Fast Pace

  O relógio avisava que eu estava atrasado. Uma ironia. Eu nunca estava atrasado.

  A não ser quando meu ponto de referência se tornava ela.

  %Pâmela% estava sempre perfeitamente em sincronia com qualquer missão que poderia existir no submundo. Desde os serviços de roubos, assassinatos encomendados ou simples encontros para levar suas vítimas aos lugares corretos, ela sempre estava um passo à frente de mim, o que me tornava um profissional um nível abaixo dela.

  Eu nunca odiei ninguém como a odeio.

  Ódio que não justifica minha vontade de agarrar seu braço e puxá-la para mim quando ela, ofegante de uma corrida ou pós-missão, olha para mim e curva o canto esquerdo de seu lábio com a mensagem de que eu perdi de novo.

  Trabalhamos para uma agência de serviços diversos no submundo. Mas não qualquer agência. A Underskin é considerada A agência que você irá querer contratar para fazer um serviço sujo, mas extremamente bem feito. Cerca de 1% da população mundial possui recursos para bancar nossos serviços, o que nos torna praticamente um alvo para as agências menores que procuram crescer no mundo dos vilões. Mas para quem está acostumado a fazer um trabalho sujo de forma extraordinária, é bastante difícil nos derrubar.

  %Pâmela% e eu fomos contratados na mesma época, a 10 anos atrás. Ela veio de uma máfia no sul da Itália, onde seu papel de Consigliere dispensava qualquer apresentação. Não existiu, na história, uma mulher que estivesse neste posto, o que a torna praticamente uma lenda.

  Eu, por outro lado, vim de uma máfia sul-coreana. Após ter sido deserdado e excluído de minha família por meu comportamento agressivo, me uni, aos 15 anos, a um grupo que mais tarde se tornou um dos maiores grupos mafiosos da Ásia.

  Na Underskin o nosso trabalho é determinado por uma série de fatores: habilidades com armas, disfarces, comunicação e a capacidade mental e psicológica de entender que iremos sempre andar com um alvo em nossas costas.

  – O combinado era 16h30 - a voz de %Pâmela% soou baixa e venenosa, ao mesmo tempo que seu rosto mostrava um olhar inocente e o sorriso de uma mulher apaixonada.

  Abri um pequeno sorriso e segurei sua mão, cruzando nossos dedos e depositando um beijo em sua testa. Ainda lá, murmurei:

  – São 16h31.

  – Eu poderia fazer diversas coisas em 1 minuto.

  Me afastei dela e a olhei com um sorriso e um brilho no olhar.

  – Ah… eu adoraria saber que coisas seriam essas.

  %Pâmela% soltou uma risadinha e me deu um tapinha de leve no braço.

  – Você iria berrar.

  – Carlsons! - uma outra voz exclamou em um canto da área reservada do restaurante que entrávamos.

  A meta é fácil. Nós fingimos ser um casal que se mudou há pouco tempo para o Canadá, disponíveis para fazer novas amizades. A Cidade de Quebec reúne alguns milionários que andam fazendo coisas erradas e, por isso, se tornaram alvo de alguns empresários e empresas que desejam que a Underskin lhes dê uma lição – um aviso, eles pediram. Um aviso é mais barato, mas o susto vale o preço quase 10 vezes mais caro que em outra agência.

  Basta entrarmos no círculo de amizades íntimas destes empresários, e pronto. Temos acesso às residências e a todos os sistemas de segurança que os rodeiam. A partir daí, é só garantir um dedo decepado ou, quem sabe, o sequestro de alguma criança. Nada demais. Só um aviso.

  Essa é, geralmente, a parte mais divertida. Quando colocamos o plano em ação e os finalizamos com louvor.

  Contudo, com %Pâmela% designada a trabalhar comigo, não consigo evitar aproveitar a jornada.

  Seu saldo atual é de USD 2**.***.***.

  Joguei o peso do meu corpo para trás e a cadeira do meu escritório rangeu.

  O pagamento do último serviço havia caído na minha conta na noite passada, mas eu não estava satisfeito. Como todas as vezes que fiz trabalho em parceria de %Pâmela%, ela recebeu grande parte do louvor.

  – Sempre podemos contar com você, %Pâmela% - Blacko, o líder invisível, informou via áudio para nós dois quando voltávamos para a sede.

  Ergui uma sobrancelha e olhei para %Pâmela%, que não mostrou qualquer reação à mensagem. Continuou mexendo em sua pistola até que ela estivesse completamente limpa e desmontada dentro de sua pasta.

  Apesar da falta de interesse nela em ser a melhor, aquilo me deixava lívido. Lívido de raiva porque todo esse favoritismo havia começado há 6 anos, no mesmo dia em que nós dois decidimos que éramos melhores separados, do que juntos.

  Parecíamos dois cavalos de corrida. Era assim que brincávamos desde que conquistamos a intimidade um do outro e dividíamos nossos altos e baixos. Quando chegamos na Underskin, nenhum de nós tínhamos completado 25 anos. Éramos jovens experts em enganar e matar, mas nem eu, nem %Pâmela% tivemos o pensamento de eliminar um ao outro. No começo, parecíamos uma dupla. Lutamos juntos para sobreviver às provas que a agência nos passava. Não havia misericórdia, então ter alguém para nos apoiar mesmo que de longe já era alguma coisa.

  Com isso, desenvolvemos um sentimento semelhante ao amor. Tínhamos o outro em grande estima. Caminhávamos juntos para um bem maior. Para o nosso bem maior.

  Não sei quando %Pâmela% começou a apressar seus passos.

  Não sei quando, ao invés de vê-la ao meu lado, tinha apenas a visão de suas costas.

  E então, em um piscar de olhos, ela caminhava sozinha na frente, e eu sozinho atrás.

  – Você é uma prodígia nata. – Blacko disse em tom de pai orgulhoso.

  Ele não sabia que quem havia feito praticamente todo trabalho havia sido eu. %Pâmela% não tentou corrigi-lo. Levou os louros da missão mais valiosa até então.

  – Prodígia? - perguntei a ela, vendo seu olhar encontrar o meu.

  – Se não fosse por mim, você estaria morto – ela disse, relembrando dos últimos minutos da missão, onde quase levei um tiro.

  – Se não fosse por você, a missão teria acabado há duas semanas.

  – Foi sua escolha ser cauteloso. Eu teria resolvido tudo no mês passado, conforme havia dito no começo.

  Uma discussão sem fim.

  Decidi, então, que era melhor não confiar em ninguém. Desejei que ela tomasse um tiro algumas vezes… mas sua imagem morta retorcia grande parte dos meus órgãos, principalmente aquele vital, que precisa se manter ativo e batendo para eu viver.

  Entrei no escritório reservado para eu receber as informações de minha nova missão. Havia sido convocado há duas noites, um mês após minha missão com %Pâmela%.

  Abri a porta e quase cuspi o café que bebia.

  – Você está atrasado.

  De repente, a vontade de cometer um assassinado injustificável fez meus dedos coçarem.

  Olhei em meu relógio. 22h22.

  – Estou adiantado - respondo, lembrando do aviso de comparecer às 22h30.

  %Pâmela% não disse nada. Espalhou a mesma mensagem que havia recebido há duas noites na tela do projetor que havia na sala.

  22h00.

  Abri meu recado e vi que havia me enganado.

  – Merda. - murmurei.

  – Melhore. – ela somente disse e desembrulhou o papel do pirulito novo que havia trazido.

  Fechei minha mão em punho e travei minha mandíbula. Eu estava a um fio de cabelo de tirar a pistola do coldre e enviar uma bala em sua testa.

  Mas vi um pequeno sorriso nos lábios de %Pâmela% quando ela se virou para jogar o papel do pirulito no lixo.

  A desgraçada estava se divertindo.

  Percebi, então, que antes mesmo de eu começar a discussão com ela, eu já havia perdido.

  Porque ela estava sempre um passo à frente de mim.