Unexpected


Escrita porBetiza
Editada por Lelen


CAPÍTULO QUATRO

Tempo estimado de leitura: 18 minutos

  Era só vinho, cobertor e um filme ruim. Um acordo simples entre dois desconhecidos que fingiam que o clima não estava ficando mais denso a cada minuto.
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  %Lauren% estava na cozinha, pegando duas taças enquanto %Jisung% revirava o minúsculo armário da sala em busca dos DVDs que a pousada deixava como “cortesia”. Tudo antigo, em baixa resolução, e com sinopses que beiravam o absurdo.
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  — Achei um de comédia romântica dos anos 2000 com a Jennifer Lopez e um outro em que o mocinho é um cachorro — ele disse, virando-se com os dois cases em mãos. — Qual é a sua definição de “ruim”?
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  — O da Jennifer Lopez, com certeza — ela respondeu sem hesitar. — Ruim com gosto de guilty pleasure. Perfeito pra hoje.
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  — Concordo. O cachorro vai ter que esperar.
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  Enquanto ela abria o vinho, ele ajeitou os travesseiros no sofá, puxou o cobertor felpudo que ficava dobrado sobre a poltrona e conectou o DVD na TV com uma paciência surpreendente.
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  %Lauren% apareceu logo depois, entregando a taça para ele e sentando ao lado com uma distância segura — segura até certo ponto. O sofá não era grande. E o cobertor era só um.
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  — Você pode puxar metade — ela disse, ajeitando o pano sobre as pernas. — Mas sem invadir território alheio. Aqui é tipo guerra fria.
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  — Tranquilo. Estou treinado em manter fronteiras emocionais e físicas. — Ele ergueu a taça para um brinde simbólico. — Ao nosso pacto de negação.
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  — E ao nosso fracasso iminente — completou ela com um sorriso curto, brindando.
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  O filme começou.
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  No início, eles riram dos clichês, fizeram comentários baixos sobre os diálogos exagerados, e pareceram estar seguros naquela zona de conforto cuidadosamente construída. Mas conforme o tempo passou, o silêncio foi tomando conta.
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  A comédia perdeu o foco.
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  O vinho aqueceu os corpos.
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  E o cobertor, aos poucos, deixou de ser uma divisória… para ser compartilhado.
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  As pernas de %Lauren% acabaram encostando nas dele. Primeiro por descuido. Depois por escolha.
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  %Jisung% não recuou.
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  Mas também não avançou.
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  Ela sentia o calor do corpo dele mesmo sem olhar. Sabia exatamente onde ele estava, o quanto havia se aproximado, o que aquele silêncio dizia mesmo sem dizer nada.
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  Em algum momento, ela falou sem pensar:
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  — Você sente falta?
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  — De quê?
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  — De… dividir. De ter alguém. — Ela ainda olhava para a tela, mas não via mais nada do filme.
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  %Jisung% demorou a responder.
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  — Sinto falta de não ter que fingir que não sinto falta. Isso conta?
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  %Lauren% engoliu em seco.
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  — Conta muito.
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  E por alguns segundos, nenhum dos dois disse mais nada.
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  Mas ali, sob o mesmo cobertor, em pleno Dia dos Namorados que juraram ignorar, algo mudou.
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  Talvez o pacto ainda estivesse de pé.
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  Mas as barreiras, essas… estavam cada vez mais frágeis.
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🍃🍃🍃

  A TV seguia ligada, mas a história na tela já não fazia mais sentido para nenhum dos dois.
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  O cobertor agora cobria os dois por inteiro, e os corpos estavam tão próximos que era difícil distinguir onde um terminava e o outro começava. As pernas se tocavam. Os ombros também. De vez em quando, os joelhos se esbarravam e nenhum dos dois se afastava mais.
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  A taça de vinho de %Lauren% já estava apoiada na mesinha, esquecida.
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  Ela ajeitou o corpo para o lado, tentando mudar de posição no sofá apertado, e sem querer — ou querendo demais — seu joelho roçou o dele com mais firmeza. A mão dela escorregou, pousando brevemente sobre a coxa dele para se equilibrar.
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  Foi um segundo. Um segundo longo o bastante para fazer o ar mudar entre eles.
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  %Jisung% virou o rosto devagar, encontrando o dela a poucos centímetros de distância.
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  Ela também virou.
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  E o mundo pareceu parar, assim como a respiração dos dois.
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  Os olhos de %Lauren% desceram para os lábios dele, rápidos. Quando voltaram para os olhos, ele já os encarava com um tipo de silêncio que dizia mais do que qualquer frase mal formulada.
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  E então ele se inclinou.
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  Lento. Cauteloso. Esperando qualquer sinal para recuar.
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  Ela não se afastou. Muito pelo contrário…
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  As respirações se misturaram. A distância entre os rostos diminuiu. A tensão se esticou como um fio prestes a arrebentar.
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  Mas antes que os lábios se tocassem, um trovão distante cortou o céu, fazendo as janelas da cabana tremerem.
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  %Lauren% piscou. Voltou um centímetro para trás. O suficiente para o beijo não acontecer… O suficiente para o momento escapar por entre os dedos.
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  %Jisung% sorriu de leve, sem zombaria dessa vez. Só... aceitação.
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  — Guerra fria, lembra?
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  Ela mordeu o canto do lábio e assentiu, o coração ainda acelerado.
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  — Lembro. A gente tem um tratado.
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  — E aparentemente, um péssimo timing.
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  Ela riu, mas o riso foi mais nervoso do que antes. Mais exposto. Mais verdadeiro.
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  — Tá ficando difícil manter o controle — ela disse, baixinho, como se confessasse mais a si mesma do que a ele.
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  — E ainda faltam dois dias, alecrim dourado.
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  O filme continuava. Mas agora era só trilha sonora.
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  E entre eles, o espaço estava cheio de tudo o que quase aconteceu.
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  E de tudo que ainda podia acontecer.
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  %Lauren% havia escolhido tomar banho primeiro, como sempre, e %Jisung% tratou de ocupar a cabeça arrumando algumas roupas e escolhendo alguma para vestir depois do banho. Precisava urgentemente tentar distrair a cabeça do momento do quase beijo entre eles, ou enlouqueceria.
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  Abriu a mochila, começou a dobrar algumas peças, escolheu uma camiseta escura e uma calça de moletom limpa para vestir depois do banho. Refez a dobra de uma toalha, ajeitou os travesseiros do sofá. Qualquer gesto era melhor do que parar. Porque se parasse... pensaria demais.
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  No rosto dela a poucos centímetros.
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  Na forma como os olhos desceram para a boca dele.
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  Na respiração dela acelerando, no calor entre os dois.
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  “Merda.”
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  Ele passou as mãos pelos cabelos e sentou na ponta da cama, os cotovelos nos joelhos.
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  Ainda estavam em território neutro — tecnicamente. Mas por dentro, ele sentia que já tinha cruzado linhas invisíveis demais.
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  %Lauren% no banho não estava muito diferente. Deixava a água escorrer pelos ombros como se ela pudesse, de alguma forma, apagar os pensamentos que insistiam em voltar.
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  Fechou os olhos e encostou a testa na parede de azulejos, sentindo o calor da água encontrar o frio do azulejo. Um contraste perfeito para o que estava acontecendo dentro dela.
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  “Ele ia me beijar. E eu ia deixar.”
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  A constatação caiu pesada em seus ombros, como se só naquele momento ela realmente aceitasse.
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  “Pior. Eu queria que ele tivesse beijado…”
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  Mas ela não podia querer isso.
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  Não era só carência. Já sabia disso. Mas também não queria dar nome ao que começava a sentir — porque, uma vez que nomeasse, não teria mais como fingir controle.
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  Respirou fundo, tentando recuperar o eixo.
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  Saiu do boxe devagar, secou o corpo com calma, passou um creme perfumado nos braços. Colocou a camisola de seda salmão — aquela mesma, leve demais, bonita demais — porque no fundo, uma parte dela queria que ele visse. Que ele notasse. Mesmo que ela não admitisse.
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  Prendeu os cabelos em um coque frouxo, limpou os cantos dos olhos diante do espelho embaçado e se encarou por alguns segundos.
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  “Só dois dias. É só um fim de semana. E eu ainda posso fingir que nada disso significa nada.”
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  Com passos firmes, abriu a porta do banheiro e saiu para o quarto já escurecido, suavemente iluminado pela luz baixa da luminária de cabeceira e pela brasa discreta da lareira que ainda resistia.
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  %Jisung% ergueu os olhos ao ouvir o som da porta.
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  E viu.
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  E ali estava ela: %Lauren%, de camisola, pele aquecida do banho, os olhos mais calmos, mas carregando tudo o que ela também não dizia.
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  E de novo… o ar entre eles pareceu mudar.
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  %Lauren% saiu envolta em uma calma falsa que não enganava ninguém — menos ainda ele. A pele ainda úmida brilhava sob a luz morna do abajur, e a camisola salmão parecia desenhada para grudar na memória de quem a visse. As alças finas deixavam os ombros delicadamente expostos, e o tecido suave acompanhava os contornos do corpo com uma naturalidade que não deveria ser permitida.
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  %Jisung% não disse nada. Apenas olhou. E se obrigou a não deixar os olhos demorarem.
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  Mas o estrago já estava feito.
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  Ela cruzou o quarto com passos tranquilos, como se não tivesse consciência do próprio impacto. Mas ele sabia — no fundo, sabia — que ela estava ciente. E que o silêncio entre os dois estava cheio de tudo o que não estavam dizendo.
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  “Ela tá brincando com fogo.”
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  Ou talvez ele estivesse…
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  Ou talvez… os dois estivessem.
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  Sentiu o calor subir pelas costas, a garganta secar, o autocontrole começar a escorregar pelas bordas do raciocínio.
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  Levantou-se devagar, pegando a toalha que havia separado antes e a roupa limpa em cima da cômoda.
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  — Eu… vou tomar banho — disse, sem olhá-la diretamente.
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  %Lauren% apenas assentiu com a cabeça, como se estivesse ocupada demais dobrando a manta sobre a cama — uma desculpa perfeita para não encará-lo também.
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  %Jisung% entrou no banheiro com passos firmes e a respiração presa. Fechou a porta com um cuidado quase exagerado e encostou-se nela por dentro, os olhos fechados por um instante.
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  “Isso vai me matar.”
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  Ligou o chuveiro no mais frio que conseguiu suportar e entrou sob a água sem pensar duas vezes.
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  Talvez fosse a única chance de acalmar o corpo…e manter o controle por mais uma noite.
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  Quando %Jisung% saiu do banheiro, a primeira coisa que %Lauren% notou foi o cheiro.
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  Não era o sabonete neutro de sempre, nem o shampoo dois em um que ele havia brincado usar no dia anterior. Era um perfume amadeirado, limpo e sofisticado, que se espalhou pelo ambiente como uma presença invisível.
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  A segunda coisa foi a aparência dele. Calça escura bem ajustada, suéter de gola alta num tom vinho profundo, o cabelo ainda úmido perfeitamente ajeitado com os dedos. E nada dos óculos. Pela primeira vez, ela o via com o rosto completamente livre, e aquilo... fez algo dentro dela vacilar.
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  Ele parecia alguém que ia a um jantar importante. Alguém que ia sair.
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  %Lauren% engoliu seco, a surpresa estalando por dentro como uma pedra atirada em água parada. Sentiu o corpo ficar mais rígido sob a manta que mantinha sobre as pernas, mas forçou uma expressão neutra.
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  Quase conseguiu.
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  — Uau — soltou, mais como um reflexo do que uma decisão. — Alguém resolveu abandonar o visual “feriado em casa”.
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  %Jisung% sorriu de canto, puxando o relógio do criado-mudo e colocando no pulso com calma.
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  — Resolvi dar uma volta na vila. Esticar as pernas, respirar um pouco. O quarto tava começando a parecer pequeno demais.
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  %Lauren% assentiu, lenta, como se precisasse de tempo para processar o que ele não estava dizendo.
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  “Ele tá indo sair. Agora. Depois daquilo tudo.”
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  E ela sabia que não tinha o direito de sentir nada. Mas sentiu.
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  Sentiu como uma fisgada baixa, silenciosa, que não doía de verdade — mas incomodava. Como quem assiste alguém partir com algo que não deveria importar, mas importa mesmo assim.
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  — Claro — respondeu, com um sorriso leve, quase ensaiado. — Bom passeio, então.
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  — Obrigado. Volto logo.
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  E ele saiu.
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  Deixando para trás o rastro do perfume…
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  e uma %Lauren% completamente atordoada no sofá.
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  Assim que a porta da cabana se fechou atrás dele, o silêncio pareceu mais alto do que antes.
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  Mais incômodo. Mais irritante.
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  %Lauren% permaneceu ali, imóvel no sofá, ainda com a manta sobre as pernas, como se o corpo não tivesse recebido o comando de se mover. Só o som do vento lá fora, a madeira estalando com o calor da lareira e o leve aroma do perfume dele ainda suspenso no ar.
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  Ela inspirou fundo.
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  “Ok. Tudo bem. Ele só foi dar uma volta. Nada demais. A vila é pequena, as lojinhas são charmosas… talvez ele tenha ficado entediado.”
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  Talvez.
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  Mas a verdade martelava devagar na parte de trás da cabeça: ele saiu arrumado demais para só andar por aí.
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  O suéter vinho. O cabelo ajeitado. O perfume. O relógio no pulso.
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  “Quem se veste assim só pra ‘respirar um pouco’?”
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  Ela sentiu a mandíbula tensionar, e em seguida soltou um riso seco.
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  — Paranoia, %Lauren%. Puro surto emocional por causa de um quase beijo e meia garrafa de vinho.
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  Jogou a cabeça para trás, fechando os olhos por um momento. Tentou voltar à cena do sofá, ao calor do cobertor, ao filme idiota. Mas agora tudo parecia distante. Como se outra versão dela tivesse vivido aquilo.
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  A atual estava ali: Sozinha. Desarmada. Incomodada.
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  “Por quê?”
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  Porque ele não a beijou? Porque ele quis manter o controle? Ou porque agora parecia estar lá fora… com alguém?
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  “Você não tem esse direito”, ela repetia mentalmente. “Você não é nada dele. Isso aqui é uma cabana, uma coincidência, uma piada do destino. Nada além disso. E você queria ficar sozinha desde o começo, não queria?”
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  Mas mesmo assim... o peito apertava. Uma vontade quase infantil de saber onde ele estava, com quem, por quê…
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  Ela se levantou de repente, tirando a manta com um movimento seco. Caminhou até a pia, abriu a torneira só para encher um copo d’água, como se aquilo fosse devolver alguma lógica ao corpo.
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  Mas não devolveu.
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  Olhou pela janela, viu a chuva fina continuar caindo sob os lampiões da vila.
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  E percebeu que, mesmo querendo, não conseguiria fingir por muito mais tempo.
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  “%Han% %Jisung% está mexendo comigo.”
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  E isso era um problema real.
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CAPÍTULO QUATRO
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