Capítulo 01
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Sua visão estava turva, seus olhos pareciam pesar. Pesavam devido às lágrimas que saiam deles. Seu coração parecia esmagado por dentro, e tudo o que passava em sua mente era a discussão que ela tivera com Kevin, seu namorado. Fechou os olhos e, automaticamente, as lembranças daquele dia invadiram sua mente.
O barulho da rua era a única coisa que a fazia perceber que não estava surda. Os dois se encaravam, o olhar castanho penetrante de Kevin a condenava. Ela apenas não se sentia confortável com isso, não agora. Era uma noite fria em Portland, e o brilho negro do céu deixaria o clima romântico se não fosse pela situação que eles se encontravam. Kevin, indignado, estacionou o carro na estrada e sua namorada foi a primeira a sair. Com um andar lento, ele se aproximou dela. Sarah não sabia o que esperar diante de toda a tensão. Talvez ele terminasse? Não, ele não era do tipo explosivo. Um bom homem, certamente. Porém, mesmo aqueles que são bons se corrompem. Ele apenas se aproximou, a olhou nos olhos e ficou em silêncio.
– Sarah, eu não entendo. Por que não quer? – Kevin perguntou ficando ao lado dela no capô do carro.
– Eu não me sinto confortável em ver seus pais agora, eu quero esperar mais um pouco! – Sarah explodiu, descarregando toda a angústia que sentia diretamente nele.
– Como não? Você está saindo comigo faz quatro meses e não tem coragem de fazer uma programação comigo e minha família? Poxa! – Kevin magoado se afastou. – Eu não quero estragar nossa noite, mas preciso que você seja sincera comigo, e tome uma decisão logo. –Disse entrando no carro. Segundos depois Sarah o acompanhou colocou o cinto de segurança, porém ele não.
– Eu não quero isso, entenda. – disse com a voz serena e então ele deu a partida no carro. O silencio permaneceu até o percurso de volta para casa, nenhum dos dois ousava a se encarar, pois estavam perdidos em seus pensamentos.
– Eu sei que você se sente mal, mas ao menos tenha consideração! Eu não quero algo passageiro com você. – Falou ao parar o carro na frente da casa de Sarah.
– Boa noite Kevin. - Foi tudo o que disse antes de sair, dando as costas para ele.
Sarah pensava seriamente na proposta do seu namorado enquanto tomava um banho quente. A ideia de ter um relacionamento sério a deixava insegura, não queria se comprometer agora, mas também não queria vê-lo chateado. Saiu do banho decidida a ligar para ele e ter uma conversa, mas as batidas na porta do seu quarto não a deixaram procurar pelo celular.
– Kevin bateu o carro, e ele não sobreviveu, querida. Sinto muito – Seu pai falou se aproximando dela, que ficou estática e entrou em prantos.
Apavorada com o som de um estrondoso relâmpago, Sarah despertou, sentando de imediato na cama. Ligou o abajur que ficava encima do criado mudo para olhar o relógio ao lado, ainda era madrugada. Esfregou a mão no rosto tentando afastar a angustia que aquelas lembranças a traziam, percebeu que suava frio. Buscou forças para ir ate o banheiro, já que sentia um cansaço inexplicável e o piso estava gelado. Levou água ate seu rosto e respirou fundo para controlar a respiração, que estava ofegante. Com coragem, se olhou no espelho. Estava horrível, com olheiras, a pele pálida, e com certeza destruída por dentro. Não conseguia acreditar que havia perdido o namorado fazia uma semana, o sentimento de culpa a castigava, e nada podia ser feito. Se não fosse por sua imaturidade, ele não teria ficado bravo e perdido o controle. Ela o amava e tinha o perdido para sempre e isso a torturava. Não segurando mais, se permitiu chorar mais uma vez.
De volta em cima da cama, pegou uma foto do seu namorado que havia revelado há pouco tempo e começou a desenhar o rosto dele em seu caderno. Rabiscava sua imagem para preencher o vazio que sentia em sua alma. Ao terminar o desenho, Sarah pegou a foto e ficou a observando, ele era tão jovem e com uma vida pela frente, como o destino pôde ser tão cruel? Pensando nisso deixou alguns lágrimas de saudade escorrer pela imagem. Guardou o caderno, deitou na cama apertando a foto contra si e adormeceu imaginando ser abraçada por ele.
O dia tinha amanhecido. A empregada entrou em seu quarto abrindo as cortinas e fazendo com que os raios de sol tocassem em seu rosto sereno, com isso despertou.
– Bom dia senhorita, dormiu bem? – Perguntou Lea ao vê-la sentada.
– O de sempre... Bom dia pra você também. – Respondeu sem animo algum.
– O café já está pronto, seus pais estão te esperando na mesa. – Disse.
– Estou indo. Obrigada. – Dito isso, Lea saiu do quarto para Sarah poder se organizar. Depois de se arrumar, não demorou muito para chegar à cozinha, já que na sua casa não tinha escada. Encontrou seus pais trocando caricias na mesa, e sentou, reunindo-se a eles.
– Bom dia. – Disse Sarah, fazendo seus pais se consertarem.
– Ei, bom dia meu docinho. – Falou sua mãe sorridente.
– Como passou a noite, meu anjinho? – Perguntou seu pai, assim como sua mãe a chamando com apelidos no diminutivo.
– Nada bem, inclusive não quero ir para escola hoje. – Falou e recebeu o olhar repreensivo de sua mãe.
– Sinto lhe dizer, mas não vou deixar você faltar hoje. Sei que está passando por um momento difícil, mas ainda quero ver você ir para universidade, sabia? – Falou seu pai, colocando geleia na torrada.
– Eu só queria que o tempo parasse. – Comentou, ainda sem tocar em nada.
– Olha, meu amor, o que aconteceu foi uma fatalidade, não foi sua culpa. Você tem que... superar, de um jeito ou de outro. – Disse sua mãe para confortá-la. – E também queremos te contar uma coisa. – Fez uma pausa para surpresa.
– Estou grávida! – Disse orgulhosa, sendo selada pelo marido à direita.
– Verdade? Nossa mãe, que bom! Parabéns. – Mesmo que sua voz não transparecesse, estava feliz com a notícia. – Sério, ótima notícia para começar meu dia. Só não estou no clima para festejar.
– Tudo bem, vou ser compreensível. Mas não posso te dar o luxo de faltar hoje. Nós adorávamos o Kevin, era um bom rapaz, e eu garanto que ele não iria querer ver você desistir tão fácil assim. – Disse seu pai, fazendo Sarah bufar de irritação.
– Certo, a vida continua e eu tenho que trabalhar. – Pronunciou sua mãe, se levantando da mesa.
– Ah, isso não é justo, logo no meu dia de folga! – Protestou seu pai.
– Eu sei amor, pena que não tive a mesma sorte hoje. Mas ainda chego para o jantar. – Falou o beijando. – Filha, quer carona? – A menina negou com a cabeça, bebendo o resto do suco de laranja, então a mãe se aproximou, dando um beijo de despedida em sua testa.
– Vou arrumar minha mochila. – Levantou-se da mesa assim que sua mãe saiu, deixando seu pai sozinho terminando o café.
Minutos depois de colocar os livros em sua bolsa e de escovar os dentes, se despediu do seu pai, que estava no sofá no celular, e da empregada, que lavava a louça. Naquele dia, como de costume, Sarah esperaria no ponto de ônibus o carro da escola, mas não queria ficar parada, como dava para ir a pé, decidiu caminhar. Mesmo com o sol que fazia, Sarah abraçou-se ao sentir um vento frio arrepia-la. Estava no meio do caminho, a rua tinha pouco trafego de carro, sempre gostara do bairro que morava por ser tranquilo. Abriu a bolsa à procura do celular para ouvir música. Deu-se conta que esquecera o caderno de desenho em casa, precisava voltar.
Voltou correndo para casa, tinha que ser rápida para não se atrasar. Abriu a porta com a chave que estava em suas mãos, não quis perder tempo batendo na porta. Estranhou ao encontrar a sala vazia e em silencio, não deu muito importância ate se aproximar e escutar um gemido suspeito vindo da porta do quarto de seus pais. Não podia ser sua mãe, há essa hora já havia chegado ao trabalho. Sarah se aproximou com cautela em frente à brecha da porta aberta, e levou a mão à boca chocada com a cena que presenciara. Seu pai embaixo da empregada que se esfregava nele e distribuía beijos em seu pescoço, estavam tão entretidos que não a notaram. Naquele momento Sarah sentiu nojo do seu pai, não quis ficar mais naquele lugar.
“Como ele podia ser tão safado? Trair a própria família! A bendita esposa dele, minha mãe, está esperando um filho. E eu também sou filha desse monstro mentiroso”, pensou. Ainda transtornada, conseguiu avistar no balcão da cozinha a chave do carro dele, não pensou duas vezes em pegar e bater a porta com raiva para que soubessem que alguém estivera ali. Caminhou com rapidez e entrou no carro dando a partida, não sabia para onde ir, mas estava confusa, estava com a cabeça quente com os fatos que haviam acontecido desde a perda de Kevin. Não poderia dedurar seu pai – não agora com a mãe grávida – e também não queria mais seu pai nem Lea em casa. Nunca pensou que Lea fosse como essas mulheres duvidosas – jovens e formosas –, que é sonsa e age como uma cadela.
As lagrimas em seu olhar pareciam não querer parar e por um breve minuto ela se distraiu ao secar o rosto com o braço quando sentiu apenas um impacto vindo do lado oposto em que dirigia. Sua visão se fechou em uma escuridão, então ela caiu num vazio, sendo preenchido apenas por vozes e sonhos.