CAPÍTULO TRÊS
Tempo estimado de leitura: 22 minutos
Monte Verde, Minas Gerais - Brasil. 12 de Junho de 2026
O sol da manhã filtrava-se pelas cortinas de linho cru, criando listras douradas no chão de madeira da cabana. O ar estava frio, mas não desconfortável. O tipo de frio que pedia café quente,
pão de queijo e uma blusa de lã.
%Lauren% foi a primeira a acordar. Tentando virar-se devagar, sentindo um calor inesperado atrás de si — e congelou.
O braço de %Jisung% repousava sobre sua cintura, como se, em algum momento da madrugada, ele tivesse se virado e a envolvido num gesto inconsciente. O corpo dele estava colado ao dela pelas costas, o calor da respiração dele batendo em sua nuca.
Ela fechou os olhos por um segundo, tentando decidir se o desconforto era real… ou se aquele contato despertava nela algo muito mais perigoso:
vontade de ficar ali por mais tempo. Devagar, retirou a mão dele com delicadeza, tentando não acordá-lo. Mas assim que fez isso, %Jisung% resmungou baixo, os olhos se abrindo em seguida.
— Já é de manhã? — a voz saiu rouca, ainda arranhada pelo sono. Ele piscou, focando nela. —
A gente… dormiu colado? — Você que veio parar em mim. — Ela se virou, tentando soar firme. — Teve um momento ali que eu pensei que ia acordar grávida só pelo contato.
Ele soltou uma risada baixa, ainda sonolento, e se afastou, sentando na beirada da cama.
— Desculpa. Costumo dormir sozinho. Meu corpo deve ter se confundido.
— E o meu se sentiu invadido. Mas ok. — Ela também se sentou, puxando o roupão e enrolando-o ao redor do corpo. — Tá perdoado… por enquanto.
Pouco depois, os dois desceram até o restaurante da pousada para o café da manhã. O lugar era acolhedor, com janelas grandes e vista para as montanhas cobertas de neblina. A lareira da sala comum já estava acesa, espalhando um calor gostoso pelo ambiente.
%Jisung% pegou duas xícaras de café e colocou uma na frente dela, sentando-se à mesa de madeira rústica.
— Paz e pão de queijo. É o que eu preciso hoje.
— Concordo. — %Lauren% passou manteiga em uma fatia de pão fresco. — E talvez uma massagem no spa. Ou uma lobotomia, caso você encoste em mim de novo dormindo.
— Ei, não me provoca. Posso encostar agora acordado, se preferir.
Ela ergueu os olhos, encontrando o sorriso dele.
— Vai acabar se apaixonando, %Han%.
— Já sobrevivi a coisa pior.
Ela riu, e por um instante, o ar entre eles ficou leve.
Sem piadas forçadas, sem máscaras.
Apenas dois desconhecidos… começando a deixar de ser.
🍃🍃🍃
Depois do café, %Lauren% decidiu explorar a vila por conta própria. Colocou um casaco leve, botas e saiu com o objetivo de caminhar sem rumo pelas ruelas floridas e pelas lojinhas cheias de artesanato, doces e lembranças. O céu ainda estava nublado, mas a brisa fria tornava tudo mais cinematográfico do que desconfortável.
Ela andou por um tempo, entrando em uma livraria charmosa, depois numa loja de velas artesanais, onde comprou uma que dizia
“calmante para coração partido” — e riu sozinha da ironia. Estava quase convencida de que conseguiria passar o resto do dia sozinha, em silêncio, em paz.
Mas o destino —
ou o azar, quem sabe — parecia decidido a não deixá-la muito tempo longe de %Han% %Jisung%.
Ela o avistou perto do coreto da praça principal, debaixo de uma árvore, observando um mapa turístico com cara de quem não sabia se estava perdido ou só entediado. Usava um casaco preto, uma das mãos nos bolsos e a outra segurando o mapa, o cabelo bagunçado pela umidade do ar.
Ele também a viu. E sorriu.
—
Stalkeando meu roteiro ou foi coincidência? — ele perguntou quando ela se aproximou.
— Isso aqui tem dois quilômetros quadrados. A gente ia se esbarrar de qualquer forma — respondeu, cruzando os braços, embora um leve sorriso estivesse se formando em seu rosto.
Antes que ele pudesse retrucar, um trovão cortou o céu. E segundos depois, a chuva caiu — fina, gelada e implacável.
— Ah, claro — %Lauren% resmungou. — Clímax de comédia romântica ativado.
Eles correram juntos até uma marquise estreita, ao lado de uma loja fechada, encolhendo os corpos um contra o outro para caberem no espaço seco. Estavam próximos demais. Respirando o mesmo ar. Sentindo o cheiro do outro. A pele do braço dele tocando a dela.
— E eu que achei que
Monte Verde fosse mais romântico do que dramático — ele murmurou, sacudindo o cabelo molhado.
— Romântico é um quarto só. Uma cama só. Uma camisola de seda.
Ele virou o rosto para ela, surpreso pelo comentário.
%Lauren% desviou o olhar com um sorrisinho nos lábios.
— Pena. Porque eu não estava.
Ela piscou, o sorriso sumindo por um segundo. A chuva batia forte no chão de pedras, mas o som que enchia seus ouvidos era outro.
— Calma, alecrim. — Ele sorriu de lado, mais suave agora. — Só disse que não estava brincando. Não disse que ia fazer nada a respeito.
Ela o olhou por um segundo longo demais, o coração inquieto.
“Ele é só um estranho. Três dias. Só três dias…” Mas havia algo nos olhos dele que ela já conhecia. Algo que o ex-namorado nunca teve: calma. Presença. Cuidado disfarçado de ironia.
O silêncio voltou a se instalar entre os dois — mas, mais uma vez, não era desconfortável.
Era o tipo de silêncio que preenche, não que pesa.
O trovão seguinte sacudiu as montanhas ao fundo, mas nenhum dos dois se mexeu.
Sob a marquise estreita, com o som da chuva e os corações batendo num ritmo estranho, %Lauren% e %Jisung% apenas ficaram ali.
Sem se afastar. Sem se aproximar demais. Sem saber o que fazer com o que estavam começando a sentir.
E talvez, só talvez... fosse assim que tudo começava.
🍃🍃🍃
Quando voltaram para a cabana, a chuva ainda caía lá fora, pesada, densa e intensa. Os dois estavam molhados, — encharcados na verdade, e %Lauren% tirou o casaco, colocando o mesmo em um canto no chão.
Os cabelos dela estavam colados nas têmporas, os fios escuros grudados à pele, e a fina blusa que ela usava por baixo do casaco já começava a grudar no corpo, revelando mais do que escondendo.
%Jisung% entrou logo depois, empurrando a porta com o pé antes de puxar a própria jaqueta molhada e pendurá-la na maçaneta.
— Tá parecendo cena de filme mesmo... — ele comentou, tirando os tênis encharcados e alinhando-os perto da porta.
— Se for, espero que tenha vinho e coberta quente no roteiro — %Lauren% respondeu, abraçando o próprio corpo para afastar o frio que começava a morder a pele molhada.
Sem pensar duas vezes, %Jisung% se aproximou da lareira, se abaixou e começou a empilhar a lenha que já estava preparada no cesto.
— Deixa que eu acendo — disse ele, com a voz mais baixa. — Vai se trocar. Você tá tremendo.
Ela hesitou por um instante, observando o gesto, a naturalidade dele em cuidar daquela pequena tarefa sem alarde, e então assentiu. Seguiu até o banheiro, sem pressa, sentindo as roupas colarem nas coxas a cada passo.
Enquanto isso, %Jisung% riscou o fósforo e acendeu a lareira. O estalo da madeira começando a queimar trouxe um calor imediato, preenchendo a cabana com o som familiar e reconfortante do fogo.
Quando %Lauren% voltou depois do banho, já vestida com uma calça de moletom cinza e um suéter largo que cobria uma parte da mão, encontrou a sala aquecida e %Jisung% agachado diante da lareira, ainda de camiseta, agora com os cabelos bagunçados e a expressão serena.
Ela parou na entrada do quarto, por um instante apenas observando.
Ele parecia… diferente. Quase bonito demais naquela luz amarelada, com as sombras do fogo dançando sobre a pele. Diferente do homem resmungão que conheceu no balcão da recepção.
— Já tá bem mais digno de comédia romântica agora — ela disse, quebrando o silêncio.
%Jisung% se virou, os olhos encontrando os dela.
— Faltam só as taças de vinho, então.
— E você sabe abrir uma garrafa ou é do tipo que se machuca tentando?
— Me respeita. — Ele se levantou. — Já sobrevivi a um término e a dividir uma cama com uma mulher com TOC. Eu consigo abrir uma garrafa.
Enquanto o fogo crepitava e a chuva insistia lá fora, duas taças foram preenchidas, e o silêncio daquela noite parecia menos incômodo do que o da anterior.
%Jisung% deu uma rápida bebericada em seu vindo e depois depositou a taça sobre a estante de livros e resolveu que precisava de um banho também. E não era só pela chuva. Ou pelo frio. Ou pelo fato de estar com os pés molhados desde o café da manhã.
Ele precisava de um banho para reorganizar os pensamentos. Para respirar fora do alcance daquele perfume leve que ela exalava. Para tentar entender por que, em menos de 24 horas, uma mulher que chegou chamando-o de
"príncipe encantado" com sarcasmo já estava ocupando mais espaço em sua cabeça do que deveria.
“Isso aqui era pra ser um fim de semana de descanso”, ele lembrou a si mesmo, caminhando até o quarto e puxando a toalha com mais força do que o necessário. “
Silêncio. Isolamento. Autocuidado.” Não olhos que pareciam enxergar mais do que ele deixava mostrar.
Não camisolas de seda nem provocações com riso escondido.
Ele entrou no banheiro e ligou o chuveiro, deixando a água quente escorrer antes mesmo de tirar a camisa. Ficou ali, parado, observando o vapor tomar conta do espelho.
— Respira, %Han% — murmurou para si mesmo. — Só mais dois dias.
Do lado de fora, a chuva continuava a cair, e o fogo estalava na lareira. E por mais que ele tentasse se convencer de que ainda tinha tudo sob controle, uma parte dele — pequena, mas incômoda — já sabia: Era tarde demais pra isso.
🍃🍃🍃
%Lauren% permaneceu sentada no sofá, os pés descalços encolhidos sob as pernas, a taça de vinho entre os dedos. A lareira mantinha o ambiente aquecido, mas havia outra coisa queimando por dentro — algo que ela não queria nomear. Ainda não.
Ouviu a porta do banheiro se fechar e, logo em seguida, o som da água correndo. Fechou os olhos por um momento, tentando se concentrar no crepitar da lenha, no som constante da chuva, no peso leve do vinho no estômago.
Mas não adiantava. A imagem dele continuava ali. %Jisung%. De camiseta preta, cabelos molhados, aquele jeito meio desorganizado, meio cuidadoso.
“É só carência, ela tentou se convencer.
Só isso. Um feriado, uma cama compartilhada e um cara minimamente bonito e decente. Óbvio que meu cérebro ia inventar alguma coisa.” Ela deu mais um gole no vinho.
Desde o término, sua cabeça andava uma bagunça. Ela dizia que estava bem, que precisava de paz, de reconexão com ela mesma — mas, no fundo, havia um buraco. Um tipo de solidão que nem música, nem filmes, nem mensagens das amigas conseguiam preencher por completo.
E agora, ali estava ele. Um completo estranho. Gentil às vezes, rabugento outras, mas absurdamente humano. Real. Com suas falas tortas e olhares que não sabiam disfarçar tanto quanto ele imaginava.
Sentia o corpo reagir, sentia o coração dar sinais de que ainda funcionava, de que ainda reconhecia o perigo — ou o desejo.
“Mas não é isso que eu vim buscar. Não era por isso que eu precisava fugir. Eu não vim pra cair nessa de novo.” Ela se recostou, fechando os olhos, respirando fundo.
— Respira, %Lauren% — sussurrou para si mesma. — É só carência. Só carência.
Mas no fundo, ela já sabia: Se fosse
só isso… não estaria tentando tanto se convencer.
A chuva não dava sinais de trégua, mas ao contrário da tempestade pesada que caiu com eles na rua, agora caía constante e fina, cobrindo as ruas de Monte Verde com uma névoa quase poética.
%Jisung% saiu do banho renovado — por fora e por dentro. Encontrou %Lauren% sentada à beira da cama, penteando os cabelos úmidos com calma, o roupão substituído por uma calça jeans escura, botas e um suéter branco de gola alta que a deixava casual e
absurdamente bonita. Ele passou a toalha pelos cabelos uma última vez, fingindo não notar que seus olhos ficaram tempo demais nela.
— A chuva parece que virou moradora oficial da cidade — ela comentou, levantando-se e ajeitando a alça da bolsa no ombro. — Tô com fome. E se a gente tentasse achar algum lugar por perto pra almoçar?
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Achei que ia preferir comer em silêncio, longe da minha presença irritante.
— E eu prefiro mesmo. Mas acho que a fome venceu o orgulho. E eu sou muito boazinha, você que não quer admitir.
Ambos se agasalharam, pegaram guarda-chuvas — um deles meio quebrado, o que rendeu uma briga rápida e um
“você leva esse porque é homem e aguenta mais” — e saíram cabana afora pelas ruas de pedra da vila.
A neblina tornava tudo mais silencioso, mas os restaurantes estavam abertos, alguns com placas escritas à mão convidando para pratos quentes e caldos artesanais. Passaram por uma vitrine de fondue e depois por uma cafeteria, até que %Lauren% apontou para uma pequena casa de esquina, com janelas em arco e luz amarelada acolhedora saindo de dentro.
— Desde que não sirvam lasanha congelada em embalagem de plástico, pra mim tá ótimo — respondeu ele, empurrando a porta de madeira.
O sino pendurado no alto tilintou quando entraram. O cheiro de comida caseira, lenha e vinho tinto era reconfortante.
Foram levados a uma mesa próxima à janela, com vista para a rua encharcada e as árvores dobradas pela brisa fria.
— Parece cenário de filme francês — %Lauren% comentou, olhando lá fora, os dedos envoltos na xícara de água quente que a atendente trouxe antes dos pratos.
— Ou de pesadelo, se for seu primeiro encontro e você não tiver guarda-chuva — ele respondeu, tirando o casaco e pendurando-o na cadeira.
Ela sorriu. Não respondeu. Estava ocupada demais observando a forma como ele limpava os óculos com cuidado, ajeitava o cabelo rebelde e se inclinava para frente ao escutar — como se ouvir fosse uma ação intencional.
Almoçaram um risoto de cogumelos e um prato mineiro com
tutu, couve e bisteca. A conversa foi leve, misturando histórias despretensiosas — ela falando da vez que caiu de um pedalinho num lago, ele contando de quando foi parar numa festa de casamento achando que era um bar aberto ao público.
— Você tem cara de quem se mete em encrenca — ela disse, limpando a boca com o guardanapo de papel.
— E você tem cara de quem começa elas.
Ela ergueu a sobrancelha.
— O que nos torna perigosamente compatíveis.
Ele sustentou o olhar por um segundo a mais, o sorriso sumindo devagar.
— Ou perigosamente imprevisíveis.
O garçom apareceu, quebrando a tensão com a sobremesa — um brigadeiro de colher compartilhado sem combinar.
Na volta para a cabana, debaixo do mesmo guarda-chuva remendado, caminharam lado a lado em silêncio. O tipo de silêncio que não pedia explicações.
E quando chegaram à porta de madeira da cabana catorze, %Lauren% o encarou por um segundo antes de empurrar a maçaneta.
— Acho que acabei de ter um bom almoço na data mais ridículo do ano.
— E eu acabei de rir de verdade pela primeira vez nesse mês.
Ela sorriu. Não disse nada.
E a chuva continuou a cair — agora, quase como trilha sonora.
Só então os dois pareceram se dar conta de que de fato, já era dia 12 de junho, ignorado e evitado
Dia dos Namorados.
E ali estavam eles. Dois completos estranhos que, até ontem, pretendiam passar o feriado sozinhos... almoçando juntos, rindo juntos, e agora dividindo mais do que só a cama da cabana 14.
%Lauren% tirou o casaco com um suspiro leve, pendurando-o no cabide ao lado da porta. %Jisung% fez o mesmo, em silêncio. A lareira ainda guardava o cheiro da noite anterior, e o clima ali dentro parecia mais quente do que deveria.
Foi quando ela se virou para ele — e ele já a observava.
O olhar que se sustentou entre eles não era de provocação. Não havia ironia, nem zombaria. Era denso. Quente. Real.
Os olhos dele a exploravam com calma, como se tentassem decifrá-la. Como se já estivessem vendo mais do que ela gostaria que vissem.
%Lauren% ficou imóvel por um instante, o coração batendo mais rápido do que deveria. Sentiu o ar nos pulmões ficar mais pesado. Queria dizer alguma coisa, qualquer coisa — mas não havia nada que soasse leve o suficiente.
Então quebrou o contato visual. Rápido, como quem se protege de um mergulho mais fundo do que sabe nadar.
— A gente podia… — começou, tirando os sapatos como desculpa para olhar para o chão. — Sei lá. Abrir mais um vinho, montar alguma coisa na lareira. Comer besteira. Assistir um filme ruim na televisão do quarto.
%Jisung% levou alguns segundos para responder. E quando o fez, a voz era baixa, mas carregada de algo que ele também tentava disfarçar.
— Tipo um antídoto pro clima de
“dia dos casais felizes”?
— Exato. — Ela endireitou o corpo e cruzou os braços. — Um pacto de negação. Um acordo entre dois solteiros em recuperação. Sem insinuações. Sem significados. Sem consequências.
Ele assentiu, caminhando até a pequena cozinha.
— Um plano sólido. Mas eu faço questão de escolher o filme ruim.
Ela arqueou uma sobrancelha, mais aliviada do que queria demonstrar.
— E eu faço questão de comentar cada cena como se fosse uma crítica profissional.
— Então estamos ferrados. — Ele abriu um sorriso leve. — Fechado, %Lauren%.
Ela ouviu seu nome sair da boca dele com naturalidade, e por um segundo… doeu de um jeito bom.
Mas no fundo — e os dois sabiam — nada ali estava, de fato, fechado.
Só trancado. E começando a ameaçar arrebentar por dentro.
🍃🍃🍃