still monster

  — Seja bem-vindo ao meu reino, querido.

  %Choi% estava muito surpreso. Não que achasse que o inferno era um local pequeno e macabro, mas não esperava que fosse um enorme reino com um castelo no alto, além de ter várias casas e ruas com diversas vendinhas. Fazia total sentido o submundo ser como uma cidade, %Cheol% só nunca tinha pensado nessa possibilidade e nem que um dia visitaria o inferno como se fosse a coisa mais normal do mundo. Depois de ganhar um rápido tour do alto do castelo, %Lilith% o guiou pelas escadarias até chegar no seu quarto, sendo recebida por um demônio deitado em seu sofá favorito com um sorriso travesso nos lábios.

  — Dois segundos antes que eu queime você e esse sofá.

  — Vossa realeza não seria capaz de destruir o seu bem mais precioso... Aish, tudo bem, %Lilith%! Precisava disso? — O demônio passou a mão no braço que havia sido quase tomado pelas chamas.

  — Precisava, ainda mais quando a sua presença é um incômodo na minha longa vida. — A mulher rolou os olhos, se direcionando para %Choi%. — Pode ignorá-lo e se sentar no sofá, querido.

  — Assim você ofende os meus sentimentos, querida! — o outro homem falou em um tom de ofendido.

  — E eu me importo? — A rainha arqueou a sobrancelha, visivelmente sem se importar.

  — Deveria. — Fingiu estar magoado, logo desistindo da encenação. — Soube que a sua estadia no mundo humano foi melhor do que o esperado.

  — Uma deliciosa estadia, se é que me entende. — Compartilharam um sorriso malicioso.

  — Queria ter escutado a sinfonia daqueles anjos sendo mortos, mas alguém tem que cuidar do inferno na sua ausência...

  — Você fala como se fizesse um bom trabalho. — Morningstar pegou duas taças, enchendo-as com vinho e entregou uma a %Scoups%. — Se você quiser, pode ir vê-los no limbo, por mais que não vão durar por muito tempo.

  — Por que não me ofereceu uma? — O demônio se aproximou de %Seungcheol%, o analisando com curiosidade. — Mais um humano, querida? Colocou a marca nele pelo menos?

  — Marca? — %Choi% questionou.

  — A marca serve para mostrar aos seres sobrenaturais que você é propriedade de… — O demônio foi interrompido por alguns livros que voaram na sua direção, o acertando em cheio. — Pelo inferno, %Lilith%! Quantas vezes vai me bater?

  — Você fala como se não gostasse de apanhar de mulher bonita. — Deu de ombros.

  — Mulheres e homens, querida.

  — Falando em homens, o seu novo namorado não está com saudades não?

  — Ele sabe que você é a única na minha vida. — Piscou divertido, quase sendo atingido por uma estaca. — O amor, meu querido — passou o braço ao redor do ombro de %Cheol% ao se sentar ao seu lado —, é doloroso.

  — Enfim — %Lilith% se sentou na frente dos dois, cruzando as pernas —, antes de responder a sua pergunta, querido, você deve estar confuso e se perguntando “quem é esse idiota que está perturbando a maravilhosa rainha do inferno?”, certo? Esse é Lúcifer Morningstar, tecnicamente o “rei” do submundo.

  — Oh... — Sua reação foi melhor do que os governantes esperavam. — Tecnicamente?

  — Há bons anos tivemos diversas competições e reuniões para saber quem seria o governante. Encurtando a história: eu ganhei e precisava de alguém para ser o meu braço direito, e apesar de muitos não gostarem, escolhi Lúcifer. Quando ele quer, ele faz um bom trabalho.

  — Vocês são parentes? — %Cheol% ficou curioso com o fato deles dividirem o mesmo sobrenome.

  — Por mais difícil que seja imaginar, eu e %Lilith% já fomos casados — Lúcifer falou simplesmente, surgindo ao lado da mulher e a abraçou.

  — E ele se recusa a abrir mão do sobrenome. — A rainha revirou os olhos, se desvencilhando do homem.

  — Não é tão difícil de imaginar. É o que a maioria das pessoas pensam. — %Choi% bebericou o vinho e deu de ombros, sem demonstrar qualquer surpresa com esse fato.

  — Impressionante você ter achado que somos parentes. — O demônio colocou a mão no queixo, pensativo. — Preciso ir, queridos. Meu namorado e minha namorada me aguardam, e como a minha ex prefere um humano do que eu, seu ex-marido... sem ofensas! — Sorriu para %Seungcheol%. — Até a próxima, humano. Espero que você fique conosco por bastante tempo!

  Lúcifer desapareceu no portal, sendo seguido por uma bola de fogo que %Lilith% fez questão de enviar junto. %Choi% aguardou até que estivessem 100% sozinhos para retornar o seu olhar para a rainha, que ainda estava em sua forma demoníaca; eles ficaram em silêncio por um momento, até que o rapaz o quebrou:

  — Seria desrespeitoso pedir para tocar as suas asas?

  Morningstar o encarou séria, mas logo caiu na risada com a sua pergunta o chamando para se sentar ao seu lado apenas com a sua mão. %Seungcheol% se acomodou e respirou fundo, levando seus dedos até aquelas penas tão macias e sedosas, se sentindo maravilhado com as asas da rainha. Ele sempre imaginou que asas em um geral eram macias, porém, não sabia que eram tão gostosas. %Lilith% passou o seu rabo pela perna dele, o enroscando gentilmente; ainda maravilhado com as penas, %Choi%, com a sua mão livre, tocou a ponta do rabo dela, se surpreendendo também com a textura.

  — Se divertindo? — perguntou com um sorriso maroto nos lábios, o vendo se conter rapidamente. — Pode continuar, eu não me importo. Não é todo dia que tenho um humano tão maravilhado com a minha forma demoníaca.

  — Como não? É simplesmente uma das coisas mais bonitas que eu já vi. — A sua confissão a impressionou. Definitivamente %Choi% %Seungcheol% era um humano diferente, e pela primeira vez em muito tempo, %Lilith% estava genuinamente feliz com um elogio.

  — Certeza? — Ela se aproximou do seu rosto, lhe dando uma visão privilegiada de todas as suas características faciais. — Sabe, eu ainda sou um monstro. E continuarei sendo pelos milhares de anos a seguir... e mesmo assim você diz que eu sou uma das coisas mais bonitas que já viu?

  — Sim, você é — %Cheol% respondeu firme, demonstrando certeza no seu tom de voz. Mais uma vez, o rapaz se sentiu como se estivesse hipnotizado pela mulher, sustentando o seu olhar sem ousar desviar nem que fosse um milímetro. — E continuará sendo pelos milhares de anos a seguir.

  — Lúcifer ficaria com ciúmes ao escutá-lo falando assim, como se estivesse apaixonado por mim... — %Lilith% segurou o seu queixo. — Eu não deveria ser tão simpática com um humano, mas obrigada pelas palavras sinceras, querido. Agora, voltando ao assunto anterior — se levantou e foi em direção ao seu closet, saindo de lá segundos depois com um roupão e em sua forma humana —, a marca é uma forma de mostrar aos outros seres que um demônio já possui um contrato com aquele humano, o que diminuiu o perigo que o humano em questão possa correr. Claro, um humano pode fazer pacto com vários demônios, mas se o humano já tem uma marca, ele é quem precisa ir atrás dos outros demônios e propor um contrato com cada um. Demônios, apesar da fama de mentirosos e aproveitadores, se respeitam entre si, então os casos em que um tenta “roubar” o humano do outro são bem escassos.

  — Ah, entendi! Por isso ele perguntou se você tinha colocado uma marca em mim, certo?

  — Sim, mas isso é algo que eu queria discutir com você antes, só que tivemos um imprevisto... — Massageou as têmporas, pensando que a %Lilith% do futuro teria que lidar com algumas cartas extremamente chatas de anjos que não concordam com o seu modo de agir. — É de conhecimento geral que você é um humano e foi visto com a rainha do inferno e para te proteger quando eu estiver longe, a marca é a única solução. Eu posso pedir para algum dos meus filhos te acompanhar se preferir, mas a marca é a melhor maneira de te privar de possíveis acidentes.

  — Ficaremos presos um com o outro para sempre? — O seu tom tinha um ar de animação, passando despercebido pela mulher, que entendeu a sua frase como se fosse algo negativo.

  — Fique tranquilo, caso não queira me ver, não será necessário. É possível te auxiliar de longe, além de que, se você não quiser mais a marca, podemos quebrar o contrato e eu irei retirá-la.

  — Ah, sim... — disse um tanto desanimado, o que causou uma confusão na rainha. — Você realmente preza pelo consentimento, né? — Mudou de assunto rapidamente.

  — Obviamente — encheu novamente a sua taça, rindo —, não gostaria de ser forçada a fazer algo que não quero, e não acho justo forçar a minha vontade nos outros. Já vivi muitos anos para saber o quão ruim é isso.

  — Eu imagino, e fico feliz que você pense dessa forma — sorriu —, mas também entenderia caso quisesse pôr a marca em mim sem me comunicar.

  — Você é bonzinho demais, querido. — %Lilith% gargalhou ao se aproximar e inclinou o seu corpo para frente, sussurrando no seu ouvido. — Ou você apenas gosta de ser submisso aos encantos de uma bela mulher?

  — Depende da situação — respondeu sem hesitar, olhando nos olhos vermelhos da rainha. Seus rostos estavam a poucos centímetros de distância e Morningstar sorriu de canto, satisfeita com a resposta.

  — Podemos analisar a veracidade da sua resposta em outro dia — anunciou divertida —, agora que já sabe a razão da marca, gostaria de fazer um contrato comigo?

  %Cheol% assentiu com a cabeça, se levantando; as palavras de %Dokyeom% rondavam a sua mente, e ele queria perguntar se é verdade que a mulher não fazia contrato com ninguém e se %Seungcheol% seria o único. Mas, contendo as suas dúvidas e possíveis ilusões, respirou fundo, esperando que ela dissesse o que o rapaz tinha que fazer.

  — É bem simples: os termos são todos baseados em consentimento, então não há riscos de eu passar por cima das suas vontades. Você pode me invocar tocando na marca, mas como eu sou a rainha, nós conseguiremos manter uma comunicação telepática. — %Cheol% murmurou um “oh” surpreso com a informação. — Não há custos para te proteger, no entanto, se quiser algo, haverá uma cobrança que será paga com a sua alma. Caso queira quebrar o contrato, o pagamento deverá ser feito primeiro e depois tirarei a marca. Com a marca fora do seu corpo, nosso acordo acaba e não teremos mais nenhuma obrigação um com o outro. Lembrando que você é livre para fazer o que quiser, não precisa se preocupar com seus relacionamentos ou como você vive a sua vida. Eu não irei interferir, a menos que seja solicitado. O símbolo só será visível para você e para outros seres sobrenaturais, humanos normais não conseguem enxergá-la. Alguma dúvida? — Negou. — Ótimo, estique sua mão.

  Morningstar começou a falar algumas frases em uma língua desconhecida por %Choi%, fazendo sinais com o seu dedo em cima da sua mão; uma pequena luz surgiu no ar, e logo ela se chocou contra o pescoço do rapaz, marcando a sua pele como se fosse uma tatuagem. Ele deu uma espiada pelo espelho e tocou a marca, percebendo que ela possuía um formato de uma flor e achou os detalhes dela bem bonitos, apesar de não saber qual era o tipo. Por mais que quisesse perguntar, a rainha estava sentada na sua cama, checando alguns papéis antes de chamar %Seungcheol% para se juntar a si.

  — Já solicitei que arrumassem um quarto para você — informou ao colocar a papelada na mesinha, voltando a atenção para o homem —, mas, caso queira, não me importo de dividir os meus aposentos por uma noite.

  — Obrigado pela proposta tentadora, pensarei com carinho. — %Cheol% riu, sendo acompanhado por %Lilith%.

  — O castelo é bem grande, provavelmente Azazel e Reina vão te seguir até que você permita que eles te mostrem o local inteiro. Os dois são bem receptivos, animados e curiosos, então se fizerem alguma pergunta que você não se sinta confortável, pode ignorá-los. Sinta-se à vontade para ficar o tempo que quiser, quando desejar retornar ao mundo humano, é só pedir que um dos dois abre um portal, contudo, gostaria de ser notificada.

  — Eu não vou embora sem falar com vossa realeza.

  — Mais um “vossa realeza” e eu vou te oferecer como comida para Cerberus, querido. — Por mais solícita que %Lilith% estivesse sendo, o homem sabia perfeitamente que ela não estava brincando.

  — É o cachorro com três cabeças?

  — Exatamente, talvez um dia você conheça os meus bebês... — Sorriu, — Posso te perguntar algo?

  — Claro! — Se acomodou na cama, a olhando curioso.

  — Você é filho de algum sobrenatural? Digo, não é incomum seres sobrenaturais terem filhos 100% humanos, apesar de ser difícil.

  — Meus pais eram médiuns e minha avó vivia no meio desse mundo — riu baixinho ao lembrar que era a segunda vez que perguntavam isso para ele —, além de eu também ver espíritos, então não é nem um pouco estranho para mim a existência de vocês.

  — Isso faz sentido! — Bateu palminhas animadas, voltando a sentar com as pernas cruzadas na cama. — Fico feliz em saber que minha intuição não estava errada.

  — Como assim? — %Cheol% apoiou a cabeça no travesseiro, já que tomou a liberdade para se deitar na cama.

  — Seres sobrenaturais e até os místicos são considerados monstros — suspirou pesadamente —, portanto, eu nunca colocaria alguém que é preconceituoso com um dos meus dentro do meu reino. As minhas crianças já sofreram bastante com o mundo lá fora, e eu odiaria ser enganada por alguém que finge gostar delas.

  — Já aconteceu antes?

  — Mais vezes do que você imagina. — Rolou os olhos, incomodada por relembrar desses momentos e de como ainda faziam o seu sangue ferver. Nada a irritava mais do que mexerem com o seu povo, principalmente quando eles simplesmente ficavam na deles e ainda assim se tornavam alvos de ódio. — E da última vez…

  — Última vez…? — %Choi% pensou por um momento, se recordando das palavras de Lúcifer. — Isso tem a ver com o que Lúcifer disse? “Mais um humano”.

  — Você queria me perguntar sobre desde aquela hora, não é? — O seu sorriso se desfez, dando lugar a uma expressão indecifrável. — É uma longa história, tem certeza de que gostaria de ouvir?

  — Só se quiser compartilhar — sorriu pequeno —, e não é como se eu tivesse algo para fazer amanhã, sabe. Não é todo dia que a rainha do inferno me salva e ainda me convida para passar a noite no seu castelo, o mínimo que posso fazer é escutá-la o tempo que for. E eu estou um tanto curioso, então…

  %Lilith% Morningstar soltou o ar pela boca, sentindo o gosto amargo tomar conta de sua língua. A história que estava prestes a contar era sobre uma tragédia romântica entre uma jovem demônio imortal e um humano completamente mortal.