Capítulo 9
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Já era a terceira vez que Inez esmurrava a porta do nosso quarto. Aparentemente, ela nos levaria para algum serviço matinal. Dana havia ido preparar o café, por isso, Duque ficaria sozinho aqui.
Mais alguns murros na porta e eu bufo, enquanto tento calçar minha bota marrom.
Jack passa do meu lado e dá duas batidinhas em meu ombro, antes de ir até à porta.
Amarro a bota de qualquer jeito e me abaixo para dar um beijo no topo da cabeça de Duque, que estava dormindo em sua gaveta/cama.
— Prontas. — Jack abre a porta, nos mostrando a imagem séria do Inez do outro lado.
A pirata faz um gesto de cabeça e se vira, começando a andar pelo corredor pouco movimentado. Ao segui-la, sinto uma leve fisgada em minha panturrilha machucada e enfaixada. Apesar de o corte do tiro de raspão doer bem menos hoje, ele ainda doía, mas, ao menos, eu conseguia andar normalmente.
Jack me encara, parecendo desconfortável. Seus ombros caem um pouco e sua expressão era pesarosa.
Ela dá um passo para frente.
— Inez... hm, me desculpe por ontem... por ter apontado aquela pistola pra você. — Jack diz baixo, segurando as próprias mãos e encolhendo os ombros de novo.
O corpo de Inez balança quando ela respira fundo, antes de parar e se virar para nós, nos fazendo parar também. Sob o seu olhar sério, Jack volta o passo para trás, ficando do meu lado.
— Eu não estou com raiva... — Ela expira forte, desviando o olhar sério. — Acho que posso entender o porquê de terem feito aquilo, apesar de achar uma ideia bem estúpida. — Ela nega fracamente com a cabeça. — Apenas fiquem na linha de agora em diante.
Assentimos silenciosamente e Inez se vira de novo, voltando a andar.
A pirata de chapéu nos leva para o corredor de quartos masculinos, onde, ao passarmos por alguns tripulantes e piratas, todos nos encaram com feições de desaprovação, como se fossemos uma praga. Bem, não os julgo por isso, eu já esperava esse tipo de reação.
Logo conseguimos avistar Namjoon parado em frente a uma porta velha e aberta.
Me sinto levemente nervosa ao vê-lo, mas, assim que seu olhar vai até o corredor e encontra o meu, eu fico completamente nervosa.
— Pronto. — Inez para em frente a Namjoon e aponta para nós duas. Ele assente para ela que, com isso, se afasta.
— Bom dia, Namjoon. — Jack cumprimenta, mas ele não responde, então ela fica um pouco sem jeito e acaba passando do lado dele, entrando.
Penso em cumprimentá-lo também, mas seus olhos castanhos que me encaravam tão seriamente agora, me diziam que era melhor continuar de boca fechada. Por isso, apenas sigo os passos de Jack e acabo entrando em um banheiro improvisado com muitos barris, penicos, panos, varais improvisados e vasilhas de aço.
Enrugo o nariz e minha cabeça se inclina um pouco para trás quando o forte odor me atinge como uma lufada fedorenta acompanhada de moscas barulhentas.
— Quanto tempo faz que não lavam isso aqui? — Jack fala com a voz estranha devido a estar tapando o nariz.
— É por isso que vocês estão aqui. — Namjoon continua de costas para nós, mas não tem como não perceber o desprezo em seu tom.
Encaro Jack, que me olha de volta. Ela afasta a mão do nariz e sorri minimamente fechado, antes de andar para onde estavam amontoados alguns utensílios de limpeza.
Com um longo suspiro pesaroso, me junto a ela para começarmos uma faxina nesse banheiro nojento.
***
Definitivamente essa estava sendo uma das limpezas mais demoradas que já realizei na vida. Parecia que não importava o que Jack e eu fizéssemos, o mau cheiro não ia embora.
Expiro alto, passando o antebraço na testa para afastar o cabelo loiro.
— Não aguento mais. Até parece que sujaram esse lugar de propósito. — Jack resmunga, agachada do meu lado, enquanto esfregávamos o chão de madeira, que cheirava a urina. — A água também já está acabando. Pensei em roubar um pouco daqueles barris ali, mas eles a usam para tomarem banho.
Encaro a pouca água que ainda tínhamos no balde e depois os barris, antes de me levantar e ir até à porta aberta.
— Namjoon, será que você poderia nos arrumar um pouco de água? — Pergunto, parada atrás do seu corpo alto.
— Não. — Ele me fita sobre os ombros apenas para responder isso e voltar a encarar o outro lado do corredor.
Suspiro, sentindo cada parte do meu corpo, cansada.
— Por favor, nós precisamos da água.
Ele finalmente se vira para mim.
— Isso não é problema meu. Apenas termine de limpar o banheiro.
— Tudo bem, Serena. — Jack diz atrás, ainda agachada onde limpava. Sua voz era um pouco suave, mostrando sua vontade de manter as coisas calmas e era uma pena eu não ser como ela.
— Não tiro o seu direito de me odiar pelo que fiz ontem com você, mas nós só estamos pedindo um pouco de água para terminar de limpar o banheiro.
As sobrancelhas de Namjoon se levantam e um sorriso debochado surge no canto de sua boca.
— Amotinados não merecem nada além do pior. Você deveria agradecer por estar viva depois de ter me roubado. — Ele praticamente cospe as palavras, antes de me dar as costas.
Eu realmente gostaria de ser como a Jack, mas já estou começando a perder a paciência.
— Eu também deveria agradecer por ter sido sequestrada e levada para longe da minha família que provavelmente pensa que eu morri? Deveria agradecer por ser forçada a me juntar a uma tripulação pirata? Deveria agradecer por ter ficado uma noite inteira presa em um mastro de navio? Eu nunca pedi pra estar aqui em primeiro lugar. Então você não pode me condenar quando eu tento fugir, mesmo que através de um motim idiota. Eu estava irritada.
O banheiro cai em um completo silêncio e eu percebo as costas de Namjoon ficarem tensas. Ele não se vira para me olhar ou retrucar, apenas se afasta da porta e some pelo corredor.
Aperto os dentes uns nos outros e volto para perto de Jack, que me encara com um semblante triste.
***
Quando finalmente terminamos de limpar o banheiro imundo, eu é que precisei ser limpada, em um “banho” feito de água em um barril e uma barra dura de sabão amarelado. Mas me senti muito melhor depois de limpar todos os vestígios nojentos daquele banheiro do meu corpo.
Sentada na cama de Dana e com Duque no meu colo, mexo os ombros em movimentos circulares para trás, ainda sentindo meu corpo doer pela faxina.
— O que acha que irmos lá fora? Fiquei tanto tempo presa naquele banheiro fedido, que preciso de ar puro agora. — Pergunto para Jack, que terminava de vestir sua roupa limpa.
— Tudo bem. Vamos fazer isso já que Dana ainda não voltou para o quarto.
Assinto e me levando com Duque nos braços.
— Vai levar ele?
— Todos já sabem que ele está no navio e o Taehyung prometeu não fazer nada, então vou levá-lo, sim. Duque, mais que ninguém, merece respirar um pouco de ar, passou todos os dias trancado aqui ou na prisão.
Com um olhar incerto, Jack me acompanha até à porta.
— Por favor, comece a falar “Capitão" ao invés de “Taehyung”. Nós não precisamos de mais uma confusão. — Jack me adverte antes que saíssemos.
Eu sei que preciso fazer isso, mas chamar alguém de Capitão é um pouco estranho para mim, uma vez que já sei seu nome verdadeiro. Por isso, sai de forma automática, pois minha cabeça já atrelou sua imagem ao nome.
Em meio a todos os olhares, Jack e eu fomos para o convés superior, onde havia muitos piratas com mais olhares desconfortáveis, ao menos para Jack, visto que eu apenas decidi ignorar. Embora, os olhares direcionados a mim eram mais dos tipos amedrontados, devido toda a história de ser uma bruxa. E tais olhares pareciam se intensificar ao verem Duque em meus braços e, contanto que não digam nada a respeito do meu cachorro, então todos poderemos ficar bem.
Caminhamos para perto da proa e nos escoramos contra a borda do navio, enquanto passávamos a observar a imensidão de água abaixo de nós.
Já era quase fim de tarde, com um vento fraco que apenas balançava nossos cabelos ao rodopiar pelo ar puro e fresco, cheirando a maresia, quase me fazendo sentir o gosto do sal. Isso me lembrava Marlli.
Duque fecha seus olhos, parecendo relaxado com a sensação, então aproveito para afagar seu pelo branco.
— Jack, eu queria me desculpar por ter te metido naquela confusão toda. Eu sei que você está chateada com a maneira como Namjoon nos tratou, ou os olhares da tripulação. — Digo, escutando minhas palavras se misturarem ao som do vento.
Jack suspira e me encara, antes de apoiar os braços na borda do navio, se inclinando.
— Está tudo bem, não precisa pedir desculpas. Você não me obrigou a nada, Serena. Eu estava tão desesperada quanto você para sair desse navio. — Ela confessa, rindo baixo pelo nariz, enquanto seus cabelos balançam. — Na verdade, acho que deveríamos continuar com o plano.
— O quê? — A fito de forma espantada.
— Deveríamos tentar fugir quando ancorássemos para procurar a parte do mapa, como combinamos a princípio. Não quero passar o resto da vida presa nesse navio. Já pensou ter que lavar banheiros como aquele todos os dias? — Ela faz uma careta de desgosto.
— Isso se sobrevivermos depois da visita até a tal da bruxa do pântano. — Lembro, e Jack arregala os olhos.
— Eu já tinha me esquecido. Acho que morreremos antes mesmo de fugirmos. — Rio de seu exagero para descontrair, mesmo que, no fundo, eu temesse exatamente por isso.