um histórico escolar e formação perfeitas; casa perfeita, uma cobertura milionária em Pinheiros, e uma casa em Miami; vida perfeita, com viagens, compras e comidas de chefs renomados. Eu e meu irmão, Thomas, somos conhecidos por trabalharmos por diversão – apesar de que, quem clinica e advoga por diversão? – porque não precisamos necessariamente trabalhar. Thomas, inclusive, é o filho mais-que-perfeito. Além de ser sócio advogado em um dos melhores escritórios de São Paulo, frequentemente entrou na melhor faculdade particular de administração, porque decidiu que irá, de fato, herdar a empresa de nosso pai.
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  – Não sei como ele aguenta a Sarah – Jaqueline comenta, quando já estamos sentadas no restaurante e aguardamos nossos pedidos. Ela pegou o celular para tirar uma selfie nossa, já que, mais do que eu, investe muito em sua vida como influencer digital. – Você tem certeza de que eles se gostam?
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  Ergo uma sobrancelha para ela. Jaque sempre foi super afinzassa do meu irmão. Não posso culpá-la; ele, em seu terno completo – seu uniforme de advogado -, está sempre em forma e tem uma maneira polida (e muito política) de tratar as pessoas. Sempre teve mulheres atrás de si por esta razão. Bonito, rico, com um dos sobrenomes mais fortes do país, com uma profissão incrível e herdeiro de uma empresa bilionária. Quem não iria querer?
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  Mas a verdade é que Thomas é um sádico, drogado, egocêntrico e egoísta. Nós dois não nos damos bem desde sempre, e por isso, mal nos falamos. Minha mãe é contra nossa rixa e, ao invés de cobrar nós dois por um posicionamento mais amigável, ela vem somente a mim dizer:
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  – Você precisa entender melhor seu irmão. Seja uma irmã melhor, fique mais ao lado dele.
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  E assim, eu acabo o odiando mais. É imaturo da minha parte desviar minha raiva para Thomas, mas ele não parece se importar, o que me deixa ainda mais brava. De um tempo para cá, temos sucesso em ignorar a presença do outro quando necessário, e fingimos muito bem nos amar quando estamos com outras pessoas.
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  – Você poderia me apoiar mais. Não seria incrível me ter na sua família?
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  “Eu não desejo isso para ninguém”, penso, enquanto abro um sorriso e respondo o típico:
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  – Seria ótimo, mas eles realmente se amam.
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  Aquilo foi o suficiente para terminar o assunto. Tenho muita credibilidade com minhas palavras, porque não as verbalizo muito. Prefiro observar, a agir, e por isso, quando o faço, acabo sendo mais ouvida do que imagino.
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  – Da onde você conseguiu essa bolsa? Ela é edição limitada. – aponto com a cabeça para o objeto em seu colo. Ela abre um pequeno sorriso e pensa um pouco antes de falar. Ergue a bolsa na altura de nossas cabeças e a observa com orgulho.
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  – É linda, não é? Foi muito difícil consegui-la, mas falei com as pessoas certas.
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  Falar definitivamente não é o verbo correto, e sim envolver. Jaqueline é assim: consegue tê-la, aquele que a mimar melhor.
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  Durante todo o almoço, a ouvi falar sobre os problemas de sua família e compará-la à minha, enquanto eu apenas penso que tudo o que eles fazem, a minha faz pior. Ao contrário dela, permaneço calada, deixando para mim os meus problemas amorosos e pessoais, sendo um poço de paciência, ouvindo suas lamúrias enquanto como minha salada.
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  – Tive uma ideia – sem bater, minha mãe entra em meu quarto enquanto estudo. Fecho os olhos, clamando por paciência. Esse é um péssimo hábito dela, e é um péssimo hábito meu esquecer de trancar a porta toda vez que vou estudar. – Que tal nós duas jantarmos juntas?
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  – Os dois vão novamente trabalhar a noite inteira?
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  – Seu irmão tem um jantar dos sócios, você sabe, final de ano. E seu pai… – ela hesita, perdendo-se nos pensamentos. De forma rápida, sai do próprio transe em que se colocou e abre um sorriso. – Ele tem um jantar com Marcelo e Hugo. Parece que eles vão jogar um pouco.
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  Respiro fundo, pousando a caneta em cima do caderno. Viro a cadeira para ela, que estava parada próxima de mim, vestida perfeitamente para uma festa, e não um simples jantar.
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  – Mãe. Vamos ser sinceras – digo, exausta, vendo-a erguer suas sobrancelhas perfeitas para mim. – Papai está te traindo. Por que não enxerga de uma vez?
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  Minha reação, é claro, é uma surpresa para ela. Vejo as orbes de seus olhos dilatarem e então voltarem a diminuir, de acordo com que o susto passa. Sua posição entra em defensiva e, antes que ela diga algo, aproveito para falar mais:
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  – Além disso, você sabe que Thomas usa drogas, não sabe?
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  – Foi somente uma vez, .
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  – Isso é o que você colocou em sua cabeça, mãe.
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  – Pare já com isso! Mas que teimosia! Estou farta de você querer sempre acabar com a reputação de seu irmão. Você precisa ser mais carinhosa com ele, ficar mais…
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  – Não vou ficar do lado do Thomas. Até quando a senhora vai continuar com essa brincadeira de casinha? Não somos a família perfeita que a senhora quer mostrar!
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  – Novais! Desde quando você é malcriada dessa maneira? Com quem é que você anda se relacionando? Vou conversar com seu pai, isso é inadmissível.
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  Suspiro, exausta.
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  Tiro uma carta da minha bolsa e entrego para ela.
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  – Transferência? Que diabos são esses desenhos?
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  – Não são desenhos, mãe. São palavras. Coreanas. Consegui transferência para um ótimo hospital, para aprimorar mais meus conhecimentos com a cirurgia plástica.
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  “E ficar longe de vocês.” Penso.
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  – Não. Isso não vai acontecer. Eu e seu pai não deixamos. Você não pode tomar essas decisões sozinha!
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  – É claro que posso – sorrio. – Sou maior de idade e muito responsável. Além disso, não estou pedindo dinheiro a vocês, porque tenho o meu e receberei um salário e moradia lá. Não estou pedindo permissão, estou informando à senhora sobre a minha decisão.
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  – Não é assim que uma família funciona, , você precisa dialogar…
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  – Mãe. Pare de se iludir. Nossa família funciona exatamente assim, repleta de egoísmos. E enquanto eu tentava ser uma boa filha para você, meu irmão causava problemas. Quem vai saber que a sociedade dele no escritório foi comprada porque a maioria dos sócios deviam algo a papai? E agora, curso de administração? Ele mal conseguiu se formar em direito!
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  Vi o rosto de mamãe ficar lívido de raiva.
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  – Você é uma ingrata e malcriada! – ela grita. – Quem a defendeu o tempo todo? Eu! Eu sou a última pessoa que deve ouvir essas mentiras. Você enxerga as coisas erradas, como as pessoas pobres com quem está se envolvendo, e nós, sua família, somos os vilões? Caia na real, ! No final de tudo, é a família quem te ampara, e você está se perdendo de nós.
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  Não respondo, não por falta de argumento, mas porque sei que, em parte, ela está certa. A família realmente é quem ampara. Mas não a nossa. E ela não quer enxergar isso. Apoiar, para ela, é manter as aparências. As aparências são tudo. É melhor que as pessoas de fora nos vejam como a “família perfeita” do que nós mesmos acharmos.
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  – Eu vou para um lugar sem amigos e sem família, mãe. Essa é a minha escolha, vocês queiram ou não.
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  Óbvio que ouvi de montão. Óbvio que fui “intimada” a comparecer a uma reunião de família no escritório do meu pai, onde ele, minha mãe e Thomas falaram sobre minha decisão egoísta. Óbvio que fui ameaçada de ser tirada do testamento. Óbvio que não fiquei nem um pouco abalada.
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  Após horas de discussão e minha resistência, a questão foi colocada de lado e os três decidiram me ignorar como sempre costumam fazer, mas desta vez de propósito. Não fui chamada para as reuniões e festas seguintes, e também não me dirigiam à palavra. Os funcionários foram proibidos de fazer minhas vontades e meus cartões foram bloqueados.
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  E, a parte mais triste de todas, é que não me importei nem um pouco. Não me importei com a ausência deles em minha vida. Achei incrível a minha liberdade de poder ser quem eu sou. Quando deixei a minha casa para passar as últimas duas semanas no Brasil, antes de me mudar para Seul, na Coréia do Sul, ninguém estava presente. Me questionei, por um minuto, se eu nunca mais os veria. E não me importei.
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  – Você é maluca – Jaqueline me disse, dentro do carro. No fim, ela foi a única pessoa que entrou em contato comigo, provavelmente para saber como anda minha vida depois de eu misteriosamente ser excluída da minha família. – O que você fez para eles?
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  Não respondi, por mais que quisesse falar. Queria dizer a verdade, porque Jaque é a pessoa mais fofoqueira da alta sociedade paulistana. E era exatamente por isso que ela havia me buscado após o trabalho, para “me dar uma carona” até o pequeno apartamento que eu havia alugado por duas semanas no Airbnb.
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  Passamos o caminho inteiro comigo falando sobre meus planos de estudo e trabalho na Coréia, e nas oportunidades que me haviam oferecido. Jaqueline desviava sempre para o assunto da minha família. Como se saber dos podres dela fosse mais importante do que meu futuro promissor.
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  – Jaque, eu não vou te falar sobre a minha família, pare de perguntar. – disse, exausta, após ela perguntar, pela oitava vez, por que eu havia saído de casa. – Meu pai não vai se divorciar da minha mãe, então pare.
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  Os olhos de Jaqueline arregalaram e ela olhou para mim assustada.
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  – O que você quer dizer com isso, sua doida?
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  – Eu sei que você é amante dele – digo, olhando em meu celular. Após um longo silêncio, viro meu rosto para ela, que está parada, estacionada na frente do condomínio onde moro, com a boca aberta e os olhos vidrados. – Você acha que sou burra? Essa bolsa limitada só 2 pessoas aqui no Brasil compraram. Minha mãe e Silvia Braz. Só que minha mãe reclamou horrores que a dela não chegou.
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  “E, de repente, meu pai me pergunta sobre você. Meu pai não se importa com as pessoas com quem eu ando. E você?”
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  A cada coisa que eu dizia sobre minhas suspeitas sobre o relacionamento dela com meu pai, Jaqueline ficava mais e mais vermelha.
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  – Eu sempre soube que você é obsessiva por minha família, Jaqueline, mas não imaginava que seria a ponto de ser a puta do meu pai.
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  – Escuta aqui, !
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  – Escute você, Jaqueline! – grito para cima dela, a calando. – É melhor você ficar na sua e parar de fingir ser minha amiga para usar disso como arma para as outras garotas. Eu sei do seu plano, você é mais burra do que imagina. Eu não quero você se intrometendo mais na minha vida, entendeu? Se eu perceber que você voltou, eu vou te expor.
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  – E você vai acabar com a sua família – ela ri. Ergo uma sobrancelha.
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  – Você não aprendeu nada? – digo, a calando. – Eu não me importo com o que a minha família vai passar. Eu saí de casa, lembra? Não faço mais parte dessa “família perfeita” que vocês tanto chamam.
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  Abro a porta de seu carro e, antes de fechar, digo:
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  – Ah! E para o seu bem: caia fora dessa. Você não sabe no que está se metendo.
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  DOIS ANOS DEPOIS

  “Bem-vindos ao aeroporto internacional de Guarulhos. A temperatura atual é de 23 graus. Eu e minha equipe, em nome da KoreanAir, agradecemos a preferência.”
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  Faço o caminho até o portão de desembarque. Olho para o lado, onde , meu namorado, me acompanha sorridente. Era sua primeira visita ao Brasil e, por mais que não fosse em alguns dos pontos turísticos mais famosos, como o Rio ou alguma cidade do Nordeste, ele ainda assim estava animado.
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  – Tem certeza de que só temos três dias? – ele pergunta, olhando a cidade pela janela do carro que eu havia alugado.
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  – Oppa, eu vim para resolver as questões do meu visto, lembra? Não podemos ficar muito tempo fora. Eu falei para você que não precisava vir.
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  – Tudo bem, eu só acho que, como temos 15 dias de folga, podemos aproveitar e ir para algum lugar por aqui. Que tal o Rio de Janeiro?
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  Abro um sorriso. é irmão da minha melhor amiga, JaeNa. Ela, assim como eu, estava fazendo a residência no hospital M de Seul e, por pegarmos sempre os mesmos turnos, acabamos ficando muito amigas. Ela me apresentou a seu irmão, um chef de cozinha em ascensão com 2 restaurantes abertos. Acabamos nos dando muito bem e, por isso, iniciamos um relacionamento.
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  – Você não irá ver sua família? – ele perguntou, cauteloso?
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   sabe sobre os problemas que tenho com minha família. Desde quando saí da cobertura, não tive mais contato com eles. O que sei, é através das redes sociais que, obviamente, mostram uma família feliz, mesmo sem a caçula, que havia ido estudar no exterior, como se eles ainda estivessem me bancando.
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  A minha mudança causou um pequeno furor no começo, pois algumas marcas parceiras minhas achavam que minha saída do país não traria benefícios para elas e, por conta disso, acharam melhor encerrar os contratos. Por outro lado, consegui chamar atenção de marcas menores em Seul e, um ano depois que cheguei, outras maiores me descobriram, devido à quantidade de seguidores que eu possuía. Dessa vez, fui bastante clara que minha profissão não era influencer digital, mas sim residente de medicina.
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  – Não sei, quem sabe? – respondi.
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  Mas a verdade é que eu não havia feito plano algum para encontrar com qualquer um dos integrantes da minha família.
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  Fui até o cartório, onde peguei toda a documentação necessária, e em seguida no banco, onde fechei minhas contas, depois de transferir todo o valor para minha conta em Seul. Por fim, me reuni com meus advogados, que contratei antes de sair, pois não queria ter de lidar com qualquer advogado ligado a Thomas ou à minha família. Eram eles quem cuidaram da minha parte das ações e tudo o que meus pais haviam colocado em meu nome. Para evitar brigas, aceitei o acordo do pagamento em dinheiro deles, para ter as ações e imóveis de volta para eles. Encontrei com os advogados para ter certeza de que eu não teria problema nenhum assim que saísse do Brasil dali a três dias.
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  – Sua mãe nos pediu para entregar-lhe uma carta – um dos advogados retirou um envelope branco e me entregou. Ergui uma sobrancelha, pois não esperava um contato dela, principalmente através dos advogados.
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  – Obrigada.
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  Utilizei o resto da tarde para passear com . Andamos pela região da Paulista e Bela Vista, jantamos em um restaurante no final do dia e voltamos para o hotel.
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  Enquanto meu namorado tomava um banho, aproveitei para dar atenção ao envelope que havia me sido entregue no começo do dia.
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  ,

  Já faz um tempo que não nos falamos e vejo como você anda bem sendo independente e vivendo longe de sua família. Demorei a aceitar que você não voltaria, mas fico tranquila de saber que você encontrou o seu caminho longe de nós.
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  Nossa última conversa a sós me marcou muito. Você estava atordoada com as coisas que estavam acontecendo por culpa minha; eu deveria tê-la preparado melhor para a vida da nossa sociedade. A realidade, de fato, não é fácil. Temos de sobreviver nessa selvageria da melhor maneira que pudermos. Seu pai e seu irmão nem sempre foram pessoas corretas, mas isso não faz deles monstros.
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  Porém, essa é minha sina, e não sua. Quem deve vivê-la até o fim sou eu, e não você.
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  Espero que um dia você entenda a minha posição.
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  Você é minha família, sangue do meu sangue, e jamais deixará de ser. Assim, sempre me preocuparei contigo.
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  Um beijo,

  Mamãe.”

  Ergui as sobrancelhas e amassei a carta assim que terminei de lê-la. Minha mãe, basicamente, não entendeu nada do que eu havia dito na fatídica última conversa que tivemos. Para ela, eu deveria ter sido mais forte.
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  – Ser perfeita não é fácil, querida. Mas nós não somos fracas – ela me disse várias vezes durante minha adolescência inteira.
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  Com isso, tenho certeza de que, ao contrário de mim, nada na vida deles mudou. Todos continuam fingindo ter a vida perfeita. Ser a família perfeita.
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  A brincadeira de casinha continua. A diferença é que agora eles têm uma boneca a menos no jogo.
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Fim

 

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sarissima
sarissima
2 anos atrás

Meu deeeeeeusssss!!!!! Que história perfeita! Jamais imaginei ela desse jeito e ficou perfeita mesmo!

a parte engraçada é que coloquei como nome do meu namorado de “Junnie” apelido carinhoso de Yeonjun (idol do txt) e do nada meu namorado realmente é coreano hahaha <3

Comentário originalmente postado em 13 de Junho de 2021

Ray Dias
1 ano atrás
  O problema é que, quando se tem noção da realidade, é muito fácil enxergar os defeitos da minha vida. Se…" Read more »

Queria que a elite brasileira tivesse essa consciência.

Ray Dias
1 ano atrás
  – Trabalho, oras." Read more »

O peso desse título, tem gente que só entende que é abismo quando envelhece

Ray Dias
1 ano atrás
  Ergo uma sobrancelha para ela. Jaque sempre foi super afinzassa do meu irmão. Não posso culpá-la; ele, em seu terno…" Read more »

Bons atributos, realmente. Mas será que bastam?

Ray Dias
1 ano atrás
  Mas a verdade é que Thomas é um sádico, drogado, egocêntrico e egoísta. Nós dois não nos damos bem desde…" Read more »

Eu não disse? O dinheiro compra o hortifruti, mas de que adianta tanta fruta podre?

Ray Dias
1 ano atrás
  Durante todo o almoço, a ouvi falar sobre os problemas de sua família e compará-la à minha, enquanto eu apenas…" Read more »

Sem saco pra essa Jaque. Certeza que ela é boa amizade?

Ray Dias
1 ano atrás

GRAÇAS À DEUSA ROTEIRISTA QUE ESSA PP SE LIVROU! Misericórdia nessa família, MAS fiquei com “dó” da mãe dela. Uma vítima do patriarcado, certamente. E que ódio da Jaqueline. Não gosto mesmo desse nome.


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