Capítulo 1
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Os anos haviam passado, transformando o entusiasmo de uma jovem estudante na sagacidade afiada da detetive %Alexandra% %Vance%, uma figura respeitada na Divisão de Homicídios de uma das maiores cidades dos Estados Unidos. Seus pais, Lorraine e John %Vance%, um casal de aposentados com os cabelos já salpicados de prata e as rugas do tempo suavemente marcadas em seus rostos, haviam se mudado de uma pacata cidade do interior para estar mais perto da única filha, acompanhando de perto sua ascensão profissional com um misto de orgulho e a preocupação inerente a qualquer pai.
O rádio da viatura quebrou o silêncio da noite, mas não para %Alex%. O chamado só viria na manhã seguinte. O corpo da professora Leslie Walsh, de 39 anos, foi encontrado nas primeiras horas da manhã, quando a luz ainda era pálida e os primeiros raios de sol tentavam romper as nuvens. A zeladora da Maplewood Elementary, uma mulher de meia-idade com a rotina marcada pelo cheiro de produtos de limpeza e café, foi a primeira a chegar. Ela destrancou o portão principal, atravessou o pátio vazio e virou a esquina para o playground.
O grito dela, agudo e aterrorizado, ecoou pelo silêncio da manhã.
Minutos depois, as sirenes cortariam o ar, e %Alex% receberia o chamado urgente.
"Unidade 47, homicídio. Playground da Maplewood Elementary, Jardim de Infância. Vítima feminina." %Alex% apertou o volante, o brilho da tela do GPS iluminando seu rosto em sombras fugazes.
Ao seu lado, no banco do passageiro, estava Liam. Ele havia sido seu parceiro desde que ela se tornara detetive, um homem calmo e observador, cuja mente metódica muitas vezes complementava a intuição aguçada de %Alex%. Um olhar rápido entre eles bastou para comunicar o que ambos já sabiam: um chamado para uma escola de jardim de infância ao amanhecer, com um grito de horror, raramente significava algo bom.
As luzes azuis e vermelhas das viaturas já pintavam a escuridão que teimava em se dissipar nas árvores desfolhadas e nos muros baixos da escola. A fita amarela da polícia isolava o playground, onde balanços e escorregadores pareciam espectros silenciosos sob a iluminação fria dos holofotes forenses. O ar, pesado e úmido, carregava o cheiro de terra molhada e um leve, quase imperceptível, odor metálico. Murmúrios contidos de peritos e técnicos forenses quebravam o silêncio tenso, misturados ao som ocasional de um rádio policial.
No centro da clareira arenosa, entre um escorregador colorido e uma estrutura de balanços, jazia o corpo da professora Leslie Walsh, de 39 anos. Ela estava deitada de costas, com os olhos azuis abertos e fixos no céu cinzento do amanhecer, quase como se ainda observasse as primeiras estrelas se apagarem. O vestido de tecido floral que usava, com pequenas margaridas desbotadas, estava impecável, sem uma dobra sequer ou mancha de sujeira. Os sapatos de sola baixa, surpreendentemente limpos, permaneciam perfeitamente nos pés. Era uma imagem de paradoxal paz e limpeza, se não fosse pelo que a envolvia.
O corpo de Leslie estava meticulosamente enrolado em arame farpado. As espirais de metal enferrujado serpenteavam do pescoço aos tornozelos, formando uma mortalha grotesca que, estranhamente, não parecia ter perfurado a pele. O arame não estava ali de forma caótica ou violenta, mas com uma precisão quase artística, como se Leslie tivesse sido cuidadosamente "costurada" ao seu próprio leito de morte. No peito da mulher, sobre o tecido do vestido e o arame, um pentagrama perfeito, desenhado com um pigmento vermelho escuro que parecia quase tinta a óleo, brilhava sob a luz dos holofotes.
Não havia uma única gota de sangue na cena, nem na areia abaixo da vítima, nem em suas roupas ou cabelos. A areia ao redor estava intocada, sem marcas de luta, arrastões ou pegadas estranhas além das da equipe forense. Parecia que Leslie havia sido morta em outro lugar e, depois de limpa, arrumada e vestida, fora trazida e disposta ali como uma peça de exposição.
%Alex% parou a poucos metros do corpo, as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo, o rosto sério. Seus olhos esquadrinhavam cada detalhe da cena, sua mente de detetive ativando-se para compartimentalizar o horror e buscar lógica onde parecia não haver nenhuma. Mas a visão daquele corpo, tão cuidadosamente profanado, disparou algo profundo e visceral dentro dela.
Uma onda de repulsa e náusea se ergueu em sua garganta. Não era apenas a brutalidade da morte, mas a perversão calculista da cena. A forma como a vítima estava limpa, arrumada, quase reverenciada na morte, era mais assustadora do que qualquer banho de sangue que já presenciara. Havia um sadismo frio, uma patente falta de humanidade que a atingiu em cheio, disparando um alarme silencioso em sua intuição.
Ela sentiu uma inquietação persistente. Aquele modus operandi não se encaixava em nada que ela já vira em seus anos de carreira. O arame farpado e a limpeza impecável, a ausência de vestígios de luta no local — eram elementos que gritavam sobre um assassino de controle obsessivo. E o pentagrama. Isso adicionava uma camada de simbolismo ou ritual que era completamente nova, algo quase místico, em seu registro de serial killers da cidade.
— Limpo demais — murmurou Liam ao lado dela, seu tom baixo e reflexivo. — Nenhum rastro. Parece que ele queria que ela fosse encontrada exatamente assim.
%Alex% assentiu lentamente, o olhar ainda fixo no pentagrama, na perfeição macabra daquele corpo. Uma sensação gélida, um pressentimento sombrio, começou a se instalar em seu peito. Aquilo não era apenas um homicídio. Era o início de um jogo. E a chama, o fogo da perversão do assassino, acabara de ser acesa, pronta para queimar.
...
A viagem de volta para a delegacia foi silenciosa, pontuada apenas pelo zumbido do rádio e o som dos pneus no asfalto molhado. %Alex% estava no banco do passageiro, a imagem da Professora Leslie, envolta em arame farpado e com o pentagrama no peito, gravada em sua mente. O horror da cena ainda a acompanhava, uma sensação gélida que se recusava a ir embora. Ao seu lado, Liam dirigia com a calma habitual, os olhos fixos na estrada.
Na sala de reuniões da Divisão de Homicídios, as informações coletadas na cena do crime começaram a ser organizadas e projetadas em um grande monitor. %Alex%, apesar da exaustão, forçou-se a focar, a parte detetive dela assumindo o controle.
— Sem sinais de arrombamento, sem evidências de luta na cena. — O perito de plantão, um homem jovem e pálido, explicava com a voz monótona. — Como observamos, o corpo foi trazido para o local pós-morte. A ausência total de sangue é notável; ele foi drenado ou a morte não ocorreu por hemorragia externa. Não há ferimentos visíveis que possam ter causado a morte da vítima, o que torna a autópsia ainda mais crucial.
Liam, com a voz calma e analítica, complementava:
— O modus operandi é... peculiar. A forma como o corpo foi limpo, arrumado, a exibição macabra no playground... a assinatura é de um assassino extremamente metódico e com um senso de teatralidade. E o pentagrama. Isso é novo para nós.
%Alex% observava as fotos, cada detalhe da cena sendo dissecado. A limpeza impecável do corpo, a ausência de vestígios, a precisão do pentagrama, o arame farpado. Tudo gritava sobre um criminoso calculista e obcecado por controle. Ela sentia que não era apenas um homicídio, mas uma declaração.
Sua mente de detetive trabalhava incansavelmente, tentando encaixar as peças de um quebra-cabeça que parecia não ter lógica aparente. Quem seria capaz de tal frieza e precisão? E por que a Professora Leslie?
O silêncio na sala foi quebrado pela voz suave de Liam, uma pergunta que, para %Alex%, pareceu surgir do nada, em um momento de tanta tensão.
— A propósito, %Alex% — ele disse, virando-se para ela, os olhos escuros fixos nos dela, um leve sorriso nos lábios. — Como anda aquela investigação que você reabriu recentemente? O caso de desaparecimento antigo? Alguma nova pista sobre a família da vítima... Sabe... A família que simplesmente sumiu?
%Alex% ergueu o olhar, um breve momento de surpresa atravessando a exaustão. O caso de desaparecimento que ela havia reaberto era um dos mais intrigantes e frustrantes de sua carreira, um mistério gelado que a perseguia há semanas. Ela apenas assentiu, a mente já voltando para a cena do crime de Leslie.
— Está... em andamento, Liam — ela respondeu, a voz cansada. — Difícil. Muito difícil. Sem vestígios, sem corpo, sem nada que ajude a fechar o caso.
Liam apenas assentiu novamente, um olhar de compreensão em seu rosto, e virou-se para as imagens projetadas, como se a pergunta fosse apenas uma gentileza rotineira entre colegas. %Alex% não pensou mais no assunto, sua atenção já totalmente consumida pelo enigma da professora Leslie.
...
O cheiro de formol e desinfetante no necrotério era um lembrete gélido da frieza da morte, um contraste gritante com o cheiro adocicado da terra no playground. %Alex% e Liam esperavam no corredor, enquanto o corpo da Professora Leslie Walsh passava pelos procedimentos iniciais. O silêncio tenso era quebrado apenas pelo burburinho distante de outros funcionários.
Quando a porta se abriu, a Dra. %Charlotte% Hayes surgiu, limpando as mãos enluvadas. %Charlotte% era uma legista experiente, com olhos perspicazes e uma mente tão afiada quanto o bisturi que manejava profissionalmente. Mais importante, ela era uma das poucas pessoas que %Alex% considerava uma amiga de verdade, uma confidente para além dos horários de trabalho. O cansaço estava visível em seu rosto, mas a gravidade da descoberta suplantava qualquer exaustão.
— %Vance%, Reid. Entrem. — %Charlotte% gesticulou, a voz grave. — Temos algo.
Lá dentro, o corpo de Leslie jazia sobre a mesa de autópsia, o pentagrama ainda visível em seu peito, embora o arame farpado já tivesse sido removido para a análise pericial.
— Não houve luta, não há marcas de agressão externa óbvias — %Charlotte% começou, apontando para a pele intacta da vítima. — A causa da morte... foi envenenamento. Uma injeção direta na veia jugular. — Ela indicou um ponto minúsculo e quase imperceptível no pescoço da vítima, escondido sob a linha do queixo. — Foi administrada uma dose letal de cloreto de potássio.
%Alex% sentiu um arrepio na espinha. Cloreto de potássio. Usado em execuções por injeção letal. Mas também, em menores concentrações, era um composto incrivelmente comum.
— Por isso não havia sangue na cena — murmurou Liam, o rosto inexpressivo. — Nenhum ferimento externo. O assassino queria isso limpo. Perfeito.
— Exato. O cloreto de potássio causa parada cardíaca quase instantânea, sem deixar vestígios de trauma externo. E por ser injetado diretamente na veia, não há extravasamento. Ele sabia exatamente o que estava fazendo. É um veneno de ação rápida e limpa.
%Alex% se aproximou da mesa, a mente tentando absorver a informação.
— Cloreto de potássio... isso é... É fácil de conseguir?
%Charlotte% removeu suas luvas, os olhos fixos nos de %Alex%.
— Em grandes quantidades para esse fim, não é tão simples, mas o composto em si está presente em inúmeros produtos do dia a dia. Fertilizantes, sais de reidratação, até mesmo em certos suplementos alimentares e produtos de jardinagem. É um componente onipresente na indústria e no comércio. Em pequenas concentrações, pode ser comprado em qualquer loja de jardinagem ou de produtos químicos básicos, sem grandes restrições. Um balde de fertilizante comum pode ter uma quantidade suficiente para isolar a substância letal, se você souber o que está fazendo.
%Alex% e Liam saíram do necrotério, a frieza do ar noturno da capital contrastando com a temperatura fria da sala de autópsia. As informações, ao invés de clarear, pareciam criar uma névoa ainda mais densa em torno do caso.
— Então, temos um serial killer que limpa as vítimas, as arruma em poses macabras, deixa pentagramas e as mata com um veneno que não deixa marcas externas visíveis. — %Alex% resumiu, sua voz contida. — E o veneno é algo que pode ser encontrado em qualquer prateleira de supermercado ou loja de jardinagem.
Liam suspirou, passando a mão pelos cabelos.
— Isso torna a busca pela arma do crime praticamente impossível. Milhões de pessoas têm cloreto de potássio em casa ou no quintal. Sem um rastro claro da substância, sem um fornecedor específico... não temos para onde ir nessa frente.
Eles caminhavam lado a lado pelo estacionamento da delegacia, o silêncio entre eles carregado de frustração. A habilidade do assassino em não deixar rastros, em usar uma arma tão comum e ao mesmo tempo tão letal, era perturbadora. O caso da Professora Leslie se tornava um mistério ainda mais impenetrável. %Alex% sentia o peso da invisibilidade do inimigo, um fantasma que não deixava pegadas, apenas corpos com mensagens silenciosas.