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História NÃO RECOMENDADA PARA MENORES ou PESSOAS SENSÍVEIS.

Esta história pode conter descrições (explícitas) de sexo, violência; palavras de baixo calão, linguagem imprópria. PODE CONTER GATILHOS

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Starfall

Escrita porSoldada
Revisada por Lelen




CAPÍTULO 04 • EERIE CREATURES

Tempo estimado de leitura: 47 minutos

NYX • CORTE INVERNAL

  Água lhe invadiu os pulmões com violência. O gosto amargo e pungente misturava-se com pinhos, lama e algo barroso, selvagem, tomou-lhe a boca e a garganta com intensidade, fria o suficiente para fazer com que seus ossos latejassem. Irrompeu por sua traqueia e o asfixiou com impetuosidade, seu corpo latejando, dolorido, com a força que acertou as correntes agitadas do rio. Tentou lutar contra elas; tentou resistir, os punhos fechados acertando erroneamente a pressão diminuta das correntes, tentando nadar de volta à superfície, mas não importava o quanto ele tentasse resistir, nada parecia oferecer-lhe o suficiente para o fazer. Por um breve momento, tudo pareceu perder completamente a importância. Dor se espalhou por suas têmporas, a pressão terrível assemelhava-se com um torniquete ao redor de sua cabeça, sendo girado por uma mão invisível até seu ponto de ruptura. Espalhava-se por seu corpo em pontos inconveniente, sentia-os em seu peito, seu coração martelando dolorosamente contra sua caixa torácica, bolhas escapavam, agitadas, por entre seus dentes quando o grito que tentou soltar, provenientes pelo desespero e a ansiedade inerente de estar afundando, se tornou demasiada.
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  Seu corpo se contraiu, involuntariamente, tentando expelir a água com toda a força que conseguia, mas estava cercado por essa, não tinha para onde ir. Não tinha como lutar com a brutalidade e a implacabilidade do rio congelado. Seu instinto estava começando a dominá-lo, nublava seus pensamentos, distorcia sua visão embaçada pela sujeira que flutuava ao seu redor, obstruía por suas veias o fogo de seu próprio ódio e ressentimento pelas lascas de gelos aterrorizantes de perceber-se diante da morte mais uma vez. Tentou lembrar-se das palavras gentis de Rhysand quando ele era pequeno, como o pai tinha tido paciência quando Nyx estava aterrorizado de entrar na água. Na época ele tinha apenas 6 anos, e, embora tia Amren tivesse recebido um diamante de sangue do Grão Senhor Tarquin, Varian ainda os havia convidado para algumas festanças tradicionais da Corte Estival. Lembrava-se de ter ficado tão animado quando o pai apareceu em seu quarto, no meio da manhã, prometendo-lhe um mundo de explorações e diversões, que não teve problema algum de levantar aos tropeços da cama e preparar ele mesmo sua malinha para a viagem.
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  Havia colocado tudo o que acreditava que precisava: seus dois brinquedos favoritos, o Senhor Fedido, o ursinho de pelúcia que tia Elain havia lhe costurado com esmero e cuidado, a essa altura já puído e desgastado pelos anos que havia dormido agarrado ao ursinho, com um olho de botão faltando, e o máximo de comida que ele conseguiu roubar da cozinha, porque tinha total intenção de seguir as sugestões de tio Cassian e tentar alimentar as criaturas locais. É claro que, enquanto o pai caía em uma gargalhada alta, rica em júbilo, mesmo com sua mãe acertando um tapa alto no ombro dele, Nyx foi obrigado a se desfazer da maioria das coisas pois “não deveriam levar mais do que apenas umas mudas de roupas e proteção solar”; Nyx ficou bicudo, é claro, mas a exasperação infantil tratou logo de sumir quando viu a vastidão do oceano nas praias da Corte Estival. O sol escaldante estava alto, e Nyx deparou-se com aquela imensidão azulada de tirar o fôlego.
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  E então, quando o encanto pela areia, com os grãos desaparecendo por entre seus dedinhos como mágica, acompanhados pela brisa suave de veraneio, grudando em sua pele suada mesmo depois de se esfregar todo para livrar de seu toque, se desfez, Nyx percebeu-se aterrorizado pela imensidão azul. Era muito azul, muito grande, de uma maneira que sua cabecinha infantil não poderia sequer calcular dimensão. Quando viu tio Cassian se lançar por entre as ondas, desejara fazer o mesmo, mas correu em disparada, aterrorizado, em direção ao pai no segundo que a água tocara seu pé. Tivera medo, ainda que infundado, de que assim que colocasse seu pé na água, o oceano o puxaria para baixo, arrastá-lo-ia para suas profundezas sem hesitação e ele estaria completamente perdido. Levou consideráveis incentivos de seu pai para que Nyx se aproximasse da água, e então, começasse a dar seus primeiros golpes contra a água até que rompesse a superfície. Lembrava-se de que as mãos do pai estavam sempre perto de si, apoiando e auxiliando a voltar para superfície quando passava mais tempo do que deveria na água, mas então, em algum momento, elas sumiram também. E embora pânico tivesse abrangido e distorcido sua realidade por uma fração de segundos, o pai estava com um sorriso largo, orgulhoso, quando ele quebrou a superfície da água, ofegante.
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  Ao final do dia, Nyx estava exausto, dormindo confortável nos braços do pai enquanto eles retornavam para o palácio de Tarquin. Depois disso, Nyx havia praticamente desenvolvido guelras, usava qualquer desculpa para jogar-se ao primeiro riacho que encontrasse pelo caminho a fim de apavorar Aurora ou no muito, ganhar vantagem nas brincadeiras com Emhyr e Mav. Sua mãe costumava brigar com ele, censurando-o por estragar roupas usáveis ou por sua imprudência ao jogar-se na água em pleno inverno apenas para atormentar as pessoas ao seu redor com suas mãos geladas, mas então, ele caiu no poço, e Feyre de repente passara a convidá-lo para nadar, para fazer qualquer coisa que não fosse ficar enfurnado dentro da sala de treinamento que outrora tio Cassian havia usado para treinar tia Nestha, ou vagando pelos corredores como um espectro ressentido, tentando encontrar desculpas para ficar sozinho, no escuro, distante de todos.
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  Agora, a memória mostrava-se defasada e distante o suficiente para ser apenas um borrão. O pânico que se alojava em seu peito, misturava-se com a pressão da contrição de sua respiração, e tudo o que ele conseguia lembrar era das palavras gentis de seu pai, incentivando-o a mover-se, a confiar que seu corpo o traria para a superfície mesmo que sua mente não conseguisse confiar em tal coisa. Em algum momento, começou a engasgar-se, a dor era tamanha que os cantos de seus olhos começaram a se obscurecer, e Nyx tivera certeza de que a maldita desgraçada mulher o lançara para a morte iminente. Nyx havia amado nadar um dia, mas nadar naquele lugar era pura tortura. O gelo deslocava-se ao seu redor, parecendo fincar-se em seus músculos, e sua pele, os dedos latejavam, espasmódicos, começando a perder a sensibilidade. Tudo doía como se estivesse sendo queimado vivo, não importava o quanto tentasse debater ou se livrar, não conseguia. E algo estava o puxando para baixo.
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  O brilho dos raios finais do sol já estava distante o suficiente para que sua visão, comprometida pela asfixia e o frio que o envolvia, não mais o percebessem. Teria aberto um sorriso amargo com a ironia da situação se pudesse mover seus músculos congelados, mas estava paralisado. A dor a essa altura o suficiente para enlouquecer, intensa, terrível demais para oferecer-lhe a chance de fazer qualquer coisa senão senti-la. Os olhos azuis intensos capturaram o movimento de algo à sua esquerda, mas com sua visão periférica obstruída pouco pudera fazer senão aceitar o próprio destino. Algo se enroscou com força ao redor de seu calcanhar direito, puxando-o para baixo. E então lá estava ela.
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  Um ponto de luz tremeluzente entre as águas gélidas e negras que os envolviam, como a merda de uma estrela nadando com habilidade, como se tivesse se acostumado com as baixas temperaturas. A mão biônica era um risco por entre as águas com o brilho acobreado quase dourado da Corte Crepuscular, mas foi o brilho pálido da faca presa entre seus dentes que o fez tentar se debater. Ela estava vindo para matá-lo. E nem por isso parecia menos deslumbrante. Os fios de cabelos que se misturavam com aqueles fios estranhos que eram pura luz cintilavam ao redor de sua cabeça como um manto, quase inexistente, flutuando ao redor de seu rosto machucado como uma auréola, fazia adquirir uma nota quase espectral. Um espectro dentro de um lago, deslumbrante em toda sua etérea forma, e assustadora por quem era. Os olhos estelares pareciam pulsar com luz, talvez a única coisa que iluminava a escuridão que os consumia pelas periferias de suas presenças. Nyx tentou mover-se, lutou contra a água e com o que quer que se enroscava em seu tornozelo puxando-o para baixo. Mas era tarde demais, ela já estava em cima dele.
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  Dor pungente espalhou-se por seu peito como ondas elétricas, chocando-se entre os músculos como a quebra do mar. A água lhe invadiu os pulmões antes que pudesse sequer lutar para manter os lábios fechados, as narinas imóveis. Tentou debater-se e sentiu quando seu pé se fincou dolorosamente contra o tronco dela. Sentiu quando a empurrou para longe e não pôde ocultar o prazer que o gesto lhe enviou; se iria morrer congelado ali, então faria questão de levá-la junto. Era o que ela lhe devia, sua vida, pela vida que ela roubara dele. Por condená-lo àquela mísera ridicularizada existência! Mas então sentiu a lâmina quente da faca dela atingir sua panturrilha. O corte não foi profundo, mas foi rápido o suficiente para livrar sua perna do que quer que o puxava para baixo. Confusão tomou seu semblante austero, quando sentiu-a agarrar a frente da camisa, arrastando-se para cima até ficar à frente dele.
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  E então foi como voltar a ser criança. Aterrorizado, perdido em meio a escuridão do poço com apenas as sardas reluzentes dela como companhia. Como guia. Nyx odiou a sensação. Odiou como os olhos dela se suavizaram por um momento, não com respeito ou docilidade, tampouco reconhecimento, mas uma estranha compreensão sobre ele, como se ela pudesse sentir o que ele sentia. O medo. A dor. A fúria. Como se tudo isso estivesse entregue a ela em uma bandeja a seu dispor para deleitar-se com. Nyx quis gritar, mas podia sentir sua cabeça pesar, a escuridão consumindo-o por completo enquanto ficava cada vez mais e mais pesado. Sua mente cada vez mais e mais leve. Estava morrendo, podia sentir em seus ossos, quanto tempo teria se não mais segundos, e a pior parte? Morreria encarando-a. A maldita garota que o havia condenado aquela existência miserável, que não pagaria pelo o que havia feito, que tão prontamente havia deixado-o para trás quando ele estivera determinado a lutar por ela; por eles. Quando ele pensou que ela seria sua amiga naquele lugar assombroso. Agarrou o colarinho da roupa dela, puxando-a consigo, determinado a não a soltar, determinado a, se fosse mesmo morrer ali, levá-la junto consigo.
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  Se não pudesse vingar-se em vida, então o faria em morte. Passaria o resto de quaisquer pós vida assombrando-a, perseguindo-a, atormentando-a da forma que pudesse; nunca seria pago tamanha dívida, todavia.
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  Ela tentou se soltar de seu aperto, é claro, mas então, para o completo horror de Nyx, ela se inclinou em sua direção, mais rápido do que ele poderia ter empurrado-a para longe, ou sequer conseguiria o fazer. As unhas dela fincaram-se em sua pele, as mãos fechando-se em punhos à frente da camisa dele quando os lábios dela, surpreendentemente macios e mais quentes do que qualquer outra coisa que pudesse os envolver ali se chocaram contra o seus. Nyx teria gritado, a teria mordido e empurrado-a para longe com a completa audácia que ela tivera. E embora uma parte de si estivesse em completa cólera, sentindo profundo nojo do toque, o choque foi tamanho que pouco ele pudera fazer além de encará-la, horrorizado. Tentou empurrá-la, tentou chutá-la e afastá-la, surpreso demais com tamanha audácia para sequer entender que merda ela estava fazendo. Mas mais horrorizado do que ter os lábios macios dela pressionados com força contra o seu, foi quando ele a sentiu soprar. De repente a pressão em seu peito parecia aliviar quando o oxigênio lhe invadiu a garganta, a dor pareceu diminuir e o aperto em sua cabeça causado pela mistura de frio e a asfixia diminuiu. Não era o suficiente para aliviar a pressão de seus pulmões, mas foi o suficiente para aliviar, ainda que minimamente, a dor que o envolvia em profunda letargia.
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  Olhos azuis intensos como o oceano à noite, fixaram-se em completo horror, desconfiança no rosto dela, quando ela empurrou-o para trás. Podia sentir o gosto que os lábios dela tinham: frutas silvestres, não era nada do que ele esperava que fosse, e desejou praguejar por sentir tão pungente em sua boca, pela maneira com que o próprio corpo o traíra reconhecendo como algo bom. Viu %Cerci% unir as sobrancelhas, parecendo determinada e furiosa ao mesmo tempo. Os olhos estelares fixos no rosto dele por um momento, antes de enroscar em seu pulso aquela maldita corda. Nyx tentou se desvencilhar, mas ela acertou com força, mesmo dentro d’água o queixo dele, quase o nocauteando, conseguindo prender o pulso dele com a linha e então com um movimento bem mais potente do que deveria ter sido, especialmente abaixo de águas tão frígidas quanto aquelas, %Cerci% arremessou o objeto que mantinha a linha presa para longe em direção da superfície.
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  Nyx sentiu quando o objeto se enroscou em algo sólido, puxando-o um pouco para cima. Nyx piscou, com uma mistura de choque e surpresa, voltando seu olhar na direção de %Cerci%, observando-a debater-se contra a correnteza, e falhar miseravelmente ao ser arrastada para alguns metros de distância de onde estava. Horror gritante pintou seu semblante outrora austero ao perceber o que ela havia feito: tinha lhe dado um apoio, uma maneira para voltar à superfície. Sua inimiga mortal, sua nêmesis, a maldita traidora que havia por tanto tempo jurado que encontraria e mataria lentamente, que prometera a si mesmo que faria pagar havia acabado de salvar sua vida. E isso, talvez, tivesse sido a pior coisa que poderia lhe acontecer.
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  Não esperou para verificar para onde %Cerci% poderia ter sido arrastada pela correnteza. Enroscou seu punho mais um pouco na corda, e, usando-a como seu apoio, tentou obrigar a si mesmo a nadar de volta para a superfície. Podia sentir o peso de seu próprio corpo puxando-o para baixo, podia sentir a dor lancinante em suas asas sensíveis, sendo congeladas pela água, latejarem como se pequenas adagas estivessem sendo fincadas continuamente contra sua pele. Sentiu a dor familiar e pressão no peito aumentar conforme aproximava-se da superfície. A cabeça latejando pareceu receber um estalo doloroso e sua visão ficou completamente embaçada antes de obscurecer-se por completo.
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  Então ele quebrou a superfície.
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  O arfar que escapou por entre seus lábios assemelhou-se com um grito engasgado, aterrorizado. Tossiu de imediato, seus pulmões e abdômen desesperados para expelir a água da correnteza violenta que o prendia no lugar. Os olhos ainda estavam embaçados, distorcidos e obscurecidos pela falta de oxigênio e o afogamento. Tudo doía, mesmo as pontas de seus dedos. O tremor envolveu seu corpo quase espasmódico, perceptível, seus dentes batiam contra si mesmos, cortando os cantos da língua e da parte interna da bochecha. Mas tudo o que lhe importava no momento era inspirar o máximo de ar que pudesse. O cheiro pungente do solo invernal da floresta o atingiu como um soco no rosto, terra molhada misturava-se com o aroma metálico do inverno, acompanhado pelo vento dilacerante gélido. Seus pulmões expandiam e contraiam-se com força, rápidos, água escapava por entre seus lábios, enquanto convulsionou. Usando o apoio da corda de %Cerci%, que havia se enroscado contra um galho grosso de um pinheiro próximo da margem do rio congelado agitado que agora abria-se em um lago consideravelmente largo e menos agitado, Nyx tentou se arrastar na direção da margem.
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  Levou mais tempo do que gostaria de admitir, e afundara mais duas vezes, quase afogando-se ao longo do caminho, antes de finalmente conseguir desabar contra os cascalhos congelados da margem do rio transformado em lago congelado. Os cascalhos eram esbranquiçados, misturavam-se com vidro marinho, e gelo puro, arredondado nas pontas, e fincando-se abaixo das palmas de suas mãos como pequenos pedregulhos, largos demais para se esvair facilmente por entre seus dedos, como a areia fofa e cálida da Corte Estival, mas não grande o suficiente para que não lhe arranhar a pele. Nyx tossiu, gotículas de água do rio deslizando por entre os cantos dos lábios enquanto arrastava-se mais e mais para longe de sua margem, deixando-se afundar, mesmo de barriga para baixo com o rosto contra um banco de neve pálido, fechando os olhos ao tentar normalizar sua respiração.
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  Foi somente quando sua respiração se normalizou e a adrenalina da queda misturada com o afogamento diminuiu que ele percebeu que estava tremendo. Os músculos doloridos, sua garganta ardia, e os ouvidos pareciam estar com água. Fez uma careta, tentando colocar-se sentado em seus calcanhares, balançando a cabeça. Os cabelos molhados grudavam ao redor de suas têmporas, e pescoço, desalinhados, o vento gélido criando pequenos cristais de gelo nas mechas fazendo-as pesarem contra sua pele que parecia extremamente fria, e, ao mesmo tempo, queimando. Nyx piscou algumas vezes, tentando livrar-se do acúmulo de água que se juntava ao redor de seus cílios, grudando uns nos outros, como se fossem pontas de estrelas, antes de seus olhos azuis intensos voltarem-se para a margem. Fez menção de se levantar, mas foi rapidamente lembrado da maldita corda que envolvia seu punho quando puxou o braço na direção da faca solitária — a faca de %Cerci% — vagando pela margem do rio transformado em lago.
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  Grunhiu entre dentes, voltando seu olhar para a corda fina, porém resistente que o prendia no lugar. Ele observou o objeto, era tão fino que parecia ter sido feito de teia de aranha. Um amontoado delas entrelaçadas minuciosamente até formar um padrão resistente e enviesado de corda fina. Nyx levou o objeto em direção aos lábios, tentando controlar o tremor espasmódico para cortar o objeto, mas falhou miseravelmente quando percebeu que, embora de aparência delicada, até mesmo erroneamente frágil, a linha era resistente. Mais resistente do que a merda do fio da lâmina dela. Mais resistente que os próprios dentes dele. Nyx praguejou baixo, seu hálito condensando-se com o ar gélido noturno, espalhando a frente de seu rosto como lufadas de ar branco antes de tocar a merda da linha. Sentiu o familiar formigamento atingir seus dedos quando seu toque, sem a proteção da luva, repousou sobre os entremeios do fio. A princípio sentiu a corda se tensionar, mas então, com a familiaridade de sua própria respiração irregular, ele observou o objeto se desfazer em cinzas com apenas seu toque. Trincou os dentes, sentindo o familiar sentimento de raiva que costumava a seguir sempre que precisava usar aquela habilidade adquirida não por seus pais, mas após seu acordo com a Caçada Selvagem.
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  Com os pulsos livres, Nyx voltou a empurrar a luva para baixo cobrindo sua mão, antes de cambalear em direção à onde a faca dela encontrava-se. Tomou-lhe sem muita cerimônia, analisando-a por uma fração de segundos. Parecia meio entortada, a lâmina meio cega, mas funcionava. Ofegou, os olhos azuis intensos observando o território desconhecido, questionando-se internamente o quão longe do vilarejo ele poderia ter caído. O rio era revolto, e arrastava tudo o que estava dentro dele para aquele lago, era de se assumir que ao menos Kallias, ou o monstro que acompanhava a maldita garota. Lembrou-se vagamente da mãe contando-lhe histórias de dormir sobre a Corte Invernal, Aurora que sempre havia sido fascinada por neve gostava de ouvi-las, Nyx, na maior parte do tempo ficava encarando a mãe com um rostinho franzido e terrivelmente entediado, o que levava Feyre a rir suavemente e prometer-lhe contar alguma das legendárias guerras de bola de neve que seu pai tinha com os tios desde que eram pequenos em retorno. Tentou buscar ao fundo de sua mente que tipo de criaturas poderia haver naquele lugar.
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  Bóreas, %Cerci% havia chamado a criatura, o Urso Polar Gigante que havia assumido forma humanoide com apenas um pedido dela. Embora estivesse tremendo, os lábios levemente arroxeados pelo quase afogamento e o frio que estava cravado profundamente em seus ossos, a raiva foi o suficiente para aquecê-lo. Sua respiração escapava com arfares bruscos e roucos, por entre suas narinas ardentes e sua garganta dolorida. Os olhos azuis intensos, como o oceano à noite, refletindo o céu estrelado, buscou com intensidade pela margem quase vidrado, tentando encontrar qualquer coisa que pudesse o levar até ela outra vez. Sentiu uma mistura de fúria contida, medo e até mesmo satisfação ao considerar que talvez ela tivesse se afogado. Talvez estivesse no fundo do lago uma hora dessas, morta, como bem lhe serviria. Mas a ideia de que %Cerci% estava morta era tão insuportável quanto a ideia de que ela havia o salvado. Não interessava o que ela pensava que havia feito, não importava se o havia tentado salvar depois de lançar os dois naquele maldito rio congelado, não mudava nada. Ela não iria morrer, porque ele não deixaria. Se alguém fosse responsável por sua morte, seria ele, e somente ele. Mesmo que Nyx tivesse que rastejar até o lar de Arwan outra vez e arrastá-la até aquela merda de mundo outra vez, mesmo que ele tivesse que mergulhar naquele maldito lago e arrastá-la para fora pelos cabelos, ele faria.
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  Por que a vida dela pertencia a ele, e ninguém mais. Nem mesmo a morte ficaria em seu caminho.
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  Nyx grunhiu entre dentes, arrancando o casaco de suas costas, suas asas projetando-se um pouco para frente, dolorosas e bem mais sensíveis do que gostaria, a ponta que faltava da flechada que levara quando era pequeno parecia latejar em ritmo com sua pulsação acelerada. Os músculos delas pareciam estar letárgicos, amortecidos pelo gelo da água, mas mesmo assim ele obrigou-se a chacoalhá-las, estendendo-as algumas vezes antes de disparar pela margem, tomando impulso e saltando no ar. Agitou as asas algumas vezes, conseguindo posteriormente estabilizar-se no ar enquanto o vento da tempestade criava uma resistência invisível ao seu redor. Com o coração e a pulsação martelando contra sua pele, ele pairou sobre o lago, buscando como um animal por alguma indicação de onde %Cerci% poderia estar. Se tivesse que mergulhar outra vez no lago, o faria, mas levando em consideração que o sol já havia desaparecido e as primeiras estrelas começavam a despontar, não demoraria muito para que tudo estivesse escuro demais para localizar, mesmo ela. O maldito monstro que parecia ser feito de poeira e luz estelar. Vento gélido agitou as mechas de seus cabelos, alguns fios adentrando em seus olhos, ou grudando na lateral de seus lábios entreabertos. A respiração pesada, marcada pelo subir e descer de seu peito largo, escapava trêmula, pulsando como fumaça ao redor de seu rosto. O nariz queimava, assim como os músculos gélidos. O tremor presente como uma sombra da qual não conseguia livrar-se.
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  E a superfície do lago permaneceu tão escura quanto os céus começavam a tornar-se.
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  Nyx trincou os dentes com força, deslizando pelos ares com mais força do que necessário, tentando cortar a resistência da tempestade de neve que tomava mais e mais intensidade com o passar do tempo. Flocos de neve agitavam-se ao seu redor, alguns grudando em sua pele e derretendo até que as gotas de água tivessem umedecido ainda mais suas roupas, outros apenas atrapalhavam sua visão ao agitar-se de um lado para o outro como mariposas sem luz alguma, desnorteadas. Frustração começou a amontoar-se em seu peito, aquecendo-o do frio e do vento constante. Então, seus olhos repousaram, alguns consideráveis metros de onde ele havia conseguido arrastar-se para a margem, a figura dela, curvada, de quatro, arrastando-se e sendo levada pela correnteza, tentando agarrar-se a qualquer coisa que não fosse puxá-la de volta para a água.
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  Aquele brilho esquisito que parecia pairar por suas sardas estelares como se fossem uma constelação própria parecia ter se espalhado não apenas pelos fios de seu cabelo, mas igualmente por suas veias, tornando-se incandescente mesmo abaixo de sua pele. Os olhos nunca pareceram pontos focais de luz maiores do que naquele momento. Algo na garganta de Nyx pareceu se apertar, obrigando-o a engolir em seco por mais que estivesse doendo pela friagem que havia tomado até agora. Sua mente pareceu oscilar entre o presente e o passado, e por uma fração de segundos, Nyx foi transportado para a escuridão do Poço, para o desespero e o medo, o completo desnorteio, para o pequeno foco de luz que a garotinha era guiando-o em direção a sua própria condenação. Algo em seu peito pareceu agitar-se, enterrado sob inúmeras camadas revoltas de cólera e fúria mal contida, e ele detestou o sentimento. Desconsiderou-o com finalidade, concentrando-se em apenas alcançá-la. Após tantos anos, não seria agora que ela escaparia.
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  Suas botas, escorregadias pelos cristais de gelo que haviam se formado devido ao vento e a água que o encharcou deslizaram pelos cascalhos, quase desequilibrando-o quando Nyx cambaleou em direção a ela. %Cerci% parecia ainda estar letárgica, tentáculos soltos e sangrentos pareciam estar enrolados em suas pernas, sem que ela sequer percebesse. Nyx tampouco importou-se, simplesmente avançou em direção a ela, acertando-a com uma joelhada no rosto e ouvindo-a gritar com a dor. Sentiu uma pequena ponta de satisfação ao sentir os ossos dela conectarem-se com os de seu joelho, mas essa satisfação morreu prematuramente quando ela rolou para a esquerda, deslizando pela margem do lago para colocar-se atrás dele e acertá-lo com violência na parte de trás de seu joelho. Nyx sentiu seu corpo se projetar para frente, a dor explodindo por trás de sua cabeça latejante, a perna cedendo ao próprio peso. Lançou a faca no ar, de uma mão para outra no segundo que sentiu o braço dela envolver em um aperto sufocante o pescoço dele, e com um grito estrangulado, selvagem, Nyx fincou a lâmina no antebraço dela, rasgando uma bela linha em sua carne que a fez gritar de dor, e cambalear para trás.
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  Abriu suas asas com força, usando a extensão delas para empurrar %Cerci% para trás, vendo-a cambalear, seus pés desastrados em meio a margem úmida do lago, escorregando, sem muito equilíbrio, tanto pela exaustão causada pela queda e o afogamento, quanto pelos cristais de gelo causados pela tempestade. Usou isso como sua vantagem. Nyx desviou de um cruzado por fora preciso, atingindo com força a costela dela, ouvindo-a ofegar, pega de surpresa, antes de agarrar o cabelo dela com uma mão, os dedos enroscando-se nas mechas molhadas com força, puxando a cabeça dela para trás, enquanto com a mão livre ele repousava a faca na altura da costela dela, no ponto exato que tio Cassian havia lhe ensinado que permitiria atravessar a caixa torácica de maneira limpa até atingir coração e pulmão. Ela tentou arranhá-lo com as unhas, mas ele a prensou contra o tronco largo de uma árvore, com força o suficiente para deixá-la desnorteada. Seus olhos queimaram o rosto dela, a maneira com que ofegava, e engasgava-se ainda com a água, exausta e ao mesmo tempo queimando como a porra de uma estrela.
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  — Valeu a pena? — vociferou Nyx, os olhos queimando com a cólera e a fúria contida de anos, concentrada e temperada pelo ressentimento montante que a essa altura tornara-se inescapável. E, por baixo de tudo aquilo, a dor de um ferimento que nunca havia cicatrizado; infestara-se com o desprezo e o ódio, a traição profunda que deveria ter tornado-se uma cicatriz, havia inflamado e infeccionou, e a essa altura corroera tudo o que restara dentro de si. Dolorosa presença ocultada apenas pelo ímpeto de sua raiva e o desejo por retribuição, nunca checada.
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  Agarrou com mais força os cabelos dela, usando o joelho para prendê-la no lugar, sentindo a fragilidade de seus ossos abaixo de seu joelho. Uma mistura de prazer perverso e satisfação, com fúria o atingiu ao perceber que ele poderia quebrá-la com a facilidade semelhante de um galho. Para quem ela era, sua fragilidade, pela primeira vez, tornava-se insuportavelmente atraente para ele.
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  — Me diga! — comandou ele, perdido em sua própria fúria e desprezo por ela. Pressionou com mais força a faca contra as costelas dela, vendo-a grunhir, tentando se soltar de seu toque, debatendo-se mesmo que não pudesse livrar-se dele. — Quando me deixou para trás, quando escolheu fugir como a covarde que é, valeu a pena? Valeu a pena ter me sacrificado? Ter me traído?!
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  — O que espera ouvir? — ela cuspiu entre os dentes, a respiração irregular atingindo o rosto de Nyx como lufadas cálidas que cheirava uma mistura de flores e frutas silvestres. Convenceu-se que o estremecer que atingiu seu corpo provinha do nojo que sentia por ela, da doença que %Cerci% era, um monstro existente que a muito saíra impune de seus pecados, e nada mais. Nada mais. — Quer que eu minta? — ela cuspiu e Nyx a fuzilou com o olhar, pressionando com mais força a faca contra as costelas dela, sentiu-a encolher-se com a dor quando o metal transpassou o tecido e fincou-se na pele. — Valeu cada segundo! — ela cuspiu com selvageria, e por um segundo, mesmo a contra gosto, Nyx a encarou, chocado.
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  Por uma fração de segundos a mão que empunhava o punho da faca pareceu afrouxar, quase deixando-a escapar por uma fração de segundo, ao absorver suas palavras. Seus olhos azuis intensos quase refletiram uma dor profunda, inconveniente ao compreender as palavras dela. Valeu cada segundo, ela disse, e em seu tom de voz ríspido não havia traço algum de arrependimento. O semblante de Nyx rapidamente tornou-se sombrio e intenso. Ela não se arrependia; uma parte vã de si, uma desesperada por motivos que ele sequer poderia dizer que compreendia havia acreditado que ela carregaria aquela culpa como uma condenada. Uma parte de si queria acreditar que a culpa iria a corroer de dentro para fora, que seria um peso que ela teria que conviver todos os dias, e a ideia de que isso seria apenas o começo de sua punição lhe agradava tanto quanto a ideia de matá-la. Uma parte de si queria acreditar que ela estava em miséria tanto quanto havia o deixado em miséria. Mas… ela não se arrependia.
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  Nyx frustrou-se consigo mesmo ao perceber que a admissão dela havia lhe doído mais do que qualquer outra coisa que ela pudesse ter dito. Havia acertado em cheio na ferida moribunda e infeccionada de anos atrás ainda tão dolorosa e tão pungente quanto fora aberto no dia que ela o deixou para trás. No dia que ela o condenou. Piscou algumas vezes, tentando livrar-se da sensação dolorosa que se enredou por seu coração, ou o que havia sobrado de tal coisa, apertando-o como vinhas sufocantes espinhentas. Seus dedos se fecharam com mais força contra o punho da faca, assim como ao redor do pescoço dela. Seus olhos queimaram o rosto delicado, de sardas cintilantes como pequenas constelações traçadas em sua pele.
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  — Então confirma o que não passa da merda de um verme nojento, huh? Condena a vida de inocentes para que a sua seja poupada — Nyx grunhiu entre dentes, abrindo um sorriso cruel, quase satisfeito quando a viu se encolher com a acusação. Os olhos estelares dela cintilavam com um acúmulo do que ele presumiu ser lágrimas, mas percebeu rapidamente que ela não iria chorar a sua frente, não iria o fazer na frente dele. Algo sombrio, perverso pareceu apertar-se em seu peito, incentivando-o a obrigá-la a derramar aquelas malditas lágrimas. Algo perverso o acalentou ao vê-la se encolher, ao perceber que havia conseguido atingi-la em um ponto dolorido. — Você não é um monstro, %Cerci%, você é um verme — ele cuspiu as palavras, um sorriso satisfeito espalhando-se por seus lábios ao vê-la unir as sobrancelhas e prender a respiração quando ele pressionou com mais força a faca na pele dela.
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  — Porque o verdadeiro monstro é você! — Ela rosnou com uma voz sufocada, entrecortada, e surpreendentemente vulnerável. Havia uma boa camada de fúria nas palavras sussurradas, quase sufocadas pelo aperto dele em sua garganta, mas o tremor que ele percebeu ao fim de sua fala quase o fez ficar satisfeito. Quase.
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  — Foi você que me criou, devia estar orgulhosa — ele cuspiu de volta, severo. Interrompeu-a antes que pudesse argumentar alguma coisa, antes que pudesse justificar. Ele não queria justificativas, ele queria vingança. Queria que ela sentisse a mesma dor que ele havia sentido, queria que ela passasse por tudo o que ele havia passado. Queria que ela fosse corroída pela dor e que lhe suplicasse aos prantos por misericórdia, mas, acima de tudo, Nyx queria olhar no fundo de seus olhos estelares atormentados, registrar cada mínima alteração de sua expressão quando ele lhe negasse perdão. Quando ele a condenasse a morte ciente de que não havia nada nesse mundo ou do Outro Lado que ela pudesse fazer que pagaria por tê-lo traído, por ter o condenado aquela vida miserável. Por o fazer tornar-se um pária mesmo na família de seu pai, por torná-lo um monstro, vil e tóxico que sequer poderia tocar com as pontas dos dedos quem amava. Sempre faminto por algo que nunca teria. E a culpa era dela.
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  Inteiramente e somente dela.
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  — Eu criei você? — ela ecoa com desprezo em uma risada embargada desacreditada, a fúria pareceu aumentar em seu corpo, em sua mente, e Nyx fez uma careta, tentando conter o impulso de acabar com aquela merda de confronto, de matá-la de uma vez por todas. — Você é o que é, illyriano — ela cuspiu as palavras como se fosse uma maldição, e Nyx trincou os dentes. Era apenas metade da metade de um illyriano, seu avô era um Grão Feérico e sua avó era uma Illyriana, seu pai era um mestiço que se casara com uma humana Feita feérica, se fosse fazer uma contagem realista apenas 40% de si mesmo era illyriano de fato. E, no entanto, ela o colocava naquela caixa sem problema algum.
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  Durante toda sua infância recebera olhares enviesados de todos que caminhavam pela Corte Noturna, mesmo com a presença de seus pais, mesmo com seus feitos, nada parecia apagar para Keir e seus seguidores que Nyx era um mestiço de sangue outrora humano. Uma criatura, um monstro que deveria ser domado e comandado; mesmo Lyra o encarava com aqueles olhos escuros com uma ponta de desgosto quando ele fingia não estar olhando para ela. Mas a ideia de que %Cerci%, logo ela parecia desprezá-lo por ser quem era, teria o feito rir com escárnio e fúria, se não estivesse tomado pelo desejo de finalizar aquele trabalho.
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  — De todas as criaturas que já conheci, você, illyriano, é a que mais desprezo. Se transvestem de civilizados para ocultar a monstruosidade que permeia por baixo da pele. São pesadelos não por poder, mas por crueldade! Eu não criei o monstro que você é, você já era assim, agora usa-me como desculpa para que não se sinta culpado das merdas que faz. Mas eu vejo você, Nyx — ela rosnou entre dentes e arfares. Nyx sentiu algo ao fundo de seu estômago se contorcer. Tomou cuidado para que não atingisse sua expressão, para que não revelasse mais do que deveria, mas suas palavras atingiram em cheio um ponto dolorido que ele não percebia que existia. — E não precisou da ajuda de ninguém para se tornar isso. Se não há amor em sua vida, de certo, é porque merece.
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  Algo na mente de Nyx estalou. Foi movido pela cólera, não pela racionalidade, mas sim pela dor e o desejo profundo de retribuição. Fincou fundo a faca entre as costelas dela, girando o cabo para alcançar o coração. Sentiu o sangue cálido e viscoso dela escorrer por sua mão, seu pulso, deslizando pelo antebraço, encharcando o tecido da manga de sua armadura, fazendo-a grudar contra a pele. Nyx assistiu, a respiração presa em sua garganta ao admirar a maneira com que o rosto dela se contorceu com a dor pungente, a viu trincar os dentes com força para conter um grito de dor, enquanto os olhos quase se fechavam. E então sangue escorreu por entre seus lábios. À primeira vista, apenas um filete de sangue, mas então, conforme ela engasgava, mais e mais escorreu por seus lábios, pingando de seu queixo, marcando a pele de seu peito com aquele tom vivo de vermelho. Nyx cambaleou para trás, ofegante.
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  Estava tremendo, e não tinha certeza se o fazia apenas pelo frio que o envolvia. Observou-a cair de joelhos, uma mão enroscando-se contra a faca presa em seu flanco, o cheiro metálico era forte ao se espalhar pelo ar. Os olhos arregalados não perderam nada, nem o momento que ela escorregou no próprio sangue e desabou com o rosto no chão da floresta. Sua pulsação estava tão alta que tudo pareceu desaparecer ao seu redor. Um prazer perverso parecia ter se apoderado do seu peito, mas havia uma nota de desconforto crescente. Algo que ele não esperava sentir ao observá-la agonizar e engasgar-se com o próprio sangue. O desespero na maneira com que ela ofegava, tentando rastejar para longe dele. Na maneira com que os olhos se moviam agitados, cientes de que não havia ninguém para salvá-la. Por tanto tempo ele havia planejado e sonhado com aquele momento, com o momento em que ele teria a vingança que desejava, com a sensação libertadora de finalmente finalizar aquela merda de situação de uma vez por todas, mas…
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  Além da perversa alegria que sentia, perigosa e sombria, cruel até mesmo, uma parte de si sentiu-se ainda mais pesada. Como se tivesse cometido um erro sem sequer perceber; mas ele não se deixou abalar com isso. Não importava se ele havia cometido um erro, ela havia o feito primeiro. Ela o levara até aquele momento, sua morte era sua punição e nada mais. E, ainda assim, Nyx não se conteve quando a viu tremer. Ele ainda assim colocou-se de joelhos, sentado na parte de trás de seus calcanhares, agarrando-a pelos ombros, e virando-a de barriga para cima. Merda… a faca havia sido fincada muito fundo. Cobria quase todo o tronco dela com a mancha vermelha, o sangue deslizava ao redor do pescoço, formando uma poça no chão ao seu redor.
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  Merda, merda, que porra ele estava fazendo? Ela estava morrendo, era o que desejara desde o começo. Tê-la morta. Fazê-la sofrer; tentou convencer-se que se esticou o braço agora, se tentou verificar se havia alguma maneira de estancar o sangue que se esvaia por seu corpo como água, o fizera porque percebera que ela ainda não havia sofrido o suficiente. Porque ela merecia mais do que uma morte rápida. Mesmo quando suas mãos tremeram, ele praguejou entre dentes, culpando o frio. Seus dedos tocaram fantasmagoricamente o cabo da faca, considerando a arrancá-la, seus olhos azuis intensos, como a tormenta de um oceano à noite, fixaram-se nos dela, observando-os revirar em suas órbitas, se por dor ou fraqueza, pouco poderia saber dizer. Algo pareceu apertar-se dentro de si, estranho, desconhecido, como se um amontoado de linha tivesse prendido-o no lugar e agora se desfazia. Era a ausência dos fios que parecia perturbadora.
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  Mas então ele ouviu um grunhido alto vindo do centro da floresta. E então, mais um, e antes que pudesse se dar conta, criaturas congeladas, com a pele putrefata esquelética, revelando pedaços de carne morta, vermes pingando como sangue de seus crânios e ossos expostos, parecendo serem feitas do mais puro gelo, se arrastaram das profundezas das árvores em direção a ele. Percebeu com uma ponta de surpresa e até mesmo irritação que os monstros não vieram por ele, mas sim, foram atraídos por ela. O sangue dela atraiu aquelas criaturas. Nyx trincou os dentes com força sem conseguir mover-se de cima de %Cerci%, congelado no lugar, tanto pelo vento severo da tempestade que os envolvia, quanto pela visão dos monstros que se arrastavam em sua direção.
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•••

SKAD • CORTE INVERNAL

  Aurora era tudo o que %Cerci% havia lhe dito que ela seria, e talvez, até mais.
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  Não mentira sobre sua beleza, de fato, era facilmente a mulher mais bela de toda Prythian e uma parte egoísta de si mesma, uma parte que não se orgulhava nem um pouco de ter dado ouvidos ainda que por mera fração de segundos, sentiu-se ao menos satisfeito com o prospecto em mão, mesmo que não pudesse vir a amá-la, ter uma esposa tão bela quanto Aurora deveria de ser fácil aos olhos; talvez pudesse enganar-se para tanto. Mas Aurora era mais do que só sua aparência física, ela era inteligente, com um humor mordaz e perspicaz, não hesitava em dizer o que pensava, e embora estivesse coberta por pudores e cordialidades, havia um escárnio na maneira com que se deferia a tradição que certamente havia encantado Skad. O fizera sorrir de imediato. Tinha um olhar intenso e atento, os olhos escuros como piche, lábios rosados, curvados em um sorriso capaz de incendiar uma floresta inteira ou ao menos o bloco congelado que era seu coração, e uma voz suave, gostosa de ouvir. Percebeu que não teria muitas dificuldades de ouvi-la, ela poderia reclamar de qualquer coisa que não o incomodaria. Algo surpreendente, levando em consideração que, sendo o Herdeiro da Corte Invernal aquele tipo de reação não condizia consigo mesmo ou a tradição de seu povo. Eram mais fechados, distantes, até mesmo frios, seu pai murmurava que eram dos velhos tempos, dos anos em que um mal chamado por Amarantha que os havia tornado daquela forma, desconfiados e observadores, propensos a fecharem-se antes que pudessem abrir-se para desconhecidos. Não eram calorosos para se ter por perto, se porventura devido ao ambiente que eram criados ou apenas a natureza de sua magia, pouco poderia dizer. Mas sentiu aquela estranha quentura surgir por seu peito ao observá-la.
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  Aurora era uma pessoa fácil de amar.
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  Talvez em um futuro um pouco distante, Skad percebeu, ele viesse a amá-la. Talvez não inteiramente, talvez não da forma que ela merecia, mas certamente poderia ver-se permitindo a amá-la… como uma amiga, uma parceira. Mas enquanto a ouvia detalhar a viagem, e questioná-lo sobre seu dia, enquanto ele murmurava com um tom suave, gentil até sobre o tempo perdido na biblioteca, e na pesquisa que ele, e %Cerci% estavam determinados a encontrar solução, Skad sentiu uma ponta profunda de culpa. Sentiu-se um belo mentiroso, e o peso em seus ombros pareceu triplicar. Sob os olhares acusatórios de Lumia, Skad sentiu vontade de ajoelhar-se à frente de Aurora e confessar-lhe que não poderia seguir com aquilo. Considerou as palavras sentiu-as, amargas em sua língua, tentando forçar-se a expeli-las para fora, mesmo que soubesse que não deveria. Lumia sabia que ele queria fazer, porque não tardou a juntar-se na conversa, oferecendo pequenos conselhos e ofertas para Aurora com um tom ácido enviesado, convidando-a para patinar no gelo ou cavalgar pelos jardins do palácio, lançando olhares afiados na direção de Skad.
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  Skad forçou um sorriso gentil tentando tranquilizar Aurora, e um olhar tão afiado quanto para Lumia, chegando à terrível conclusão que: embora Aurora fosse fácil de amar, não era a quem ele queria. Em sua mente, sua decisão estava tomada, e ele iria até o fim com ela, desde pequeno orgulhava-se de ser justo e leal a seus propósitos, ele não hesitava em fazer o que era preciso, mas quão tolo acreditou que seu coração, traidor por si só, poderia ser dominado por sua mente, se ao olhar para Aurora, buscara não a verdade dela, mas pequenos reflexos, pequenos lampejos de %Cerci% ali. As duas eram teimosas, embora em medidas diferentes; Aurora era teimosa como uma porta, mas opinada sobre. %Cerci% era teimosa como um gato, mas tão flexível quanto, se insistia em algo, o fazia de certo, mas o ouvia. Considerava sua opinião tanto quanto. As duas pareciam ter uma pequena propensão para o desastre: mas Aurora era tão graciosa quanto uma dançarina, e %Cerci%… bem, ela havia caído em um dos bebedouros com água e grama seca das renas de Vivianne simplesmente porque estava distraída tentando decifrar um mapa — um mapa que ele havia adulterado e desenhado para que ela não conseguisse resolver e tivesse que pedir sua ajuda com o enigma. As duas tinham opiniões fortes, mas Aurora era politizada, enquanto %Cerci% tinha uma perspectiva de honra e ética estranhamente pessoal. As duas eram curiosas, mas enquanto Aurora parecia não se importar com perigos, %Cerci% era cautelosa, como se sua curiosidade se misturasse com algum medo profundo que ele nunca havia compreendido direito de onde vinha.
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  Ele sabia que ela gritava à noite. Sabia que tinham noites em que os pesadelos eram tão fortes que ela escolhia simplesmente vagar pelas ruas sem destino próprio, ou esgueirar-se pelas paredes de vidro do palácio até a biblioteca. Por vezes ele havia a seguido em segredo, apenas para se certificar de que ela não se envolveria em problemas e acordado ao lado dela em algum canto confortável, porque ele havia pegado no sono, fazendo-a flagrá-lo em cheio. Mas enquanto Aurora era como um raio de sol, tão ofuscante quanto, %Cerci% era como a lua, ou uma estrela, fugaz momentaneamente, mas denotada de uma melancolia profunda. Uma melancolia que espelhava a dele.
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  — Aurora, preciso contar uma coisa, na verdade, preciso pedir-lhe algo, talvez não seja o que queira ouvir, e entenderei se me ressentir por isso, não tenho sido honesto com você, mesmo que toda esta… situação possa ser apenas um contrato — Skad começou a dizer gentilmente segurando o cotovelo de Aurora e puxando-a para um pequeno espaço mais discreto e longínquo dos olhares exasperados de Lumia e a expressão divertida de Vivianne. Aurora estreitou os olhos, parecendo tentar esforçar-se para manter sua expressão neutra, apenas observadora enquanto Skad engolia em seco. Ele tencionou a mandíbula, assentindo, mais para si mesmo do que para a atual herdeira da Corte Noturna quando se pronunciou. — Preciso confessar que não posso retribuir sentimentos… — sua fala foi interrompida com uma alta comoção na entrada do jardim.
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  Lumia arregalou os olhos, Vivianne, sua mãe, pareceu se tencionar no mesmo segundo, quando membros da guarda se aproximaram em disparada. Ivar, o General da Corte Invernal, com seus cabelos trançados cuidadosamente em pequenas tranças que se uniam em uma grande só, com as laterais raspadas de sua cabeça e tatuadas, tinha um semblante severo, buscando com o olhar o rosto de seu Grão Senhor. Quando não encontrou, imediatamente focalizou em Skad, que já estava movendo-se em sua direção, o braço esquerdo estendido na direção de onde a mãe, a irmã e a futura esposa encontrava-se, instintivamente protetor. Não precisou perguntar nada há Ivar, pois o General já gritava com intensidade e até mesmo tensão em sua voz, a urgência palpável:
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  — Draugrs, senhor! A leste daqui! — Skad tensionou sua mandíbula no mesmo segundo. As criaturas costumavam tentar atravessar pelo norte das muralhas. Não sabiam de onde vinham, ou o que os criava, sabiam que era algum tipo de doença, que corroía apenas os corpos de membros daquela terra e não estrangeiros, como uma espécie de fungo, mesmo mortos, eram reanimados, segundo atrás apenas de um único desejo, sangue. Como estavam mortos, precisavam de algo quente para continuar movendo-se. Normalmente os Ursos Polares nas fronteiras tomavam conta desse problema, mas fazia já alguns meses que algo havia acontecido que os estavam fazendo migrar para aquele canto de seu território.
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  Skad não precisou ouvir mais. Lançando um olhar severo na direção de Lumia, disse com um tom de ordem que havia aprendido a imitar ao observar incansavelmente seu pai em trabalho diário como Grão Senhor.
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  — Volte para o palácio, agora, proteja Aurora! — Lumia pareceu ficar ofendida com tamanha ousadia de Skad de comandá-la a fazer algo, mas o olhar que Skad lhe ofereceu foi o suficiente para obrigá-la ao menos engolir seu próprio orgulho. Sabia que a irmã iria fazer um belo de um discurso sobre sua postura e lembrá-lo que, embora herdeiro, ele não era o Grão Senhor, e que a próxima vez que ele tentasse comandar algo, acabaria com um sapato enfiado bem no meio… Ivar arremessou uma espada que Skad pegou no ar, subindo em uma das renas antes de unir as sobrancelhas, voltando seus olhos cristalinos na direção do velho guerreiro. — Bóreas e %LaFay%…? — começou a perguntar, e foi recebido com um olhar estranho vindo de Ivar.
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  Os lábios do General da Corte Invernal se retorceram em uma careta que parecia meio desgostosa, meio incomodada. Skad sentiu algo gélido percorrer por suas veias, a adrenalina pareceu pulsar ao ritmo de seu coração, mas ainda assim aguardou pela resposta. Até onde sabia, Bóreas costumava a cuidar daquelas criaturas quando estava de folga, %Cerci% tinha a tendência a ir junto sempre que o urso esquecia de proibi-la de segui-lo, supôs com uma ponta no estômago que ela deveria estar perto do problema, para variar, mas algo na maneira com que o semblante do General obscureceu, Skad sabia que a notícia não era boa.
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  — Houve um incidente, senhor, no centro do vilarejo, contarei ao longo do caminho — foi tudo o que o General disse antes de agitar as pernas comandando para que a rena saísse disparada. Skad uniu as sobrancelhas, suas mãos apertando com mais força a espada, considerando suas palavras. Um incidente? Com %Cerci%?
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  Que merda poderia ter acontecido?
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  Nota da Autora: tá, tá eu confesso, o lance do fio da PP é puramente inspirado em Silksong, porque eu esperei 7 anos por esse jogo sair e agora to chorando porque não tenho tempo para jogar. Eu sei que tem muitas coisas para se falar sobre que não seja esse detalhe do fio da PP, mas é que eu to APAIXONADA pelo jogo então a gente vai ficar assim tá? Ah, ih daí que o Nyx fez uma cagadona, e o Skad a caminho do problema e a PP à beira da morte, deixa eu te contar o enredo todo de Hollow Knight, vem cá, então tudo começa com o cavaleirinho-




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Lelen

Ai, o Nyx dividido entre amar odiar e odiar amar a pp OIASFNOIASNDASO
E ELA JOGANDO NA CARA DELE QUE TER ABANDONADO ELE NO POÇO VALEU CADA SEGUNDO SDOPFNASOPFNASOPD
Assim, errada não tá, mas sabemos que ela tá escondendo a parte mais importante que é o fato de ela ter ficado com consciência pesada por ter deixado ele para trás sim </3
Dois orgulhosinhos machucados, aiaiai, vai render HAHAHAH
E O SKAD? SÓ QUERIA UM MINUTO DE PAZ PRA PODER CONFESSAR AS COISAS DIREITO, AÍ VEM CONFUSÃO PRA ELE RESOLVER SDBFAOIRNASOIDN
Esse povo não tem paz, mas tenho fé que um dia ela vem pra ficar #oremos.

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