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História NÃO RECOMENDADA PARA MENORES ou PESSOAS SENSÍVEIS.

Esta história pode conter descrições (explícitas) de sexo, violência; palavras de baixo calão, linguagem imprópria. PODE CONTER GATILHOS

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Starfall

Escrita porSoldada
Revisada por Lelen




CAPÍTULO 05 • BLOOD UPON THE SNOW

Tempo estimado de leitura: 43 minutos

SKAD • ANOS ANTES.

  Apoiando-se contra a balaustrada feita de mármore branco, fria como neve, de uma das sacadas que envolviam o grande salão principal da sala de reuniões da Corte Invernal, Skad estreitou os olhos, escorando o queixo na palma de sua mão direita, observando com certa curiosidade o pai resmungar palavras severas com mais dois guardas. Estavam discutindo algo com teor sério, talvez, até mesmo preocupante, Kallias parecia realmente incomodado com algo, o tom de voz baixo e comedido tinha aquela conotação frígida e pouco emocional, permeada por racionalização mordaz que fazia Skad se lembrar de uma tempestade de neve aproximando-se. Era o momento em que tudo parecia ficar silencioso, quando as nuvens sempre cinzentas que envolviam os horizontes dos vilarejos e cidades entremeios de montanhas obscurecem-se ainda mais, projetando-se como sombras sobre os prédios e casebres, podia sentir a temperatura diminuindo, o ar agitando-se com uma estática crescente acompanhando pelos uivos das ventanias que arrastavam tudo em seu caminho. Nunca era algo bom quando seu pai estava com aquele tipo de humor. Sua voz erguia-se, pungente e colorida pelo sotaque familiar nortenho que eles haviam adquirido graças à convivência com a mãe e a família de sua mãe, severa pelas paredes de vidro e gelo do salão principal.
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  Os olhos azuis claros, gélidos, como um lago congelado, do rapaz desviaram-se da urgência crescente presente na voz de seu pai, para repousarem na figura diminuta do outro lado do salão, paciente, esperando por sua condenação. Não parecia arisca como quando a encontraram na floresta mais cedo, sequer ressentida embora o rosto exibisse certo desapontamento, um pesar velado e disfarçado de neutralidade, agora, apenas mantinha os olhos fixos no chão, com os lábios apertados em uma linha rígida. Os dedos esguios, calejados e levemente tortos, se contorciam arrancando as peles pequenas que se formavam ao redor de suas unhas, filetes de sangue escorrendo por entre os cantos sem pingar no chão pálido. Era uma figura curiosa, parecia apenas dois anos mais nova que ele, então deveria ter no máximo 12 anos, talvez menos, os ombros ossudos eram curvados para frente, como se estivesse tentando se fazer despercebida, e os cabelos, embora na altura de suas costas, pareciam uma bagunça completa de fios desalinhados. Provavelmente nunca os havia penteado, mas igualmente não havia como saber, as mechas destacavam-se com fios que cintilavam, mesmo de dia, como fios de luz pura. Enroscavam-se com outras mechas, torcendo-se e tecendo em tranças que mais se pareciam com nós. Sardas decoravam seu rosto delicado, como um mapa de estrelas sob a pele, cintilando e oscilando a cada inspiração que tomava, assim como as íris de seus olhos, pareciam misturar-se, formando uma faixa de luz pura cintilando em meio às sombras que projetavam-se em seu rosto. Seu braço esquerdo faltava-lhe, em seu lugar havia apenas uma cicatriz grotesca de onde o osso deveria ter se partido, envolto por uma faixa desgastada e suja do que outrora deveria ter sido suas roupas.
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  Vestia-se modestamente, com roupas finas que não deveriam sequer protegê-la do frio. A túnica estava desgastada, suja, com manchas de sangue seco e lama, suas mangas haviam sido arrancadas, revelando os braços esguios agora cobertos por um emaranhado de marcas profusas, de um azul escuro pungente, como o oceano a noite, formando símbolos e escrituras antigas demais para que Skad conseguisse compreender com clareza — sabia, todavia, que sua avó materna o tinha em livros em sua cabana nas florestas congeladas, em livros e até mesmo esculpidas na madeira. Eram símbolos de proteção, que contavam a história de conexão, uma ligação voluntária entre a magia antiga e a garota. Algo ancestral. Faziam com que as algemas de gelo que envolviam seus pulsos e queimavam sua pele, prendendo os braços a frente de seu corpo, reluzir, instáveis, sob o toque. Como se estivesse esforçando-se muito para manter-se atrelado à pele dela, quando algo dentro da garota parecia rejeitá-lo. Skad uniu as sobrancelhas, incomodado, porque diabos ela não reclamava? O gelo claramente estava lhe queimando a pele, já estava começando a ficar arroxeada nas laterais onde o gelo tocava, porque diabos ela simplesmente não gritava? Skad havia esgueirando-se pelas portas e corredores da Corte vezes o suficiente para ter presenciado e ouvido muitos prisioneiros e invasores das fronteiras com a Corte Outonal ou até mesmo forasteiros e mercenários que se esgueirava pelas Montanhas implorar por misericórdia no segundo que as algemas queimavam seus pulsos. Sabia como gelo poderia ser doloroso, um veneno lento e eficaz, enlouquecedor o suficiente para fazer homens maiores que ela chorarem em silêncio, e, todavia…
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  Como ela, que parecia tão nova e frágil, poderia ter se acostumado com a dor dessa forma?
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  Skad não conseguiu conter uma ponta de inveja da garota; ele queria ser assim também. Intocado pela dor, implacável e até mesmo estoico. Estava tentando faz alguns anos já, durante os treinos, adquirir a postura de Kallias em combate, elegante como uma tempestade, perigoso como um lago congelado, mas ainda assim, falhava miseravelmente. Seu temperamento, ainda que contido acabava rendendo-lhe frustrações o suficiente para pequenas explosões e birras marrentas ao perceber que as coisas não haviam seguido com o que ele havia planejado. Kallias soltou um chiado entre dentes, comandando os dois guardas a se silenciar, e então, de supetão, voltou-se na direção de onde Skad escondia-se, tentando vislumbrar o que transcorria na sala de reuniões. Skad praguejou por baixo de sua respiração, se lançando no chão antes que o olhar severo de seu pai pudesse repousar em seu rosto, ali, e rastejando pelo chão, tentou seguir para a próxima sacada, agarrando-se por pequenos veios e lacunas que se abria entre uma sacada e a outra, sem ser notado pelo pai.
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  Trincando os dentes com força, Skad conteve um grunhido de dor ao desabar no chão, de forma brusca e dolorosa, esparramado sobre alguma coisa cheia de pernas e braços. Um pé atingiu sua mandíbula, o fazendo sufocar um grito, tentando desviar de um braço, acabou acertando uma cabeça bem dura — e provavelmente vazia graças ao som oco que fizera quando as duas testas se conectaram. Skad arregalou os olhos, tampando a boca de Lumia antes que a irmã pudesse pensar em gritar; para o completo desespero do rapaz, Lumia, sendo reativa como sempre, optou por fincar-lhe os dentes em sua mão com força o suficiente para o fazer ver estrelas. Skad prendeu a respiração, batendo na cabeça de Lumia até que ela o soltasse, antes de rolar para a esquerda, colocando distância entre si e a irmã com irritação.
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  Piscou algumas vezes, tentando afastar as lágrimas de seus olhos marejados, mantendo sua mão presa contra o peito ao encarar irritado a irmã.
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  — Que ‘cê tá fazendo aqui? — Apesar de ser uma pergunta, o tom de acusação a tornou em uma afirmação irritadiça. Lumia abriu a boca para responder-lhe, mas tamanha era seu enfadamento, que a garota apenas agarrou a primeira coisa que encontrou pelo caminho, uma almofada, e o acertou com força.
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  Skad grunhiu baixo, nocauteado de volta no chão, e então, antes que ele pudesse impedir-se, Lumia já havia jogado a almofada sobre sua cabeça, e se sentando em cima da almofada, tentando sufocá-lo. Skad tentou empurrar a irmã para longe de si, mas já era tarde demais, agora ele estava fadado a ser o acento de Lumia mesmo a contragosto. A pressão do corpo da garota em sua cabeça, o suficiente para ser desconfortável, mas não o suficiente para machucá-lo de fato.
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  — Você atrapalhou todo o meu jogo, idiota! — Lumia retorquiu exasperada, inclinando-se para frente, e começando a recolher as cartas do baralho com um bico, e as sobrancelhas unidas.
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  Skad grunhiu algo inteligível e então, usando toda a força em seu braço, empurrou a irmã de cima de si, fazendo-a cair de cara no chão. Lumia soltou um gritinho baixo, e Skad sufocou um riso. Empurrou para longe a almofada, e então se sentou, balançando a cabeça, tentando livrar-se do torpor breve de ser “esmagado” por Lumia. Passou as mãos pelos cabelos, antes de dar a língua para a irmã, ainda se mantendo agachado, ao aproximar-se da balaustrada novamente, tentando espiar por entre os vãos a prisioneira de seu pai.
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  — Escolhe uma carta — Lumia comandou com seu tom imperioso insuportável, após quase dez minutos embaralhando o objeto. Skad bufou, tentando não revirar os olhos, mas então voltou-se brevemente na direção da irmã com exasperação. Por um segundo, sentiu-se tentado em congelá-la. Não seria a primeira vez, nem a última que ele faria. Sabia que seu pai ficaria furioso com ele se tentasse o fazer de novo, mesmo que Lumia não fosse sofrer nenhum dano permanente, uma vez que, como herdeiros de Kallias, a magia do gelo fluía por suas veias, criando certa resistência, ainda seria um grande desrespeito. Mas então, com um suspiro pesado, ele deixou-se observar as costas das cartas viradas para baixo.
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  Eram exemplos parecidos com o que sua avó materna possuía; cartas de um material grosso que lembrava um pouco placas de metal embora ainda fossem feitas de papel resistente, com delicados entalhes em dourado que pareciam reluzir holograficamente, como pérolas, embora fossem na verdade gelo encantado, os lábios de Skad se curvaram para baixo, em exasperação. Ele detestava aquele jogo de adivinhação. Sua mãe gostava de jogar quando haviam tempestades rigorosas a aproximar-se, e a avó materna deles sempre lia suas sortes em seus aniversários. A avó nunca errava, e sua mãe era bem precisa na leitura, embora falasse das coisas em enigmas demais para Skad se preocupar em entendê-las, mas Lumia, era terrível naquele jogo. Uma vez Skad retirou uma carta com o desenho de um esqueleto sentado sobre um trono e com chifres de carneiros retorcidos, segurando uma taça e com várias joias dispostas em sua outra mão esquelética, chamavam-no de “O Monstro”, o que deveria ser uma coisa ruim, Lumia havia dito que a carta o representava, porque Skad era tão feio quanto a carta. Mas se porventura fosse o necessário para fazê-la se calar, então talvez…
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  — Anda logo, idiota, só pega uma — Lumia praguejou, e Skad soltou um chiado entre dentes, tentando silenciá-la, ameaçando acertá-la com um tapa, antes de voltar o olhar na direção de onde o pai dispensava os guardas e voltava-se para a prisioneira.
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  Skad uniu as sobrancelhas, sem ter certeza do que havia acontecido. Kallias não parecia estar nem um pouco feliz, mas igualmente não era ameaçador. Mas a garota o encarava como se estivesse prestes a fugir. Encolheu-se quando seu pai deu um passo em sua direção.
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  — As cartas dizem que ela vai morrer — Lumia sussurrou no ouvido de Skad, com um sorrisinho satisfeito.
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  Skad bufou, empurrando Lumia para o lado, detestando o cheiro de chocolate quente que o hálito da irmã possuía, antes de fuzilá-la com o olhar. Não respondeu a sua fala, apenas tomou uma carta do baralho estendido dela, e então girou por entre seus dedos. Franziu o cenho, incomodado ao observar o esqueleto que apareceu em seu verso: amarrado por uma corda grossa, em torno de um tronco, preso de ponta cabeça. O Enforcado. Skad estendeu a carta para Lumia, confuso.
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  — O que significa? — indagou Skad com indiferença, imaginando o que Lumia iria inventar daquela vez. Não era porque a mãe deles era boa em precognição e adivinhação que fazia Lumia, automaticamente boa nisso. Ela não era. Lumia abriu a boca para responder-lhe algo, mas então a fechou abruptamente, empinando o nariz com superioridade.
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  — Que você é muito feio — Lumia retorquiu, afiada, tomando a carta da mão de Skad, antes de se ajustar ao lado dele e projetar-se para frente. Os olhos de imediato encontraram a garota do outro lado do salão, encolhida.
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  Lumia pareceu fazer uma careta, se de desgosto ou pesar não soube ao certo dizer, mas não era acusatório, igualmente, não era amigável. Skad não poderia deixar de considerar que compartilhava, porventura, do mesmo sentimento. Mas ao menos, nele, havia certa curiosidade.
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  — Estão dizendo que é melhor executá-la, que é perigosa. Se isso acontecer, vou pedir para o papai me deixar congelá-la. Vai doer menos, acho…
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  Skad lançou um olhar de soslaio para Lumia, antes de apertar os lábios, dando de ombros, indiferente.
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  — Achei que só estivesse jogando cartas.
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  — Eu estava! — Lumia respondeu defensivamente, antes de revirar os olhos, escorando o rosto contra os vãos da balaustrada, assistindo o pai interrogar a prisioneira. — Mas não dá para evitar de ouvir, dá? O papai tá bem bravo, e a mamãe não está nem um pouco feliz. Por que um Urso Polar criaria um laço com ela? Ela nem parece ser grande coisa…
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  Skad uniu as sobrancelhas, considerando as palavras de Lumia.
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  — Parece com uma estrela — murmurou em um tom de voz baixo, mais para si mesmo do que para Lumia ouvir, sentindo um certo incômodo começar a espalhar-se por seu peito. Se era bom ou ruim, não saberia dizer ao certo, mas assemelhava-se muito com uma coceira: começara pequeno, quase imperceptível, mas estava crescendo.
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  — Acha que o Urso se conectou com ela apenas para comê-la? — Lumia interrompeu os pensamentos de Skad com uma voz um pouco mais animada do que deveria, Skad piscou e então encarou a irmã como se ela fosse uma criatura fora de sua compreensão, e, de certa forma, talvez ela realmente o fosse. Lumia retornou o olhar, julgando Skad silenciosamente. — Não me encara assim — retorquiu, defensiva de novo, e Skad franziu o cenho, seu olhar tornando-se menos acusatório e mais irritado. — Assim também não! — Lumia empurrou o rosto de Skad para longe, antes de voltar sua atenção para Kallias. Skad ignorou o impulso de responder a Lumia, voltando sua atenção para o pai, analisando-o com cautela.
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  Era difícil ler Kallias quando ele estava naquele estado de espírito. Movia-se como um predador caminhando sem deixar marcas sobre a neve, os olhos azuis gélidos, como os de Skad permaneceram fixos no rosto da prisioneira, analisando-a com cuidado, enquanto questionava-lhe coisas chaves: de onde era? Como conseguiu atravessar a fronteira? Quem eram seus pais? A quanto tempo estava ali? Como ela havia criado um laço com um dos Ursos? Que tipo de magia possuía? O que queria com sua Corte? Mas para sua completa estupefação, a pequena estrela nada respondia; Skad percebeu, tardiamente, que não era por petulância que seu silêncio se estendia, era por inabilidade. Passara tanto tempo vagando sozinha pelas florestas congeladas, ao lado apenas do Urso Polar, que deveria ter se esquecido como agir entre feéricos outra vez. Skad observou-a gaguejar e engasgar-se com suas palavras, encolhendo-se e tentando se afastar de Kallias, caminhando cegamente em direção a uma parede até que estivesse encurralada; presa pela fúria gélida de seu pai.
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  — Ela não fala — pontuou Lumia com uma excelente capacidade de observação para o óbvio. Então com um sorriso divertido, os olhos de Lumia cintilavam como os de um gato, voltando-se para Skad. — Acha que o Urso comeu a língua dela? Eles meio que gostam de músculos, ouvi Wren dizer que nas patrulhas que o pai dela faz pelas fronteiras, eles sempre acham os ossos e peles para trás, mas nunca os músculos!
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  — E como é que eu vou saber, Lumia? — grunhiu Skad irritado com as perguntas redundantes de Lumia e o interesse crescente no Urso Polar que a garota havia formado o laço. Skad pensou em acrescentar que se ela continuasse falando sobre o Urso, Skad lhe daria como alimento para a criatura, mas não conseguiu proferir as palavras a tempo quando a criatura atravessou a porta com passos pesados, parecendo perturbada.
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  Skad trincou os dentes colocando-se de pé no mesmo segundo. Tateou cegamente por sua espada, e percebeu tardiamente que a havia deixado com Ivar na sala de treinamento, então fez o que lhe passou na cabeça, agarrou o candelabro de prata e gelo maciço, enfeitiçado, com as velas tremeluzentes, e então lançou-se em direção ao chão, para a surpresa da prisioneira, e a irritação de seu pai que deveria ter percebido sua presença clandestina ali. Skad tensionou a mandíbula com força, ignorando o olhar severo que recebeu de Kallias, mantendo o olhar fixo na forma humanoide do Urso Polar.
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  Era muito mais alto do que ele; quase dois metros de altura, projetava sombras mesmo em Kallias, como uma muralha pesada de músculos e pelagem esbranquiçada. Os braços grossos pareciam ter o tamanho da cabeça de Skad, talvez maiores, cravados com cicatrizes e marcas, a tinta parecida com a que a garota tinha em seus braços, mas a diferença era que, no Urso humanoide, as marcas cintilavam como se estivessem vivas, permeadas por energia misturadas com gelo. Enquanto a garota parecia uma estrela humanoide, o urso parecia uma criatura saída das profundezas de um pesadelo. Olhos completamente obscurecidos de um preto pungente, caninos afiados e maiores que os de um feérico, e orelhas sensíveis, que pareciam mover-se a cada mísero ruído.
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  Skad ignorou o tremor que percorreu por seu corpo, quebrando o candelabro com um ruído alto metálico, deixando as velas e seus apoios desabarem no chão de mármore branco com um tilintar alto, antes de voltar a ponta afiada da arma improvisada para o pescoço da criatura. Devido ao tamanho do humanoide, tudo o que Skad conseguiu fazer, foi apoiar a ponta contra a costela do monstro. Apertou com mais força o candelabro, sentindo o metal e o gelo queimar de leve as palmas de suas mãos, a pressão ameaçando lhe cortar a pele, enquanto os nós de seus dedos tornavam-se esbranquiçados. Engoliu em seco, obrigando-se a concentrar-se em sua respiração, como Ivar havia lhe ensinado: olhos no inimigo, controle sua respiração, velocidade e precisão eram a chave contra qualquer inimigo.
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  A criatura sequer pareceu oferecer-lhe reconhecimento.
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  — Recomendo que escolha bem suas próximas ações, Grão-Senhor, passar pelos seus não foi assim tão difícil — a criatura rosnou entre os dentes cerrados, caninos afiados projetando-se, maiores do que o normal ao dar um passo na direção de Kallias. Skad prendeu a respiração, sentindo o tremor envolver seu corpo, mesmo que pudesse sentir medo da criatura, obrigou-se a apontar a ponta afiada do candelabro contra o pescoço do Urso Polar mais uma vez, tentando ao menos alcançar o pescoço da criatura. Desta vez o Urso Polar em forma humanoide pareceu percebê-lo ali, e Skad acreditou que ter sua atenção, ainda que breve, era pior do que não ser percebido.
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  Kallias ponderou as palavras do Urso Polar por um breve momento, os olhos frígidos voltando-se para a garota encolhida contra a parede, antes de voltar para a criatura outra vez.
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  — Diga-me, então, por que ela? — Embora polida e educada, a voz de Kallias ocultou uma severidade contrastante com o tom. Um comando silencioso, que não deixava aberto margens para negociações, implacável, como o frio invernal.
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  — Diga ao seu filhote que abaixe o candelabro e direi — a criatura negociou, e Kallias assentiu, voltando seu olhar para Skad com uma ordem silenciosa. Skad hesitou, não por desconfiança, mas por incerteza. Sabia que o pai era poderoso, e que não haviam inimigos o suficiente que poderiam enfrentar a fúria de Kallias, mas eles nunca haviam enfrentado diretamente um Urso Polar. As hordas de Ursos costumavam a vagar, solitários ou com seus filhotes pelas fronteiras, e as muralhas para além de seus territórios, eles eram como os sentinelas da Corte Invernal, seus guardas silenciosos e nunca vistos por membros do vilarejo, mas agora, de frente para um deles, era assustador o poder que parecia emanar de sua forma humanoide. Skad considerou como seria tê-lo.
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  Abaixou, devagar, o candelabro, e foi somente quando deu uns passos para trás que Skad percebeu que a garota o encarava. Um par de olhos estelares fixos em seu rosto com o que parecia ser uma mistura de medo e curiosidade; Skad apertou os lábios, incomodado. Não havia gostado do jeito que ela havia o encarado, como se, de alguma forma, estivesse vendo algo que ele não queria que ela visse. Mas ainda assim, sem mesmo entender o porquê, não conseguiu desviar o olhar. Era como se ela tivesse o feito refém, o prendido no lugar. Um transe insuportável, uma luz após um dia nublado.
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•••

  — Ninguém sabe — Skad murmurou com um tom de voz divertido, empurrando para fora de seu caminho um galho cheio de espinhos e folhagem coberta por neve, mantendo-o afastado até que ela tivesse passado a sua frente. Tentou sufocar um riso com os olhos arregalados que %Cerci% mantinha em seu semblante, agarrar-se a todas as suas palavras. Era doce, de certa forma, como sua curiosidade às vezes a tornava inocente para confiar no que quer que lhe era dito. O fazia sentir-se estranhamente importante, como se tudo o que falasse realmente tivesse um peso real para %Cerci%, quando para ninguém mais não possuía, mas ela igualmente não era idiota, e havia aprendido a ver quando ele estava tentando mentir apenas para aproveitar-se de sua inocência com relação aquela Corte.
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  Lumia a havia ensinado a identificar as mentiras, contando-lhe as coisas mais absurdas, e o cinismo proveniente de uma vida inteira havia se tornado um amálgama de incredulidade e curiosidade estranhamente convidativo. O perfume de flores silvestres e até mesmo canela parecia acompanhá-la quando ela passou por Skad, um aroma que aqueceu seu corpo, e o fez controlar-se para não se inclinar na direção dela, tentando sentir um pouco mais de seu perfume. Skad piscou algumas vezes, tentando clarear seus próprios pensamentos, antes de seguir atrás dela, pelo caminho estreito e irregular da floresta congelada.
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  — Tudo o que a gente sabe — Skad voltou a dizer, sem conter um sorriso torto, até mesmo charmoso, estendendo os braços em paralelo de seu corpo ao saltar por entre as pedras grossas do declive, para a parte mais baixa e então se voltar para trás, na direção dela, estendendo os dois braços em sua direção para ajudá-la caso necessário; %Cerci% não aceitaria, era teimosa, mesmo que quebrasse algum osso, recusaria a ajuda — é que são criaturas que estão em um limbo, nem mortas, nem vivas, algum tipo de feitiço antigo…
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  Skad se interrompeu abruptamente, dando um passo para frente quando ela escorregou. Segurou-a pela cintura, antes que ela acabasse estatelada no chão coberto por cascalhos e pedras irregulares afiadas. %Cerci% praguejou entre dentes, os dedos cortados de onde havia se agarrado as pedras, antes de Skad ajudá-la a firmar-se em seus pés. Assim, tão perto de si, Skad sentiu sua garganta ficar seca, áspera; sua respiração se perdeu em algum lugar de sua traqueia e seus dedos, instintivos, fincaram-se um pouco mais contra a pele macia, coberta pelo tecido grosso do corset de couro que revestia o tronco dela, por proteção. As pontas enroscaram-se contra os nós que envolviam a lateral da peça de roupa, sentindo por baixo do tecido resistente, a túnica mais fina, azul escura, que ela sempre usava. O material parecia queimar em suas mãos, o impulso de desfazer os nós mais alto do que a coerência. Por uma fração de segundos, Skad apenas conseguiu encará-la, as palavras fugiram de sua mente, seu olhar se perdeu nas íris com tons oscilantes que pareciam brilhar, não prateados, mas feitos de luz, como poeira estelar dos olhos dela, no calor que seu corpo parecia exalar — em comparação aos de sua espécie, %Cerci% %LaFay% sempre havia sido mais quente. Skad pigarreou, limpando sua garganta, e então, afastou um pequeno punhado de neve que se acumulou na lateral da orelha dela, tentando sufocar um riso baixo quando o movimento reflexivo dela se pôs em ação, fazendo a ponta de sua orelha mover-se um pouco.
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  Deu um passo para trás, obrigando-se a soltá-la.
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  — Está mentindo, posso ver que está se segurando para não rir. — %Cerci% apontou o indicador na direção do rosto de Skad, que não conseguiu conter um sorriso torto. Em outra ocasião, ele teria mordido o dedo acusador apenas pela petulância, mas agora, subitamente consciente de que estava sozinho com ela, no meio da floresta, sem olhares sobre si, Skad temeu o fazer e acabar implodindo. — Provavelmente mentiu esse tempo todo apenas para conseguir rir de mim.
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  Skad negou com a cabeça efusivamente.
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  — Você convive demais com Boreas para o seu próprio bem, já está falando igual a ele, toda cínica e desacreditada, se não a conhecesse, diria que já tem 200 anos — Skad provocou com um sorriso divertido, voltando a caminhar, desta vez, atrás dela, observando a maneira com que os pés dela eram descuidados com as pedras e os vãos, mas que, de alguma forma, conseguiam encontrar exatamente onde as raízes das árvores se projetavam para cima. Era curioso, de certa forma, a familiaridade que ela tinha com o selvagem, quando tantos deles, especialmente na Corte de seu pai, parecia ter um apreço demasiado com civilidade. De alguma forma, o fez concluir que talvez ela tivesse nascido para o selvagem.
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  — Talvez eu tenha, como você poderia saber? — retrucou e Skad riu baixinho, abaixando-se por um momento para pegar um amontoado de neve, então, o mais silencioso que conseguia, caminhou para perto de %Cerci% e enfiou o amontoado de neve bem em suas costas. %Cerci% soltou um gritinho esganiçado, saltando no lugar com os olhos arregalados, debatendo-se para se livrar da neve dentro de suas roupas, antes de voltar o olhar furioso na direção de Skad. — Não teve graça, idiota! — Skad não conseguiu conter o riso pela maneira com que ela havia soado, como uma garotinha frustrada.
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  — Viu? Você não é assim tão velha, grita pior do que uma garotinha — Skad pontuou e %Cerci% abriu a boca para respondê-lo, mas então a fechou. Estreitou os olhos, sem dizer nada, mas ainda assim o seguiu pelo próximo declive, saltando de pedra em pedra, até que ambos estivessem agora de frente para uma trilha de barro misturada com neve, com laterais altas como um rio que a muito havia secado. — E teve sim. — Skad desviou, elegante como um fauno, de uma bola de neve que %Cerci% lhe arremessou, antes de girar em seus calcanhares, observando-a de frente ao andar de costas. — Fui sincero, sabe? Não estou mentindo. Embora seja uma lenda, as criaturas realmente existem. As vi, uma vez, quando era pequeno, eram aterrorizantes.
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  %Cerci% lançou um olhar na direção de Skad, antes de voltar sua atenção para o chão, chutando um cascalho para fora do caminho. As botas de ambos chapinhando pelo solo macio envolto de lama e neve. O vento soprou, uma brisa suave envolvendo os dois, fazendo suas mãos ficarem frias e seus narizes arderem.
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  — Sei, sei, e eu sou uma Grã-Senhora — ela resmungou sarcástica. Skad revirou os olhos, dando de ombros, antes de girar em seus calcanhares outra vez, virando para a direita.
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  — Se você diz — ele retrucou, e então suspirou pesado, deixando sua cabeça pender para trás.
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  Observou os flocos de neve que pairavam pelo ar como pequenos vagalumes. Grudavam em superfícies, derretiam sob o toque de suas peles, ele projetou sua língua para fora, sentindo o floco derreter em sua língua, o gosto açucarado distante lembrando-o vagamente de quando era pequeno e corria pelas trilhas da floresta, para o terror de sua mãe.
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  — Baba Yaga diz que antigamente havia outros nessas terras, um pouco como nós, mas… diferentes, selvagens talvez — Skad explicou, enfiando as duas mãos nos bolsos e então parando de andar para esperar %Cerci% alcançá-lo. Estava corada, frustrada, e visivelmente desconfortável com a neve que deveria ter derretido abaixo de suas roupas; parecia dolorosamente adorável, e pela primeira vez, desde que a conhecera, Skad sentiu aquele estranho impulso de simplesmente beijá-la. Desviou o olhar, por instinto, para o pescoço dela, observando a pequena corrente que repousava sobre seu colo. — Os Ursos se lembram deles, ouvi dizer, os reconheciam como parte de si, não mestres, não senhores, e tampouco servos, mas irmãos. — Skad uniu as sobrancelhas, voltando a andar, desta vez ao lado de %Cerci%, os dois viraram para a esquerda, saltando por um declive, e então, caminhando com cuidado sobre um tronco de árvore morto caído pelo chão, ao qual cogumelos incandescentes de um azul claro que brilhava mesmo na sombra, se projetava para cima, o pó suave que soltavam, a cada esbarrar de suas botas, fazia com que o cheiro distante de carne assada, subisse para suas narinas. — O líder deles atravessava os mundos, como se fosse só uma viagem daqui para ali, recolhia estrelas como se fossem flores, usava uma máscara branca para esconder o rosto, uma coroa que parecia com uma galhada de cervo.
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  %Cerci% bufou, com um pequeno sorriso surgindo por seus lábios.
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  — Soa como um perfeito pesadelo. — Skad lançou um olhar na direção dela, mas não discordou.
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  — Acho que foram — ele confirmou contemplativo, ainda sem encarar o rosto dela, os olhos repousados em seu colo, para onde a corrente delicada desaparecia em seu decote. Havia visto uma única vez o final daquela corrente, enroscada por entre pequenas argolas de metal e teria de aranha mantendo-a resistente no lugar, havia a ponta de uma flecha. Era retorcida, o material desgastado com o tempo e até mesmo enferrujado, algo escuro parecia permanentemente preso no objeto, o que o fez contemplar quantos anos aqui poderia ter tido. Mas então, seus olhos, traidores como sempre, desviaram-se do objeto para a pele macia abaixo que repousavam ali.
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  Skad obrigou-se a desviar os olhos imediatamente, mordendo o interior de suas bochechas, lutando contra o rubor que surgiu ali.
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  — Cruéis, selvagens, não podiam mentir, ferro queimava a pele, mas possuíam poderes absurdos. Deuses antigos, implacáveis, disse Baba Yaga, o líder deles possuía essa horda de soldados pessoais. Baba Yaga disse para mim uma vez, que eram um número pequeno, apenas 12 deles realmente contava, mas foram milhares um dia. Tão grandes como as estrelas nos céus. Não sei o que aconteceu, assume-se, ao menos pelos livros, que eles foram exterminados, que nossos ancestrais os viram pelo mal que eram, expulsaram das terras e os dizimaram por completo.
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  %Cerci% bufou baixinho, lançando um breve olhar na direção de Skad, antes de unir as sobrancelhas.
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  — Suponha-se que eu acredite… — ela começou a dizer hesitantemente, e Skad tentou não sorrir com a pequena esperança que pairou na voz dela. Ele poderia dizer a ela que conseguia trazer a lua e as estrelas para que ela usasse como jóias e talvez, ela acreditasse nisso; o problema era que Skad percebia-se, mais e mais, inclinado a realmente tentar o fazer. Inclinado a vagar por anos em busca de uma única estrela se isso a fizesse sorrir. O quão idiota estava tornando-se? E porque ele não conseguia impedir-se? — A terra não era deles, antes? Quer dizer… se visse as pessoas que amo sendo mortas por estrangeiros, eu também ficaria furiosa… — ela começou a dizer, contemplativa.
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  Skad uniu as sobrancelhas, lhe lançando um olhar.
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  — Mesmo se não fossem boas criaturas? Mesmo que fossem monstros que precisavam ser detidos?
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  %Cerci% suspirou pesado, sem encarar Skad. Saltou uma raiz com facilidade, antes de estender os braços em paralelo e atravessar um pequeno córrego transportando lascas de gelo em direção do deságue em um lago congelado um pouco mais ao sudoeste de onde estavam.
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  — Você não pode culpar um animal ferido por morder sua mão depois de você o machucar — ela murmurou, e Skad bufou, apertando os lábios. Sabia que ela estava certa, mas não era muito fã quando ela tornava-se aquela criatura silenciosa e contemplativa; parecia que ela se perdia em si mesma, que seguia por um caminho que Skad não podia acompanhar, um caminho que visivelmente a machucava.
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  — Fala como se tivesse experiência.
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  — Se, como você diz, essas criaturas são realmente reais, o que duvido muito, o que significa? Eles são… — ela desconversou. Skad estreitou os olhos, observando-a em silêncio por um momento. O incômodo pareceu espalhar-se por seu peito como veneno, ardendo em suas veias, mesmo que ele não soubesse dizer ao certo porque o fazia. Não era a relutância dela de contar-lhe o que quer que se passava em sua mente, era a culpa na voz que o perturbava. O que ela poderia estar escondendo? — Não sei, soa como se fossem mortos-vivos. Mas isso é impossível.
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  Skad bufou, uma lufada de ar branco escapando por entre seus lábios, ao manter seus olhos fixos no tronco da árvore, seco e morto, que lhes servia como ponte de um lado para o outro. Pequenos estalidos da madeira ecoaram por seus ouvidos enquanto o rapaz atravessou, um pé à frente do outro, com a elegância de um fauno. Os olhos azuis gélidos como lagos congelados, fixando-se brevemente no caminho de cascalhos, lama e neve que se abria em direção a trilha que levava ao pé da montanha. Árvores começavam a desaparecer agora, revelando mais campinas descampadas, pedras maiores afundadas na terra, e neve se estendia empalidecida sobre as planícies límpidas como um manto profuso. Guiavam-nas em direção a uma pequena cabana, feita de madeira maciça, cordas enegrecidas pelo tempo e desgaste, lama, musgo e pinhos.
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  — Baba Yaga disse que eles eram criaturas amaldiçoadas, que essa terra, viva como é, os amaldiçoou rejeitando-os. Disse que era por isso que, mesmo com corações parados permanentemente, ainda vagam por aí, atraídos pelo cheiro do sangue dos seus, esfomeados por carne — Skad murmurou, saltando com graça do tronco, e então parando ao lado de %Cerci%.
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  A jovem parecia estar um pouco mais alerta do que deveria, e Skad sentiu-se culpado por deixá-la em tal estado. Gostava sim de assustá-la, de provocá-la e fazê-la ficar com aquela expressão adorável que tinha quando estava irritada, mas não queria, de certa forma, a fazê-la temer aquele lugar. Não queria que ela temesse sua casa. Umedecer os lábios ressecados pelo vento invernal com a língua, antes de empurrar o ombro dela com o seu, oferecendo um sorriso tranquilizador.
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  — Eles não são um problema, a maioria deles, os Draugrs, acabavam virando comida de Urso Polar, os poucos que escapam deles e conseguem se arrastar um pouco mais pela floresta, costumam morrer congelados pelos rios. Sei que há alguns que ainda vagam Sob a Montanha, provavelmente presos dentro de pântanos ou coisa do tipo. Não fui lá para verificar, meu pai diz que se ainda vagam por lá, provavelmente é sob a água, o que significa que estão dormentes.
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  — Se estão dormentes — %Cerci% murmurou, e Skad quase sorriu da expressão incomodada dela — significa que podem acordar.
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  Skad riu baixo, o som suave como o tilintar das folhas congeladas sob o toque do vento.
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  — É apenas uma história boba, %Cici%, uma forma de explicar por que Draugrs existem. Se for perguntar para Ivar, ele vai dizer que são só idiotas que tentaram invadir nosso território e que o gelo os amaldiçoou para viverem o fracasso por toda a eternidade — Skad tentou tranquilizá-la, mas o cenho franzido de %Cerci% não sumiu. Ele apertou os lábios em uma linha, sentindo o impulso de passar o polegar no cenho franzido, até que este tivesse desaparecido. Ele exalou baixo, para si mesmo, contendo-se.
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  — É por isso que vem aqui? Para ouvir histórias? — %Cerci% murmurou por fim, acompanhando-o pela trilha íngreme agora de pedras e neve que se formavam ao pé da montanha.
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  Skad considerou as palavras dela, estendendo sua mão para ajudá-la a subir a primeira pedra. Seus dedos enroscaram-se contra a pele macia do antebraço dela, sentindo os inúmeros relevos de cicatrizes que ela possuía espalhados pelo corpo. Skad já as havia visto, apenas as dos braços, mas ainda assim, não era uma visão confortável, e ele sempre havia se coçado para questioná-la como havia às adquirido, mas %Cerci% nunca havia lhe dado uma oportunidade.
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  — Baba Yaga é uma bruxa, uma sacerdotisa se quiser chamar assim, é uma Vidente — Skad explicou, voltando a caminhar. Apoiou as duas mãos contra uma pedra e então puxou-se para cima com um grunhido baixo, antes de sentar na superfície lisa e gélida da pedra, voltando a encarar %Cerci% um pouco abaixo de si. — Faz parte da tradição. Antes de qualquer aniversário, alguns de nós gostam de vir aqui para questioná-la sobre algo. Temos um desejo, independentemente do que seja, às vezes, ela o realiza. Há sempre um preço para se pagar, mas não dá para dizer que importa muito, quando a recompensa é bem melhor.
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  %Cerci% apoiou os braços sobre a pedra ao lado de Skad, tentando alçar-se para cima, mas a falta de uma mão, a fez escorregar, caindo com um estrondo suave contra o chão. Skad abriu um sorriso largo, imaginou qual seria a reação dela, quando no próximo Solstício de Inverno, daqui a uma semana, ela descobrisse que ele havia conseguido uma prótese para auxiliá-la com o membro faltante. Era um segredo que vinha mantendo de todos, mesmo Lumia, mas podia imaginar que ao menos valeria a pena a surpresa.
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  — Tá bem aí? — Skad sorriu.
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  %Cerci% lhe lançou um olhar, colocando-se de pé, limpando a parte traseira de suas calças.
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  — Nem uma palavra — ela ameaçou, antes de estender a mão na direção de Skad com uma expressão de poucos amigos, um pedido silencioso pairando por seu semblante defensivo. — Por que então me trouxe aqui?
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  Skad, desta vez, não respondeu. Não queria que ela soubesse que, mais e mais ele começava a acreditar que ela era o segredo de sua sorte.
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•••

BABA YAGA • CORTE INVERNAL

  As chamas que crepitavam entre as lenhas levemente umedecidas pela tempestade que agora assolava as montanhas, ecoaram abaixo da estrutura de grade de ferro que suportava o bule feito de metal, de forma suave. Labaredas revoltas, protegidas do vento frio que soprava do lado de fora com veementes uivos, tocavam o metal, manchando-o, obscurecendo-o a cada crepitar um pouco mais ousado. O chiado da pressão interna que o bule começava a acumular, ecoou pela cabana, mas nada fez a criatura. Permaneceu sentada, onde estava, os dedos longos e tortos, com unhas afiadas e amareladas, revelavam a transição perturbadora de suas pontas completamente obscurecidas pela decomposição para o amarelado do envelhecimento. Os olhos, queimados, para serem mantidos fechados, oscilavam com o movimento inquieto por baixo das pálpebras, embora seu rosto permanecesse neutro, desprovido de emoções. O aroma carregado de ervas e sangue que encontrava nas paredes da cabana, agora era carregado por uma nota de inverno, e algo mais. Flores e frutas silvestres, terra molhada e algo selvagem.
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  Passos suaves, abafados e cuidadosos ecoaram pela cabana silenciosa, acompanhando o rangido suave da cadeira de balanço feita de madeira esculpida. De onde tocavam, um pequeno amontoado de flores e relva se projetavam, antes de apodrecerem no passo seguinte, deixando marcas por onde arrastava-se. Os chifres, retorcidos, como a galhada de um cervo, enroscaram-se contra as contas presas em forma de cortina entre os cômodos, tilintando com o movimento inesperado, arranhando a madeira das paredes, quebrando-as e fazendo-as desabar ao chão como uma chuva audível. As flechas presas na aljava em suas costas tilintavam suavemente quando uma foi puxada, e enroscada no arco feito de cedro e um metal escuro, preto, como a própria noite. Olhos intensos, cintilando com o mesmo brilho que as estrelas, desviaram-se do chão para focar na criatura sentada pacificamente na cadeira de balanço, trançando as teias de aranha com pétalas de begônias.
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  — Chegou cedo, irmão, está de certo ansioso, huh? — A risada rouca, baixa da criatura ecoou pelo espaço como unhas raspando em uma pedra. Ruído perturbador, afiado, evidenciava a falta de uso da boca apodrecida, escura como a noite, e dos dentes afiados como agulhas pequenas. Inúmeros deles surgiram quando a criatura abriu um sorriso largo, satisfeito, sem virar seu rosto na direção do invasor. — Ou distorceu a verdade para que seu senhor não percebesse que está aqui? Servo safadinho, safadinho. — A risada rouca pulsou como eletricidade pelo espaço, afiado, perigoso.
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  O invasor não respondeu, apenas empunhou a flecha com mais precisão. Puxou a corda para trás, as penas na ponta da flecha, misturadas com os amuletos ancestrais da magia que pulsava, viva e indomada por baixo daquelas terras, arranhando a lateral de sua bochecha, deixando pequenas marcas sob a pele coberta por sardas brilhantes, feitas por luz. Cintilavam contra a pele como um mar de estrelas minúsculas, oscilando conforme a magia percorria seu corpo.
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  — O que quer hoje? Uma profecia? Uma mentira? Diga-me, Lyall, se vã esperança ainda persiste, a coroa dos tolos pesa sobre sua cabeça? — A criatura soltou um riso nasalado, cheio de dentes, traiçoeira. Os cabelos esbranquiçados, quebradiços e longos, farfalhar como palha velha, e debaixo do manto esbranquiçado, víboras, agitaram-se, deslizando por sua nuca, entrelaçando-se por seus braços. — Tsc, tsc, apontando sua flecha contra mim a que espera resultado? — A criatura enrolou os fios em seus dedos putrefatos vagarosamente, a carne desprovida de sangue, parecendo amassar como papel onde a pressão do fio fazia-se. — Não tenho alma, caçador, para que a tome, não tenho consciência para que a prenda. Se busca uma barganha, até posso oferecer-lhe, sabe o meu preço.
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  Mais uma vez, não houve resposta do invasor. Os olhos estelares fixaram-se, firmes, no semblante da criatura, imóvel. Por trás do osso que o crânio preso em sua face, os olhos queimaram com intensidade. Moveu o braço para a direita, abruptamente, soltando a flecha no segundo que a cobra lançou-se em sua direção; presas afiadas escorrendo veneno, desabou, contorcendo-se contra o chão. Não morreu, não sangrou, se algo que fizera, foi desfazer-se em um limbo entre cinzas e vermes, debatendo-se sem parar. Agonizando permanentemente. Nem viva, nem morta.
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  — Servo espertinho. — Riu a criatura outra vez, cortando o fio entrelaçado de teias com suas unhas afiadas. Inclinou-se para frente, agora com o rosto retorcido e brutalizado voltada para o invasor. — A flecha não muda o curso do rio, mas tem minha atenção por tentar. Diga logo, trouxe o que peço?
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  Houve um silêncio sepulcral que se estendeu sobre o ombro das duas criaturas, ao encararem-se. Estendeu-se como garras afiadas, espiralando por cada centímetro de madeira que envolvia a cabana. Acompanhado do vento, as chamas se apagaram, o único ruído presente, o do bule. O invasor lançou um olhar breve na direção de onde o objeto de metal estava, os pedaços de ossos, e órgãos espalhados em amarrações específicas, e com marcas talhadas. Escritos antigos, magia profunda, relatavam uma porta. Tencionando a mandíbula com um estalo, rígido como uma estátua, alçou da lateral do cinto, o órgão ainda pulsante, espasmódico entre suas garras, sangue escorria, deslizando por seu antebraço estendido, pingando, ritmadamente contra a madeira abaixo de seus pés, lhe inundando a mão. Estendeu na direção da velha, como uma oferenda silenciosa.
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  — Do General Noturno — a voz abafada do invasor reverberou pelas paredes da cabana, baixa e arrastada, perigosa, um sotaque estranho pungente tornava as palavras mais arrastada, ou, talvez, fosse apenas a máscara que a abafava. Derrubou o coração pulsante nas mãos da criatura, que o recebeu como a quem ganhava tamanha preciosidade imensurável. O sorriso alargou-se, rasgando a pele ao redor de sua boca putrefata, exibindo mais uma camada de dentes afiados como agulhas, próximo de suas orelhas pontudas.
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  — E o que você deseja, meu senhor? — indagou a velha feiticeira.
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  Nota da Autora: 😀 de capítulo em capítulo todas as peças começam a se encaixar — digo para a enfermeira achando que sou o Dr Doofenshmirtz e que esta será minha maior vigarice, mas tem um ornitorrinco me encarando torto já faz duas horas, e estou começando a ficar preocupada. (Uma feiticeira que funciona como gênio e não pode morrer, CONFIA, não vai dar NADA errado).




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Lelen

Eu sei que o foco deveria ser o Skad e tudo mais, MAS TEM O KALLIAS ALI, MEU DEUS DO CÉU, MIMDÁ. DIVIDE COMIGO, VIVANE!!
Mas ok, voltando… O Skad é muito amorzinho, SEN-OOOOR. Mas quer o destino que a Cici dele vá ficar com o atormentado do Nyx </3 espero que esse coração de ouro se cure, não podemos deixar mais homens bons ficarem obscurecidos por amor.
Amei a adição da Baba Yaga na história. Eu imaginei ela o estereótipo da bruxa da floresta, uma velhinha de cabelão branquinho e curvada BDOABDOABO e falando em imaginar, o Boreas pra mim é o Iorek Byrnison de A Bússola de Ouro KKKKKKK
E O QUE É ISSO DO GENERAL NOTURNO, HEIN? QQ TÁ ACONTECENDO ENTRE AS CORTES? E O NYX E A CERCI? VIRARAM LANCHINHO DE ZUMBI?

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