505
Não importava a ordem, o produto sempre é o mesmo. Sete horas de voo ou quarenta e cinco minutos de carro; todo o tempo é insignificante ao escutar as minhas próprias batidas naquela porta tão conhecida e decorada com as lembranças de um momento feliz. Dez segundos correndo ou uma hora andando; nada faria com que eu parasse de retornar àquele lugar onde o número 505 trazia à minha imaginação a silhueta dela deitada em nossa cama, com seus dedos sobre a sua pele e um sorriso atrevido antes de me dar as boas-vindas.
Não demorou muito até ter a visão coberta pela sua imagem, com os olhos brilhantes e uma animação sem igual, tendo toda a sua inquietação por ter que me esperar se esvaindo ao se chocar contra o meu corpo, entrelaçando as mãos em volta do meu pescoço. Sempre ficávamos nessa posição por alguns segundos, antes que o seu olhar para mim se tornasse indecifrável, de modo que independente se eu perguntasse o que ela queria dizer, a mulher não responderia com o real problema; ao invés disso, sentamos na mesa e começamos a conversar enquanto comemos alguma comida barata que eu trouxe na vinda para cá, como de costume. Voltar para o número 505 consistia também em dançarmos ao som do rádio antigo e assistir a filmes que nenhum dos dois tinha o menor interesse, além de gastarmos longos e longos minutos debaixo do chuveiro depois da tentativa falha de encher a banheira – que nunca enchia completamente. Nossas ações eram cronometradas como se estivéssemos participando de uma peça teatral, onde todos os passos são marcados e dirigidos não por outra pessoa, mas por nós dois, presos em um ciclo repetitivo, vicioso e melancolicamente dramático.
Voltar para o número 505 é como se você recebesse um certificado de que estava conscientemente alimentando um vício ruim, contudo, delicioso – e se eu contasse quantos seriam meus, precisaria de um pouco mais de cinco páginas para caber uma parte deles. Aqui está guardada as memórias do que um dia fomos e costumávamos ser: intactas e perfeitas, sem uma marca de dedo para estragá-las ou um resquício de poeira. Observei a sua pequena figura em comparação a minha, sem saber decifrar, novamente, o que ela esperava de mim com aquele olhar. Sinto seus braços novamente envolvendo o meu pescoço, trazendo a sensação que eu tanto adorava – ou gostava, na última vez que chequei. Sem ter a noção do tempo, não sabia dizer se a noite caía ou a manhã surgia, entretanto, a sensação de que os minutos estavam passando mais rápido ia crescendo gradativamente, consumindo o meu interior com uma pitada de culpa. Ver sua alegria sumindo de seu rosto trazia à tona todos os pensamentos que atormentavam a consciência que me pertencia, sendo resumidos em não atender as suas expectativas enquanto seu namorado.
É como se eu estivesse assustado pela mordida, embora ela não fosse pior do que o latido. Essa frase é uma metáfora que me perseguia sempre que eu adentrava o lugar, fazendo a sua participação fantasiada de lembrete ou um aviso barulhento de que os nossos segundos dentro daquele ambiente estavam se esgotando.
Voltar para o número 505 é ter a certeza de que nos minutos em que você precisa sair, são os mais dolorosos e que provocam o suor nas palmas das mãos, acompanhado de um nervosismo que te devora lentamente. Escutei duas batidas na porta e virei o meu corpo para encontrá-la, devidamente com seus olhos fechados esperando que eu falasse a hora que podia abrir. Levei meus dedos sobre os seus, utilizando eles de modo que servissem como uma venda, e a direcionei para dentro do banheiro – onde, finalmente, consegui encher a banheira completamente. Ela analisou o espaço por breves segundos antes de trazer o seu olhar repleto de lágrimas para mim, perguntando a mesma pergunta a qual já sabia a resposta:
– Você está indo embora de novo, ?
Ouvir meu nome sair de seus lábios trêmulos me fez desmoronar completamente; mais uma vez o ciclo se repetia, o qual eu tinha a sensação de que arruinava a surpresa por tirar as mãos de seus olhos muito cedo. É como se parecesse que, mais uma vez, ela teve que me cumprimentar com um “adeus”.
Voltar para o número 505 é compreender que o gosto amargo do término em forma de despedida é substituído por um sabor agridoce ao acordar; o som do despertador trouxe consigo a realidade que eu tentava fugir, mas, assim que a lua assumisse o seu posto, eu voltaria para o número 505 – sem me importar se seriam sete horas de voo ou quarenta e cinco minutos de carro.
Fim
N/A: Mais uma songfic e quero dizer que eu AMO essa música!
Essa fic ficou mais dramática do que eu imaginei previamente (rs), maaas, gostei de trazer essa versão de um término não superado em forma de sonho.
É isto, gente.
Obrigada a quem leu, espero que tenham gostado <3
fazia tempo que eu não lia algo seu que deixava meu coração um pouco partido e, com isso digo que amei essa fic kkkkkkkkkk
Comentário postado originalmente em 04 de Agosto de 2022
Gio!
Tava com saudades das minhas histórias mais tristes, né? hehehehe
Obrigada por ter lido <3
Comentário postado originalmente em 05 de Agosto de 2022