Vincere
Capítulo 21
Perroni
— Eu não tenho tempo pra isso, Filippo… — Seguia abotoando minha camisa enquanto meu primo falava sem parar sobre os problemas que iriam surgir para a Vincere por uma filha de associado ter sido morta debaixo do nosso teto.
— Otelo chega em dois dias, , o que vai dizer pra ele?
— Uma coisa de cada vez, preciso voltar antes que acorde. — Virei para sair do closet, mas ele me segurou pelo braço.
— Não entenda nada errado, primo.
Virei para ele e o encarei sério:
— Não tem nada para entender errado, Filippo.
— Acaso acha que eu esqueci que você sentia algo por ela?
— Eu tinha 17 anos, Filippo, um delírio adolescente, nada mais. — Ele me soltou e eu segui caminho para o meu quarto, coloquei o relógio e engoli em seco tentando me manter sereno.
— , acha que não percebi os olhares? Non sonno un’idiota! (Não sou uma idiota!).
— Abbastanza! (Basta!). — Virei para ele irritado. — Não tem olhares nenhum, Filippo! — Engrossei a voz ao olhar para ele determinado a acabar com aquele assunto. — Pare de inventar coisas na sua cabeça! precisa de mim agora, e espero que ela me conte o que diabos aconteceu.
— Ótimo, espero que seja mesmo apenas coisa da minha cabeça — disse em tom de aviso. — Não quero chorar a morte de outro familiar, principalmente você, …
Ele deixou o quarto e eu respirei fundo engolindo aquelas palavras, pois eu podia até tentar esconder, ou mentir pra mim mesmo, mas a verdade é que sempre teve algo impuro em relação a dentro de mim. Desde aquele maldito momento em que eu disse para Filippo que ela me deixava sem reação, que eu sentia algo diferente do que eu sentia pelas minhas irmãs. A distância e o ódio que eu fiz ela sentir por mim nos mantinha afastados, foi proposital, e a parte de mim que teimava em querer tomá-la, enterrada, porém, termos nos aproximado talvez tivesse sido o pior erro que cometi.
Foi um tropeço que não tinha como voltar atrás.
Peguei meu celular e caminhei a passos rápidos, mas dei de cara com Beatrice no corredor e ela me olhou de cenho franzido, fazendo com que eu parasse de andar quase em frente a porta do quarto de .
— Bom dia. — Ela me analisou de forma interrogativa, como se estivesse pensando o que eu estava fazendo ali.
— Bom dia.
— Pra onde está indo? — perguntei.
— Preciso falar com — disse, dando mais um passo.
— Engraçado, também estava indo ao quarto dela. — Ela deu dois passos em direção a porta.
— Fale com ela no café. — Cruzei sua frente colocando a mão na maçaneta do quarto. — Tenho urgência. — Abri a porta e entrei rapidamente, fechando-a em seguida.
Respirei fundo fechando os olhos e logo os abri, vi que a indomável continuava dormindo e agradeci por isso. A madrugada foi agitada, ela acordou várias vezes assustada e aos gritos. Caminhei devagar e sentei no colchão, tirei o sapato e me recostei na cabeceira. Estava preocupado de como ela iria superar isso, não conseguiu matar nem os homens que a atacaram, não consigo imaginar como ela estava se sentindo em ter matado Carolyn, que estava amarrada e indefesa. Eu já tinha matado mais homens do que eu conseguiria contar nos dedos das mãos, amarrados então… Aquilo não era nada para mim.
Seria impossível me colocar no lugar dela.
Fiquei resolvendo o que podia no celular e assim que vi ela se mexer, busquei seu rosto, ela foi acordando aos poucos, parecia estar voltando à realidade lentamente. trouxe os olhos verdes até os meus e se levantou devagar, encostando na cabeceira da cama. Ela respirava calmamente e olhava um pouco perdida para seu próprio quarto, como se tentasse absorver a noite anterior novamente. As olheiras eram profundas, denunciando que a noite mal dormida tinha sido longa. Odiava vê-la daquela forma, mas eu não tinha ideia do que fazer para aquilo passar. Esperei que ela falasse algo, não queria invadir o espaço ou o silêncio dela que parecia confortável naquele momento. O que eu não esperava era que ela se aproximasse de mim e encostasse a cabeça em meu ombro.
Olhei para o lado vendo os fios ruivos em meu braço, surpreso com a proximidade repentina, larguei o celular na cama ao lado da minha coxa e levantei o braço, fazendo ela apoiar a cabeça em meu peito. Por mais que tivéssemos tido lapsos de comportamentos inadequados, essa aproximação era nova, não era desejo, era carinho e amparo o que ela queria. se acomodou e ali ficou, em silêncio, e eu esperaria até que ela estivesse pronta pra dizer alguma coisa.
— Ela era uma Delantera, — disse ela após longos minutos, sem nem mesmo se mexer e eu apenas arregalei os olhos. — Ela era a infiltrada.
Como caralhos essa mulher era uma Delantera e ninguém sabia? Eu precisava juntar essas peças. Nada parecia encaixar, o infiltrado era homem, não podia ser Carolyn, mas podia ser os dois trabalhando em conjunto, isso era maior do que eu imaginava. Quantos estavam se esgueirando pela Vincere? Com o que e quem estávamos lidando, depois de tantos anos sem nem sequer vermos ninguém dessa gente que tinha a audácia de se chamar de máfia, resolveram ressurgir das cinzas para nos atrapalhar.
— Como você descobriu tudo isso? — perguntei baixo, tentando não me exaltar apesar da informação daquela magnitude.
— Giulia descobriu. O pai dela é Carlos Diaz, ele é irmão da esposa do consegliere que Filippo matou.
Respirei fundo, soltei o ar devagar pela boca, eu não podia brigar com ela agora. Não podia dar um sermão do quanto aquilo foi perigoso e irresponsável, não só da parte de , mas das minhas irmãs também. Quanto tempo elas deixaram Carolyn amarrada no quarto de Beatrice até descobrirem tudo aquilo?
— Por que não me contaram nada?
— Estávamos tentando entender tudo antes de falar qualquer coisa…
— Eu preciso contar para Otelo, .
— Não… — Ela desencostou do meu peito e sentou no meio da cama de frente para mim. — Papai vai me odiar, eu matei alguém dentro da casa dele.
— , Otelo vai amar que você matou uma inimiga.
— ! — Ela arregalou os olhos e então eu percebi o que tinha falado, para ela, o que tinha feito era inconcebível e para mim, nada mais era do que uma tarde de quinta-feira.
— Eu sei, desculpe… — Passei a mão pelo cabelo nervoso e desviei meus olhos dos dela.
— Eu não… — Vi ela fechar os olhos e respirar fundo. — Eu não queria…
— Foi um acidente… — Desencostei da cabeceira no ímpeto, querendo tocá-la, mas lembrei do que meu primo falou e freei minha ação.
— Mas eu apertei o gatilho! — Ela aumentou o tom de voz e soltou o ar com força. Passou a mão pelo rosto e fechou os olhos, respirou algumas vezes, tentando se acalmar. — Não sei o que fazer.
— Beatrice estava vindo aqui quando eu também estava. Ela já deve ter notado… — mordeu o lábio em nervosismo. — Mande mensagem para elas nos encontrarem na sala da Giulia.
— Céus, , o que eu vou dizer?
— A verdade, . — Ela abraçou os joelhos e seus olhos marejaram. — Vai ficar tudo bem, eu prometo. — Acariciei a cabeça dela e beijei sua testa.
[…]
Ouvi Beatrice reclamar sobre onde Carolyn estava antes de ela me ver entrando na sala de Giu bem atrás de , assim que me viu, se calou. Fechei a porta atrás de mim e respirei fundo, olhei para e vi que aquilo seria difícil para ela, principalmente por estar tudo tão recente, porém, não tínhamos tempo. Meu pai logo chegaria, um corpo apodrecia no porão e minhas irmãs nos olhavam como se a gente tivesse ocultado o cadáver. Bom, a única diferença é que Filippo e Nero ocultaram.
Pigarreei e dei dois passos à frente antes de começar:
— Podem me explicar o porquê de eu não saber que a mulher que ia se casar comigo era uma Delantera?
O silêncio se instaurou na sala e elas se entreolharam, menos , que seguia ao meu lado olhando para baixo, cabisbaixa.
— Estávamos tentando juntar informações, — explicou Giulia por fim. — Não era tão simples, Beatrice escutou ela no telefone dizendo que iria comandar a Vincere.
— E nesse momento vocês deveriam ter vindo até mim…
— Eu que disse para não falarmos nada. — suspirou. — Deixei meu orgulho… — Vi ela se calar e olhar para o lado como se visse alguém.
— … — chamei e ela me olhou, perdida, seus olhos estavam sem brilho algum. Era nítido o quanto ela estava abatida. — Quer voltar e se deitar?
— Não. — Minhas irmãs a olharam intrigadas, tentando entender o que estava acontecendo. — Não precisa… Precisamos contar pra elas… — Ela se encolheu e se abraçou, estava em choque e em constante ansiedade, dei dois passos em direção a ela, ficando de costas e cobrindo o corpo pequeno dos olhares inquisidores das minhas irmãs.
— , você não precisa fazer isso… Eu posso fazer sozinho — falei baixo e ela seguiu olhando para o chão, puxei seu queixo para que olhasse pra mim. — Tem certeza que está bem? — Ela afirmou com a cabeça e então voltei a ficar ao seu lado.
— Vocês estão me deixando nervosa! — exclamou Beatrice. — O que porra aconteceu com aquela parisiense insuportável?
— Eu matei ela! — falou de uma vez, fazendo as outras arregalarem os olhos, Luna cobriu a boca, chocada, e Giulia sequer mudou sua linguagem corporal.
Acariciei o braço dela, tentando acalmá-la e disse:
— Foi um acidente.
— Um acidente? — perguntou Beatrice, incrédula.
— Foi um acidente, Beatrice — falei com ênfase, sério, deixando todas elas cientes de que aquilo não estava aberto para discussões. — Quero todas as informações que você tiver dela e do pai dela, Giulia. Amanhã Otelo chega e vou passar tudo pra ele.
— Sim, .
— Beatrice, cuide da Fascino por enquanto.
— … — tentou falar, mas neguei com a cabeça, olhando para ela.
— Você precisa descansar… — falei baixo, tomando o cuidado de não assustá-la. Voltei a olhar minhas irmãs e tentei ao máximo pedir mudo para que elas entendessem a situação. — Espero um relatório, me avise quando estiver pronto, Giu.
— Fica pronto antes do jantar.
— Obrigado.
Virei para sair e me acompanhou, saímos da sala e voltamos ao quarto dela. Eu vi que ela estava paranoica, acreditava que aquilo era estresse pós-traumático, ela precisava de um médico, remédios e descansar. Ela deitou na cama e se encolheu entre os travesseiros, abraçou as almofadas e se cobriu com o edredom. Olhei para ela e só conseguia pensar no quanto eu queria tirar essa dor dela. Mandei mensagem para Filippo arrumar um médico para ontem, deitei ao lado dela e ali fiquei, sem dizer uma palavra por um tempo, que parecia pouco, mas já tínhamos tomado café e almoçado, ali mesmo, na cama.
não queria sair dali, eu percebi que para ela era o único lugar seguro, ali ela estava protegida por alguma coisa que a cabeça dela inventou. Ela pediu para eu ficar, disse que não queria ficar sozinha em nenhum momento e que só eu entendia o que ela sentia. Engraçado era que eu não entendia, entrei na vida adulta achando normal matar as pessoas e não ter o mínimo de remorso por isso. Eu não sabia o porquê de ela achar que eu era a melhor pessoa para lhe fazer companhia em um momento como aquele, mas eu estaria ali, até quando ela precisasse de mim.
[…]
Meu pai me olhava há tempo demais, pensativo, fumando seu charuto e bebendo uma dose dupla de whisky depois que eu contei tudo o que aconteceu. Eu já estava sentindo meu corpo tensionado em cada músculo, Otelo era imprevisível, eu não sabia o que esperar e isso me deixava uma pilha de nervos. Nem mesmo as expressões faciais dele eu estava conseguindo ler.
— Sabemos o porquê de ela ter tido aquele rompante com seu anúncio então… Ela sabia de algo que nós não sabíamos.
— Acredito que tenha sido isso.
— Por que não está aqui?
— Ela não está se sentindo muito bem.
A verdade era que depois que o primeiro psicólogo e psiquiatra disponíveis vieram examiná-la em conjunto, ela finalmente conseguiu dormir com o remédio que o doutor passou. Sem gritos, sem pesadelos, sem ela me agarrar no meio da noite como se estivesse afundando no mais profundo oceano. Ela estava calma e dormindo tranquilamente quando a deixei pela manhã.
— Depois comemoro com ela então…
— Comemorar? — Franzi o cenho.
— Óbvio! Minha filha matou um Delantera, isso é motivo para uma comemoração. — Ele sorriu, orgulhoso.
— Otelo, não é igual a nós…
— Bobagens, , ela é uma Perroni. — Ele virou para meu primo. — Filippo, mande caçarem esse filho da puta que ousou me enganar. Eu quero ele vivo.
— Sim, Don Otelo. — Meu primo deixou a biblioteca e eu seguia tentando processar a discrepância de tudo aquilo.
estava em sofrimento e meu pai, feliz.
— Nos deixem a sós — falei sério para os seguranças presentes e eles nos deixaram. — Pai, está com TEPT.
— Como?
— Estresse pós-traumático. Está dormindo à base de remédios por causa do que ela fez, não fale em comemoração perto dela.
— Está me dizendo como agir com a minha filha?
— Estou dizendo que sua filha está em sofrimento por causa dessa merda toda! — Bati o punho na mesa ao levantar. Estava possesso com aquela mania de relativizar coisas que não eram do entendimento de Otelo ou por simplesmente não estar dentro do que ele achava importante. — Tenha o mínimo de compaixão. Ela não é igual a mim, o monstro que você criou. — Engoli o restante do whisky em meu copo, sentindo o gosto amargo daquelas palavras.
— Tem mais alguma coisa que queira me contar, ? — Ele me olhou como se ordenasse uma explicação pelo meu rompante e eu sabia que tinha passado dos limites.
— Não.
— Pode se retirar.
Saí do escritório pisando duro, a raiva me possuiu de uma maneira que não consegui controlar, foi algo mais forte que eu. Subi a escada e ao ver a porta do quarto de , parei no corredor, virei para a parede envidraçada e me apoiei nela. Tentei me recompor, tentei regular minha respiração, acalmar meus batimentos cardíacos e minha mente. precisava de calmaria e eu estava o próprio caos. Virei e dei alguns passos para bater na porta, em seguida ouvi sua voz baixa permitir que eu entrasse. Abri a porta devagar e ela estava no meio da cama, abraçada aos joelhos e olhando para um lugar qualquer. Era angustiante vê-la daquela forma.
— Você está bem?
— Estou melhor, graças aos remédios.
Caminhei devagar e sentei na cama, olhando para ela, contei que tinha conversado com Otelo e ele enviou homens para a casa de Carlos Diaz ou seja lá qual fosse o nome daquele homem. Ela escutou tudo atentamente e parecia querer dizer algo, mas um medo tomou seus olhos, eu conseguia ler a dúvida se me contava ou não o que queria.
— Eu preciso contar uma coisa… — Balancei a cabeça em positivo, aguardando ela continuar. — Uma mulher foi até a Fascino dizendo que era minha mãe.
Arregalei os olhos sem acreditar, as mulheres que venderam as garotas ao meu pai não podiam entrar em contato com elas nunca mais e isso estava escrito em contrato.
— Ela não poderia…
— Essa não é a pior parte, … — Ela me interrompeu e eu engoli em seco. — Mas não vem ao caso… Cheguei a conclusão que ela só queria me jogar contra a famiglia.
— Como assim, ?
— Ela disse que… — vi ela hesitar, então peguei a mão dela e acariciei, seus olhos verdes vieram até os meus, sua mão apertou a minha mais forte e a vi morder o lábio — que Otelo não é meu pai.
Senti como se meu coração parasse por um segundo e o ar de repente ficou tão denso que eu conseguiria cortar com uma faca. Os olhos verdes me olhavam com um vazio existencial e aquilo me preocupava, tinha sido uma tragédia atrás da outra, ela iria conseguir se recuperar de tudo aquilo? Será que em algum momento nossa família ia parar de ser tão quebrada?
— Eu não acredito nela, não pode ser verdade — cuspiu as palavras de uma forma que parecia tentar convencer mais a ela mesma do que eu.
Tantas coisas me passaram pela mente naquele milésimo de segundo, cheguei a sentir uma pontada de dor de cabeça. Se ela não fosse minha meia-irmã, então…
— E se for? — falei no ímpeto, sem pensar nas consequências da minha, aparente, simples pergunta.
— ! — Ela se exaltou e levantou da cama, irritada. — Não pode ser verdade! Minha vida inteira teria sido uma mentira!
Eu estava sendo egoísta demais, tinha tanta coisa envolvida nessa possibilidade. Eu não sabia o que era uma vida inteira achando que você era filha de alguém, da única pessoa que realmente quis você, se isso se quebrasse também eu nem sabia como tudo ficaria. Não saberia se a racionalidade de ainda se manteria intacta depois disso.
— Você tem razão, não tem como eu entender o que você está sentindo agora, mas…
— Não tem “mas” — ela me interrompeu e olhou mordendo o lábio, a ponto de chorar —, se isso for verdade… — vi ela hesitar — eu não vou saber mais quem sou eu, .
Alonso Perroni
Desde criança eu me questionava qual era o meu lugar no mundo, aos poucos, conforme fui crescendo, eu entendi qual seria o meu posto na família. Vieram os treinamentos, os seguranças, as armas, as festas e tudo começou a fazer sentido na minha cabeça. Contudo, quando chegou, foi como se eu tivesse perdido aquela certeza sobre o lugar que teria. Depois de alguns anos, assumi a boate e fiquei feliz, estava com aquela sensação de que ali era onde eu precisava estar.
No entanto, agora, ali estava eu novamente, perdida, procurando meu lugar no mundo, pois tudo parecia bagunçado demais. Aquela dúvida latente de que eu não fazia parte daquela família ainda me assombrava dia após dia, mas nada era mais aterrorizante do que viver com a culpa de ter matado alguém. Não importava se era um inimigo, era uma pessoa como eu e eu tomei a vida dela em um segundo.
Viver com aquilo estava pesado demais e a única pessoa que eu achava que poderia me entender era aquela pessoa que roubou o lugar que eu achei que era meu. ; o meio-irmão idiota que eu tinha algum sentimento indecifrável e que eu odiava com todas as forças há alguns anos, ou o qual eu estava beijando algumas semanas atrás. Minha vida era tão conturbada que nem eu mesma conseguia entender o que estava acontecendo e como cheguei até ali.
— ? — O psicólogo me trouxe de volta ao momento presente. — Como foi seu dia? — Levantei a cabeça para encará-lo e suspirei.
— Nada de diferente de todos os outros dias.
— Seus pesadelos?
— Com menos frequência… — Olhei para o sofá que dormia, quase todas as noites, talvez fosse por tê-lo ali que conseguia dormir bem e isso me assustava um pouco, afinal, o maior poder que você pode dar a alguém é se permitir descansar com ele ao seu lado.
— Isso é uma ótima notícia. Os remédios têm feito seu trabalho. — Acenei com a cabeça. — A terapia também tem seus créditos. Falar ajuda, .
Aquele silêncio constrangedor de quando meu psicólogo queria entrar no assunto que estava rondando a minha mente, ele sabia que eu pensava demais, no entanto, falar era tão mais difícil. Eu tinha essa noção de que ele me observava e tentava me ler nos mínimos detalhes, eu sabia como a psicologia funcionava. No entanto, às vezes eu não queria falar e, em outras, eu sabia que certas coisas eu jamais deveria proferir.
— Talvez eu… — Esfreguei uma mão na outra, mordi meu lábio, não poderia falar isso em voz alta, isso só tornaria tudo mais verdade e eu não podia assumir que tinha um papel fundamental no meu sono ou nos meus dias ou na minha vida. Era tudo complicado demais. — Eu… devesse voltar a treinar.
— Ótima ideia! O exercício sempre ajuda, não só fisicamente como mentalmente também. — Doutor Martin olhou o relógio. — Preciso ir agora, , mas lembre-se, pode sempre me ligar.
— Obrigada, Martin.
Estava sozinha novamente depois de 1 hora de terapia, era sempre a mesma coisa, e, no fim, a pergunta sobre meu dia. Nada mudou nos últimos 18 dias que eu continuava sem conseguir sair de casa, mal saía do meu quarto, na verdade. Minhas irmãs me procuravam todo santo dia, entravam no meu quarto, tentavam conversar comigo, mas eu não conseguia falar mais do que palavras educadas. Não queria descontar nada que passasse pela minha cabeça nelas, ou que elas vissem um surto meu que, mesmo tomando remédio, às vezes aconteciam. Levantei da poltrona e me joguei na cama, eu estava cansada de me sentir assim.
Eu não era mais eu.
Nem eu mesma sabia que iria reagir assim ao matar alguém, nunca tive coragem de atirar em ninguém, mas também nunca tive pena das pessoas. Parecia latente em mim, já que tive um treinamento para ser violenta, porém, nunca consegui mais do que uns tapas, socos e falar atrocidades. Quando as coisas aconteciam realmente, tudo mudava de figura, era aterrorizante olhar para a morte.
Encarei o teto branco acima de mim e senti aquele vazio no peito e minha cabeça parecia pesar toneladas. Não era para eu me sentir melhor depois de fazer terapia? Eu queria um martini, ou melhor, meu whisky, queria me afogar na bebida até esquecer quem eu era. Sentir que fazia parte de outra realidade, outra família, queria ter outra vida… ou vida nenhuma.
Senti meu corpo inteiro retesar.
Fechei os olhos com força e me abracei.
Mordi o lábio e senti as lágrimas escorrerem pela minha bochecha, apertei minha barriga com mais força e minha vontade era de gritar até ficar sem voz. E quando me dei conta, Luna estava me abraçando e chorando junto comigo.
— Vai ficar tudo bem, … — ela repetia em um volume quase inaudível. — Vai ficar tudo bem…
Quando ela tinha entrado no quarto?
— Ela tomou os remédios? — Ouvi a voz grossa e virei a cabeça, vendo na beirada da cama, em pé. — Dê o remédio pra ela, Luna.
— Eu estou bem. — Levantei do colo de minha irmã, afastando-me quando finalmente senti forças para tal, e olhei para , que mantinha a expressão serena, mas dava para ver que ele estava irritado com alguma coisa. — O que aconteceu?
— Nada que deva se preocupar.
Luna me deu dois comprimidos e eu engoli com a água que foi me alcançada também por ela.
— Não precisa ficar me escondendo as coisas, . — Deitei novamente, dessa vez com a cabeça no travesseiro. — Está tudo bem com a Fascino?
— Sim, sua boate está ótima.
— Perfeito… — Senti meus olhos pesarem, virei para o lado e deixei o sono me levar.
[…]
— Vince voltou ao trabalho e a Gio vanna também. — Beatrice me contava no café da manhã um dos poucos dias que consegui descer para sentar à mesa. — Ela está começando a perguntar por você…
— Diga que estou doente.
— Isso funcionou na primeira semana, . — Ela levou mais uma colher de salada de frutas à boca. — Deveria falar com ela…
— Não sou uma boa companhia no momento. — Mordi meu sanduíche e suspirei.
— Ela é sua melhor amiga… — Dei de ombros e torci os lábios. — Você não é assim.
— Eu sei. — Levantei da mesa e no caminho para o meu quarto, peguei uma garrafa de champanhe, que se fodessem os remédios.
— Pra onde pensa que vai com isso?
Parei no meio do corredor, tão perto de estar segura do meu quarto, mas tinha que surgir sei lá de onde pra me infernizar. Virei devagar para ele, que já vinha em minha direção, assim que parou perto o suficiente, tomou a garrafa da minha mão.
— Sabe que não pode beber.
— Sei também que não posso me matar, então essa é a escolha menos arriscada.
— — ele franziu o cenho e eu dei de ombros olhando pra ele, que se aproximou ainda mais —, não fale isso.
— É a verdade.
— Não sei o que eu faria se perdesse você… — Sua mão veio em direção ao meu rosto e eu dei um passo para trás, assustada. recolheu seu braço e suspirou, fechando seus olhos. — O que eu posso fazer pra te ajudar? — Voltou a olhar para mim, preocupado, eu odiava aquele olhar.
Continuava encarando ele com os olhos baixos e então olhei para o chão antes de dizer:
— Ninguém pode me ajudar, quanto mais cedo aceitar isso, melhor. — Virei as costas e entrei no meu quarto.
Senti meu peito doer, coloquei a mão entre meus seios, lágrimas deixaram meus olhos e senti aquela dor sufocante de novo. Eu queria tanto que isso acabasse, que eu ficasse bem de novo, que eu fosse eu mesma. Sentei no chão e apoiei minha testa em meus joelhos, era angustiante sentir coisas que eu nem mesmo sabia explicar.
— Você deveria parar de ser tão fraca…
Olhei para cima e vi Carolyn me encarando com aquele ar de superioridade. Fechei os olhos com força e abracei meus joelhos, aquilo era minha imaginação.
— Você não é real!
— O que é ser real pra você, ? — Abri os olhos com receio e a vi caminhar pelo quarto, olhando os porta-retratos que eu tinha ali. — É fingir que não está apaixonada pelo seu irmão?
— Cala a boca! — Levantei com a raiva tomando conta de mim, esqueci que aquilo era só mais um dos meus episódios de alucinação pela crise de ansiedade e deixei o ódio me preencher. — Você nunca deveria ter entrado por aquela porta.
— Ao mesmo tempo que você também não, bastarda!
Peguei um dos livros que havia na estante de canto e joguei com força em direção a ela, fazendo com que desaparecesse. Senti meu peito doer e a minha respiração acelerada de tão nervosa que fiquei. Eu estava perdendo a cabeça e às vezes eu realmente tinha medo de nunca mais voltar à sanidade completa.
Perroni
Doía vê-la daquela forma, eu queria arrancar daquela cama, tirar ela daquela escuridão que tomou seu coração e sua mente. Eu preferia estar brigando com ela ou estar irritado por ela ter feito alguma besteira ou pelo simples fato de amar ser desobediente. Não queria tê-la em casa se fosse desse jeito, quando eu quis foi por sua segurança e não por ela estar destruída psicologicamente.
Ela estava quebrada demais para sequer levantar e reclamar por eu estar mais um dia ali, velando seu sono. Queria vê-la dizer que não precisava de mim, que eu estava invadindo seu quarto, seu espaço e sua privacidade. Era doloroso demais vê-la definhar daquela forma, dormir à base de remédios e viver com aquele olhar perdido, vazio e sem brilho, mas que ao mesmo tempo, parecia que muita coisa perturbava sua mente.
Não tinha como eu ajudá-la, mas todo dia eu tentava.
— Bom dia… — Ouvi a voz sonolenta dela soar pelo quarto, me tirando dos meus pensamentos.
— Bom dia.
— Você pode dormir aqui, sabe? — Ela apontou para o outro lado da cama. — É bem grande e… Dormir nesse sofá deve ser horrível.
— É o suficiente, não são todas as noites.
— Mas quase todas. — Ela levantou e foi em direção ao banheiro.
— Isso foi uma reclamação? — falei mais alto para que ela pudesse ouvir, pude até curvar os lábios achando que aquilo poderia ser ela voltando ao seu normal.
— Foi só uma observação.
Suspirei, murchando os ombros.
— Não esqueça de tomar seus remédios e… — suspirei, encolhendo meus ombros e continuei baixinho: — tenta sair desse quarto… — Abaixei a cabeça, mas fui alertado pelo som dos seus passos, que ela estava voltando ao quarto, então tratei de me recompor.
— Não vou esquecer, você faz questão de me lembrar todo santo dia. — Vi ela pegar os três comprimidos e tomar.
— Te vejo no café da manhã? — Deixei o quarto e assim que me vi no corredor, tentei mais uma vez não me culpar por ela estar daquela forma.
Era impossível não assumir um pedaço de culpa dessa merda toda. Eu deveria ter dito não, deveria ter falado que não iria casar e ter falado para Carolyn voltar de onde veio. Balancei a cabeça em negativo e segui o caminho para o meu quarto, onde eu estava mais seguro para externar os pensamentos autodestrutivos que me atormentavam a todo segundo.
[…]
No dia seguinte, meu pai tinha organizado uma reunião para saber as notícias da busca por Carlos Diaz. Entrei naquele escritório já sentindo de longe a aura pesada estampada em meu primo. Eu tinha esse dom de ler as pessoas facilmente, por isso eu era tão bom nas torturas. Sentei na poltrona em frente à mesa de madeira, logo meu pai entrou na biblioteca exalando poder. Ele adorava quem ele era, isso era muito nítido.
— Vamos ao que interessa… — Otelo sentou em sua cadeira.
— Don, a busca foi feita por toda a propriedade, mas não havia ninguém.
— Como não tinha ninguém? — Meu pai socou a mesa de madeira fazendo todos os presentes, menos eu e Filippo, darem um sobressalto. — Eu fui lá há alguns meses…
— Os soldados disseram que a casa está completamente vazia, Don Otelo.
— Eu quero — meu pai rangeu os dentes antes de continuar: — que cacem esse maledetto!
— Si, signore.
Todos se mantiveram na mesma posição, olhei para Filippo, e nós sabíamos o que viria.
— O que estão esperando? — gritou meu pai. — Agora, vão!
Todos saíram com pressa, eu apenas respirei fundo, esperando o que sobraria para mim de tudo isso, porém, pela primeira vez vi meu pai sentar calmamente e acender seu charuto depois de uma péssima notícia. O que já me deixou ainda mais preocupado. Otelo não era uma pessoa previsível, nunca sabemos o que esperar, no entanto, tem algumas coisas que eu sabia como ele iria lidar, e, definitivamente, esse comportamento era novo.
Levantei devagar quando o silêncio pareceu ser a escolha de meu pai para o momento. Caminhei para fora do escritório e passando pela biblioteca meus olhos foram até a poltrona preferida de . Em um passado não tão distante era raro não encontrá-la ali aquela hora, lendo. Engoli em seco e segui meu caminho até o andar de cima. Tentei desviar meu pensamento para o maior problema que tínhamos nas mãos agora. Não sabíamos onde estava o maior inimigo que tínhamos em anos, um que conseguiu colocar alguém dentro da nossa casa.
Eu ainda precisava descobrir quem era o infiltrado que estava trabalhando junto a Carolyn. Assim que avistei o corredor dos quartos ouvi gritos vindo do quarto de , olhei para frente e vi Luna assustada, eu e ela corremos em direção à porta, que abrimos com pressa. estava gritando, deitada bem no meio da cama, seus olhos estavam fechados e seus braços em volta da cabeça.
Ela estava em outro surto.
Luna subiu em cima do colchão depressa e a abraçou, fiquei de pé na beira da cama, olhando as duas, tentando pensar em algo para resolver aquilo. Eu precisava descobrir um jeito de livrar de toda essa dor e angústia. Eu queria resgatá-la, mesmo que isso fizesse eu me perder novamente.
Saí daquele quarto após deixá-la medicada e dormindo, tentava pensar em algo que fizesse sentido para ajudar , caminhei até a área da piscina e sentei em uma das espreguiçadeiras. Acendi meu cigarro e ali fiquei, conjecturando comigo mesmo quais eram as minhas opções.
Eu poderia forçá-la a sair de casa. Revirei os olhos soprando a fumaça para cima; péssima ideia.
Talvez levar ela até a casa de campo, a natureza ajudaria, porém, a atual… personalidade dela não me garantia que ela iria de bom grado. Por mais que fosse uma das casas preferidas dela.
Talvez se eu trouxesse Giovanna para ver ela… Se bem que ela disse para Beatrice que não queria ver os amigos.
Pensar em uma forma de ajuda era uma tortura, eu estava com cansaço mental há tantas semanas. Estava sendo muito complicado para todos nós passar por isso. Meu pai fingia que nada estava acontecendo, mas eu percebia as mudanças de humor, no comportamento, as madrugadas sem dormir, sem falar que faziam dias que ele nem sequer saía dessa casa. Além dele mesmo ter ido atrás do melhor psicólogo para tratar ela.
Ele estava morrendo de preocupação, no entanto, era nítido que ele não sabia lidar, pois não foi nenhuma vez vê-la.
— Está com uma cara péssima, primo. — A voz de Filippo me tirou dos meus pensamentos. — Já te vi pior, mas você tinha levado uma surra no treinamento. — Ele riu enquanto se sentava na cadeira à minha frente.
— Engraçadinho.
— Meu tio não teve uma reação previsível, por mais imprevisível que ele seja.
— Ele está apavorado, mas não admite.
— Minha prima não está bem, não é? — Ele uniu as sobrancelhas, demonstrando preocupação.
— Ela teve outro surto. Não sei mais o que fazer…
— Ela está sendo bem cuidada pelo psicólogo e tomando os remédios, . Ela precisa de tempo agora.
— Não aguento mais vê-la dessa forma.
— Fale com o psicólogo dela, talvez ele te dando uma opinião profissional do que fazer você consiga ajudar.
— Você é um gênio, Filippo. — Pela primeira vez em semanas eu sorri e senti aquela ponta de esperança que eu precisava para me manter são.
Capítulo 22
Perroni
— Bom dia, doutor.
— Senhor Perroni — falou o psicólogo, surpreso.
Eu poderia ter ido até o consultório dele, mas eu mal tinha conseguido dormir, então fui até a padaria que eu sabia que ele costumava tomar café. Claro que eu investiguei a vida inteira dele antes de deixá-lo se aproximar de , mesmo meu pai falando que ele era o melhor psicólogo do país. Jamais deixaria alguém se tornar tão íntimo dela sem saber cada minuto da vida dele desde que ele começou a respirar no mundo.
Abordei ele de uma maneira meio invasiva, mas eu não estava me importando com isso. Eu sentia uma angústia interna e um desespero que não era tão conhecido por mim, porém eu sabia que a única coisa que me movia ultimamente era tirar a da escuridão, nem que para isso eu me fodesse no processo.
— Podemos conversar? — Indiquei a mesa vazia um pouco à frente.
— Claro.
Nunca tinha entrado em contato direto com um psicólogo ou psiquiatra, eu não era daqueles que não acreditava, mas também não via como algo imprescindível, porém, quando vi daquela forma, eu tinha certeza que ela precisaria de um. Então sentamos na cafeteria e ele me explicou que o estresse pós-traumático era um transtorno de ansiedade que pode se desenvolver em pessoas que presenciaram eventos traumáticos. O TEPT pode causar distúrbios do sono, humor deprimido, hiper vigilância, alucinações, esquiva de lembranças do trauma entre outros. Era tudo muito complexo, mas tudo fazia muito sentido, eu havia presenciado muitos desses episódios. Era frustrante não saber o que fazer para ajudar.
Depois de muito debater com o Dr. Martin e tentar entender a abordagem que deveríamos ter, não só eu como a família toda, eu fui para casa com um objetivo na cabeça: pesquisar. Entrei no meu quarto e busquei meu notebook, sentei na poltrona da varanda e fiquei horas ali sentado em busca de uma resposta ou um milagre, talvez o todo poderoso fosse bonzinho comigo uma única vez. Estávamos em uma situação muito delicada e depois da conversa com o doutor Martin, fiquei ainda mais preocupado, porém, também fiquei esperançoso. Ele me disse que eu estar me dedicando tanto assim a ajudá-la era imprescindível para uma melhora na condição dela. estar cercada de pessoas que cuidam dela era algo bastante positivo na condição atual do seu psicológico.
Eu estava lendo incontáveis artigos sobre estresse pós-traumático, o que ajudava, o que não ajudava, o que as pessoas próximas poderiam fazer ou não fazer para ajudar. Eu já tinha fumado quase duas carteiras de cigarro enquanto corria meus olhos pelos artigos variados. Quando eu finalmente achei um artigo falando sobre o quanto cães podiam ser um ótimo apoio emocional para quem tem algum transtorno psicológico ou até mesmo o próprio estresse pós-traumático, eu sorri de felicidade.
— É isso! — Podia não ser a solução, mas toda ajuda era bem-vinda.
Ouvi batidas na porta e liberei a entrada, Filippo entrou com uma expressão esquisita em seu rosto, da qual eu não gostei nem um pouco. Franzi o cenho, estava meio em alerta para ouvir o que ele tinha a dizer. Tirei o notebook do meu colo e o coloquei na mesa lateral.
— Seu pai quer que você interrogue um capitão…
Levantei de supetão e perguntei animado:
— Acharam o outro capitão dos Delantera?
Vi meu primo engolir em seco e a sua reação chegou a me assustar, nunca vi ele daquele jeito.
— Um capitão nosso, …
— Como? — perguntei, atordoado.
— Eu sinto muito.
— Quem é, Filippo? — Ele desviou o olhar e eu dei passos apressados em direção a ele, ficando perto o suficiente para obrigá-lo a olhar em meus olhos. — Quem é?! — berrei.
— Nero.
Arregalei meus olhos dando dois passos para trás e balancei a cabeça em negativo, aquilo não podia estar acontecendo. Nero cresceu comigo, com a gente, Nero era meu braço direito e tinha toda a minha confiança. Passei a mão pelo cabelo, ansioso, nervoso, sentindo meu coração batendo acelerado em meu peito.
Por que meu pai queria interrogá-lo?
Tentei respirar fundo, eu não poderia, eu não conseguiria interrogar ele, não ele. Nero era como um irmão para mim, assim como Filippo, sempre fomos nós três. Olhei para meu primo, que mantinha a cabeça abaixada, ele deveria estar tão mal quanto eu. No entanto, conhecendo meu pai, eu sei que ele não deu escolha para ninguém. Apenas ordens.
Saí do meu quarto ouvindo Filippo chamar meu nome, mas não me importei, desci a escada com pressa e entrei no único lugar que meu pai poderia estar. Abri a porta do escritório e Otelo olhou para mim com aquela expressão despreocupada. Percebi que deveria estar parecendo um lunático, a camisa aberta, pés descalços, cabelos bagunçados e o rosto cansado de quem não dormiu e passou o dia em frente ao computador.
— Precisa de ajuda com algo?
— Por quê? Me dê um bom motivo e eu não vou questionar.
Ele se recostou na cadeira, deu um gole em seu whisky e suspirou antes de falar:
— Sua irmã vai lhe mostrar.
Eu estava tão desorientado que nem mesmo vi Giulia ali, ela deu alguns passos enquanto mexia no tablet e o colocou apoiado na mesa, com a tela virada para mim. Minha irmã mexeu os lábios dizendo que sentia muito e assim que o vídeo começou, eu nem conseguia acreditar no que via. Meu corpo foi perdendo as forças até encontrar a poltrona, assim como minha boca entreabriu, chocado com o que meus olhos viam.
Nero e Carolyn conversavam de maneira incriminatória e de repente, começavam a se beijar e foi daí para pior. Abaixei o tablet, sem querer ver o restante.
— Como?
— Acreditamos que ele não sabia que tinha uma câmera no quarto de visitas e a noite ele ia até lá pra poder… — Giulia pigarreou e antes que conseguisse continuar, meu pai interrompeu.
— Comer a vadia.
Passei a mão pelo rosto, aquilo não podia estar acontecendo, ele não.
— Nem eu lembrava que tínhamos câmera no quarto em que Carolyn estava, mas nosso pai me pediu para acessar.
— E agora precisamos interrogar esse filho da puta!
— Eu não posso…
— Se não for você, será eu — ditou Otelo, fazendo eu arregalar os olhos ao olhar pra ele. — A escolha é sua.
— Preciso me recompor.
— Eu quero saber onde está aquele cretino! — Meu pai alterou o tom de voz. — Então aja como um Perroni, entre lá e descubra. Agora.
Engoli em seco minha frustração e acenei com a cabeça antes de deixar o escritório. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo, quando eu achava que essa família não podia ficar pior. Encontrei Filippo no corredor e eu apenas acenei, e ele entendeu, claro. Abotoei minha camisa enquanto caminhava até o bar e servi uma dose dupla de whisky, virei garganta abaixo e comecei a dobrar as mangas indo em direção ao porão com meu primo em meu encalço.
Desci cada degrau sentindo a lajota fria em meu pé, a cada passo que eu dava sentia que meu corpo pesava ainda mais. Quando vi Nero amarrado e elevado pelo gancho onde costumavam ficar homens que ele me ajudava a interrogar, senti uma pontada no peito.
Aquele tipo de traição deveria ser proibido.
— Você me conhece o suficiente pra saber que isso não vai funcionar — disse, ainda de cabeça baixa.
Eu precisava me desligar, precisava desligar a parte do com coração, aquele que ainda olhava para Nero como alguém da família. Ele sabia de tudo, mesmo assim deixou essa mulher entrar na nossa casa e fazer tudo que fez. está aos pedaços por ter matado aquela mulher que merecia estar morta.
— Pelo jeito não o suficiente. — Dei mais alguns passos e levantei sua cabeça pelos cabelos, para poder olhar em seus olhos. — Achei que jamais me trairia, principalmente por uma boceta!
A raiva começou a subir pelo meu corpo, tomando cada pedaço e trazendo à tona o monstro que eu era dentro de uma sala de tortura.
— Carolyn era mais do que isso.
— Não fale o nome daquela vagabunda dentro da minha casa! — Soquei seu estômago com força, fazendo ele tossir.
O primeiro soco foi prazeroso. Esse foi por você, , o homem que a gente confiava nossa vida nos traiu e ajudou a te deixar como está agora e eu jamais vou perdoá-lo por isso.
— Você não vai aguentar quatro horas comigo, .
— Prefere meu pai? — Vi ele arregalar os olhos.
Por mais que não esperasse essa traição, eu conhecia ele muito bem para saber como deixá-lo aterrorizado. Nero pediu para sair do grupo de interrogatório do meu pai, aparentemente ele amava as torturas, mas não tanto assim, já que Otelo era um monstro bem pior do que eu quando ele queria descobrir algo. Meu pai tinha estômago para muita coisa e quase ninguém estava preparado para ver o que ele fazia. Se fosse uma tortura por vingança, com certeza ele era o melhor, sanguinário como nenhum outro, mas se fosse pra arrancar informações, eu com certeza sabia conduzir melhor para o inimigo abrir a boca.
Fui até a mesa onde ficavam os bisturis, facas, alicates e tantas outras ferramentas que serviam para torturar da pior forma que podíamos.
— Você está blefando.
Virei devagar, meus olhos ardiam, não sabia se de raiva ou se eu queria mesmo chorar e não queria fazê-lo.
— Carolyn fez um inferno na nossa família, eu mesmo a mataria se ela estivesse viva.
— Claro, a morte dela causou tanto a sua irmãzinha querida, não é mesmo?
Eu tentava entender de onde vinha aquele comportamento completamente oposto, parecia outra pessoa no corpo do meu fiel soldado, fiquei em choque com aquilo, mas meu primo não. Ouvi barulho de ossos quebrando quando Filippo acertou a costela de Nero com uma corrente enrolada em sua mão.
— Não ouse falar sobre minha prima, seu merda!
Aquela atitude completamente diferente da pessoa que eu conhecia me ajudou a tomar distância da relação que tínhamos. Não era ele, aquela pessoa que viveu tantos anos ao nosso lado não existia. Eu estava cansado demais, fechei os olhos por alguns segundos e respirei fundo. Eu precisava descobrir logo para dar a informação ao meu pai e sair dali.
— Poupe meu trabalho, Nero, e abre o bico. Onde está Carlos Diaz, Delantera, seja lá qual o nome desse infeliz?
— Não faço ideia. Meu sogro é um homem que some e volta quando quer.
Sogro?
Peguei o martelo e bati na lateral do joelho direito, o grito veio em seguida, mas não esperei ele se recuperar, acertei o osso do quadril ouvindo mais um berro sofrido sair de sua boca.
— Onde ele tem casa na Espanha?
Nero começou a rir, rir. Isso me deixou puto e ele sabia que me deixaria, ele conhecia todos os meus truques e cartas na manga. Talvez eu devesse deixar meu pai fazer isso, ele iria levá-lo à exaustão em 15 minutos e tudo seria descoberto. Entretanto, a verdade era que eu estava com pena, estava magoado, traído e me sentindo um idiota por ter confiado em alguém que estava me fodendo pelas costas há sabe lá quanto tempo.
— Melhor me matar logo, , eu não vou falar nada.
Eu não queria usar isso, não queria colocar ela nessa merda toda que Nero resolveu fazer. Ele tinha sido o pior tipo de gente comigo, um traidor da Vincere, mas ela não tinha nada a ver com essa história e nem muito menos com a vida dele. Só que eu sabia que ela era o único ponto fraco dele, a mulher que ele decidiu não amar para mantê-la em segurança.
— Nem que eu mate a Ginevra?
Ele ficou louco, o barulho da corrente que o segurava no gancho foi alto, demonstrando o quanto ele tinha ficado transtornado. Ginevra era o seu amor de infância, eles namoraram por algum tempo na adolescência, mas quando Nero entrou de cabeça na parte violenta da máfia, a melhor decisão foi dar um fim e se afastar da moça. Estar nesse meio era perigoso e alguém que você ama sempre vai ser algo que pode ser usado contra você, na máfia você não pode ter um ponto fraco.
— Não ouse! — Um grito gutural saiu de sua boca.
— Então abra a porra da boca!
Um silêncio pairou o ambiente, olhei de soslaio para Filippo que sentia a mesma dor que eu, era nítido o quanto estávamos odiando aquilo tudo.
— Ele deve estar em Sevilha — disse, simples, deixando sua cabeça pender.
Larguei o martelo no chão e me aproximei dele, esperando que me olhasse antes de dizer:
— Espero que tenha valido a pena. — Olhei para o meu primo e ditei: — Descubra o resto ou eu mesmo matarei a amada dele.
Saí do porão sem esperar por Filippo, eu não estava em condições mentais de fazer nada além de cumprir uma ordem. Dei passos largos até o escritório do meu pai para informar o que descobri e que Filippo descobriria o restante. Nem mesmo esperei sua resposta, subi a escada e me tranquei em meu quarto, tirei minha roupa a caminho do banheiro e entrei embaixo do chuveiro, abri a torneira no máximo e senti os pingos grossos baterem em minha pele, então pendi a cabeça pra trás deixando a água penetrar em meus cabelos.
Aquilo doía, ser traído, perder a confiança que você construiu durante anos, uma amizade que era uma irmandade; aquilo destruiu um pedaço de mim. Gritei, gritei com tudo que podia e soquei a parede. Apoiei meu braço na parede lateral e encostei minha cabeça, respirei fundo diversas vezes e resolvi que empurraria essa dor pra algum lugar.
Eu precisava cuidar da .
[…]
Alonso Perroni
Os dias eram sempre iguais, eram raros os dias em que eu tinha vontade de descer para fazer as refeições, então Marta trazia meu café da manhã, meu almoço e meu jantar. Ao mesmo tempo que me sentia um estorvo para todo mundo, eu dava o meu máximo todos os dias, mesmo que não fosse muito. Era pedir demais que em apenas 29 dias eu conseguisse me reerguer completamente. Não ia ser tão ingrata assim, eu tinha melhorado, meus episódios de surto tinham passado, meus pesadelos tinham me deixado e eu tinha voltado a ler. A leitura me ajudava bastante, já que me dava a oportunidade de sair um pouco da realidade dolorosa.
Eu não aguentava mais tudo aquilo, queria que em um passe de mágica eu estivesse bem.
Ouvi batidas na porta e às vezes eu desconfiava se era coisa da minha cabeça ou se realmente era real. Eu me questionava sobre coisas básicas e era difícil viver sem conseguir acreditar completamente nos meus próprios sentidos.
— , posso entrar?
— Pode.
Vi surgir pela porta, ele estava com uma caixa quadrada grande e baixa em mãos e aquilo me fez franzir o cenho. Ele empurrou a porta para fechar com o pé e caminhou até a beirada da cama, fazendo com que eu me sentasse, curiosa. Esse era um sentimento que eu gostava, mas que com o TEPT tinha se tornado pura ansiedade. Contudo, quando eu estava com ele eu não me sentia ansiosa.
Não do jeito que me paralisava.
— O que é isso? — perguntei.
— Um presente pra você.
Ele colocou a caixa em cima da cama com cuidado e sorriu pequeno, olhando para mim parecendo esperar minha reação ao ver o presente, franzi o cenho achando tudo muito suspeito. De repente a caixa se mexeu, dei um sobressalto e fiquei de joelhos na cama.
— Eu juro que se for uma brincadeira…
— Abra logo. — Ele riu, divertido.
Abri a caixa devagar e quando vi aquela pequena bolinha de pelo, senti meus olhos encherem de lágrimas, puxei ele de dentro da caixa e pude ver melhor. Seu pêlo baixo, preto e marrom, os olhos castanhos e um lacinho roxo no pescoço. Abracei ele e senti as lágrimas escorrerem.
— Eu sei que o nosso pai nunca quis te dar um cachorro e também sei o quanto você sempre quis ter um.
— … — olhei pra ele e, sem saber o que dizer, me estiquei, ainda de joelhos no colchão, para abraçá-lo — obrigada.
— Não precisa agradecer. — Senti sua mão apertar a minha cintura. — Eu vou fazer tudo pra te ver bem.
Eu sabia o quanto estava tentando me ajudar, eu tinha noção que ele estava se desdobrando para me ver melhor, tinha certeza que fazia coisas que eu nem mesmo tomava conhecimento do seu esforço. Toda nossa relação mudou da água para o vinho ano passado, foi uma montanha russa de emoções e eu ainda lutava com elas. Lutava todos os dias que acordava e o via dormindo todo torto no sofá do meu quarto, ou quando ele me repreendia por querer beber, ou quando ele tentava me tirar do quarto ou só me arrancar um sorriso.
Era difícil lutar contra isso.
Fui me afastando devagar e levantei meus olhos até os dele, senti meu coração pulsar tamanha era minha vontade de beijá-lo. Entreabri meus lábios, nossos olhos se mantiveram presos um no outro, senti aquele impulso maluco depois de tanto tempo. Sua mão queimava em minha cintura, que estava aparente devido a minha posição, e então o cachorro latiu, nos tirando daquela atmosfera carregada e deliciosamente proibida.
Meu corpo desabou em meus calcanhares e curvei os lábios tentando disfarçar, tentando fugir daquele momento constrangedor, e soltei o pequeno filhote no colchão e ele latiu de novo, como se me chamasse a atenção.
pigarreou e passou a mão pelo cabelo, ele sempre fazia aquilo quando ficava nervoso, franzi o cenho ao notar sua mão enfaixada.
— O que foi isso? — Tentei pegar na mão dele, mas ele a colocou atrás do corpo.
— Nada, me machuquei interrogando um Delantera. — Por que eu sentia que tinha mais que isso? — Tem que escolher um nome pra ele. — mudou de assunto.
— É macho?
— Sim, achei que combinaria mais com você.
— Théo seria um ótimo nome pra ele, não acha?
— Não temos mais 16 anos, .
— Mas a piada tem a mesma graça. — Olhei para o cachorro e perguntei: — Você gosta de Théo? — Ele latiu e sentou, me encarando, fazendo com que eu risse. — Viu? — Voltei meu olhar para novamente e ele estava sorrindo de um jeito tão genuíno. — O que você tem?
— Nada. Só… combina com ele. — Arqueei uma sobrancelha, estranhando aquele comportamento.
— Você vai ter que comprar coisas pra ele, — falei, preocupada.
— Não se preocupe, já comprei tudo que ele precisa por enquanto e, caso queira algo, podemos sair para comprar. — Eu sabia que era ele tentando me tirar de casa, e eu sentia que eu estava cada dia mais próxima de querer tentar, mas não agora.
— Eu não… — Engoli em seco.
— Ou você pode pedir pela internet. — Ele me interrompeu antes que eu pudesse continuar.
— Essa parece ser uma boa opção. — Curvei os lábios.
— Mas você vai precisar levar ele pra passear no jardim pelo menos.
— Tudo bem, isso eu posso fazer. — Peguei o cachorro no colo novamente e beijei o focinho. — Ele é tão lindo! — Quando olhei para , ele já estava na porta.
— Falei que combina com você. — Ele piscou o olho, sorrindo antes de sair e fechar a porta.
— Idiota — falei baixo, rindo, enquanto acariciava o focinho de Theo.
[…]
Os primeiros dias de Theo comigo foram cansativos, ele chorava querendo subir na cama de madrugada. Ele mijou no meu edredom 3 vezes, derrubou a água no carpete 6 vezes, mijou no tapetinho do banheiro 7 vezes, duas delas no tapetinho certo, além de ter me mordido e arranhado diversas vezes. No entanto, eu estava sentindo uma felicidade que me faltou em tantos outros dias.
Na primeira vez que levei ele no jardim eu vi Filippo conversando de um jeito esquisito com , mas sempre existiram segredos naquela casa, então eu nem me importei. Eu finalmente estava me sentindo bem depois de um bom tempo e não ocuparia minha cabeça com as merdas da Vincere. Brinquei com o bichinho todos os dias, Theo adorava uma bolinha e morder meus cabelos, se eu deixava meu cabelo solto, Theo lutava contra meus fios ruivos puxando-os com toda a força.
Hoje, quando acordei, tomei café da manhã no jardim, fazia tanto tempo que eu não fazia as mínimas coisas que eu gostava por estar tão mal. Theo pedia atenção quase 24 horas e o jardim era o lugar favorito dele, então eu fui obrigada a passar mais tempo ali e eu nem reclamava, isso era um ponto positivo na minha recuperação. sentou à mesa, logo em minha frente e deu bom dia, fez carinho no cachorro e se serviu de café. Continuei comendo e de olho no filhote, ele aprontava quando eu o perdia de vista.
— Ele está se comportando?
— É apenas um filhote, vai aprender com o tempo a ser um bom menino. — Passei a mão em Theo, que tentava puxar a toalha da mesa. — Não é, Theo? — Ele latiu, como se confirmasse.
— Para alguns isso funciona. — bebericou o café e me olhou com um sorriso despretensioso.
— Alguns não querem ser, é diferente. — Revirei os olhos.
— Com a dona certa eles aprendem.
Soprei o ar pelo nariz e dei um gole em meu suco, chamei Theo e fui sentar na grama próxima da piscina. Eu não iria acabar com meu dia discutindo com ele, mas não entendeu que eu queria ficar longe dele e se juntou a nós. Entretanto, ficou calado, o que foi inusitado, ele brincou um pouco com o filhote, porém parecia que não estava presente, e podia ser impulsivo, mas nunca foi avoado ou desligado dessa forma.
Algo estava acontecendo.
Eu até iria perguntar, mas Marta apareceu me chamando, dizendo que eu tinha visita. Engoli em seco e minha respiração ficou descompassada, senti minha garganta fechando e meu peito doía, crise de ansiedade instantânea. Eu odiava aquilo.
— Ei. — Foquei minha vista em , que segurava meu ombro e sorria minimamente. — Está tudo bem. Quer que eu vá com você?
— Sim. — Nem mesmo pensei se era uma boa ideia, mas peguei Theo no colo e levantei. Olhei para e respirei fundo, fechei os olhos e puxei o ar devagar pelo nariz uma, duas, três vezes e soltei pela boca.
— Eu vou estar aqui. — Abri os olhos acenando com a cabeça e caminhamos para dentro de casa devagar.
— ! — Meu coração se acalmou assim que vi Giovanna, ela correu e me abraçou. — Que bom que está bem. — Ela se afastou e bufou antes de continuar: — Por que não queria me ver? Eu estava preocupada!
— Eu… eu… — Engoli em seco e olhei para em um pedido de ajuda mudo.
— E essa coisinha linda! — Gio acariciou o filhote e sorriu.
— Giovanna, tente ser menos… — repreendeu a minha melhor amiga que o olhou de cenho franzido, então ele continuou: — você.
— Como é? — Ela cruzou os braços, irritada.
foi me empurrando para subir a escada e Giovanna veio atrás, reclamando um monte, céus, desde que ela finalmente caiu na real que amava o Vince, se tornou um qualquer. Entramos em meu quarto e a loira ainda esperava uma explicação. Eu nem sabia por onde começar, eu não deveria ter protelado tanto para conversar com a minha melhor amiga. No entanto, eu não conseguia conversar com ninguém, nem mesmo minhas irmãs entendiam muito bem como eu estava.
Era complicado.
— está passando por um momento que…
— Não quero ouvir de você, . — Ela se voltou para mim e sentou ao meu lado na cama, assim que ela tentou acariciar meu ombro, eu me afastei por reflexo. — O que houve?
— Quando foi que a minha autoridade nessa máfia deixou de existir? — Ela encarou como se nada que ele dissesse pudesse frear sua língua e ele suspirou. — Se você deixar eu falar, Coppola… está me tirando do sério. — Gio respirou fundo e cruzou os braços em frente ao peito. — está em recuperação, ela precisa do tempo dela.
— Recuperação do quê? — Gi me olhou com os olhos saltados e perguntou: — Você se machucou?
— Eu machuquei alguém, Gi.
— Quer que eu saia, ? — indagou e eu balancei a cabeça em negativo. — Talvez seja bom conversar um pouco com a Giovanna…
— Não sei se… consigo.
— Consegue sim… Eu… — Ele pareceu procurar uma desculpa — vou fumar ali na varanda, estarei ali, é só me chamar… — sorriu solícito antes de nos deixar a sós.
Tomei fôlego, larguei Theo no chão e comecei desde o momento que Beatrice descobriu que Carolyn era uma infiltrada, de quando surtei com a mulher que apareceu na boate dizendo ser minha mãe, ocultei algumas informações já que eu não estava preparada para ouvir as perguntas sobre elas. No entanto, a parte em que tinha me ajudado e que seguia ao meu lado eu não podia deixar de fora. Ele tinha sido e continuava sendo uma parte importante da minha recuperação, no entanto, era só isso que eu diria sobre ele.
— Eu não sei o que dizer, .
— Não tem muito o que falar, Gi, eu estou fazendo o que posso pra ficar bem. — Acariciei minhas mãos e olhei para a porta da varanda, vendo encostado no parapeito, fumando. — Tenho tido a ajuda necessária… — Voltei a olhar para Giovanna, que mantinha um semblante de afago.
— Estou um pouco surpresa de o ser quem esteja te ajudando… — sussurrou ela.
— Eu também fiquei…
— Você sabe que pode contar comigo e com o Vince. Ele também queria ver você.
— Diga pra ele que vou ficar bem e que logo ele estará fazendo martinis pra mim.
— Falando nisso… Quando você volta?
— Não sei, Gi, não me sinto pronta pra sair de casa ainda. — Mordi o lábio, baixando os olhos e voltei a olhar pra ela tentando sorrir. — Mas me conte, como está tudo?
— Estou pra jogar tudo pra cima. Beatrice precisou voltar pro laboratório, os cozinheiros estão me enlouquecendo e fiquei uma semana com um barman a menos, Juan pediu alguns dias de folga…
— Mas ele já voltou?
— Sim, foi só uma semana, mas estou sem você, não é?
— Não sei quando volto, Gi, consegue dar conta?
— Sempre.
Sorri pensando que eu sempre teria pessoas ao meu redor que fariam tudo por mim, sou sortuda por isso.
Capítulo 23
Alonso Perroni
Eu ainda tinha uma certa dificuldade com interações sociais no geral e a única pessoa que eu conseguia conversar e me sentir minimamente confortável era , o que eu achava bem estranho, afinal, a última pessoa que eu gostaria de ver era ele, ou deveria ser, a essa altura do campeonato eu nem sabia se ainda o odiava. Contudo, eu sabia que odiava o quanto ele era insistente quando queria, já que depois de muito encher o meu saco, conseguiu me arrastar para a nossa casa de campo. Fiquei os primeiros dois dias sem sair de dentro da casa, conseguiu me tirar dela com a desculpa de que Theo precisava de ar livre. Por mais que eu soubesse que era uma desculpa, ele estava certo.
Theo se divertiu correndo atrás dos coelhos pelo caminho até a cachoeira, aquela que tinha um significado enorme para mim e lembranças infinitas das férias de verão com minhas irmãs. Era nostálgico e me fez esquecer por alguns momentos toda aquela merda. Tomamos banho na água gelada, comemos frutas da cesta que a cozinheira tinha preparado e conversamos sobre coisas irrelevantes, tinha se tornado confortável conversar com ele. Quem diria que eu estaria assim com , nem em meus piores pesadelos a gente se daria tão bem e se meu pai visse isso, era capaz de achar que era uma miragem ou alucinação.
Ele estendeu duas toalhas na grama fofa e sentou encostado na árvore, e eu me deitei na outra toalha, apoiando minha cabeça em sua coxa. Olhei para cima, admirando o topo das árvores balançando com o vento, os raios de sol que passavam entre as folhas; ouvir o barulho de água corrente era um calmante natural. Respirei fundo fechando os olhos, aproveitando aquele minuto de paz diante do caos que estava minha vida.
— Queria que as coisas se resolvessem, mas não tenho certeza se vão — disse com pesar, olhando para ele, que acendia um cigarro.
— E tá tudo bem não ter certeza, . — Fechei os olhos novamente e respirei devagar, sentindo os dedos de deslizando pelos meus fios molhados. — Um dia de cada vez.
— Odeio não ter o controle da minha vida, da minha própria mente… — Suspirei.
— Não seja tão rígida com você mesma. — Ele colocou o cigarro que fumava em meus lábios e o segurei com os dedos, abrindo os olhos, puxei a fumaça para os pulmões, sentindo a nicotina me dar uma rápida sensação de relaxamento. — Você está fazendo terapia, tá tomando os remédios, você vai ficar bem.
— Mas eu nunca vou esquecer o que eu fiz.
— Precisa ressignificar o que fez, lidar com esse sentimento de negação, está feito e não foi algo ruim. Protegeu a família.
Ri sem qualquer humor e olhei para cima, vendo o olhar soturno sobre mim, era nítido o quanto ele me queria, o quanto tínhamos nos aproximado de novo depois de tudo que aconteceu. era o único que me passava segurança naquele momento de fragilidade, ele era a pessoa com quem me sentia bem em conversar e não sabia bem o motivo, mas ele me entendia, tinha a sensação de que ele podia tirar dia após dia um pouco da dor que eu sentia.
— É tão difícil lidar. — Traguei o cigarro mais uma vez.
— Eu sei, mas você está tentando e isso é o que importa. — Sua mão seguia acariciando minha cabeça.
— Você tem me ajudado também, fazia muito tempo que não sabia o que era não ficar tensa.
— Tenho algumas ideias pra você relaxar…
Senti seus dedos descerem pelo meu pescoço, passarem pela lateral do meu seio, lento, raspando em minha pele de maneira libidinosa, fechei os olhos e puxei o ar de maneira pesada, aproveitando o toque em minhas costelas, onde ele virou a mão, tomando posse da minha barriga com sua palma. Senti o cigarro escorregar dos meus dedos caindo na terra e olhei para baixo, vendo as tatuagens, os anéis que ele sempre usava nos dedos, e senti algo que não deveria bem no meio das minhas pernas.
Segurei a mão dele.
Fechei os olhos e soltei o ar.
— Não podemos. — Levantei do colo dele e virei meu tronco para encará-lo. — Você sabe que não.
— Estamos só nós dois aqui, . — Ele olhou para os lados, mostrando todo aquele lugar. Ele se aproximou de mim, segurando a minha nuca, agarrando alguns fios de cabelo, e um arrepio percorreu minha espinha fazendo eu engolir em seco. — Vamos esquecer quem somos por um momento — sussurrou em meu ouvido.
Estávamos ali naquela cachoeira onde eu aproveitei tanto quando era criança e que agora eu e ele, estávamos ali, tomando banho e curtindo o dia a sós, algo que nunca imaginei fazer. Os quilômetros de terra que nos pertenciam não apareceria ninguém naquele momento, e olhando àqueles olhos negros eu tomei a decisão idiota de beijá-lo.
De me afundar ainda mais naquele desconhecido que a cada momento parecia tão certo.
De me arriscar na profundeza que seria aquele problema caso alguém descobrisse.
De me buscar novamente, àquela parte de mim que o apreciava de uma forma que não deveria.
— Não podemos nos entregar a isso, é perigoso, — falei com meus lábios entre os dele, de olhos fechados, sentindo aquele turbilhão de sensações que corria sem parar pelo meu corpo inteiro.
Os lábios ainda encostados, as mãos acariciando meu rosto e a respiração calma, como se eu buscasse um autocontrole que eu já tinha ignorado completamente.
— Perigoso sou eu viver sem você, cariño.
Ele me puxou pela cintura, me colocando em seu colo, fazendo com que eu sentisse sua ereção bem na minha entrada, que mesmo pelo calção dele e meu biquíni eu sentia o volume. Aquilo era errado de tantas formas, mas ao mesmo tempo meu corpo reagia aos toques dele como se fosse a coisa certa. Gemi jogando a cabeça para trás enquanto ele apertava minha bunda e lambia meu pescoço. Arranhei suas costas, em um pedido mudo para que aplacasse meu tesão, então senti o laço da parte de cima do biquíni ser desfeito e liberar meus seios, ele chupou meu mamilo direito, e sua mão apertava o esquerdo na medida certa pra me enlouquecer.
Gemi mais alto quando senti seus dentes em meu seio, ele me pegou pela cintura e me deitou na toalha como se eu não pesasse nada. Beijou meu pescoço, meu colo e desceu para minha barriga, então eu segurei ele, que me olhou confuso. voltou devagar ao meu pescoço, beijando e mordendo de uma maneira que me deixava inebriada. A minha respiração era cada vez mais rápida, minha boca entreabriu, eu gemia sem controle algum, mas então eu abri os olhos de repente e minha razão me atingiu. Espalmei minha mão em seu peito, minha respiração descompassada e sentindo minha língua inquieta, querendo tanto continuar a beijá-lo. Então ele olhou nos meus olhos, engoli em seco tendo as íris escuras lendo a minha alma através das minhas íris e virei minha cabeça, mordendo o lábio, sentindo que eu estava completamente entregue a ele ao mesmo tempo que a sobriedade tinha retornado e colocado juízo em mim antes que fosse tarde.
Acreditava que ele tinha entendido, pois ele apoiou a testa em meu peito, respirou algumas vezes, como se estivesse tentando se acalmar. Mordi meu lábio com ainda mais força e meu coração estava aos poucos desacelerando. soltou o ar com força e saiu de cima de mim, levantando, deu alguns passos e mergulhou na água gelada. Coloquei o braço sobre meus olhos e fiquei ali deitada, tentando absorver o que quase fizemos. Senti vontade de chorar, senti até uma lágrima deixando meu olho, mas eu não queria tentar entender o porquê, pelo menos não ali, não naquele momento.
[…]
5 meses depois
Eu estava sentada na cama de Beatrice, tentando ouvir o que ela falava, mas era difícil me concentrar com aquela merda daquela cena voltando à minha mente diante do lugar em que ela aconteceu. Depois de tanto tempo sem um gatilho, aquilo foi o suficiente para me desestabilizar momentaneamente.
— Fecha a porta, por favor. — Virei o rosto para a varanda.
— O quê?
— A porta do closet, Beatrice!
Ela levantou e fechou as portas duplas, virou para mim e suspirou antes de falar:
— Desculpe, eu deveria ter ido até o seu quarto. Quer ir pra lá?
— Não, tudo bem, preciso superar isso, já fazem quase 6 meses. — Ela sentou ao meu lado e segurou minha mão.
— Não se force a superar algo no tempo dos outros, , vá no seu. — O olhar carinhoso da minha irmã me deixava menos nervosa e eu agradecia pelo cuidado que todas elas tinham comigo.
— Apesar de estar me sentindo melhor, Bea, isso ainda me atormenta em alguns momentos… — Respirei fundo.
— E tá tudo bem, não se cobre tanto — minha irmã acariciou meu braço —, a terapia tem te ajudado a passar por tudo isso. — Ela soltou o ar e sua voz se tornou um pouco mais incisiva. — Você tem que colocar na sua cabeça que você nos protegeu. Ela poderia ter matado uma de nós!
— Eu sei, agora eu sei. — Soltei meu corpo na cama e encarei o teto, Beatrice fez o mesmo e entrelaçou seus dedos nos meus.
Ficamos em um silêncio confortável, todo o trauma tinha sido um baque para mim, me ajudou muito, ele me passava segurança e fazia com que eu me sentisse compreendida. Eu não sabia exatamente o porquê, mas deveria ser pelo fato de ele ter me salvado quando fui atacada por aqueles homens e também tinha sido ele a me encontrar no pior momento da minha vida, naquele mesmo quarto, ele me protegeu e foi o meu alicerce nos meus momentos de fragilidade.
Acho que ele se tornou meu amparo, mesmo que eu odiasse admitir isso.
A verdade era que durante o início, que foi o momento mais crítico, o único que conseguia interagir comigo era o , as minhas irmãs não souberam muito como lidar comigo, apesar de elas tentarem, foi muito sofrimento para todas nós. Eu estava assustada, tendo ataques de pânico, surtos psicóticos e alucinações. Com o tempo eu fui melhorando, meu psicólogo disse que eu estava progredindo rápido, talvez seja porque estou acostumada com a morte, afinal, eu era da máfia. Então por mais que isso tudo tenha me gerado um trauma por causa de como eu penso, a afinidade com a violência me fez superar mais rápido de alguma forma.
Theo também teve um papel imenso nos últimos tempos, ele cresceu tão rápido, segue sendo um filhote levado de 4 meses, mas ele está enorme. pediu para um adestrador treinar ele, tanto para ser obediente quanto para me proteger também. Isso tem feito eu me sentir mais segura para sair de casa.
— Então, você aceita? — Olhei para o lado e vi minha irmã com a expressão mais meiga que ela conseguia exibir.
Beatrice tinha aquele jeito durão, a mania de ocultar algumas coisas, a forma de olhar irritada e ser o suficiente para entendermos que ela não está pra conversa. Contudo, ela seguia tendo um coração enorme e continuava sendo a irmã mais protetora de nós. Tão parecida comigo e ao mesmo tempo tão diferente, se não fôssemos irmãs eu ficaria tão abalada.
— Claro que eu aceito ser sua madrinha de casamento, Beatrice. — Ela me abraçou forte e eu me senti tão… em casa.
[…]
Era difícil voltar para a rotina, meu psicólogo tinha me aconselhado a voltar para o trabalho aos poucos, então eu estava indo para a Fascino no máximo duas vezes na semana e mesmo assim, só ia nos dias de pouco movimento e quando me sentia bem e segura para sair de casa, e claro, com Théo ao meu lado.
Ainda não tinha voltado a dirigir, eu estava indo com Beatrice, que insistiu para voltar à Fascino para cuidar de mim, ou, quando ela precisava ir para o laboratório, Ettore e Austin me levavam. Era estranho, mas ao mesmo tempo isso me deixava mais confiante para sair novamente e encarar tudo que poderia servir de gatilho. Ainda não estava 100%, mas estava me dedicando para ficar e, claro, a terapia me ajudava.
— Chefe. — Olhei e vi Cristian fazendo continência para mim.
— Pode parar, Cris… Em breve seremos família. — Fiz o movimento com o indicador e Theo sentou ao meu lado.
— Isso me dá direitos, é? — Ele debruçou no balcão e colocou meu martini de costume em sua frente. Sorri revirando os olhos e sentei na banqueta. — De quais direitos estamos falando? — Ele me olhou de cima a baixo com um sorrisinho safado no rosto.
— Não abusa, Cristian — repreendi ele com o olhar, pegando minha taça.
Cris olhou para o cachorro e se esticou para passar a mão nele, perguntando:
— Como tá, garotão?
— Impressionante como ele adora você.
— Ele sabe que eu já sou da família. — Cristian sorriu com falsa arrogância.
Dei um gole em minha bebida e fechei os olhos saboreando o líquido em minha língua e senti ele descendo pela minha garganta. Eu não podia estar bebendo, aquilo me daria um mal estar ou faria eu ficar extremamente dopada, mas enfrentaria qualquer coisa com o maior prazer, pelo simples motivo que eu não bebia nada alcoólico há quase seis meses.
— Fazia tempo que não te via fazendo isso…
— Isso o quê? — Franzi o cenho para o ruivo.
— Sua forma de degustar a bebida, . — Ele sorriu e se endireitou.
— Tempo demais sem meu martini.
— Aproveite. — Ele piscou e virou as costas indo até o fundo do bar.
Cristian tinha essa característica afetuosa, ele sempre me fazia sentir como uma pessoa especial, acho que ele acabou ficando com essa característica no seu comportamento para sua irmã se sentir melhor, já que ele era a única família que ela tinha. Os Garcia, pais de Anita e Cristian, eram nossa fonte de informações na Espanha, eles ajudaram a trazer a Vincere pro país, meu pai sabia o quanto devia a eles por tudo que fizeram e morreram fazendo.
Cristian e Anita eram muito jovens quando ficaram órfãos, outro problema de ser da máfia, e ele cuidou da irmã como ninguém. Otelo os abraçou na famiglia após seus pais morrerem em confronto com os Delantera, o que os ajudou a ter alguém os amparando, mas claro que não era o mesmo que ter o irmão ao seu lado e esse conforto que um deu ao outro os fez construir uma relação linda; eu os admirava. Era bonito ver a relação dos dois e eu estava feliz que iríamos ser oficialmente família.
Girei na banqueta e vi Anita sentada no palco e Beatrice em pé entre suas pernas, as duas conversavam, riam e se beijavam. Era tão bom ver minha irmã feliz.
— Boa noite, chefe. — Olhei para frente e vi Juan, sorri pra ele, cumprimentando-o.
— Vamos ao trabalho, sorella?
— Sim! — Ela se afastou de Anita e pareceu meio perdida, parecia uma criança que foi pega fazendo algo errado. Ela pegou a bolsa e veio caminhando em minha direção. — Vamos! — Eu ri com o susto de Bea e apenas segui caminho, chamando Theo para andar ao meu lado.
— Precisamos finalizar o novo cardápio, Cristian está louco para saber se os drinks que ele sugeriu vão ser bem recebidos pelo público.
— Meu cunhado é um fofo, não é?
Subimos para o escritório e começamos a fazer a parte administrativa da boate e essa parte da reorganização estética, de vez em quando eu olhava para Beatrice, que mantinha um sorriso no rosto. Eu sorri, achando graça da felicidade genuína que ela estava transparecendo sem nem mesmo se importar. Faltavam poucos dias até o casamento, então eu achava que ela deveria estar mais preocupada, mas não, ela só estava feliz.
Meu celular despertou e meu filhote me olhou em alerta, balancei a mão dizendo para ele deitar novamente. Desliguei o alarme e então abri a gaveta para pegar um dos remédios que eu estava tomando para ansiedade, engoli e respirei fundo. Nunca imaginei que eu estaria naquela situação, era difícil me ver tão fragilizada, logo eu que gostava de não precisar de ninguém para me defender ou lutar as minhas batalhas.
Era frustrante.
— Ei… — Olhei para minha irmã que sorria de maneira gentil. — Isso vai passar.
Meus lábios se curvaram, Bea me conhecia bem demais para não notar o quanto eu estava odiando aquele momento da minha vida, no entanto, isso não queria dizer que eu iria desistir ou parar o tratamento.
— Eu sei. Obrigada por estar ao meu lado. — Ela acariciou minha mão que estava apoiada na mesa.
— Lembra quando a gente caiu do gira-gira na quinta série?
— E você ralou os joelhos? — Ela assentiu. — Acho que foi a primeira vez que vi você chorar.
— Você também se machucou feio, bateu a testa no ferro do balanço.
— Nossa, fiquei com aquele galo por dias… — Comecei a rir.
— E mesmo assim você continuou com a mesma postura e ainda cuidou de mim. — Olhei para ela tentando entender onde ela queria chegar. — Foi ali que comecei a me espelhar em você.
— Bea… — Senti um amor imenso me tomar e uma lágrima teimosa deixou meu olho, fazendo com que eu limpasse rapidamente.
— Não importa o que aconteça, , você sempre dá conta. — Ela sorriu e eu agradeci imensamente por aquele gesto. Eu estava frágil, mas isso não queria dizer que eu deixei de ser forte. Aquilo tudo iria passar e eu ficaria bem.
Com ou sem remédios.
[…]
Eu voltei a treinar, agora sozinha, e de manhã cedo eu tentava meditar no jardim, no começo Theo não deixava, puxava meu rabo de cavalo, latia para eu jogar a bolinha para ele, mas agora ele entendia que era um momento de relaxamento e deitava com a cabeça na minha coxa para esperar eu terminar. Era fofo. Ele virou meu companheiro para todos os momentos, me protegia de tudo e de todos, mesmo que ainda fosse tão jovem. O treinamento dele era rígido, mas era necessário, eu entendia que pegou um doberman justamente para que também fosse meu segurança.
De novo ele querendo me proteger a todo custo.
Levantei e entrei na academia, coloquei as luvas e comecei a acertar o saco de areia, naquele dia eu acordei animada, o que já era um marco naquele ponto da minha vida. Nos últimos dias eu sentia que eu estava mais próxima de ser eu mesma novamente e aquela sensação era tão boa. Olhei para fora da academia, vendo a piscina que ficava na parte de trás da casa e sorri. Encarei o Theo e ele deu um rosnadinho como se soubesse o que eu estava aprontando em minha cabeça.
— O que você acha… — comecei a tirar as luvas — de pular naquela piscina? — Tirei os tênis e as meias com pressa, e meu cachorro, esperto do jeito que era, já levantou e ficou a postos para meu próximo passo. — Vamos, Theo!
Saí correndo em direção à piscina e pulei, meu filhote veio pra cima de mim e eu segurei ele em meu colo.
— Eu não queria me molhar… — Olhei para a beirada da piscina e vi de braços abertos. Ele estava apenas de short e óculos escuros, deitado em uma das espreguiçadeiras, eu nem mesmo vi que ele estava ali.
— Desculpe…
Théo latiu duas vezes e foi para a parte que cobria apenas até a metade de suas patinhas, onde estava, e ele começou a se sacudir. Eu comecei a gargalhar quando vi meu cachorro molhar ele ainda mais e quando menos esperei ouvi o barulho de água. Olhei para os lados e de repente senti ser erguida da água.
— Ah! — gritei com o susto. — Me solta, ! — Eu continuava rindo e batia no ombro dele.
— Não estava achando graça?
— Não fiz de propósito… — Fiz bico enquanto me equilibrava em seus ombros.
— Mas o seu sarnento fez, com quem será que ele aprendeu a ser tão… — ele pareceu ponderar e eu espremi meus olhos, esperando o xingamento — cheio de personalidade.
— Esperava mais da sua criatividade — falei com falsa arrogância.
— Não me provoque, cariño.
Ele mantinha os braços em volta das minhas pernas e foi me descendo pra água novamente, eu ia escorregando rente ao seu corpo bem devagar, ele olhava fundo dentro dos meus olhos e sua boca ficava cada vez mais próxima da minha. Lembrei da cachoeira, dos toques, do beijo e senti meu corpo esmaecer.
Aquilo era uma tortura.
Assim que nossos olhos ficaram na mesma altura, senti minha respiração falhar e minha mão apertou seu ombro involuntariamente, como se eu tentasse lutar ao máximo pra não findar aquela distância infeliz de nossas bocas. Senti como se meu corpo se movesse sozinho em direção ao dele, quase que como dois imãs prestes a se chocar, e talvez nós fôssemos mesmo, parecia inevitável lutar contra a força magnética que nos puxava um para o outro. Entretanto, precisávamos ter o controle dos nossos próprios corpos, eu sabia que não podíamos, mas antes que eu fizesse qualquer coisa ouvimos o grito.
— !
Olhamos ao mesmo tempo para o lado, vendo nosso primo Filippo parado, olhando a gente com tamanho julgamento estampado em sua cara. me soltou no mesmo momento e foi até a borda para sair da piscina, enquanto eu nadei até onde Théo estava e fiquei ali sentada com os joelhos dobrados, acariciando meu cachorro e vendo os dois se distanciando até entrar na mansão.
Aquilo tudo era uma merda, essa atração que eu tinha por , que claramente não era só da minha parte, não dava para ser explicada, e sim sentida. Todos esses meses conversamos sobre outras coisas com o elefante no meio da sala. Eu sentia que era algo maior que nós dois, uma coisa sem explicação, não podia ser só atração, mas era nisso que eu tinha escolhido acreditar.
Perroni
— Você perdeu o juízo?!
Entrei em meu quarto pingando água da piscina e meu primo gritando em meu ouvido, eu sabia, tinha sido displicente pra caralho, mas porra, estava me levando à loucura com aqueles olhos me dizendo mais do que sua boca poderia dizer.
Ela ia me beijar!
Por mais que depois do que aconteceu na casa de campo nós simplesmente seguimos como se nada tivesse acontecido, o que sentíamos ainda estava ali, nos rondando, como se fosse uma raposa prestes a atacar sua presa.
— Não sei do que está falando. — Entrei embaixo do chuveiro e Filippo me seguiu.
— Vocês estavam quase se beijando, , e se fosse Otelo a aparecer?!
— Nada aconteceu.
— Por que eu cheguei! — berrou o óbvio, ele estava certo, mais dois segundos eu tinha beijado ela, nem sei há quanto tempo eu queria beijá-la de novo. Nem sei como estava tendo tanto autocontrole. — Está tentando perder a cabeça?
— Talvez fosse melhor.
— Não fale bobagens, distancie-se dela, ela está bem agora. — Continuei lavando meu cabelo de olhos fechados até que ouvi a batida no box, fazendo eu arregalar os olhos. — Olhe pra mim! — Meu primo estava puto de verdade, eu nunca vi ele daquela maneira e tinha um motivo, eu sabia que ele estava certo, mas meu corpo não queria ser racional. — Enterre esse sentimento dentro de você como fez na adolescência, é o melhor pra vocês dois.
Engoli em seco e o vi saindo do banheiro, respirei fundo e apoiei minha mão na parede tentando controlar toda aquela energia elétrica que parecia correr pelas minhas veias. Era assim que me deixava, completamente alucinado por ela. Contudo, ia tentar fazer o que era certo, precisava proteger não só ela, mas a mim também.
Desci a escada após me vestir apropriadamente e encontrei todos já sentados à mesa, o almoço estava sendo esquisito, meu pai olhava pra mim como se soubesse de algo e aquilo alarmou todos os meus sentidos. Olhei para , que mantinha seus olhos no filhote deitado ao seu lado. Os cabelos molhados escondiam seu rosto levemente queimado do sol, as sardas mais evidentes ficavam lindas contrastando com os olhos verdes. Fechei os olhos me repreendendo por estar admirando ela em plena mesa de almoço e continuei comendo, ela ia acabar com minha sanidade, eu precisava parar de olhá-la dessa forma.
Virei para o lado e vi que Otelo mal olhava para , eu não entendia o porquê de ele não dar o apoio que ela precisava, ele sempre foi distante, mas nunca deixou de ser carinhoso com as filhas. Fazia quase 6 meses que ele não saía da Espanha, estava sempre por perto, isso era um recorde pessoal, mas ao mesmo tempo parecia que nem estava ali. Tudo que me vinha na cabeça era que ele queria ficar perto de , mas não se atrevia ou não sabia como conversar com ela sobre o ocorrido.
[…]
Eu estava sentado naquela mesa do Monteros bebendo whisky por tempo demais. Os soldados jogavam qualquer jogo de baralho na mesa ao lado e eu analisava cada um deles, qualquer um poderia ser suspeito, e meu primo mexia no notebook em frente a mim. Eu não tinha mais paciência pra caçar um filho da puta traíra dentro da minha própria casa. Eu queria achá-lo e acabar com a raça dele da forma mais devagar possível, ninguém entra na minha famiglia dessa forma e sai impune.
— Giu me enviou algumas imagens, mas não vi nada de estranho.
— Estou cansado, Filippo. Cansado de procurar agulha em um palheiro. — Bebi o último gole do meu copo e levantei, recebendo olhares atentos dos outros. — Podem descansar, eu vou pra casa.
Estávamos no subsolo do nosso restaurante há longas horas, eu queria aproveitar o sol lá fora e ter um pouco de paz, coisa que ultimamente não fazia parte da minha rotina. Subi a escada com meu primo em meu encalço e passei pelo restaurante, acenei para os funcionários e saí pela porta da frente sentindo o sol em meu rosto.
— Primo, deveríamos tentar olhar os mais antigos também. — Filippo abriu a porta do carro e eu parei para olhar para ele.
— Você desconfia de alguém?
— Não, mas… nunca se sabe, todo mundo tem um preço. — Suspirei e vi ele dando a volta no carro para entrar pela outra porta.
— Não quero pensar nisso agora, vamos pra casa, Túlio — falei para o novo motorista, assim que meu primo entrou, e o soldado deu partida no carro.
Entrei em casa pela porta principal e vi através das portas de vidro do fundo o cabelo vermelho reluzente. A Beatrice também tinha o cabelo vermelho, mas sempre estava preso, além de ela ter compulsão por deixá-lo liso e o de , bom, quase sempre solto e com algumas ondas nos fios, quase sempre ela usava ele natural. Além de que, aquelas tatuagens eu reconheceria a quilômetros. Caminhei mais um pouco pelo salão principal, até chegar à varanda, vi ela deitada na espreguiçadeira e Théo deitado ao lado dela. Sorri, feliz por ela estar ali, vivendo e fazendo coisas que ela gostava, vi a mão dela afagar os pêlos marrons do cachorro e ele sacudir o rabinho, mesmo sem sair de sua posição.
Corri os olhos pelo jardim e vi Carlo e Angelo, soldados nossos que faziam a segurança da casa, conversando, franzi o cenho e vi eles olharem diretamente para ela com aquele olhar que qualquer homem saberia interpretar. Automaticamente meu sangue ferveu dentro das minhas veias, mantive minhas mãos dentro dos bolsos da calça e caminhei lentamente até o outro lado do jardim, perto da entrada pra cozinha e assim que eles me viram, ficaram sérios e se endireitaram.
— Não querem me contar sobre o que estavam conversando? — Sentia minha raiva bombear muito sangue e meu corpo pegar fogo.
— Não era nada importante, chefe. — Os dois olharam para o chão.
— Sei bem o que vi… Vocês têm sorte que não estou podendo matar homens de confiança no momento — dei dois passos, aproximando-me dos dois e falei baixo entredentes: —, mas caso façam o que estavam fazendo de novo, será um prazer arrancar os olhos e a língua dos dois.
— Sim, senhor — responderam em uníssono.
Olhei para trás e vi que estava alheia ao que estava acontecendo e que se mantivesse assim, afinal, ela não gostava quando eu era impulsivo.
Capítulo 24
Perroni
Eu só queria um vestido florido pra combinar com o calor que estava fazendo lá fora, mas claro, eu não tinha nenhum, todos os verões era a mesma coisa: eu roubava do closet de uma das minhas irmãs. Normalmente era o de Beatrice, ela tinha um coração duro, mas sempre gostou de roupas estampadas, por mais que eu achasse que não combinava muito comigo por causa do cabelo vermelho, ela dizia que era por isso mesmo que ela gostava. Passei vários cabides de forma rápida, queria sair logo dali, achei um preto com umas flores azuis esverdeadas. Puxei de dentro do armário e coloquei em frente ao corpo olhando meu reflexo no espelho, virei a cabeça de lado pensando se combinava.
— Talvez se eu prender o cabelo… — pensei em voz alta.
Ouvi um barulho de celular vibrando e olhei para o meu em cima do gaveteiro de joias e ele estava com a tela apagada. Dei alguns passos e destravei a tela, nada. Segui o som e abri uma gaveta vendo um celular tocando com um número desconhecido, franzi o cenho e o peguei, atendendo.
— Carol, ¿dónde estás? He estado buscándote durante semanas! (Carol, onde está? Estou te procurando há semanas!).
— O que… — ouvi a voz de Beatrice e desliguei a chamada — está fazendo no meu closet?
— Beatrice… — Olhei pra ela com os olhos arregalados e ela estranhou.
— O que houve? — perguntou com rugas na testa.
— Eu atendi… — mostrei o aparelho pra ela — eu reconheci a voz, sorella.
— Não me diga que…
— Como fui burra, Beatrice!
— Ei! Não faça isso
— Não faça o quê? — Andei até o quarto, quase relinchando, parecia uma égua selvagem de tanta raiva que estava. — tinha razão e eu fui uma idiota!
— Bom ouvir que eu tenho razão… Principalmente vindo da sua boca. — Olhei pra porta do quarto aberta e estava no corredor e deu alguns passos para dentro do quarto. — Pode me falar em que eu tinha razão?
— Eu… — Fiquei sem reação, eu não esperava ele ali naquele momento, porra.
— , só fale, foi por omitir de que deu essa merda do caralho. — Beatrice suspirou jogando as mãos pra cima.
— Eu reconheci a voz. — Levantei o celular e ele viu a foto da megera.
Ele arregalou os olhos e deu mais alguns passos até mim antes de falar:
— Quem? Quem, !?
— Tô preocupada de estar errada, será que eu não posso ter confundido?
— Duvido muito… — comentou Beatrice sentando na cama. — Você é boa nisso, daquela vez reconheceu a voz de um soldado na gravação que você tinha visto três vezes na vida.
— Foi pura sorte.
— Ah, por favor, , nós não contamos com a sorte por aqui.
— Podemos fazer uma armadilha para confirmar? — perguntei, receosa.
— Armadilha pra quem? — Giulia entrou no quarto sorrindo enquanto bebia água de uma garrafa. — Adoro criar armadilhas.
— Pronto, virou reunião no meu quarto. — Bea cruzou os braços e revirou os olhos.
— Juan Alvarez.
Os três arregalaram os olhos sem acreditar, principalmente Giulia, ela deveria estar se sentindo ultrajada, como ele tinha passado pelo pente fino dela? Engoli em seco e olhei para , que parecia querer explodir de raiva devido a veia pulsante em sua têmpora, mas estava se controlando e dava pra perceber que a qualquer momento ele podia berrar comigo, dizendo o quanto eu fui displicente e o pior de tudo, ele tinha todo o direito.
— Eu sei, ok? — falei baixo, olhando pra ele antes de abaixar o olhar.
— Ótimo — disse sério me encarando e voltou seus olhos para Giulia. — Vamos estudar como faremos isso…
Giulia e saíram do quarto conversando e eu sentei na cama desanimada, Beatrice sentou ao meu lado e colocou o braço no meu ombro. Eu estava me sentindo uma idiota, só queria ser boa com alguém e consegui isso: uma bela facada nas costas. Suspirei, cansada de tudo sempre dar errado, eu odiava ser traída e nesse caso quem me traiu fui eu mesma.
— Eu transei com ele, Beatrice.
— Santa merda! Tinha esquecido disso!
Soltei o ar com força e fiquei ali, encarando o chão, com a minha irmã me amparando também em silêncio. Longos minutos para me fazer perceber que eu precisava parar de me vitimizar e tomar uma atitude. Eu era a porra de uma Perroni, já estava na hora de agir como tal. Quando me dei conta, com tantos pensamentos e lembranças rodando em minha mente, a raiva já tinha tomado meu corpo e então levantei da cama olhando pra minha irmã.
— Eu coloquei todos nós em risco, Beatrice, coloquei você em risco, coloquei a mim mesma em risco… — falava gesticulando, irritada com tudo aquilo, andava de um lado para o outro tentando me acalmar. — Un figlio di puttana sotto il mio naso. Fanculo! Come ho potuto essere così stupido? (Um filho da puta bem debaixo do meu nariz. Foda-se! Como pude ser tão estúpida?)
— Calmati, …
— Como? — Parei para encarar Bea e respirei fundo. — tinha razão, fui ingênua e coloquei um Delantera dentro da porra da minha boate, Beatrice!
— Nós vamos conseguir pegá-lo, é isso que importa… — Ela segurou meus ombros e olhou nos meus olhos, ela tinha aquele olhar empático. Ela estava tentando fazer com que eu me sentisse melhor, eu conhecia a minha irmã, mas naquele momento eu precisava ficar sozinha.
— Eu preciso de um tempo… — Sacudi a cabeça em negativo me afastando dela e saí dali a passos largos pelo corredor, entrei em meu quarto e bati a porta. — Merda! Merda! — Peguei a primeira coisa que vi em minha frente e me virei jogando na parede, fazendo o vaso quebrar em pedaços. Fechei os olhos e passei as mãos pelo meu rosto.
— Entendo que esteja com raiva, mas não precisa me matar no processo. — Abri os olhos de supetão e vi encostado na porta da varanda me encarando, bem próximo de onde joguei o objeto.
— Veio gritar comigo? Ótimo, tudo que eu precisava… — Caminhei até minha mesa de cabeceira, abri a gaveta e peguei uma carteira de cigarro pegando e acendendo um deles a caminho da varanda.
— Não vim gritar com você, vim ver como está…
— Me sinto uma imbecil, se você quer saber… — Ri sem humor e virei me encostando no parapeito para olhá-lo. — Veio se vangloriar e me mostrar o quanto você estava certo? — Revirei os olhos.
— Aí é que se engana, …
Ele se aproximou devagar, sem deixar de ter contato visual comigo, cada passo que ele dava eu me remexia. Engoli em seco e a boca dele veio diretamente em meus dedos que seguravam o cigarro. Ele o pegou com os lábios, puxou a fumaça pelo canto da boca, soprou para o lado assim que segurou o cilindro branco em seus dedos e sua outra mão se apoiou no parapeito atrás de mim. Seu rosto cada vez mais próximo do meu. Senti o ar pesar e seus olhos vidrados nos meus me deixavam eufórica de uma forma silenciosa.
Aquilo era perigoso.
— Nunca quis tanto estar errado. — Mordi o lábio tentando afastar os pensamentos e vontades que me acometiam com tanta força com tão próximo a mim. — O problema não é você… — Ele levantou a outra mão devagar, e, como se lesse meus pensamentos, querendo me deixar ainda mais nervosa, colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. — São as pessoas que se aproveitam do seu bom coração.
— Você me vê de uma forma muito bonita, , eu não sou essa imagem que você criou. — Olhei bem em seus olhos e senti um arrepio cruzar pela minha coluna pela forma que suas íris me encaravam.
— Eu vejo o que você é, , mas ao contrário de você, eu não vejo só os defeitos. — Engoli em seco quando achei que estávamos tempo demais com o olhar preso um no outro.
— O que faremos agora? — Mudei de assunto, desviando o olhar.
— Vamos pegá-lo…
— Não quero participar disso… — Fechei os olhos apertando-os e abaixei a cabeça me sentindo uma idiota.
Seu indicador e polegar pousaram em meu queixo, levantando minha cabeça para encará-lo antes dele falar:
— Você não precisa, não pediria que fizesse isso… — Ele deu mais um trago em meu cigarro e o depositou em meus lábios. — Quando voltar para a boate ele não estará mais lá, eu prometo.
se afastou com aquele sorrisinho sorrateiro dançando em seus lábios e virou de costas, dei um trago e peguei o cigarro entre os dedos, soprando a fumaça.
— O que fará com ele? — perguntei incerta.
— É melhor você não saber… — Ouvi sua voz mais grossa que o normal e ao olhar para baixo, vi suas mãos se fecharem em punho.
Senti um arrepio esquisito cruzar meu corpo enquanto ele seguiu andando até deixar meu quarto, respirei fundo e tentei não pensar no que ele faria com o homem que confiei e acreditei ser mais um dos meus. Era difícil lidar com aquilo, mas se ele era o infiltrado, teria que pagar e eu não queria estar presente pra ver quando o pegasse.
[…]
Bati na porta e escutei Giulia dizer que eu podia entrar, então entrei na sala de vigilância e fechei a porta atrás de mim. Caminhei a passos lentos e vi a imagem do meu escritório na Fascino, sabia que aquilo era novidade pois não tinha câmera lá, senão minhas irmãs teriam visto muito mais que apenas um beijo entre mim e . Olhei para Giulia que sorriu pequeno pra mim e eu apenas respirei fundo, vi pela televisão Beatrice entrar pela porta e sentar-se na minha mesa.
— Qual foi a armadilha que vocês prepararam? — perguntei.
— Bea vai pedir para o Juan imprimir os novos cardápios dos drinks enquanto ela vai até o laboratório.
— Entendi…
— Ela vai deixar planilhas da contabilidade abertas, e Filippo estão do lado de fora esperando o meu sinal… — Abaixei a cabeça e voltei a olhar para ela que viu que eu não estava bem, era nítido diante daquela merda toda. — Sinto muito, .
— Eu também, sorellina… Eu também.
Parecia fácil demais, tudo tinha acontecido como previsto, Juan copiou todos os arquivos do computador e não só as planilhas, mas claro, Giulia disse que era tudo falso, não eram as planilhas ou documentos originais. Quando minha irmã avisou , ouvi ele pelo viva voz dizendo que Filippo iria esperar ele sair da boate após o expediente e iria o seguir. Precisávamos saber com quem estávamos lidando, agora que já sabíamos quem era o infiltrado, ficaria mais fácil de achar o resto dos Delanteras.
Por mais que não gostasse de ficar ali naquela sala fria cheia de computadores, eu queria saber o que estava acontecendo, então sentei na poltrona com meu livro e fiquei lendo enquanto as horas passavam. Giulia de vez em quando me atualizava do que estava acontecendo e eu apenas balançava a cabeça.
[…]
— Não quero saber, siga ele até o fim… Não confio em mais ninguém pra isso, Filippo. — A raiva era nítida na voz dele.
Acordei desorientada, ouvindo a voz de , quando ele tinha chegado? E o mais importante, quando eu tinha dormido? Segurei o livro que estava em minha barriga e me ajeitei na poltrona, respirei fundo tentando voltar a mim. Olhei para Giulia e ela estava concentrada nas câmeras da Fascino, algo tinha saído errado? Levantei devagar e me aproximei dos dois.
— O que houve?
— Juan entregou o pendrive para um homem e Filippo está seguindo ele — Giu me respondeu sem tirar os olhos das TVs.
— Estamos cuidando de tudo, não se preocupe. — se voltou para mim e colocou a mão no meu ombro, acariciando-o. — Nem era para você estar aqui…
— A culpa foi minha, coloquei o infiltrado dentro da Vincere, tenho que pelo menos estar presente. — Exalei o ar em frustração.
— Não tinha como você saber… — Ele me olhou com compreensão.
— Está me eximindo da culpa muito facilmente, esperava que brigasse comigo… — Acabei rindo com essa nova versão de sendo tão cuidadoso com as palavras.
— Acho que já passamos dessa fase.
Meus olhos não conseguiam desgrudar dos dele, meus dedos pinicavam querendo tocar o rosto bonito, sentir aquela barba por fazer raspar em meus dedos e a medida que a vontade se intensificava, meu coração batia ainda mais forte. Molhei os lábios, pois minha boca estava secando com tamanho nervosismo e pelo seu rosto, eu sabia que ele não estava assim tão diferente, mas Giulia estava ali, presente, não podíamos sequer demonstrar qualquer rastro de desejo.
No entanto, minha irmã pigarreou, então fechei os olhos me amaldiçoando por ter sido tão descuidada, ela tinha percebido, claro. Minha irmã não era burra, muito pelo contrário, foi ela que descobriu que algo estava acontecendo, ela era observadora demais pra não notar. Virei as costas e fui saindo da sala de segurança.
— Vou dar um tempo disso aqui… — Comecei a caminhar em direção à porta.
— Filippo chegou no galpão, — alertou Giulia.
— Diga para ele chamar 20 soldados para vigiar o lugar, assim que acharmos uma brecha, invadimos. — Ouvi enquanto ainda fechava a porta atrás de mim: — , espere!
Freei meus pés ainda no corredor e respirei fundo antes de virar e ver seus olhos negros me encarando gentilmente.
— Parece que não podemos ficar no mesmo lugar por muito tempo.
— É uma merda se você quer saber. — Ele riu, sem humor. — Antes era pelo ódio e agora é…
— Não quero falar sobre isso… — interrompi sua fala abraçando o livro em meus braços e desviei os olhos dos dele. — Precisa de mim pra algo?
— Juan alguma vez mencionou a família?
— Não… — falei diretamente, mas então um lampejo de memória passou pela minha mente — quer dizer, quando ele pediu alguns dias de folga disse que sua avó estava mal no hospital.
— Ele pode ter mentido.
— O que é bem provável, já que mentiu esse tempo todo… — Tensionei o maxilar enquanto apertava o livro em minhas mãos e ele tinha sentido a tensão que eu exalava.
Eu estava com raiva.
— Vá descansar, está tarde.
Virei as costas e saí andando, mas sentia que seus olhos queimavam em minhas costas, controlei a minha vontade de olhar para trás e fui direto para o meu quarto. Théo estava em sua caminha e então eu sorri, deitei na cama e dei batidinhas no colchão, chamando para ele deitar. Assim que ele subiu, eu o abracei e me permiti descansar.
[…]
Acordei no outro dia ainda cansada, parecia que não tinha dormido nada, desci até a cozinha, tomei café da manhã e resolvi que tomaria um banho gelado pra acordar e ver se resolvia o cansaço. Caminhei a passos lentos até a escada e comecei a subir para o meu quarto, senti uma tontura e meu corpo ficando sem forças, mas senti alguém me segurar, olhei para o lado e vi me encarando sério, como se estivesse bravo. Ele me pegou no colo, fazendo com que eu me assustasse e me agarrasse em seu pescoço. Ele caminhou até meu quarto e me colocou sentada na minha cama.
— Está tentando se matar?
— Só senti uma tontura estranha… Acho que são os remédios — menti, acariciando as mãos.
— Vou falar com o doutor pra saber se já pode parar com eles.
— Na verdade eu… — Não sabia exatamente como dizer aquilo, mas vi os olhos negros profundos me olhando, esperando por uma explicação, porém, ela não existia, então me restava dizer a verdade. — Eu parei de tomar.
— Como? — Ele franziu o cenho. — Sem falar com o médico, ?
— Estou cansada, não posso beber tomando os malditos remédios!
— ! — ele me censurou. — Quanta irresponsabilidade, você não pode parar com remédios controlados sem… — Ouvi ele parar sua fala quando me viu abaixar a cabeça, bufou e apertou a ponte do nariz. Ele me olhou novamente, dessa vez com um olhar compreensivo. — Desculpe, deve estar sendo horrível pra você.
— Entediante… — Revirei os olhos.
— Não brinque com isso… — Ele se aproximou de mim e me olhou com piedade. Aquele olhar eu não queria.
— Brincar é o que me resta, ! — Levantei, irritada, e fui até a porta do closet. — Senão eu volto para o fundo do poço onde eu estava.
— … — Ele colocou a mão no meu ombro e subiu para o meu rosto, acariciando-o. O jeito que ele me tocava me fazia lembrar aquele acontecimento na casa de campo e o olhar dele sobre mim fazia com que eu tivesse a certeza que aquilo iria ficar gravado em nossa mente para sempre, mas ele precisava ser esquecido.
— Não comece, não quero discutir… — Balancei a cabeça em negativo e me afastei, mas sua mão seguia me buscando e ela estacionou em minha bochecha. — E não me toque desse jeito…
— Não quero começar nada, eu só estou preocupado com você.
— Eu estou preocupada comigo, … — olhei nos olhos dele e mordi o lábio tentando não mostrar o quanto aquilo ainda mexia comigo — mas estou fazendo o que está ao meu alcance. — Me desvinculei dele indo em direção ao banheiro e veio ao meu encalço. — Talvez eu não seja tudo isso que meu pai espera que eu seja.
— Você é uma mulher foda, — vi ele se apoiar com as duas mãos na esquadria da porta — assim como também é o elo que une as suas irmãs. Sabe que elas vêem uma líder em você.
— Não se esqueça que quem vai assumir a Vincere é você, não eu. — Fechei a porta do banheiro e suspirei, agora eu tomaria um banho para me acalmar já que o sono tinha me deixado e a raiva se instaurado.
Perroni
Eu deveria saber que tudo que achei daquele cretino era de fachada, não tinha como alguém ser tão certinho assim. Sem uma multa de trânsito, uma briga nas festas de faculdade ou matéria reprovada. Se achava que era culpada, eu também deveria, afinal, não cavei fundo o suficiente a vida desse filho da puta. Acendi o cigarro e me sentei na varanda do meu quarto, em 24 horas saberíamos quem estava naquele galpão e eu iria poder interrogar aquele desgraçado. Soprei a fumaça para o alto e olhei para o céu, a imagem dela me olhando, daquele jeito que até um idiota perceberia o quanto a gente queria se tocar.
Aquilo era enlouquecedor.
Eu tinha que mudar o foco do meu pensamento, então dei a ordem para Filippo que assim que invadissem o galpão, pegassem também Juan. Expliquei tudo para meu pai e ele mandou todos os capitães caçar os Delantera, todos eles. Iríamos limpar a Espanha de uma vez por todas, não sobraria ninguém para contar a história ou criar uma vingança.
Esse seria o fim.
Assim que os soldados invadiram o galpão comandado por Filippo, eles encontraram o ouro que precisávamos. Estávamos eu e meu pai sentados no escritório quando Filippo ligou.
— Só um segundo, vou colocar no viva voz.
— Parla, Filippo
— Don, encontramos Guillermo, novo consegliere dos Delantera.
— Magnífico! Traga-o para mim, e aquele rato que ousou chegar perto da minha filha fica aos cuidados de . — Meu pai sorriu perverso para mim, ele iria adorar arrancar cada informação do maldito que ousou tramar contra nós.
— Filippo… — falei — já pegaram o Juan?
— Sim, os soldados levaram para casa de campo, como pediu.
— Perfeito, te encontro lá. — Sorri satisfeito. — Ciao.
Desliguei o celular e olhei para o meu pai, ele estava radiante.
— Uma bebida para comemorar? — perguntou ele e eu assenti levantando, indo até o carrinho de bebidas e servindo duas doses do seu whisky favorito. Brindamos e viramos o líquido âmbar, era maravilhosa aquela sensação de dever cumprido. — Vamos à segunda batalha, , e essa eu tenho certeza que ganharemos.
— Tenho certeza que a guerra já é nossa, pai.
[…]
Respirei fundo e caminhei entre as árvores, vi que Filippo me aguardava na porta do galpão atrás da casa de campo. Eu precisava me controlar, mas tudo que vinha na minha cabeça era sendo gentil com ele, acolheu-o na Fascino e ainda brigou comigo pra manter ele ali. Além de tudo, ele a tocou, ele conviveu com ela por meses sendo o inimigo, além de tudo, eles se beijaram na minha frente.
Aquilo estava longe de não ser pessoal e eu sabia plenamente que não deveria fazer aquele interrogatório, mas seria um desperdício do meu ódio não fazê-lo. Juan merecia sentir cada dor e sofrimento que eu causaria a ele. Meu coração batia forte contra meu peito e minha respiração se tornava pesada a cada passo que eu dava em direção àquele galpão.
— Tem certeza que quer fazer isso? — perguntou meu primo, incerto.
— Não, mas eu preciso. — Puxei um cigarro da carteira que tinha tirado do bolso e coloquei nos lábios, acendi e traguei profundamente.
— Você sabe que não deveria fazer esse interrogatório, , está envolvido emocionalmente.
— Não fale bobagem! Se eu passar do limite você me avisa, simples assim.
— Você acha que é capaz de ser parado?
— Veremos… — Soltei a fumaça e marchei em direção ao alçapão com meu primo em meu encalço.
Desci os degraus devagar, assim que o vi com o capuz vermelho na cabeça, amarrado em uma cadeira, meu sangue ferveu, porém, tentei manter o controle respirando fundo antes de dar outro trago em meu cigarro. Filippo balançou a cabeça pra mim em uma pergunta muda e eu acenei que sim, que poderia tirar o capuz. Franzi o cenho ao olhá-lo, me aproximei ainda mais daquele homem e o ódio me tomou por completo.
— Esse não é o Juan, Filippo!
Meu primo veio para o meu lado e olhou bem o rosto do homem, ele realmente parecia muito, mas não era ele. Aquele filho da puta enganou a gente mais uma vez? Puxei a arma do meu coldre e dei três tiros no peito do homem, eu precisava extravasar meu ódio de alguma forma.
— O que está fazendo?! — perguntou Filippo exaltado. — Ele era uma fonte de informação, !
— Meu pai está com o consigliere, ele tem as informações, esse daí devia só ser um capacho para se passar pelo filhinho dele.
— Não importa… — Ele se desesperou. — Céus, seu pai vai enlouquecer.
— Quem foi que pegou esse homem? — perguntei baixo, meus dentes pressionados um no outro, eu tentava controlar minha irritação o máximo que podia.
— Alguns soldados. — Meu primo ainda olhava o homem caído e parecia tentar pensar em uma desculpa para o meu pai.
— Quero eles aqui na minha frente — disse sério, olhando para o homem no chão.
— O que está pretendendo fazer? — perguntou Filippo ressabiado.
— Desde quando começou a questionar as ordens do seu sottocapo, Filippo? — Olhei pra ele com a testa franzida.
— Desde que você começou a não pensar com a cabeça. — Senti meu maxilar tensionar e respirei fundo.
— Saia da minha frente e faça o que mandei… — Ouvi gemidos e dei dois passos em direção ao corpo caído no chão e apertei o gatilho mais uma vez, dessa vez direcionando o cano em sua cabeça. — Não quero mais ter incompetentes dentro da Vincere.
[…]
Filippo dirigia o carro em absoluto silêncio, eu entendia, também não gostava de ter que bater nos meus, ou dar um esporro e colocar de castigo como crianças. Só que a incompetência deles tinha me tirado do sério e me custado caro, serviço básico: confirme quem você está levando. Juan seguia por aí, sabe-se lá onde, o que eu diria a ? Suspirei audivelmente e meu primo me encarou por segundos. Ele estava bem possesso comigo, os homens estavam sob o comando dele, caso não fosse meu primo quem teria levado punição seria ele.
E ele sabia disso.
Chegamos na mansão e fui direto para o meu quarto, e, pra minha surpresa, estava lá, na minha varanda. Ela não ouviu a porta abrir, estava tudo escuro, apenas a luz da lua a iluminava, era visível o cigarro em sua mão e o copo baixo com os cotovelos apoiados no parapeito. Coloquei minha arma em cima da escrivaninha, tirei meu blazer, o coldre e desabotoei os dois primeiros botões da minha camisa. Dei alguns passos e me encostei no batente da porta, admirando o corpo da ruiva à minha frente apenas de robe de seda e um pijama por baixo, assim esperava. Era perceptível que sua mente estava longe, já que os olhos focavam no horizonte, além do fato dela não ter notado minha presença ainda.
— Cariño…
— Credo, ! — Ela se sobressaltou e virou assustada colocando a mão no peito.
— Sua varanda estava te entediando?
— Acordei e vi o sofá vazio… — disse ela sem graça.
— Faz semanas que não durmo lá.
— Eu sei. Só… — disse sem jeito — queria uma companhia.
— E queria logo a minha? — Sorri indo até o lado dela, pegando um cigarro da carteira no meu bolso. — Não parece estar em seu juízo perfeito. — Debrucei no parapeito e acendi meu cigarro.
— Talvez não esteja mesmo… — disse soprando a fumaça para o alto. — Então…
— O quê?
— Pegaram o Juan?
Engoli em seco e falei:
— Não, ele escapou.
Ela me olhou com a testa enrugada, estranhando a minha calmaria, mal sabia ela que dentro de mim estava o próprio caos e a fúria dos 12 Deuses do Olimpo. Aquele cretino nos enganou duas vezes, eu não iria descansar até encontrá-lo e matá-lo com minhas próprias mãos. Não restaria um só Delantera para contar a história, dessa vez eu garantiria isso.
— Você deve estar irritado, entendo que tente esconder isso de mim, mas eu tô bem, , pode explodir se quiser.
A única coisa que eu queria explodir era a cabeça de Luca. Tentei curvar os lábios em uma forma de mostrar a ela que estava tudo bem e olhei para frente. Ficamos os dois ali, em silêncio, fumando e apenas servindo de companhia um ao outro. Há um ano esse acontecimento seria impossível, mas tantas coisas aconteceram de lá pra cá que eu nem sabia ao certo para que caminho estávamos indo. Principalmente eu e , não conseguia ver uma forma de encaixar nossa relação na famiglia sem a gente acabar na cama um do outro.
O nosso autocontrole parecia não funcionar muito bem em certos momentos.
No dia seguinte, meu pai anunciou uma nova reunião em três dias, ele tinha tirado todas as informações necessárias do consiglieri, por mais difícil que tivesse sido. Os nossos homens tinham achado a casa do Carlos Diaz na Sevilha. Giulia fez a investigação de compra de imóveis nos últimos 5 anos já que na Sevilha era cultural as famílias passarem as casas de geração em geração. Minha irmã conseguiu encontrar apenas três casas que não eram de família antiga, foi meio óbvio supor que eles mudavam de local com frequência para não ter nada que comprovasse sua estadia na Espanha. Nossos soldados já tinham cercado a casa e estavam esperando as ordens de Otelo para saber como proceder.
— Gian, dê a ordem para pegar esse stronzzo, mas quero que levem para Guadalajara — Meu pai disse, firme. — Eu mesmo vou interrogar ele.
— Sim, don Otelo.
— … — Olhei para meu pai esperando o que ele diria. — Cuide da casa em minha ausência. — Meneei a cabeça, concordando, mesmo que achasse aquele pedido muito repentino.
Otelo levantou de sua cadeira, bebeu o restante do seu whisky e fez sinal para os soldados e seguranças o seguirem. Então todos saíram da sala atrás de meu pai, restando apenas eu e Filippo. Nos entreolhamos de cenho franzido, ele também tinha achado estranho a forma como meu pai falou?
— O que meu tio quis dizer com isso?
— Não faço a mínima ideia.
— Foi esquisito, ele nunca pediu isso pra você.
— Ah não ser que ele… — Meu coração deu um solavanco.
— Ele acha que pode ser uma armadilha, !
Fiquei alguns segundos parado encarando o nada, sim, ele estava certo, meu pai pensava que poderia ser uma armadilha, talvez por isso também quis fazer o interrogatório o mais longe possível de nós, pensar que ele poderia morrer me deixou atônito. Nunca tinha chegado nesse momento de idealizar a morte de Otelo e agora, o fazendo, eu vejo o quanto que meu pai, por mais rígido que fosse, era meu pai e eu o amava.
— Não podemos pensar nisso, meu pai vai voltar. Vamos focar no que importa, continuar atrás daquele filho da puta do Luca.
— Vou falar com a Giulia pra saber se ela conseguiu localizá-lo. — Ele saiu do escritório em direção à sala de segurança, enquanto eu tentava assimilar o que tinha acabado de cair no meu colo.
Apoiei a cabeça em minhas mãos, era difícil quando o lado que poderia perder era o nosso, quando algo ruim poderia acontecer à minha família. Meu pai era durão, ele não fazia despedidas dramáticas e nem choraria por ter que deixar suas filhas, ele foi sucinto e disse o que era necessário. Que eu tomasse conta da casa em sua ausência, porém, não disse se essa ausência seria permanente.
Senti uma lambida em meu braço e logo outra em meu rosto, abri os olhos vendo o sarnento de em minha frente. Ele sentou e ficou me encarando, virou a cabeça de lado e latiu, ele sempre parecia que queria falar com a gente, ou de alguma forma pudesse sentir e saber o que estávamos sentindo. Passei a mão em sua cabeça e afaguei sua orelha.
— Está tudo bem? — Virei o rosto vendo encostada na porta de madeira do escritório.
— Está.
— Você já mentiu melhor, .
Suspirei e vi ela cruzar o ambiente até chegar no carrinho onde ficavam as bebidas, encheu dois copos de whisky e os pegou, entregando um para mim e sentou na mesa. Cruzou as pernas com a maior calma enquanto acariciava Théo e voltou a olhar pra mim.
— Eu sei que parou os remédios, mas deveria mesmo beber essa quantidade? — falei em tom de repreensão.
— , se eu não beber eu vou voltar a ficar reclusa, é isso que quer?
— Claro que não!
— Então bebe seu whisky e deixa eu beber o meu. — Ela deu um gole em seu copo e saboreou a bebida daquele jeito que eu adorava admirar. — O que aconteceu?
— Eu realmente não quero falar sobre isso, .
— Você precisa parar de esconder as coisas de mim, … — falou, irritada, fazendo eu fechar os olhos momentaneamente. — Eu estou bem.
— Você quer saber, pois bem, vamos lá… — Mirei seus olhos atentos e comecei: — Tudo que passamos desde o que aconteceu… você sabe. — Desviei meus olhos dos dela suspirando e ela apenas assentiu. — Foi muito doloroso ver você daquele jeito e não poder fazer nada, . Foi… horrível me sentir impotente e ao mesmo tempo talvez um pouco culpado por isso… — Soltei o ar e balancei a cabeça em negativo.
— Você não teve culpa…
— Isso não vem ao caso… — Nem deixei ela continuar, eu não queria o discurso de benevolência. — E como se já não bastasse tudo isso… — falei, rindo sem qualquer humor — Nero me traiu e eu tive que interrogá-lo. — Ela me olhou com os olhos saltados.
— Como?
— Sim, , Nero está preso, estava trabalhando junto com a… — ela fez careta e eu nem continuei para falar o nome Carolyn — e Otelo, provavelmente, saiu em uma missão suicida.
— Espera, onde o papai foi?
— Interrogar Carlos Diaz ou seja lá qual for o nome dele.
— E você deixou?! — disse ela sobressaltada, endireitando-se na mesa, colocando o copo na madeira e descruzando as pernas.
— Eu não tenho o controle de tudo, ! — gritei antes de virar o whisky garganta abaixo, levantei da poltrona colocando o copo em cima da mesa. — Nossa vida é assim! — falei próximo do rosto dela. — Nossa família é assim, afundada em desgraça!
Eu estava farto, coisas demais nas minhas costas, preocupações demais na minha cabeça, eu estava prestes a explodir e acabei explodindo com ela. Não queria falar mais nada, pois acabaria saindo algo da minha boca que não deveria e ela não merecia isso de mim. Tentei me virar para sair dali, mas ela segurou meu pulso, senti aquele tremor pelo meu corpo e tentei me manter calmo.
— Não fuja… — ela acariciou minha pele com o polegar e me peguei fechando os olhos, apreciando aquele toque singelo, pequeno, mas que era tão bem-vindo — do mesmo jeito que cuidou de mim, eu quero cuidar de você.
Girei meu corpo ficando de frente com ela, dei dois passos e respirei fundo, sentindo aquele cheiro adocicado que ela exalava me acalmar de uma forma única. Suspirei olhando pra ela que mantinha uma expressão serena, de acalento. Eu me sentia bem pra caralho com ela, parecia tão certo eu e ela, mas ao mesmo tempo sabíamos que aquilo não podia acontecer. Era cruel demais. Olhei em seus olhos e não pude deixar de notar sua boca entreabrir.
Perto demais, meu lado racional gritava, porém não o suficiente, meu desejo falava.
— Eu não consigo mais, … — Fui baixando a cabeça e a apoiei no ombro dela enquanto minhas mãos estavam espalmadas na mesa, uma em cada lado do seu corpo. — Mais isso pra dar conta, é demais pra mim…
— Eu sei… — Senti sua mão em meus cabelos, seus dedos se infiltrando entre os fios da minha nuca e me deixando ainda mais ansioso e sem controle. — Eu também não…
— O que faremos?
— Manter distância?
— Já sabemos que isso não funciona. — Levantei a cabeça, ficando bem próximo de seus lábios, voltei a encarar os olhos verdes, brilhantes como uma pedra preciosa, eles eram lindos; ela era linda. — Não vou me controlar por muito tempo.
— Eu quero cuidar de você, mas também não sei se consigo… — Ela fechou os olhos e encostou a testa na minha, uma proximidade tão perigosa, nossos lábios quase se unindo em um beijo que eu ansiava há tanto tempo. — Mas não podemos mais ultrapassar esse limite…
— Desculpe — pedi, de olhos fechados, nossos narizes roçando um no outro, sentia meu coração batendo acelerado no meio do peito. Apertei a madeira da mesa e me afastei, tomando uma distância segura.
Aquilo era uma tortura.
— Não peça, é culpa minha também. — Ela levantou da mesa, colocou a mão no meu peito, empurrando meu corpo devagar e foi caminhando até a porta. — É melhor ficarmos longe, dessa vez, de verdade… — Ela virou o rosto pra olhar pra mim, seus olhos diziam tanto, um adeus, um sinto muito e uma vontade de ficar que eu conseguia sentir de onde estava. Eu não estava preparado para tê-la longe de mim mais uma vez. — Vamos, Théo — chamou o cachorro e ele a acompanhou para fora.
Estava me sentindo um estúpido, não deveria ter feito isso, não deveria ter deixado meus sentimentos tão à flor da pele a ponto de me controlarem. Saber que é recíproco me deixava ainda mais fora de controle e isso era um problema.
Capítulo 25
Alonso Perroni
Eu me mantive segura e forte na frente dele por nós dois, mas assim que saí daquele escritório eu me encostei na parede do corredor pois a dor e o choro me invadiram e não consegui dar mais nem um passo. Eu me abracei com uma mão e a outra tampou minha boca para manter aquele choro mudo. Me sobressaltei quando ouvi barulho de algo de vidro quebrando vindo de dentro da biblioteca, apertei ainda mais meu corpo devido ao meu choro se intensificar, pois sabia que não era só eu que sofria.
Lutamos tanto para aquilo não acontecer, mas o que sentíamos um pelo outro nos tomou de uma forma que não dava mais para esconder. Não dava mais pra sequer controlar, era doloroso, era algo que nos matava ao mesmo tempo que era o que nos manteve vivo durante todas essas merdas que aconteceram. Nós éramos a força um do outro, mas também éramos nossa maior fraqueza.
Nos odiarmos era mais fácil.
Deveríamos ter mantido assim.
Théo sentou do lado do meu pé e olhou pra mim com os olhos tristes e eu mordi o meu lábio, estendi minha mão e acariciei a cabeça dele recebendo lambidas de afago.
Eu precisava sair dali.
Caminhei a passos rápidos até meu quarto com meu cachorro em meu encalço, fechei a porta e respirei fundo sentindo que minhas pernas iam aos poucos perdendo as forças, sentei no chão. Théo veio e se deitou encostado em mim e enquanto as lágrimas escorriam, eu acariciava meu cachorro buscando algum afago. Sentir aquilo era horrível, era sufocante, eu não conseguia controlar meu choro e meu peito doía tanto. Eu não entendia como os anos de ódio se transformaram nisso, como eu cheguei até ali?
era o homem que eu mais odiava na vida, o moleque que tomou meu lugar, que me enchia o saco e me provocava de maneiras que me fazia querer gritar. Conforme eu crescia, vi o homem sanguinário que ele estava se tornando, abominava o que ele fazia na Vincere, mas eu era hipócrita demais por julgá-lo dessa forma. Por mais que minhas mãos não estivessem fazendo o serviço, eu era conivente; além de sempre negar meus pensamentos maldosos, as ações maldosas que eu tomava por impulso, mas que faziam parte da minha personalidade. Sempre tive um lado meu que eu tentava manter na escuridão, porém eu sabia que ele estava ali, rondando minha mente, buscando uma oportunidade pra sair.
Eu fazia parte de tudo e era tão culpada quanto ele.
Aquela era a minha vida também.
Talvez as pessoas não estivessem assim tão erradas.
O ódio e o amor sempre andavam juntos.
[…]
Meus dias eram preenchidos pelo trabalho na boate, fazia questão de dedicar cada minuto do meu dia a Fascino. Antes fosse só pelo esforço que sempre dei para ter tudo funcionando, mas eu estava tão quebrada que só queria chegar em casa exausta o suficiente para apagar e de preferência não ver . Eu não podia falar com ninguém sobre o assunto e isso me consumia ainda mais, então fiz o que sempre fazia quando queria fugir, me afundar no trabalho. O que me preocupava era que Beatrice estava suspeitando que algo tinha acontecido, porém, tentava colocar a culpa na recuperação do trauma.
Joguei meu corpo na cadeira do meu escritório naquela noite e respirei fundo fechando os olhos, os dias estavam difíceis. Contudo, eu tinha superado algo que me fez deixar de ser aquela , então eu também superaria uma paixão indevida. Por mais que eu soubesse que não era só isso, por mais que sentisse dentro de mim que aquilo tinha virado algo que nem eu esperava. Algo que me engoliu por completo e que me fez ficar perdida. Eu sabia o que era, mas estava tentando não pensar e nem mesmo falar em voz alta.
Ouvi batidas na porta então ajeitei meu corpo na cadeira ao liberar a entrada.
— Com licença, senhorita Perroni — disse Austin ao fechar a porta, balancei a cabeça para que ele continuasse. — O Don voltou e pede a presença de todos no jantar.
— Agora?
— Sim, ele pediu que a levássemos.
— Cadê a Beatrice?
— Ela saiu faz algum tempo para ir até o laboratório, acredito que Mario tenha ido buscá-la.
Mario era um dos soldados que fazia a segurança de Beatrice.
— Então vamos…
Suspirei, juntei minhas coisas e peguei meu celular de cima da mesa antes de levantar. Eu só esperava que não fosse outra notícia ruim. Caminhamos para fora da boate e entrei em meu carro, vendo Austin se juntar a Ettore no outro carro e me seguir até em casa. Fazia quase uma semana que não chegava em casa antes das 3 horas da manhã, um jantar em família era tudo que eu menos precisava no momento.
Entrei pelas portas e larguei minha bolsa no hall de entrada, olhei para a sala de jantar e a mesa estava posta. Levei meus olhos até a porta dos fundos que dava para o quintal e vi uma silhueta, a ponta do cigarro acesa denunciava que era quem eu não deveria encontrar. Então sabia que aquele não era um caminho a se seguir, girei meus pés e fui andando em direção ao bar.
— ! — Virei o rosto para a escada parando na metade do caminho e vi Giulia. — Parece que fazem meses que não te vejo… — Ela me abraçou e se afastou olhando para mim preocupada. — Papai está com ferimentos.
— Como? — perguntei, desorientada.
— Era uma armadilha, não conseguiram interrogar o Carlos Diaz por muito tempo, papai matou ele quando alguns soldados da máfia espanhola invadiram o galpão.
— Mio dio, Giu! — Cobri minha boca.
— Ele está bem, apesar dos machucados. — A voz masculina se fez presente.
Virei para o lado e vi , ele não me olhava, mantinha seu foco no chão, senti meu coração palpitar e minha boca secar. Segui com os olhos sua movimentação, ele passou por nós e foi direto ao bar.
— Ele está estranho depois que se trancou algumas horas com o papai no escritório… — sussurrou Giulia, fazendo com que eu olhasse para ela novamente. — E você? Está diferente… — Ela franziu o cenho.
— Estou tentando absorver as informações, Giulia. — Fui ríspida. — Nunca consigo chegar em casa sem uma avalanche de merdas que aconteceram! — Ela arregalou os olhos e eu subi a escada pisando duro. — Giornata di merda! (Dia de merda!).
Entrei em meu quarto e bati a porta, soltei o ar com força e vi Théo, deitado no canto do quarto, levantar a cabeça e virar ela para o lado me olhando.
— Não é com você que estou irritada… — Ele respondeu com um chorinho como se me perguntasse o que estava acontecendo. — Nem sei por onde começar, Théo… — Caminhei até o closet e tirei a roupa, fui até o banheiro e entrei no box para tomar banho.
Eu sabia que eu tinha ficado irritada com a pergunta da minha irmã, não pela pergunta em si, mas pelo que ela representava. Eu estava esquisita sim, mas era por ele, era o meu novo normal ficar mexida com por perto. A decisão mais difícil que tomei foi ficar longe dele, mas a gente precisava ser racional, ou nossas cabeças rolariam. Depois que entendi que eu tinha me apaixonado, também entendi que não podia deixar passar disso. Paixão uma hora passa, não é?
Assim eu esperava.
Desci e vi meu pai no bar, servindo um copo de whisky. Fui até ele e o abracei, nem precisei falar nada, seu braço livre da tipoia me circulou e senti sua mão acariciar minhas costas, eu queria chorar, mas contive minhas lágrimas.
— Está tudo bem, minha princesa?
— Eu que deveria perguntar, papai. — Afastei-me dele. — No que estava pensando colocando-se em risco dessa forma?
— Eu precisava descobrir o que aquele filho da puta estava armando…
— Sem se matar no processo, de preferência…
— Estou aqui, não estou? — Ele riu divertido e eu torci os lábios. — Desculpe, minha princesa.
— Tudo bem…
— Não… — Otelo acariciou minha bochecha. — Desculpe pela minha ausência. Você precisava de mim e eu não sabia lidar com… a situação…
— Tudo bem, pai, eu tive a ajuda necessária. Eu sei que você sempre vai me proteger com tudo que tem. — Ele beijou minha testa. — Sei também que você que mandava a Marta levar minhas refeições, mesmo quando eu não queria e também foi você que contratou o melhor psicólogo do país. Você fez o que pôde…
— Nunca vai ser o suficiente. — Ele curvou os lábios afagando meus cabelos como fazia quando eu era criança. — Te amo, figlia mia. (Te amo, minha filha.).
— Anche, papà. (Eu também, papai.).
Nos sentamos à mesa de jantar e logo minhas irmãs, e Filippo se juntaram a nós. O jantar foi servido e aquela sensação de que uma simples troca de olhares nos faria ceder me tomou, mantive meus olhos no meu prato, assim como imaginava que estivesse fazendo o mesmo. Quando terminamos de comer, meu pai pediu para que os empregados se retirassem. Achei tudo muito estranho e dramático, coisa que Otelo não era, ele sempre ia direto ao ponto, sem rodeios.
— Pedi para que todos estivessem presentes hoje no jantar pois… — Otelo respirou fundo e continuou: — Assim que exterminarmos o restante dos Delantera, assumirá como Don.
— O quê?! — Eu e minhas irmãs exclamamos.
— Não se preocupem, ficarei presente, tudo vai seguir seu curso.
— É muito cedo para o assumir, papai! — falei sem pestanejar. Precisava entender o motivo. — O senhor está doente?
— Claro que não, minha princesa. Apenas chegou o momento…
— Não acho que seja o momento. — Olhei para à minha frente que seguia encarando o prato e eu não entendia o que estava acontecendo. — Eu… com licença. — Levantei da mesa e segui para o jardim, vi a carteira de cigarro em cima da mesa e peguei um pra mim o acendendo.
Puxei a fumaça para os meus pulmões, soltando em seguida, no fundo eu ainda tinha uma esperança de assumir aquele lugar, era por isso que eu estava tão irritada com o anúncio do meu pai. Mais irritada ainda pela reação de , o que tinha acontecido pra ele estar tão indiferente? Esperava uma reação arrogante dele por finalmente estar mais perto do que nunca do topo da famiglia, mas ele parecia estar recebendo algo trivial e isso me deixava com uma pulga atrás da orelha.
Algo acendeu dentro de mim, aquele anúncio me colocou em alerta para não deixar acontecer. Eu não percebi o quanto estava perto de ser o Don, eu acabei me deixando levar pelas emoções e esqueci do que realmente importava. Eu precisava me mostrar mais forte, eu queria um lugar na Vincere e eu faria o que fosse para merecer um. Meu pai podia ter anunciado o que faria, mas ainda não era oficialmente o Don.
Perroni
Sempre tentei me manter longe de tudo que envolvia amor, amor te deixa exposto, vulnerável, se você ama alguém, esse alguém se torna a sua fraqueza. Contudo, percebi que esse alguém também pode ser o seu alicerce, quem te mantém centrado, forte e resistente para enfrentar qualquer coisa. Eu faria qualquer coisa por ela e se ela decidiu que nos manteríamos longe, seria exatamente isso que eu faria. Joguei o copo baixo de vidro com força na parede.
Minha vontade era de matar o primeiro que cruzasse o meu caminho, mas eu precisava ser racional dessa vez.
Eu nunca tinha me apaixonado por mais ninguém, talvez por ter sempre em algum lugar do meu peito, mas era minha função manter esse sentimento escondido. Não era uma escolha, era uma necessidade. Eu cresci sendo criado para matar, para aguentar torturas, para mentir, pra sobreviver, mas ela, me apaixonar por ela e não poder estar com ela foi a pior das torturas. Seguir com aquilo, morando embaixo do mesmo teto, era um sacrifício toda porra de dia, eu estava enlouquecendo.
Dia após dia tendo que lidar com tudo que envolvia a Vincere, contrabandos para organizar e fiscalizar, segurança da família, acordos com os associados e mais um amor proibido era quase que impossível. Eu sabia que deveria me manter forte, racional e impassível como meu pai sempre ensinou, porém, era alguém que eu não conseguia controlar minhas reações ou minhas emoções, elas simplesmente chegavam sem aviso prévio e varriam qualquer rastro de racionalidade. Amá-la me tornava um filho da puta asqueroso ao mesmo tempo que me sentia menos longe da minha humanidade. Amar era uma dádiva, mas também uma maldição.
[…]
No dia seguinte, Gian me mantinha informado de tudo e de como seguia a viagem. Era óbvio que eles tinham um plano, mas meu pai era metódico demais e os únicos que sabiam eram os que fariam parte dele. Sempre foi assim. Fui até a academia naquela tarde, precisava extravasar aquela raiva que me possuía. Era injusto demais nascer na mesma família que a mulher que você ama.
Deveria ser um castigo.
— Resolveu voltar aos exercícios? — Olhei para a porta da academia vendo a Beatrice sorrindo.
— Acho que estou meio fora de forma… — Sorri pra ela e voltei a lutar contra o boneco de borracha.
— Preciso te contar algo… — Ela se aproximou de mim e eu parei o que fazia e tirei as luvas, indo em direção ao frigobar. — Eu conversei com o papai.
— Sobre? — Dei um gole na garrafa de água que peguei.
— Meu casamento.
Quase me engasguei, porém tossi e falei: — E como foi?
— Bom, foi menos ruim do que imaginei. — Ela deu de ombros.
— E como imaginou? — Levantei uma das sobrancelhas com curiosidade.
— Sei lá, talvez ele chamando você pra me torturar até eu desistir da ideia.
— Não seja maluca, eu jamais faria isso.
— E você acha que o papai seria? — perguntou espantada.
— Não duvido. — Dei outro gole na garrafa de água, querendo rir do bico que a minha irmã fez, porém ela me socou no braço. — Ai…
— Cuidado, Perroni, não sabe com quem está mexendo.
— Desembucha, Bee. — Comecei a rir da seriedade dela, mas logo seu rosto mudou de expressão, seus olhos pareciam marejados, fazendo com que eu franzisse o cenho. — O que houve?
— Papai fez aquela expressão sinistra que ele costuma fazer quando algo não sai como planejado… — vi ela tremer o corpo, claramente com medo da carranca do meu pai — mas depois ele fechou os olhos e respirou fundo antes de dizer que se Anita era quem iria me fazer feliz, que então eu tinha a benção dele.
— Estou realmente feliz que ele tenha te abraçado nessa, Bee. — Sorri com ternura pra ela, que já tinha derramado algumas lágrimas.
— Tenho algo para te pedir.
— Sabia que você queria algo do seu pobre irmão — falei em tom dramático.
Ela revirou os olhos suspirando antes de me olhar com seriedade e carinho: — Quer ser meu padrinho de casamento?
Sorri bobo com aquele pedido, então puxei a ruiva pra um abraço forte. Meus olhos encheram d’água. Eu estava mole ou era a idade? Beatrice sempre foi muito fechada e eu sempre tentei perfurar a armadura que ela colocava em volta dela, no começo da juventude nós finalmente nos aproximamos quando descobri que ela gostava de garotas. Então, eu era o único com quem ela conversava sobre o assunto e claro, acobertava as fugidas dela.
Além de irmã, ela sempre foi uma grande amiga e esse pedido me tocou.
— , me solta! Você está suado… — Agarrei ela ainda mais e balancei a cabeça para as gotas de suor do meu cabelo caírem. — Ai, que nojo!
Soltei ela e a encarei antes de dizer:
— Claro que eu quero, com o maior prazer. — Sorri largo, uma coisa que era bem rara de eu fazer e minha irmã terminou de se emocionar, já que as lágrimas escorreram pelo seu rosto. Ela se virou com pressa e eu ri da reação dela.
— Compre um smoking novo e tem que ser vinho!
— Sim, senhora.
[…]
Eu escutava o recado do meu pai na minha caixa de mensagens pela terceira vez, aquilo me assustou, entrei em contato com Gian e não obtive resposta. Pela primeira vez eu estava preocupado que meu pai não fosse retornar para casa. O casamento de Beatrice era em duas semanas, ele precisava estar presente. Bea ficou tão feliz que meu pai aceitou o casamento e a Anita como nora, ela estava com tanto medo que quando ele disse que jamais pediria que ela fosse diferente, ela desabou em choro.
Ele precisava estar presente.
Caminhei em círculos pela varanda, já era o quinto cigarro que fumava em questão de minutos, eu estava ansioso pra caralho. Tinha ligado para Gian no mínimo umas 15 vezes e mais algumas para todos os soldados que estavam junto ao meu pai.
— Ninguém atende o caralho do telefone! — berrei.
— O que tá acontecendo, ? — Virei e vi Filippo com um vinco no meio da testa.
— Meu pai mandou uma mensagem muito estranha, parecia estar se despedindo, e ninguém atende a merda do telefone! — Passei a mão pelo cabelo, nervoso. — Gian não dá notícia faz três dias!
— Seu pai está a caminho de casa, …
— Como você…
— Era uma armadilha, como ele previu, mas estávamos um passo à frente.
— E ele achou que ia morrer?! Por que essa mensagem pareceu uma despedida, Filippo…
— Aconteceram alguns embates.
— O quão arriscado foi isso?
— Bastante, mas caso…
— Eu nem quero saber… — interrompi ele indo em direção ao banheiro lavar o rosto e quando levantei a cabeça vi meu primo pelo reflexo.
— Ele pediu que você esperasse no escritório.
Suspirei, olhando de soslaio para Filippo que deu de ombros, tudo aquilo não podia ser boa coisa. Meu pai escondia muitas coisas, coisas que eu nem sequer deveria sonhar e eu não sabia se estava preparado pra saber. Tomei um banho, troquei de roupa e desci para o escritório. Abri bem a janela grande que ficava na lateral da sala, acendi um cigarro e servi uma dose de whisky. Talvez eu fosse precisar.
— Vejo que atendeu meu pedido.
Ouvi a voz grossa e mesmo antes que pudesse virar, respondi:
— Eu tinha escolha? — Olhei meu pai e arregalei os olhos, ele estava com o braço esquerdo enfaixado e alguns cortes no rosto, desencostei da janela de prontidão. — O que aconteceu?!
— Ossos do ofício. — Ele caminhou e sentou em sua poltrona, enquanto eu seguia o encarando abismado, eu nunca vi meu pai machucado e aquilo me assustava. — Sirva uma bebida pro seu velho pai.
Caminhei até o bar e abri a garrafa de cristal onde ficava seu whisky favorito. Tudo que eu conseguia pensar era o medo do que viria a seguir. Ver meu pai daquela forma me fazia pensar no quanto somos frágeis. Sempre vi Otelo como invencível, imbatível e muitos outros adjetivos fortes, jamais imaginei que algum dia meu pai chegaria em casa tão abatido. Apaguei o cigarro no cinzeiro e coloquei o copo baixo em frente a ele, assim como o que servi para mim à minha frente, sentei na poltrona do outro lado da mesa e suspirei aguardando o que viria.
— Precisamos conversar… — Engoli em seco, a expressão do meu pai não era a das melhores e nem o peso em sua voz. — Você precisa assumir, .
— O que disse? — Pisquei algumas vezes.
— Chegou a hora de você assumir e pra isso preciso contar algumas coisas. — Respirei fundo e dei um generoso gole na bebida, fazendo uma careta em seguida, não sabia se o que tinha descido rasgando a minha garganta tinha sido o whisky ou a informação.
— Você está bem e vivo, pai…
— , não se preocupe, eu continuarei presente.
— Por que isso de repente? — Passei a mão em meu cabelo, nervoso.
— Algumas coisas aconteceram. Vou assumir a frente da Vick Inc e os negócios na Itália depois que exterminarmos de uma vez por todas os Delantera.
— Que coisas, pai?
— Um segredo antigo veio à tona, sabia que esse dia podia chegar, porém, eu contava com a sorte, que sempre esteve ao meu lado. — Fiquei em silêncio, esperando meu pai continuar, apesar do meu coração estar batendo acelerado no peito. — Sempre quis fazer algo diferente quando colocasse o prossimo, por mais que sigamos regras, meu sonho era colocar você e a como dons da Vincere. — Arregalei os olhos, não sabia onde ele queria chegar com aquilo tudo. — Só que o que eu mais temia aconteceu… A mãe de entrou em contato com ela.
Meus lábios entre abriram e o vinco na minha testa apareceu, então ele sabia. Oras, claro que sabia, o que meu pai não sabia? Ele tem ouvidos e olhos em todos os lugares, na Fascino não seria diferente e por mais que eu sempre soubesse disso, nos beijamos e quase fodemos naquela boate.
— Pela sua cara você já sabia disso…
— Ela… me contou.
— Pois bem, ela deve ter contado o que a Alessia disse. — Aquilo estava indo por um caminho que eu já sabia onde ia dar e não estava gostando nada. — É verdade, … não é minha filha.
Senti como se o teto desabasse sobre a minha cabeça e eu conseguia escutar as batidas do meu coração em meu tímpano, aquilo não podia ser verdade. Aquilo ia acabar com , ela mesma me confessou que não suportaria não ser da família.
— Não pode ser…
— Por isso que não posso colocá-la como Don, agora os soldados ouviram o que Alessia disse e por mais que eles não saibam a verdade, sempre vai existir a dúvida e a vontade de dar um jeito de descobrir. — Meu pai suspirou abaixando a cabeça e pegou seu copo, bebericando o líquido âmbar. Eu estava perdido, seguia olhando o chão embaixo dos meus pés para ter a certeza que ele continuava alí. — Isso fica entre nós, isso nunca pode sair daqui, entendeu? — Voltei a encará-lo sem acreditar no que estava ouvindo, ele estava pedindo pra eu mentir para ? — Nunca trate ela como alguém que não é da famiglia, , è mia figlia e lo sarà sempre! ( é minha filha e sempre será!).
— Eu nunca a trataria diferente por isso.
— Você está cuidando muito bem dela, eu vejo isso. — Minha garganta chegou a fechar minimamente com o comentário de Otelo. — É por isso que precisa assumir. Eles não podem desconfiar que o prossimo será outro além do meu filho de sangue, entendeu?
— Si signore.
— Não podemos deixar a solidez da Vincere se esvair agora, precisamos estar mais fortes do que nunca. Temos uma batalha pra vencer.
— E venceremos.
O trauma da guria, coitada. E ainda tem que surgir esse grilo falante saído do inferno pra assombrar a pobi.
Mas o bom é que esse episódio aproximou os pps de forma “amigável” de verdade, sem o “ódio” envolvido, vamos ver até quando vai durar e, se durar, para onde evoluiremos HEHEH
E eu acredito forte na teoria que ela não é filha do Otelo, todos oremos, amém.
PS: JUAN AINDA PERMANECE NA MINHA LISTA DE SUSPEITOS, UM BEIJO.
Já n basta a coitada estar na merda, nem morta a Carolyn descansa, que ódio
Eu amo sua determinação pra provar que Juan é do mal kkkkkk
Fillippo, por favor, fale pro nosso pp ir atrás de Alessia e descobrir tudo, só assim ele vai saber ajudar e tirar a pp desse poço. E também, dominar o jogo sobre Otelo, fazendo-o falar a verdade pra “filha”. E depois sejam o casal que esperamos tanto, com culpa, mas agora não mais sentiremos culpa.
Hahahahahaha será que ela ajudsria ou iria piorar a situação? Não sabemos se ela é realmente quem diz ser 👀
Eu amo uma amizade! (que não venha uma traição, por favor)
E o Nero… Bom, já tinha o nome do doido, não sei se dava para se surpreender com essa revelação, mas sabendo que ele tem uma paixão de infância eu estou desapontada. HAHAHA
E gente, PROTEJAM O THÉO PORQUE SE ALGO ACONTECER COM ELE EU INCORPORO O JOHN WICK, TEJE DITO.
Que não tenhamos mais traições, por favor, obrigada.
Primeiramente: O QUE EU FALEI SOBRE JUAN? EM JUAN NÃO CONFIAMOS. E que bichinho escorregadio, como que ele conseguiu fugir/enganar o pessoal?
Pietra e Matteo, vocês não vão conseguir ficar cinco minutos longe um do outro, apenas aceitem o fato E ALGUÉM FALA LOGO PRA ELES QUE A MÃE DA PIETRA TAVA FALANDO A VERDADE, METADE DO DRAMA IA ESTAR RESOLVIDO!!
MINHAS PRECES FORAM OUVIDA, AMÉM.
Tinha que ter alguma coisa nessa história toda que fosse pra contribuir pro bem dos personagens, né? Não que descobrir torne as coisas TÃO fáceis, mas já facilita alguma coisa, né?
AGORA NÃO TEM MAIS CULPA ENVOLVIDA PROS DOIS FICAREM JUNTOS, ENTÃO FIQUEM JUNTOS DE UMA VEZ, PELAMORDEDEUS
Eu tô com medo do que vai rolar nessa guerra de famílias, medo de quem pode cair no meio disso tudo. PROTEJAM O FILIPPO (mesmo eu ainda com o pé atrás kkkkk)