Sirena del Atlantis


Escrita porHels
Revisada por Natashia Kitamura


Capítulo 4

Tempo estimado de leitura: 51 minutos

  — Ele é bem bonzinho. — Jack diz, de pé em frente ao beliche. E com o braço esticado, ela afagava Duque que estava deitado a observando de forma tranquila.
  — Sim. Esse nanico nunca me deu trabalho. — Sorrio, fitando o pequeno cachorrinho sobre o beliche de cima.
  Jack me encara, enquanto continua afagando Duque.
  — Há quanto tempo você o tem?
  — Já tem uns doze anos que ele me encontrou. — Cruzo minhas pernas, deixando o pé direito sobre o esquerdo.
  As sobrancelhas de Jack se enrugam.
  — Ele te encontrou? — Assinto para sua pergunta.
  — Eu não sou filha de sangue. Os meus pais me encontraram desacordada na orla da minha cidade, Marlli. Minha mãe me contou que foi esse nanico — Encaro Duque sorrindo e, em seguida, passo lentamente minha mão por seu pequeno corpo, fazendo um carinho — que me encontrou. Depois disso, ele correu pra buscar ajuda e acabou achando os meus pais. Foi o Duque que os levou até onde eu estava.
  Os olhos escuros de Jack se arregalam.
  — Essa pequena bola de pelos é o seu salvador? — Ela encara Duque com espanto, me fazendo rir.
  — Sim, foi essa pequena bolinha de pelos que me salvou. — O pego do colchão, deitando-o em meus braços para que eu consiga abraçá-lo.
  Jack fica em silêncio por alguns segundos, nos encarando. Eu conseguia perceber a curiosidade em seus olhos.
  — Posso te perguntar uma coisa?
  Eu já podia imaginar o que era, mas assinto do mesmo jeito.
  Ela aperta seus lábios por um momento, parecendo ponderar antes de falar.
  — Por que você estava desacordada em uma orla?
  — Os meus pais me contaram que talvez eu fosse sobrevivente de um naufrágio.
  — Mas se fosse, eles não teriam encontrado partes de barcos ou outros sobreviventes por perto?
  Dou de ombros.
  — Não sei. — Suspiro. — Nunca tive muita curiosidade em saber o que aconteceu antes disso. Eu realmente sou feliz com a minha família... ou, pelo menos, era. — Suspiro outra vez, ao pensar onde eu estava agora.
  — E não se lembra de nada desse suposto naufrágio?
  Rio para mim mesma, achando graça da bisbilhotice de Jack. Provavelmente, qualquer coisa que não estivesse relacionada a vida pirata, com certeza, a animaria.
  Fito Duque, em meus braços, que me olha de volta.
  — Eu não consigo me lembrar de nada antes de acordar na casa dos meus pais. O meu nome foi a única coisa que pude lembrar naquele dia. — Confesso, tendo uma sensação nostálgica, como se pudesse voltar naquela tarde fresca, onde, através da janela do que passaria a ser o meu quarto, enxerguei as grandes colinas verdes e senti o cheiro da maresia trazida pelo vento.
  — Uau, isso é uma bela história misteriosa, daquelas que a plebeia no final descobre que é uma princesa.
  Não me aguento e começo a rir, fazendo Jack me acompanhar, enquanto Duque nos encara sem entender.
  — Eu tenho certeza que não sou uma princesa perdida, pois, se fosse, acho que teriam alguns cartazes com a minha cara espalhados por aí. — Entro em sua brincadeira.
  — Bom, talvez você seja uma sereia então, ao menos, se parece com uma. — Jack dá de ombros.
  — Uma sereia? Você já viu uma? Isso não é uma lenda de pescador?! — Rio de novo.
  — Eu nunca vi uma, mas Dana disse que já e, pelo que dizem, acho que devem se parecer com você. — Ela aponta para mim, abanando sua mão. — Com esse cabelo bonito e grande, e esses olhos azuis iguais a água.
  — Bem, eu nunca vi uma, então não posso dizer se são reais. — Levanto Duque e o seguro em frente ao meu rosto. — Duque, você acha que eu me pareço com uma sereia? — Encaro o cachorrinho, que late uma vez. — Viu, ele disse que não me pareço com uma.
  — Quem sabe não damos sorte de encontrarmos uma pelo caminho, e assim vemos se você se parece ou não.
  Encaro Jack.
  — Acho melhor não. Pelas histórias que contam sobre sereias, não sei se gostaria de ver uma de perto.
  A porta do quarto é aberta, interrompendo nossa conversa e me fazendo jogar Duque para debaixo do cobertor.
  — Eh, pensei que era a Inez. — Jack suspira alto, enquanto Dana entra no quarto com duas pequenas caixas de madeira e alguns papéis rasgados
  — O que é isso? — Pergunto, enquanto descubro Duque, que resmunga com um barulho baixo.
  — Entre amanhã ou depois, haverá revista. E como não tenho certeza do dia, é melhor esconder Duque hoje, assim, não corremos o risco de alguém encontrá-lo aqui. — Dana explica, colocando com cuidado as duas caixas sobre sua cama. — Vamos escondê-lo lá embaixo com os outros animais. — A mulher de cabelos vermelhos, toca uma das caixas. — Uma tem água, a outra comida e os papéis servem para ele fazer as necessidades. Depois nós recolhemos tudo e colocamos as fezes dele nos tambores, junto das fezes da tripulação, como fizemos durante essa semana.
  — O que tem sobre essa revista? — Pergunto.
  Jack se vira para mim de novo.
  — Toda vez que o Capitão Hanna "recruta" novos tripulantes, todos passam por uma espécie de etapa de segurança, que dura um ano. — Ela começa a explicar. — Durante esse um ano, todos os novatos são supervisionados enquanto fazem suas tarefas, de modo que, toda semana, uma vez, seus quartos são revistados pra ver se ninguém está escondendo armas ou coisa do tipo.
  — É um protocolo de segurança para evitar motins ou traição. É como se todos fossem analisados durante esse tempo. Se após completar um ano, o Capitão e seus homens te julgarem de confiança, você se torna oficialmente um pirata nesse navio. Caso contrário, vai morrer. — Dana completa a fala de Jack.
  — Você só ganha uma arma e para de ser vigiado como uma criança depois de um ano, isso, se se tornar um pirata. — Jack apoia os braços no topo do beliche de cima, onde eu e Duque estávamos.
  — Quero que preste atenção no que direi agora, Serena. — Dana se aproxima do beliche, ficando do lado de Jack. — Sei que você quer fugir, mas peço que espere um pouco mais. Hoje, enquanto descascava algumas batatas, conversei com alguns piratas e eles me contaram que em um ou dois dias, nós estaremos ancorando. O Capitão precisa despejar os barris inúteis com fezes e sujeira, precisa se livrar dos animais e, talvez, de alguns prisioneiros. E também precisa se preparar para essa busca por Atlantis que você está guiando.
  Dana faz uma pausa e encara Jack. Ela não tinha um olhar muito bom.
  — Mas não é só isso. O Capitão costuma fazer algumas paradas que servem como testes para os novatos. Ele deixa que todos saiam do navio por algum tempo, o tempo que ele leva para fazer seus negócios, mas, sem que os novatos saibam, ele também manda alguns de seus piratas os segui-los e vigiá-los, para saber se tentarão fugir ou pedir ajuda. Isso o faz descobrir quem são os possíveis futuros traidores e, assim, o Capitão já os elimina antes que o prejudiquem. E, desta forma, ele faz até dar um ano e restar apenas os que se tornarão de confiança.
  Arregalo os olhos, minimamente, mas assinto.
  — Eu estive pensando, de qualquer forma. Você disse que já estou aqui há uma semana, certo? — Dana acena um "sim" com a cabeça. — Pois bem, se vou fugir, farei isso da forma correta. Antes pensei em escapar quando ancorássemos, mas isso que você me contou, muda tudo. Nesse momento, acho que o melhor a se fazer, é ficar aqui até encontrarmos o primeiro local que coordenei para o Capitão. Eu tenho certeza que ele me levará junto pra saber se o lugar que indiquei é real ou não, provavelmente, se não for, ele tentará me matar ali mesmo.
  Engulo em seco e as duas mulheres em frente ao beliche, me encaram com preocupação. Até mesmo Duque parecia fazer isso.
  — Mas, também sei que esse será o momento que o Capitão e quem for com ele, estarão mais concentrados, tentando achar esse lugar do mapa. E penso que esse é o momento perfeito pra me aproveitar da distração e fugir. O que vale mais, ir atrás de uma fugitiva ou encontrar o sexto pedaço do mapa para Atlantis?
  As duas ficam em silêncio, ainda me encarando com preocupação.
  — Até lá, farei de tudo pra conquistar a confiança do Capitão e dos piratas dele, tornando mais fácil a minha fuga, de modo que eles não estarão tão preocupados com uma traição minha.
  Dana suspira alto e profundamente.
  — Eu, sinceramente, espero que isso dê certo. Estou rezando por você, meu pequeno peixinho. — Ela sorri terna, e eu retribuo. — Agora que estamos todas conversadas, é melhor levar Duque. Aproveite que a maioria está no convés. Ficarei aqui no quarto vigiando.
  Assinto, saindo do beliche de cima, puxando Duque comigo.
  — Vou com você. — Jack se voluntaria, pegando as duas caixas e os papéis que Dana trouxe.
  — O cubra com isso. — Dana joga um lençol sobre Duque, que estava nos meus braços. — Vocês deveriam ir ao convés também, depois. Já disse para saírem desse quarto um pouco. Aqui mal entra luz, e se não quiserem ficar doentes, é melhor respirarem um pouco de ar puro às vezes. Escutem o que eu digo.
  — Sim, mamãezinha. Pode deixar. — Jack diz, e Dana coloca as mãos na cintura, a fitando com os olhos apertados.
  — Mas não vão para a borda do navio. Estou falando sério. Não quero ter outro susto daqueles, ou terei um piripaque e vocês carregarão o peso da minha morte para sempre.
  — Nossa. — Arregalo os olhos e rio alto. Jack me acompanha e Duque late debaixo do lençol.
  — Fique quieto, seu nanico. Não faça barulhos agora e nem se mexa.
  — Vão logo. Irei me deitar um pouco.
  Jack e eu assentimos, antes de sairmos do quarto.
  — Você disse que após um ano quem ficar tem direito a ganhar armas. — Começo a falar, quando nós duas começamos a andar pelo corredor dos quartos. Jack assente. — A Dana tem uma? — A encaro com curiosidade.
  Jack ajeita as duas caixas nos braços, segurando os papéis para não caírem.
  — Tem, mas ela nunca usou. Uma vez me contou que jogou as balas no mar, pois não queria usar aquilo nunca na sua vida.
  Assinto, em silêncio.
  Mesmo que meu plano seja ganhar a confiança e fugir quando chegarmos no local do mapa, penso que ter com o que me defender, caso aconteça alguma coisa, seria o mais seguro a se fazer. Mas sei que não posso contar com a arma da Dana, já que não tem munição.
  Quando estávamos quase alcançando o final do corredor, duas garotas entram nele. Ambas estavam conversando, mas nos encaram com desconfiança quando nos veem, principalmente, pelo montinho embalado em meus braços.
  — Eh, quanta roupa suja você tem, Serena. Isso é muita coisa. — Jack diz, e cutuca o montinho e, graças aos céus, Duque não se mexe.
  As duas garotas parecem acreditar no que Jack diz. Elas voltam a conversar e passam do nosso lado, indo em direção aos quartos.
  Relaxo meus ombros que, por um momento, ficaram tensos.
  — Obrigada. — Sorrio para Jack, que me oferece uma piscadela em resposta.
  Sem mais surpresas pelo caminho, Jack e eu conseguimos chegar até o terceiro andar do navio com tranquilidade. Para nossa sorte, os presos estavam dormindo. Não acho que tenha muito o que se fazer ficando enjaulados como animais o dia todo, provavelmente, também comem como animais e devem estar com os corpos fracos.
  Era realmente desconfortante estar aqui, a energia no ar era pesada, quase como se a tristeza fosse palpável. E, confesso, que o cheiro também não é nada agradável. Toda vez que o vento entrava pelas pequenas janelas redondas, o odor das fezes e xixi se tornava insuportável, agradando apenas as muitas moscas que zanzavam por todos os lados.
  Com o auxílio de uma das lamparinas, Jack deixou nosso caminho mais claro até onde os animais estavam mantidos. Alguns dormiam e outros estavam acordados. Tentamos acalmá-los para não fazerem barulho.
  Em um canto afastado e escuro, coloquei uma jaula vazia e quadrada. Ela não era muito grande, mas o bastante para caber Duque e as duas caixas.
  Meu coração doeu ao deixá-lo ali, mas era preciso.
  — Eu não posso trancar isso. Então, por favor, não saia daí, Duque. Eu prometo que logo volto pra te buscar, tá bom? — Abro a jaula para dar-lhe um último beijo.
  — Ei, ei, quietinho, passarinho. Não faça barulho. — Jack sussurra para uma gaiola, onde o mesmo pássaro que fez barulho quando estive aqui com Dana, chilreava agora.
  — Q-Quem está aí?
  Ainda agachada de frente para a jaula onde deixei Duque, sinto meu corpo paralisar. Pelo canto de olho, encaro Jack, que estava tão surpresa quanto eu.
  Sibilo para Jack "Precisamos sair daqui", e ela me responde com um "Agora não".
  — Por favor, tem alguém aí? — A mesma voz masculina de antes, volta a perguntar.
  "Ele não vai dormir até saber quem está aqui" sibilo para Jack, antes de me levantar e ir receosamente até as celas.
  — Serena, volta aqui. — Jack sussurra atrás de mim.
  Contando de onde eu estava, na segunda cela, havia um velho magro e de joelhos, segurando as grades da sua cela. Os seus olhos cansados, se arregalam.
  — Vocês não são piratas. — Com a voz falha e baixa, ele diz assim que Jack acaba se juntando a mim depois de um suspiro derrotado. — Foram sequestradas? Nunca as vi antes.
  — Nós só não costumamos vir aqui. — Digo, tentando soar natural.
  — Não. — O senhor da barba longa, nega com a cabeça. — Não têm cara de piratas.
  Com os joelhos no chão, o homem os arrastam para frente, trazendo o feno junto.
  — Por favor, nos tirem daqui. Eu não aguento mais passar meus dias nessa cela miserável. — Seus dedos sujos apertam as barras da cela com um pouco mais de força. — Sei que não são piratas como eles. Vocês foram sequestradas e me entendem, sabem como é estar refém desses malditos vagabundos do mar.
  Uma mulher, a da cela ao lado, começa a se mexer sobre o feno, parecendo acordar com a voz do velho senhor.
  Jack me encara tensa, e segura minha mão antes de me puxar pelo correr com rapidez, nos afastando do prisioneiro, que gritou uma última vez para que o ajudássemos.
  Assim que passamos pelo alçapão, nos encostamos perto de algumas das redes.
  — Por um segundo, nos imaginei andando na prancha. — Jack diz, com uma das mãos sobre o peito.
  — Não seria um pouco demais?
  Jack me encara de canto de olho.
  — Se eles contarem que estivemos lá, os piratas vão querer saber o motivo disso.
  Fico em silêncio, e encaro o chão de madeira do navio.
  — Você não se sente mal por vê-los vivendo daquele jeito? — Pergunto.
  Jack encolhe os ombros, com uma expressão desconfortável.
  — É claro que eu me sinto, mas o que eu posso fazer? Do mesmo jeito que eles, também sou uma prisioneira aqui, mas tento não quebrar as regras pra não acabar em celas.
  Assinto, sem dizer nada.
  Jack desvia seu olhar, ficando um pouco mais desanimada. Ela segura uma das redes, passando seus dedos pelos buracos trançados, antes de expirar bem alto.
  — Serena, eu gostaria de fugir com você.
  Abro mais meus olhos, me sentindo surpresa.
  — Desde que você começou com essa ideia de fugir por se meter com o Capitão, eu pensei em como gostaria de fazer isso também. Nunca tinha ido lá para baixo onde os prisioneiros ficam. Eu realmente não me agrado com isso, mas não quero terminar como eles, por isso, tento obedecer a tudo, mas não quer dizer que eu goste dessa vida como a Dana.
  Olho ao nosso redor, não vendo ninguém, apenas escutando os barulhos de passos no convés.
  Com cuidado, seguro na mão livre de Jack, a deixando entre as minhas duas.
  — Por que não vem comigo então? Se não gosta dessa vida, deveria ter a liberdade de escolher ficar ou não. — Digo, fitando-a bem nos olhos.
  Jack respira fundo e engole em seco. Em silêncio, ela assente de forma quase que imperceptível.
  Aperto levemente sua mão, de forma terna, tentando a confortá-la um pouco.
  — Se vamos fazer isso, nós precisamos ganhar a confiança dos piratas certos. — Ela diz, e aponta para o teto do segundo andar, indicando o convés.
  — Você tem razão. — Concordo com ela, sabendo exatamente a quem ela se referia. — E sabe o que mais?! Penso que nessa saída que teremos em um ou dois dias, será a oportunidade perfeita pra conseguirmos armas ou algo do tipo.
  Jack aperta um pouco seus olhos, franzindo as sobrancelhas.
  — Não podemos, Serena. Você não escutou quando Dana disse que eles no vigiam durantes as saídas? E ainda tem a revista.
  — Nós escondemos tudo lá embaixo, como estamos fazendo com o Duque. — Falo com um pouco mais de fervor, mas de forma baixa. — Se formos vigiadas pelos piratas certos, nós podemos conseguir algumas armas, Jack. Não podemos fugir desprotegidas, precisamos nos preparar pra qualquer tipo de situação.
  Ela pensa por alguns segundos, mas, no final, entende que não havia jeito fácil ou seguro de fugir desse navio, e que precisaríamos correr alguns riscos se quisermos encontrar nossa liberdade outra vez.
  Logo após conversarmos mais um pouco sobre como faríamos em nossa saída, acabamos indo em direção ao alçapão que nos levou para o convés, que estava lotado. Se vamos fazer isso e se quisermos ganhar a confiança dos piratas, precisaremos sair mais daquele quarto, por isso, começaremos agora, com o conselho de Dana.
  Além das conversas altas, uma música também preenchia todo o convés, e quando a procuro, vejo alguns homens na proa no navio, bem onde Jack caiu. Eles estavam tocando alguns instrumentos, enquanto os outras cantavam e uma parte da tripulação dançava e bebia.
  — O que é isso? — Pergunto, de pé ao lado do alçapão.
  — Esses são os músicos. Os piratas acreditam que eles espantam alguns males, por isso, os trazem pra navegar. Além do que, eles também animam a tripulação. — Jack explica.
  — Garotas! — Alguém grita atrás de mim, antes de passar seu braço por meu pescoço e pelo de Jack também.
  — Urgh! Você está fedendo a rum, Jungkook! — Jack empurra o braço dele para longe.
  — Isso é um elogio para um pirata. — O garoto passa por nós duas, ficando na nossa frente. — Venham, vamos aproveitar. Música e bebida pra todos. — Ele ri alto, antes de nos agarrar pelos pulsos e nos puxar, guiando-nos por entre a tripulação até o outro lado do navio, onde Namjoon estava sentado em um barril, segurando uma garrafa vazia.
  — Belezuras! — Namjoon ergue os braços para cima, parecendo animado ao nos ver.
  Parada em meio a toda essa bagunça agitada, olho em volta, procurando por alguém específico.
  — Onde está o Capitão? Já tem alguns dias que não o vejo.
  Jungkook me encara e sorri.
  — Na cabine dele. O Capitão está estudando aquele mapa que você desenhou. Isso é importante. — Jungkook se inclina em minha direção, fazendo-me sentir o forte odor de rum que vinha dele.
  — Uff! Dá pra botar fogo em um navio com todo esse rum que está em você. — Me inclino para trás e o afasto, empurrando-o sutilmente pelo peito.
  Jungkook ri como se eu tivesse contado uma piada, e dá um tapa nas costas de Namjoon, que é impulsionado um pouco para frente, acabando por derrubar sua garrafa.
  Namjoon o encara com severidade.
  — Sua sorte é que essa garrafa estava vazia, ou eu te mandaria para o armário de Davy Jones agora mesmo.
  — O que é um armário de Davy Jones? — Os interrompo antes que briguem.
  — O purgatório dos piratas que morrem no fundo do mar. — Namjoon responde, se levantando.
  O encaro descrente.
  — Isso não é um pouco exagerado?
  Namjoon estreita os olhos e fica bem próximo a mim, me sobrepondo ao seu alto tamanho.
  — Regra número um em um navio pirata: nunca derrube o rum. Isso não é visto com bons olhos. — Ele realmente estava sério para isso.
  — Ok. — Digo, achando uma tremenda bobagem.
  — Vamos buscar mais, Jungkook. Acho que tenho umas garrafas no meu quarto. — Namjoon faz um gesto de mão para que Jungkook o siga.
  — Você conhece o navio todo? — Sussurro para Jack, que nega com a cabeça. — Então não sabe onde é o quarto deles?
  — Não.
  — Regra número um: conheça bem o lugar do qual vai fugir. — Seguro na mão de Jack e começo a arrastá-la por entre os marujos.
  — O que vai fazer? — Jack sussurra para mim.
  — Ei! E quem é Davy Jones? — Pergunto, tentando alcançar os dois piratas que iam em direção ao alçapão.
  Sem parar de andar, Namjoon nos olha sobre os ombros.
  — Você ainda tem muito o que aprender sobre a vida pirata.
  — Eu adoraria que vocês me ensinassem tudo. — Digo, e Namjoon para de andar, quase nos fazendo trombar com suas costas.
  — Onde vocês vão? — Namjoon pergunta com suspeita.
  Solto a mão de Jack, e coloco as mãos na cintura.
  — Pensei que estivéssemos nos tornando amigos. Não podemos tomar um pouco de rum com vocês? — Inclino minha cabeça para o lado, e estreito os olhos.
  Namjoon e Jungkook se entreolham por um momento, antes de pirata de pano amarrado na cabeça, se curvar.
  — Senhoritas! — Ela faz um gesto de mão elegante para que passemos antes.
  Olho para Jack, que mesmo não parecendo muito certa disso, desce o alçapão comigo.
  Nós caminhamos em direção aos quartos, mas entramos do lado direito, onde ficava o quarto dos homens. Depois, andamos até à última porta do corredor.
  — Esse é o meu quarto. — Namjoon para em frente a última porta.
  — E esse é o meu. — Jungkook aponta para a porta de frente para a de Namjoon, do outro lado do corredor.
  Como fez como o alçapão, Namjoon pede que estremos primeiro.
  — Você tem um belo quarto aqui. Nada parecido com a caixa apertada em que dormimos. — Jack comenta, observando tudo.
  — Um dos privilégios de ser um homem de confiança do Capitão. — O pirata de pano amarrado na cabeça, diz, antes de caminhar até um grande baú ao lado da cama.
  Jungkook se joga na enorme cama de Namjoon.
  — Ei, seu maldito pirata sujo, se a minha cama ficar fedendo a merda, você vai se ver comigo. — Namjoon, que estava agachado, ameaça, sem desviar seus olhos do baú.
  — Ela já fede porque você dorme nela. — Seriamente, Jungkook encara Namjoon, que devolve o olhar, antes que ambos caiam no riso.
  Troco um olhar com Jack, que dá de ombros e se senta na cama, perto de onde Namjoon estava.
  — Tome. — Ele entrega uma carrega para Jack.
  — Hm... obrigada. — Ela encara a garrafa, não parecendo saber o que fazer.
  Me sento do lado dela, e pego a garrafa de sua mão, a abrindo e tomando um gole. Quando termino, percebo que Jungkook e Namjoon me observavam.
  — O que foi?
  — Nada. — Namjoon levanta as sobrancelhas e ri, se sentando na cama também, do lado de Jack.
  — Não é muito comum ver garotinhas como você bebendo como um pirata. — Ainda deitado, Jungkook passa seu braço ao redor da minha cintura e da de Jack, que encara o braço dele com desgosto.
  — Você é muito atrevido. — Jack dá um tapa na mão de Jungkook.
  Jungkook resmunga de dor, mas afasta seus braços de nós, segurando sua mão como uma criança machucada.
  — Meus pais têm uma loja de pães e rum, então não é algo incomum pra mim. Já tomei isso algumas vezes.
  — Devemos beber juntos algum dia na loja dos seus pais. — Namjoon sugere, antes de dar um longo gole em sua garrafa e passar para Jungkook, que derrama algumas gotas no colchão, o fazendo ganhar um olhar ameaçador do pirata de pano amarrado na cabeça.
  — É, quem sabe. Mas já aviso que sou muito boa em beber. Não fico bêbada com facilidade.
  Jungkook se senta na cama, arqueando uma sobrancelha.
  — Isso é uma provocação?
  Dou de ombros.
  — Me mostrem suas habilidades. — Sorrio para eles, e Jack me encara sem entender.
  — Passa essa garrafa pra cá, Jungkook. — Namjoon entende a mão para o amigo, mas sem desviar seu olhar do meu.
  Se quer insultar um pirata, duvide da sua capacidade de beber. Isso foi fácil. Em todos os meus anos trabalhando na loja dos meus pais e convivendo com bêbados, aprendi que quanto menos sóbrio você está, mais sincero fica. E o que um pirata bêbado poderia me contar? Com certeza, tudo o que precisava saber para fugir com sucesso.
  A porta do quarto de Namjoon é aberta de uma só vez, batendo na parede de dentro, fazendo algumas coisas balançarem.
  — Bata antes, seu maldito. — Namjoon resmunga para o homem alto e careca parado na entrada da porta, era Stu, o pirata posteriormente conhecido como "o pirata que levou uma chaleira nas fuças".
  — Sail Ho! — É tudo que Stu diz, mas o suficiente para fazer Namjoon se levantar e Jungkook saltar da cama.
  — O que é isso? — Encaro Jack, sem entender.
  Jack me fita apreensiva.
  — Essa é uma expressão usada quando outro navio pirata é avistado em alto mar.
  Meu corpo inteiro se arrepia, antes que eu também me levante e siga os três. Jack e eu estávamos um pouco atrás, compartilhando o mesmo nervosismo.
  Ao voltarmos para o convés, todos estavam em silêncio e os músicos haviam parado de tocar e cantar. A tripulação estava perto da borda do navio, todos encarando algo a nossa frente.
  No meio de duas rochas pontiagudas na água, lentamente, vinha um navio de bandeira preta. Ele saia de dentro de uma leve neblina que rodeava as duas rochas.
  — Capitão no convés! Saiam da frente! — Alguém grita, e todos olham para trás, vendo o Capitão Hanna sair da porta do lado esquerdo do convés, onde eu sabia que ficava sua cabine e seu escritório.
  Com um semblante sério, ele caminha em direção ao aglomerado de marujos, que abrem espaço para que ele vá até à borda do navio, apoiando suas mãos ali.
  Em silêncio, ele observa o outro barco pirata se aproximar cada vez mais de nós, e nós dele.
  — Preparem os ganchos e pranchas. Nós vamos entrar.
  O convés virou um caos. Todos iam de um lado para o outro.
  — Inez!
  — Sim, Capitão. — A garota de cabelos loiros, surge do lado dele.
  — Você vai ficar aqui comigo. — O Capitão fala e ela assente. — Namjoon e Jungkook, vocês vão entrar.
  Os dois piratas concordam sem nem pensar duas vezes.
  A cada segundo que eu via a água trazendo aquele barco para perto desse, eu me sentia mais nervosa, e algo dentro de mim me fazia querer tomar uma decisão idiota, mas que poderia me ajudar futuramente a ganhar a confiança do Capitão.
  Depois que entreguei o mapa, não o vi mais e ele também não me procurou. Passei os dias pensando se fiz algo errado, ou se ele descobriu algo naquele mapa. De qualquer forma, uma coisa era certa em tudo isso, não posso simplesmente ficar de braços cruzados esperando que ele me desmascare, ou eu nunca iria fugir.
  — Capitão! — O chamo, e ele me olha, assim como os pouco marujos que ficaram por perto.
  Ele não diz nada, apenas me fita daquele seu jeito mal-encarado.
  — Eu gostaria de ir também. Quero ajudar.
  — O quê? — Jack segura meu braço e me puxa um pouco para trás. — Ficou louca, Serena? É um navio pirata. Você sabe o que os piratas fazem? Saqueiam e matam. — Ela sussurra perto do meu ouvido com a voz completamente exasperada.
  — Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Estou apenas ganhando a confiança dele. — Sussurro de volta, e me solto dela, me aproximando do Capitão de novo. — Capitão, por favor, me deixe ir.
  — Você por acaso tem experiência no mar? — Inez pergunta.
  — Não. Mas estou presa em um navio pirata e acho que preciso aprender.
  — Pelas barbas de Davy Jones! Isso não é brincadeira, garota, você pode morrer, só está no navio há uma semana! — Inez se exalta um pouco, e todos os outros ao seu redor ficam em silêncio.
  Capitão Hanna estreita seus olhos para mim, antes de enfiar a mão dentro do seu casaco preto e puxar uma pistola, jogando-a em minha direção.
  — Levem ela com vocês. — Ele dá a ordem aos outros piratas, enquanto me encara.
  — Meu Deus, Serena, fique aqui. — Jack se aproxima outra vez.
  — Vai ficar tudo bem, confie em mim. — Seguro em seu ombro. — Vá e fique com a Dana.
  Os marujos começam a voltar para o convés, carregando cordas com ganchos na ponta e tábuas de madeira. E, atentos, assim que o outro navio pirata se aproxima o suficiente, eles lançam os ganchos, que prendem da borda do outro navio. Em seguida, os marujos começam a puxar as cordas, fazendo o navio se aproximar o bastante para que conseguissem fazer uma pequena ponte entre os navios com as tábuas de madeira.
  — Mas... não tem ninguém no navio. — Inez fala, segurando-se na borda.
  — Vão lá e descubram o que está acontecendo. — Capitão Hanna manda, com um olhar sério para o outro navio.
  — Serena, vamos. — Namjoon faz um gesto de cabeça, logo depois subindo em uma das pranchas e correndo por ela até o outro navio.
  Abro um pouco a boca e respiro fundo. Encaro a pistola em minha mão e depois o outro navio, que agora estava muito perto.
  — Serena! — Jungkook grita.
  Lanço um último olhar para Jack, que estava completamente aflita, antes de me aproximar de Jungkook, que estava sobre uma das pranchas. Ele me estende sua mão e me ajuda a subir e, uma vez de pé, ele começa a andar sobre a tábua de madeira que ligava os dois navios. E sabendo que estava sendo observada, também começo a andar, sendo cautelosa para que a tábua não balance e eu caia no mar. Por sorte, o outro navio foi puxado para bem perto e não demorei ao atravessar a ponte improvisada.
  Salto para dentro do convés do outro navio, e observo tudo ao meu redor, vendo os piratas selecionados, correrem de um lado para o outro em busca de algo.
  — Serena, venha comigo! — Jungkook grita de novo, e quando o procuro, o vejo perto de um alçapão que levava para o andar debaixo do navio.
  Corro até ele e nós dois descemos.
  — Por que o Capitão não vem junto? — Pergunto, quando mergulhamos na escuridão que estava no andar debaixo.
  — Porque ele é o Capitão. E se nosso navio for invadido, alguém precisa estar lá pra lutar com os inimigos. — Jungkook responde, andando com cautela no ambiente escuro.
  Todas as tochas pregadas nas paredes estavam apagadas, e não haviam lamparinas, eram apenas as pequenas janelas nas paredes do navio que iluminavam alguma coisa.
  — Vai por ali, que eu vou por aqui. Qualquer coisa, você atira, eu vou escutar. — Jungkook fala, correndo para uma das entradas que tinha aqui, me deixando para trás.
  Tensa, encaro a pistola mais uma vez e a tento segurá-la da maneira que eu julgava como a certa. Com as mãos suadas, seguro a arma com força quando começo a caminhar em direção à outra entrada.
  Meu corpo sobressalta e me viro com rapidez quando escuto passos, mas se tratava de mais um pirata. Este que desceu também e correu na direção contrária para procurar.
  Respiro fundo e volto a me virar em direção a entrada diferente da de Jungkook. Tento mascarar os meus passos ao entrar no completo escuro, e tento aguçar minha audição para qualquer barulho.
  Ao virar em uma pequena dobra, dou de cara com um corredor repleto de celas, como havia no Vingança de la Rainha Hanna. Meu corpo se arrepia de novo e se torna mais tenso ainda quando um cheiro podre preenche todo o corredor. A arma em minhas mãos tremia pelo meu nervosismo, mas eu precisava fazer isso, esse era o meu passe de fuga.
  Dou o primeiro passo em direção às celas, caminhando com cautela. Engulo em seco e paro perto das duas primeiras, uma de cada lado. Estavam vazias, não havia nada.
  Respiro fundo e continuo andando, indo em direção ao próximo par de celas. Elas também estavam vazias, e isso deixava o meu coração mais agitado.
  Vou em direção ao próximo par de celas, e o cheiro de podre fica ainda mais forte, assim, como, ao longe, surge um baixo zumbido. Paro de andar e tendo me concentrar no barulho que percebo ser de moscas, similares as que zanzavam na prisão do Capitão Hanna.
  Apresso meus passos, passando em frente ao terceiro par de celas. Estavam vazias. Passo em frente ao quarto. Também estavam vazias. Vou em direção ao quinto, mas paro ao ver botas escuras para fora da cela que pertencia ao sexto par.
  Seguro a pistola com força, e passo a língua pelos lábios, os molhando. Respiro fundo e me aproximo de uma vez, mirando a pistola em direção ao dono das botas.
  Meus olhos se arregalam e meu corpo começa a se mover para trás, até que eu bata as costas contra as barras da cela contrária, fazendo algo pesado cair no chão. Meu corpo sobressalta no lugar e me viro com exaspero, vendo o que havia caído no chão.
  Com a respiração descompassada, ergo meu braço, apontando a pistola para cima. Minha mão treme quando aperto o gatilho, fazendo a bala acertar o teto do navio e subir. Encolho meu corpo involuntariamente pelo barulho, enquanto sinto alguns farelos de madeira caírem sobre mim.
  Abro a boca, tentando respirar melhor, querendo que mais ar entre para os meus pulmões, mas parecia que a única coisa que me preenchia agora, era o horrível cheiro de podridão.
  — Serena! Você atirou! — Jungkook surge no final do corredor segundos depois, vindo tão rápido que quase bateu na parede. Ele começa a correr até onde estou. — Você achou algu... puta merda! — Ele para abruptamente ao ver o que encontrei.
  — Ei! Escutei um tiro! — Namjoon é o próximo que aparece no corredor. — Pedi que eles ficassem vasculhando as outras partes. O que aconteceu? — Ele se aproxima, segurando duas pistolas.
  — Dá uma olhada nessa merda. — Jungkook aponta para a cela onde o dono das botas escuras as deixava para fora, entre as barras.
  Namjoon coloca o antebraço em frente ao nariz, tentando tapar o fedor.
  — Desgraçado! — Namjoon para entre as duas celas. — Você sabe quem fez isso, não é?! — Ele olha para Jungkook, que assente antes de abrir a cela e se abaixar do lado do corpo estripado.
  — Só um maldito pirata faz isso. — Jungkook cutuca o corpo sem cabeça, com a ponta de sua pistola. — Capitão Infâmia.
  — Capitão Infâmia? — Os encaro, de olhos arregalados. — Eu já ouvi sobre ele antes.
  — É claro que ouviu. Ele e o Taehyung estão entre os piratas mais procurados dos setes mares. — Namjoon abre a outra cela, empurrando o corpo sem cabeça que estava apoiado nas barras, fazendo-o cair para frente, de modo que suas tripas soltas saltem para fora do corpo, mostrando as inúmeras larvas brancas e moscas que se deleitavam com o apodrecido.
  — Sabe por que o navio e a tripulação do Capitão Infâmia se chamam Tripa de Sangue, Serena? — Jungkook pergunta, enganchando sua arma debaixo de uma das tripas, a levantando com o auxílio da arma, enquanto aponta isso em minha direção.
  Meu estômago reclama, me fazendo começar a ficar enjoada. Tapo o nariz com a mão que não segurava a pistola.
  — Namjoon, você disse Taehyung. Quem é esse? — Pergunto, enquanto o vejo vasculhar a cela.
  — Eu disse? — Ele me fita sobre os ombros.
  — É o Capitão Hanna. — Jungkook responde, saindo de dentro da cela e indo checar as que faltavam.
  — Cale a boca, pirata fedorento. — Namjoon o repreende.
  — Você falou primeiro. — Jungkook dá de ombros, saindo e entrando em mais uma cela.
  Namjoon suspira.
  — Nunca chame o Capitão assim, Serena. Só os seus amigos mais próximos o podem chamar pelo verdadeiro nome.
  — Eu pensei que Hanna fosse o nome dele. — Digo, me aproximando da cela que ele estava.
  — Hanna é só um título. Todo pirata que passa a ser o capitão do Vingança, é nomeado Capitão Hanna.
  — E por que o navio se chama Hanna?
  Namjoon suspira de novo.
  — História longa. Outra hora te conto.
  — Olha isso aqui! — Jungkook grita, e quando o fito, ele me mostra mais um corpo estripado. — Dessa vez a briga de família será grande.
  Retiro a mão da frente do nariz, encarando Jungkook com desconfiança.
  — Família?
  — Não diga nada, Jungkook. — Namjoon sai da cela.
  — O Capitão Infâmia é o irmão mais velho do Capitão Hanna.
  — Maldito linguarudo! Você por acaso é uma velha alcoviteira?
  — Qual o problema? Serena é parte da tripulação agora, uma hora iria descobrir mesmo. Nos mares, não é segredo pra ninguém que Taehyung e Jin sejam irmãos. — Jungkook solta o corpo estripado, fazendo as triplas e larvas mancharem o chão de madeira.
  — Não se preocupe, não irei contar nada. — Tapo o rosto outro vez, e falo atrás da minha mão, deixando minha voz abafada.
  — Vamos voltar e relatar tudo ao Capitão. Não deve ter uma alma penada nesse navio pra nos contar uma história. — Namjoon avisa, antes de se virar e caminhar pelo corredor.
  Jungkook e eu o seguimos.
  — Onde estão as cabeças?
  — Capitão Infâmia as arranca e joga no fundo do mar para que os mortos não consigam encontrar sua paz, pois passam a eternidade de suas mortes, atrás de suas cabeças que foram mandadas diretamente para Davy Jones.
  Fico em silêncio, não sabendo o que falar. Quer dizer, isso é o tipo de história que avôs pescadores contariam, mas não acho que seja uma boa ideia questionar as crendices de um pirata.
  Quando voltamos para a parte escura do navio, Namjoon pediu que um dos piratas fosse até as celas e pegasse um dos corpos. Depois, subimos para o convés e foi dado a ordem para que todos voltassem para o Vingança.
  Em fileira, subimos e andamos nas pontes improvisadas de tábuas, voltando para o navio que pertencíamos. Capitão Hanna logo se aproximou, e Namjoon e Jungkook esperaram pacientes e em silêncio até que dois piratas trouxessem o cadáver.
  O corpo sem vida foi lançado no chão do convés, perto dos pés do Capitão, fazendo muitos marujos ao redor se afastarem por estarem horrorizados, esses provavelmente eram os novatos, já que os piratas experientes não se comoveram com o que viram.
  — Capitão Hanna, isso só pode ser coisa dele. — Inez se vira para o Capitão, o encarando com preocupação.
  Os olhos do Capitão nem piscavam enquanto ele observava o cadáver sem cabeça.
  — Capitão... — Namjoon chama com cautela, fazendo o Capitão olhá-la sério, antes de se virar e subir para o convés superior, ficando na frente do leme.
  — Escutem todos vocês! — O Capitão grita, atraindo toda a atenção. — Isso que vocês estão vendo — Ele aponta para o cadáver podre. — foi feito pelo pirata conhecido como Capitão Infâmia! E se encontramos essas carcaças estripadas, então quer dizer que ele está perto! Por isso, a partir de hoje, se preparem e estejam atentos, porque se o acharmos, nós iremos lutar até que ele morra ou nos mate!

***

  Me remexo sobre a cama, ficando de barriga para cima, enquanto encaro o teto do navio. Agora, possivelmente, quase ao amanhecer, com tudo escuro e silencioso, eu conseguia sentir o balanço do navio e o som do mar. A pequena janela redonda deixava luz fraca da lua entrar, mas não iluminava muito.
  Já havia algum tempo desde que Jack e Dana dormiram, mas eu ainda não consegui, mesmo depois do dia agitado que tivemos. Talvez esse seja o motivo pelo qual eu não consigo dormir.
  Suspiro alto e me sento no beliche. Retiro minha coberta e, com cuidado, desço do beliche, tentando não fazer barulho. Checo se Dana e Jack ainda estavam dormindo, e quando percebo que sim, na ponta dos pés descalços, deixo o quarto, caminhando como o vento pelo corredor escuro. Quando saio da bifurcação de quartos, passo pela área de objetos cobertos e redes, indo até o alçapão, do qual uso para subir para o convés. E assim que meus pés tocam a parte descoberta do navio, sinto o vento atingir minha camisola branca de gola, mangas longas e de comprimento longo, rente aos meus pés, a balançando suavemente. O alaranjado misturado ao azul-escuro, iluminava tudo ao meu redor, enquanto o barco flutuava calmamente.
  Caminho até uma das bordas do navio e apoio os meus braços ali, enquanto observo o reflexo da lua que se despedia, logo dando lugar ao sol, brilhando na água calma do mar.
  Realmente era uma bela vista, até mais bela da do que via na praia de Marlli.
  — O que faz acordada essa hora? — Meu corpo sobressalta, quando uma voz masculina quebra o silêncio do amanhecer.
  Olho sobre os ombros, vendo Capitão Hanna no convés superior.
  — Estou sem sono. — Respondo. — E você?
  Sem dificuldade, o Capitão salta do convés superior e vem até onde estou. Ele se senta na borda do navio, apoiando uma de suas pernas nela, enquanto a outra ficava para dentro do navio.
  — Costumo acordar cedo.
  Assinto, em silêncio.
  Ele cheirava a rum, mas não como Jungkook, o cheiro estava mais suave. Ele não havia bebido tanto, mas, ainda sim, era muito cedo para isso.
  Os fios de seus cabelos escuros, se esvoaçavam toda vez que o vento nos atingia, soprando baixo ao nosso redor.
  O Capitão estava usando sua típica blusa branca com quase todos os botões abertos, o suficiente para que eu visse a cicatriz que ele carregava em uma parte do seu peito e abdômen. Ela parecia ser fruto de um machucado bem sério. Penso em perguntar, mas sei que ele não me contaria.
  — Alguns marujos me disseram que você anda estudando o mapa que te dei. — Volto a apoiar os meus braços na borda do navio.
  Ele desvia seu olhar do horizonte, onde, a qualquer momento, o sol nasceria por completo.
  — Preciso saber se não está me levando para uma emboscada.
  Arqueio as sobrancelhas e rio baixo.
  — Você me sequestrou, então o que eu poderia ser? Uma ajudante do rei?
  Ele me fita por alguns segundos, com olhos que pareciam esconder mais que o próprio mar.
  — Eu não sei. Quem sabe uma bruxa que vê coisas que mais ninguém vê. — Ele arqueia apenas uma sobrancelha.
  Solto o ar pelo nariz em uma risada contida.
  — Já me chamaram de coisa pior, Taehyung. — Olho para o horizonte, em direção ao alaranjado bonito.
  — Me chamou do quê? — Franzo o cenho, demorando alguns segundos para entender sua pergunta.
  Meu corpo inteiro se arrepia, e não era por conta do vento.
  — Capitão Hanna. — Tamborilo meus dedos sobre a borda do navio, fitando a água.
  Mesmo sem ter coragem de encará-lo, escuto quando ele bate os dois pés no convés e se mexe. Logo, sinto sua presença parada atrás de mim, e nem a beleza do amanhecer era capaz de me acalmar agora.
  Engulo em seco e, lentamente, me viro até ficar de frente para ele. O Capitão segura nas bordas do navio, uma em cada lado do meu corpo, enquanto se curva um pouco para frente, deixando seu rosto próximo ao meu, me fazendo sentir o leve cheiro do rum em seu hálito.
  — Você pode estar me levando pra Atlantis, mas se me chamar mais uma vez assim, eu te lanço no mar. — Ele ameaça, calmamente, enquanto me encara bem nos olhos.
  Respiro fundo, de forma discreta.
  — Você me chamou de bruxa, então acho que estamos quites. — Passo a língua pelos lábios, me sentindo nervosa.
  Ele me observa em silêncio por alguns segundos, antes de se inclinar para frente e beijar a ponto do meu nariz, sorrindo de um jeito que me causa calafrios.
  — Me chame assim de novo e você morre, sirena. — Ele diz, antes de se afastar e ir em direção à porta do convés que levava para os seus aposentos.
  Engulo em seco de novo e de novo, sentindo meu corpo inteiro arrepiado e meu coração acelerado, como se eu tivesse acabado de cair em um encanto do mar.

FEITICEIRO DO MAR: EXILIADO

  O homem pálido e cabelos tão claros quanto sua pele, caminha pela pequena ponte de madeira que passava sobre um pequeno pântano esverdeado e borbulhante. O céu do amanhecer parecia mais escuro nessa parte do oceano.
  As unhas tingidas por um tom escuro e consideravelmente longas, se mexiam junto com os dedos, batendo contra as laterais de suas pernas, acompanhando o som do baixo assovio que entoava de seus lábios cheios.
  Calmamente, após atravessar a pequena ponte, ele caminha até à velha cabana de madeira com uma mata alta na parte detrás e dos lados. Sua mão vai até à porta, a empurrando para dentro, sem antes bater ou esperar ser convidado.
  — Darcy! Estou entrando. — Ele anuncia já dentro da cabana.
  O lugar conseguia ser ainda mais escuro que do lado de fora, com poucas velas iluminando algumas partes. O cheiro forte de fumaça misturado a incensos naturais rodeava cada canto da cabana que rangia toda vez que alguém caminhava dentro dela. Frascos com os mais variados tipos de líquidos coloridos estavam espalhados por todos os lados, assim como insetos e pequenos bichos mortos; mas alguns ainda estavam vivos, visto que sapos saltitavam e coaxavam em um canto onde havia um pequeno buraco no chão, cheio com a água que ficava debaixo da cabana.
  — Feiticeiro do mar, o que faz aqui? — A mulher parada atrás de uma bola de vidro, pergunta.
  O vestido encardido e sujo como sua pele, deixava a amostra todas as escritas em tinta preta que cobriam seus braços, mas escondiam as que estavam nas pernas e no seu torço. Os cabelos avermelhados e soltos estavam completamente emaranhados em bolos de enroscos. E seus pulsos e tornozelos, estavam completamente adornados por quinquilharias que faziam barulho quando ela se mexia.
  — Só passei para visitar uma velha amiga. — O feiticeiro sorri, enquanto apoia os braços sobre o balcão de madeira que os separava.
  Por trás da venda que tapava sua visão, as sobrancelhas de Darcy se franzem, enquanto um sorriso manchado e sujo surgia em seus lábios tingidos de vermelho.
  — Não minta para mim, feiticeiro. Você já se esqueceu quem eu sou? — Darcy apoia seu cotovelo no balcão e o rosto no punho fechado, ficando de frente para o feiticeiro, como se estivesse o encarando.
  O feiticeiro de cabelos loiros, levemente acinzentados, toca a venda sobre os olhos de Darcy, enganchando seu dedo indicador no pano, para depois o puxar um pouco para frente.
  — Eu me pergunto por que você nunca tira isso. Mesmo com uma venda, você sempre sabe quando sou eu atravessando aquela porta.
  Darcy afasta a mão do feiticeiro, o impedindo de arrancar sua venda.
  — Eu sinto o seu cheiro. — Ainda segurando a mão do feiticeiro, ela o aperta entre suas unhas longas e pontiagudas, fazendo leves cortes na pele dele. — O cheiro podre do mal dos mares.
  O feiticeiro sorri, e Darcy o solta. O feiticeiro encara sua própria mão, e basta que ele passe a outra por cima desta, para que os pequenos cortes comecem a sumir.
  — Eu pensei que gostasse de mim.
  Darcy faz um barulho de desprezo que sai por seu nariz, enquanto se vira de forma brusca, fazendo os cabelos emaranhados balançarem.
  — Eu não gosto de ninguém.
  O feiticeiro inclina minimamente sua cabeça para o lado.
  — Mas fiquei sabendo que você pode ser amigável com alguns piratas.
  O rosto de Darcy se contorce, enquanto os sapos no canto da cabana continuam saltando e coaxando.
  O feiticeiro mete a mão dentro do longo casaco escuro que usava, e puxa de lá um saco marrom que, ao jogar sobre o balcão de madeira, faz com que algumas moedas de ouro saltem para fora, como os sapos.
  — Talvez isso te faça me tratar bem como se eu fosse um dos vagabundos do mar.
  Ao escutar o tilintar de uma moeda batendo na outra, Darcy volta a se virar em direção ao feiticeiro, puxando com rapidez o saco marrom para perto de si. Ela pega uma das moedas e leva até à boca, mordendo a ponta da mesma para se certificar que eram verdadeiras.
  Ágil, ela fecha o saco marrom e o esconde na parte debaixo do balcão.
  — Diga o que deseja, feiticeiro. Não sei por que precisa dos meus serviços, sendo que é alguém extremamente poderoso.
  O feiticeiro suspira falsamente.
  — Não, eu ainda não sou. Mas serei depois que colocar minhas mãos no que é meu por direito. — Um sorriso sórdido surge imperceptivelmente em seus lábios.
  Por alguns segundos, sua mente volta ao passado e toda sua vida passa diante dos seus olhos como se fosse mágica, fazendo seu sangue borbulhar como o pântano. Mais do que todos, ele queria aquilo, e faria de tudo para se tornar o grande Senhor de um dos sete mares.
  — Me fale sobre Atlantis. Aqueles piratas imundos já encontraram mais alguma coisa sobre o meu mapa?
  Darcy ri pelo nariz, fazendo seu tronco balançar por um segundo.
  A bruxa do pântano volta a ficar atrás da bola de vidro, e começa a passar suas mãos ao redor dela até que o interior da mesma comece a ser invadido por uma fumaça avermelhada como seu cabelo.
  O feiticeiro não consegue enxergar nada além da fumaça, e mesmo com os olhos fechados atrás da venda, Darcy podia enxergar muito mais que ele.
  Muito mais.
  Ela riu, riu alto com se alguém tivesse lhe contato a coisa mais engraçada deste mundo. E isso deixou o feiticeiro levemente apreensivo e ansioso.
  — Veja bem, meu grande amor. — Darcy bate as mãos no balcão de madeira, uma de cada lado da bola de vidro, a fazendo chacoalhar. Depois, ela aproxima seu rosto do objeto, quase encostando seu nariz nele.
  — O que há de tão engraçado, bruxa?
  Darcy ergue sua cabeça, o encarando.
  — Aquela que um dia você exilou por também ser exilado, retornou.
  A expressão do feiticeiro se torna séria, enquanto suas pupilas se dilatam mais do que parecia ser humanamente possível.
  — Ela está mais perto do mar do que você imagina. Veja. — Darcy volta a passar suas mãos ao redor da bola de vidro, fazendo, aos poucos, uma imagem surgir em meio a fumaça avermelhada: um enorme navio e duas pessoas, um pirata de cicatriz e uma jovem de cabelos longos e dourados, e olhos azuis como o oceano.
  O sangue que antes borbulhava, passa a vibrar nas veias do feiticeiro. Essa é a sensação que temos ao rever alguém querido depois de longos anos, não é?!
  — Serena... — Havia se livrado dela há muito tempo, por isso, ela nunca foi uma ameaça para ele, pelo menos, não até aquele momento.
  O feiticeiro desejou que tivesse a matado, ao invés do que fez.
  Darcy bate a ponta de sua unha na bola de vidro.
  — Ela está o levando até à sexta parte do mapa, e depois o levará até à última. — A bruxa se afasta da bola de vidro e respira fundo, inflando seu peito como se fosse um pombo. — Sua doce sobrinha vai levar o Capitão Hanna até Atlantis. Ela tem o dom dos mares, por isso, pode ver mais que você. Ela o levará até Atlantis. — Darcy sorri abertamente, parecendo tão feliz como nunca antes.
  Escondidas pelo balcão, as mãos do feiticeiro se fecham em punhos, e agora, eram suas próprias unhas que faziam cortes em sua pele.
  — Era inevitável, não? Você sabia o que esses piratas faziam. — Darcy encosta seu rosto na bola de vidro, e começa a passar sua mão pelo objeto mágico como se fizesse carinho nele. — A pequena Serena foi uma das vítimas do Vingança de la Rainha Hanna, e isso pode te custar muito, feiticeiro. — Seu tom de voz muda, como se ela falasse com uma criança.
  — Nenhum pirata imundo vai atrapalhar os meus planos. Muito menos essa maldita sereia. — O feiticeiro se vira, cheio de ódio, deixando a cabana.
  Darcy ri uma última vez e vai para onde os sapos se aglomeravam. Eles se agitam quando ela se aproxima, pegando um deles com facilidade. A bruxa volta para trás do balcão, e apoia seus cotovelos sobre ele, enquanto o sapo coaxava em suas mãos, tentando se libertar do aperto. Suas unhas logo atravessam a pequena barriga gorda do animalzinho, fazendo sangue esguichar para fora, manchando seus dedos. Darcy aproxima sua boca do animal morto, dando uma grande mordida em sua cabeça.
  — O seu futuro já está traçado, feiticeiro. Lhe desejo boa sorte... meu Jimin. — Darcy fala enquanto mastiga a carne crua da cabeça do sapo, fazendo o sangue escorrer pelos cantos de sua boca, antes de engolir tudo de uma só vez.

Capítulo 4
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