Capítulo 2
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Quase não dormi durante a noite. Dana e Jack ficaram grande parte da madrugada acordadas comigo, me contando como acabaram prisioneiras. Assim, descobri que a história de Jack é um pouco similar à minha: os piratas invadiram sua cidade e a levaram, deixando seu irmão mais novo e pais para trás. A garota de cabelos pretos está a três meses presa nesse navio, e apesar de não gostar, ela diz que se sente aliviada por ter sido a única de sua família a passar por isso. Jack também disse que, com frequência, consegue enviar para sua família algumas moedas de ouro que ela recebe por seus serviços aqui no navio; e que isso é a única boa de toda essa grande bagunça, pois, segundo ela, sua família não tinha uma condição financeira muito boa, e agora com todas essas moedas de outro, ela sabia que estava os ajudando muito.
Já Dana - a adorável -, como falou noite passada, está presa nesse navio por quatro anos. A mulher de cabelos curtos e vermelhos revelou sentir muito a falta de seus filhos e, principalmente, do neto. Entretanto, de alguma forma, percebi durante a nossa conversa que Dana não odeia os piratas ou qualquer coisa do tipo, ela, na verdade, parece se dar muito bem com eles, pelo que diz. Ela também confessou que estando há tantos anos cativa, teve tempo o suficiente para entender os piratas, passando, assim, a desenvolver uma espécie de afeto por eles.
Acabei sendo a última a dizer alguma coisa, sendo breve. As duas me escutaram sem intromissões, e tentaram me consolar todas às vezes em que fiquei triste ao pensar que daqui a alguns meses, talvez seja eu a consolar outra prisioneira, enquanto me conformo com o meu novo destino nos mares. E para me animar, Dana acabou me dando um apelido: peixinho, pois, segundo ela, os meus olhos azuis lembravam a imensidão azul dos oceanos.
Após muita conversa, nós finalmente fomos dormir um pouco, e depois fomos acordadas pela mesma garota de cabelos loiros-escuros que me trouxe para o quarto ontem. Dana e Jack me disseram que ela se chama Inez, uma fiel pirata do Capitão Hanna. As duas disseram que eu não deveria me preocupar com Inez, pois, ela era legal, contanto que eu seguisse as regras do navio.
Inez nos levou até um banheiro comunitário só para mulheres, que era nada além de grandes tonéis de água, algumas barras duras de sabão, pequenas folhas de hortelã e alguns barris que usaríamos para fazer nossas necessidades, e que quando ancorássemos em terra, esses barris seriam esvaziados para novo uso. Depois de voltarmos para nosso quarto, Inez pediu que nos preparássemos para uma manhã limpando a cozinha do navio. Dana aproveitou desse nosso tempo para repassar um rápido plano sobre como resgataríamos Duque: segundo ela, geralmente um tal de Namjoon supervisionava a limpeza da cozinha, pois ela era feita por pequenos grupos, que nos caso, dessa vez seríamos só nós três. Dana disse que uma de nós precisaria distrair o pirata, enquanto as outras se encarregam de roubar o molho de chaves que o pirata sempre carregava preso no seu cinto. Parece que esse tal de Namjoon era o guia do capitão, o homem encarregado da bússola e mapas, então era alguém de confiança e, por isso, tinha acesso ao molho de chaves que abria todas as portas e celas do navio.
Dana se voluntariou para ir até às celas onde mantinham presos os animais. E depois de fazer uma breve descrição de como era Duque, pedi para ir com a Dana, alegando que Duque poderia estranhá-la caso ela fosse sozinha, e isso estragaria nosso plano. Jack estaria responsável por vigiar e nos alertar para que não fossemos descobertas.
Pacientemente e sentadas na parte debaixo do boliche, esperamos até que Inez voltasse para nos buscar. Nós saímos do corredor de quarto das mulheres e voltamos parar o mesmo lugar onde, noite passada, nos ameaçaram lançar aos tubarões caso não entrássemos para a tripulação. Hoje, por estar de dia, eu conseguia enxergar com mais clareza alguns detalhes do navio, vendo pequenas janelas redondas em algumas partes, algumas redes penduradas e coisas escondidas por grandes panos.
Perto da primeira entrada, a dos quartos, havia uma segunda entrada que dava para mais uma bifurcação, onde o lado esquerdo nos levou para uma cozinha completamente improvisada com caixotes, um fogão mais velho que Dana, utensílios de cozinha e uma mesa retangular cortada de qualquer jeito.
— São todas suas. — Inez diz para o homem alto parado na entrada da cozinha.
Sua pele era levemente bronzeada, provavelmente efeito das suas viagens debaixo do sol forte. Ele não parecia velho, na verdade, diria que tinha apenas poucos anos a mais do que eu e Jack. Ele vestia um grande casaco escuro, botas, um cinto de couro ao redor de suas calças e um pano amarrado na sua cabeça.
— Certo. — Ele diz para Inez e acena com a cabeça, antes dela se virar e sair.
— Bom dia, Namjoon. — Dana o cumprimenta assim que passa do seu lado.
— Bom dia, Dana. — Ele acena com a cabeça para ela também.
— Namjoon. — A próxima é Jack.
— Jack. — O pirata a acompanha com os olhos entrando na cozinha, antes de me encarar.
Suas sobrancelhas se arqueiam levemente e ele me encara com uma expressão surpresa, ao mesmo tempo que mede todo o meu corpo coberto pelas roupas que recebi de Inez essa manhã.
— Deve ser a novata. — Ele sorri sem-vergonha. — Você foi o assunto favorito dos piratas ontem de noite. Mas já falaram para tomar cuidado, parece que você morde como as piranhas. — Namjoon coloca sua mão esquerda sobre o cinto de couro, perto de um pequeno molho de chaves que faz barulho. — Vocês acreditam que ela acertou uma chaleira bem no meio da fuça do Stu? — Ele se vira parcialmente, fitando sobre seus ombros Dana e Jack.
— Uma chaleira? Deveria ter usado algo mais pesado. — Dana se abaixa perto de alguns caixotes empilhados, onde havia baldes, panos, esfregões e pedras de sabão. — Aquele maldito velho pervertido mexendo com uma garotinha.
— Ao menos já sabemos que a Serena sabe se defender muito bem. Eu pagaria dez moedas de ouro pra ver você acertando uma chaleira na fuça dele. — Segurando um pano rasgado, Jack simula uma batida no ar.
— Vou me certificar de te deixar longe das chaleiras. — Enquanto ri, Namjoon mexe seus dedos sobre o cinto, fazendo o molho de chaves penduradas em uma argola, balançar.
Sem saber direito o que deveria responder, assinto para Namjoon, antes de me juntar com minhas duas novas companheiras.
— Vamos limpar primeiro e depois pegamos seu cachorrinho. Assim, não levantamos suspeitas. — Dana sussurra para mim, e eu assinto para ela.
***
Esfregamos cada pedaço do chão da cozinha, lavamos todos os utensílios e organizamos as comidas de todos os caixotes, e confesso que nunca vi tanta farinha, manteiga, carne, peixe, sal, azeite, sebo e vinagre estocados em um lugar só. Não sou uma pirata e muito menos uma navegadora experiente, mas acho que tanta comida assim logo estragará em alto-mar, nessas condições abafadas e úmidas, fora a falta de luminosidade nesse lugar, tendo apenas uma pequena janela redonda do tamanho de um rosto. Dana me contou que as bebidas que não são água, como vinho e rum, ficam guardadas em outro lugar, e só o Capitão e seus homens de confiança têm acesso.
Escoro meu braço dobrado no topo de um dos esfregões, e solto o ar de uma vez pela boca, fazendo um barulho alto. Essa limpeza toda me cansou, e eu ainda nem tomei o meu café.
Discretamente, Jack me cutuca. Dana olha significativamente para nós duas, falando sem voz "se preparem". Quase que imperceptivelmente, assinto para ela e Jack faz o mesmo.
— Hã... hum... Namjoon, não é? — Entrego o esfregão para Dana, antes de começar a caminhar para perto do pirata que estava de costas para nós e de frente para a entrada/saída da cozinha.
Ele me olha sobre os ombros.
— Algum problema, piranha?
— Não me chame assim. — Falo séria.
— Tá bom. Não precisa ficar nervosa. Eu não quero levar uma chaleira nas fuças também. — Ele ergue suas mãos sujas, em sinal de rendimento.
Respiro fundo, e coloco as mãos na cintura.
— Você pode nos trazer mais um balde com água?
— Vocês não terminaram ainda? Dana, usaram toda a água? — Namjoon olha por cima da minha cabeça.
— Desculpe, mas a água já era, está cheia de sabão, e nós precisamos de água limpa.
— Ora, estão gastando água à toa. Nós não vamos ancorar tão cedo. A água boa do navio precisa durar. — Namjoon solta o ar pelo nariz, de forma frustrada.
Retiro minhas mãos da cintura e as levo para frente do rosto, juntando-as como se fosse rezar.
— Por favor, nos traga a água limpa. Eu sei que você pode fazer isso. — Me coloco na ponta dos pés e me esforço na minha melhor feição amável, uma que aprendi com Duque toda vez que eu o negava mais comida.
Namjoon me encara por alguns segundos, antes de suspirar alto.
— Certo. Certo. Eu não iria conseguir dizer não pra uma belezinha como você, mesmo. — Pela segunda vez, ele me lança um sorriso sem-vergonha.
— Ah, sério? Muito obrigada. — Com falsa animação, o abraço, escutando as chaves penduradas em seu cinto, balançarem de novo e de novo.
— Ei, é melhor você se afastar, Serena. Ou eu não responderei por minhas ações. — Sua voz era apavorada, e isso realmente me faz rir.
Ele cheirava a bebida destilada.
— Me desculpe. — Solto Namjoon e me afasto, encolhendo os ombros com falsa timidez.
Ele segura na ponta do pano amarrado em sua cabeça, e acena com ela, antes de se virar e sair da cozinha.
— Isso é sempre tão fácil. — Coloco a cabeça para fora da cozinha para me certificar de que Namjoon estava longe o bastante para não me ouvir.
— Piratas ou não, os homens são todos iguais. — Dana comenta, e Jack, ao seu lado, assente.
— Tudo que você precisa é de um rosto bonito como o de Serena, ou um belo par de peitos, ou pernas. — Jack debocha e nós três rimos.
— Você também tem um belo rosto. — Dana bagunça os cabelos de Jack, que faz uma careta.
— Mas eu não me pareço com um peixinho como Serena. — Mais uma vez, nós rimos.
— Certo. Fiquem atentas agora, ele vai voltar a qualquer momento. Já sabemos o que fazer, certo? — Dana nos encara, e assentimos.
Conversando sobre qualquer assunto para não levantar suspeitas, esperamos até que Namjoon voltasse, o que não demorou. Logo o pirata surgiu na entrada da cozinha, carregando um grande balde nos braços, junto ao seu tronco.
— Pode deixar que eu te ajudo. — Jack vai até Namjoon.
— Não. Tudo bem, eu posso... — Namjoon nem tem tempo de terminar sua fala, pois Jack escorrega no chão que ainda secava, fingindo uma falsa queda, enquanto se apoia no cinto do pirata para não cair. Segurando o balde com apenas um braço, Namjoon agarra o braço direito de Jack, a puxando para cima e fazendo com que alguma quantidade de água saia do balde e o molhe parcialmente.
— Você está bem, Jack? — Namjoon coloca o balde com água no chão, e encara Jack com preocupação.
— Sim. Acho que essa porcaria de chão ainda não secou. — Jack bufa, enquanto esconde a mão esquerda atrás do próprio corpo. — Me desculpe por ter te molhado. Foi culpa minha.
— Tudo bem. — Namjoon suspira, sorrindo em seguida. — Vou tirar esse casaco, vocês podem ficar sozinhas por um tempo?
— Claro. Vai lá, garoto. Eu cuidarei dessas duas pestinhas aqui. — Dana sorri para o pirata, que acena com a cabeça e sai da cozinha de novo.
Esperamos alguns segundos, em silêncio, e quando tudo parece seguro, Jack mostra sua mão esquerda que estava escondida atrás do corpo.
— Menos uma moeda de ouro para os piratas malvados. — Jack balança o molho de chaves no ar, enquanto sorri vitoriosa.
Meu interior vibra, e meu coração se agita ao pensar que vou ter Duque de volta.
— Certo. Agora fique aqui e distraia o Namjoon quando ele voltar. Logo ele perceberá que suas chaves sumiram. — Dana pega o molho de chaves das mãos de Jack. — Diga a ele que fui levar Serena no banheiro, porque ela ainda não sabe encontrá-lo sozinha.
— Ok. Boa sorte. — Jack segura minhas mãos por um segundo e acena com a cabeça.
— Obrigada. — Sorrio fechado para ela, e me junto a Dana, que já estava na saída da cozinha.
Dana sempre toma a frente, espiando por todo corredor que passássemos. Depois ela faz o mesmo quando saímos de um deles e entramos no mesmo espaço com janelas, de antes. Atentas e escutando os passos que vinham da parte de cima do navio, nós duas passamos por entre algumas redes penduradas e coisas tampadas por panos, até que encontrássemos um alçapão igual ao que levava para o andar superior. Por cima do ranger das escadas do alçapão, demos em uma parte escura e sem janelas, e se não fossem por algumas lamparinas sobre alguns amontoados de caixotes e gaiolas, e tochas nas paredes, não seria possível enxergar quase nada.
— Aqui ficam os prisioneiros e os animais. — Dana pega uma das lamparinas e anda na minha frente. — Tente não fazer barulho, os prisioneiros ainda devem estar dormindo e não queremos acordá-los.
Assinto para Dana, andando atrás e bem próxima a ela.
Na ponta dos pés, passamos por um corredor de celas velhas com, no máximo, uma pequena janela redonda na parte de dentro. Não havia cama ou qualquer coisa do tipo, os prisioneiros, mulheres e homens, dormiam sobre um pouco de feno amassado e escasso. Eu até podia sentir o desconforto deles. Isso era realmente maldoso.
Quando estávamos prestes a passar em frente a última cela, um dos prisioneiros adormecidos se mexe, nos fazendo parar no lugar. Engulo em seco e meus olhos se abrem bem. Uma sensação gelada atinge a boca do meu estômago quando o prisioneiro se vira para o outro lado, voltando a dormir. Automaticamente, meus ombros caem, ficando menos tensos. Solto o ar pela boca sem fazer barulho, e Dana faz um gesto para que continuemos andando.
Após passarmos as celas, demos de frente com uma grande jaula onde ficavam os cachorros e gatos, todos juntos; e outras pequenas, abrigando pássaros. Grande parte dos animais também dormiam, acho que o balanço do navio deve os acalmar um pouco. Um dos pássaros ameaça se exaltar, mas Dana pega um dos muitos panos velhos e sujos espalhados pelo chão, e cobre a gaiola onde ele estava preso.
— Seja rápida. — Dana sussurra, e eu assinto.
Me aproximo da grande jaula e me abaixo nos joelhos, observando cada um dos animaizinhos, do quais queria libertar, mas, infelizmente, não podia.
Mesmo que Dana tentasse me ajudar ao iluminar a jaula com a lamparina, ainda era bem escuro aqui, e como todos os animaizinhos estavam aglomerados, foi um pouco difícil encontrar Duque. Mas meu coração o conhecia bem, isso era um fato, e quando o sinto saltar em meu peito, eu sabia que havia visto a pequena bolinha branca de pelos que eu tanto amava.
Os meus olhos marejam só de vê-lo, mas engulo qualquer vontade de chorar.
Respiro fundo.
— Duque. — O chamo de forma baixa, mas ele permanece deitado ao lado de um gato listrado. — Duque, você precisa acordar agora. — Ele nem se mexe.
O meu coração salta mais uma vez.
— Vamos lá, seu pequeno preguiçoso. — Seguro nas barras da jaula, pisco os olhos repetidas vezes, enquanto eles ardem. — Por favor, Duque, acorda.
Seu pequeno focinho se mexe e, de forma lenta, ele abre seus olhos pretos.
— Isso. Duque, aqui. Olhe pra mim, Duque. — O chamo um pouco mais alto, e ele não demora ao reconhecer minha voz.
Ele late uma vez.
— Calado, sua bola de pelos. Não faça barulho. — Obedecendo minhas ordens, Duque não late mais. Ele corre para perto das barras da jaula, e Dana se apressa ao abri-la, tentando ao menos umas quatro chaves antes de acertar. Espio sobre os ombros, me certificando de que todos os prisioneiros continuam dormindo.
Dana abre uma pequena brecha na jaula, o suficiente para Duque passar. Da maneira como fizemos, não acordamos os animais com o barulho da jaula, e muito menos os deixamos escapar, esse era o plano.
Quando sai da jaula, Duque pula em meu colo. O abraço com força, enquanto ele lambe meu rosto.
— Foi só por uma noite, mas eu quase morri de saudades. — Encaro meu melhor amigo da vida, sentindo meu coração quente por tê-lo comigo de novo.
Dana tranca a jaula, e pega um dos panos sujos do chão e joga para mim.
— Cubra ele com isso. Vamos dar o fora antes que nos peguem.
— Continue quietinho, Duque. — Falo para o meu cachorro, antes de cobri-lo com o pano sujo, embolando-o em um pequeno casulo.
Do mesmo jeito que entramos, Dana e eu saímos. Passamos por todos os prisioneiros, e Dana deixou a lamparina no mesmo lugar que pegou. Depois subimos pelo alçapão, e Dana colocou sua cabeça para fora, e quando viu que estava tudo certo, voltamos para o segundo andar do navio. Nos apressamos para a primeira entrada.
— Me dê o cachorrinho, vou levá-lo para o quarto e escondê-lo. Diga a Namjoon que voltei para o quarto porque meus joelhos estavam doendo por conta da faxina. — Assinto, entregando Duque para Dana.
Tiro o pano sujo de cima do Duque.
— Não se preocupe, ela vai cuidar bem de você. Espere só mais um pouquinho por mim, Duque. — Beijo o topo de sua cabeça peluda e o tapo com o pano de novo.
Dana me estende o molho de chaves.
— Deixe isso no chão para que Namjoon o encontre e pense que perdeu quando Jack caiu em cima dele. — Pego o molho de chaves da sua mão, e guardo no bolso das minhas calças de pano.
— Obrigada, Dana.
— Deu tudo certo. — Ela sorri. — Agora vá de uma vez.
Suas palavras são ordens. Me viro e saio da primeira entrada, indo para a segunda. Entro na bifurcação da esquerda que me levaria para a cozinha, mas quando estou no meio do caminho, escuto uma voz masculina desconhecida, seguido por passos pesados.
— Droga! Droga! Droga! — Resmungo baixo, e me viro, correndo por onde vim. Paro no centro da bifurcação da segunda entrada, e olho para todos os lados, sem saber o que fazer, mas quando os passos ficam mais altos e próximos, sou obrigada a correr para o lado direito da bifurcação.
Eu estou ferrada. Eu realmente estou ferrada. Aqui é escuro para um inferno. Eu não consigo enxergar nada. Não tem lamparinas e muito menos tochas.
Estendo as mãos e começo a abanar elas até sentir uma parede, e apoiada a ela, começo a andar para frente e de lado, como um caranguejo, com os olhos bem abertos na esperança de enxergar algo, o que parecia impossível.
Escuto os passos voltarem a ficar altos, e isso me faz pensar que quem quer que seja, também entrou onde eu estou.
Eu estou ferrada. Eles vão me jogar para os tubarões.
As batidas nervosas do meu coração, pareciam que ecoavam por todo o corredor escuro, tamanho era o meu nervosismo.
Continuo andando de lado, tateando a parede. Sinto a lateral da minha canela topar com alguma coisa.
Essa porcaria doeu.
Como se pudesse enxergar na falta de luz, encaro o corredor escuro, não vendo nada, apenas escutando os passos.
Passo as mãos sobre o que bateu contra minha canela e sinto degraus, dos quais, não penso duas vezes ao subir, usando pés e mãos para isso. Minha cabeça encosta no teto. Toco minha mão nele, e percebo ser mais um alçapão. O forço para cima e, para minha sorte, ele estava aberto. Subo para o primeiro andar do navio e trato de fechar o alçapão antes que o dono dos passos me encontre. Olho em volto e percebo estar em um corredor pequeno, com apenas duas opções de portas. E desesperada para me esconder, tento abrir a porta com maçaneta dourada. Assim como o alçapão, essa porta também estava aberta. O lado de dentro também era escuro, e eu só conseguia enxergar a silhueta das coisas, e foi dessa maneira que optei por me esconder dentro de um pequeno armário, ao invés da mesa. Puxo a porta dupla, que range, depois me enfio dentro do armário. Meu corpo esbarra em algumas coisas penduradas, que sinto balançarem. Tateio o que fez um baixo barulho metálico, e sinto uma fisgada na palma da minha mão.
— Uma espada? — Sussurro baixo, espantada. — Onde você foi se enfiar, Serena? — Suspiro baixo, e fecho minha mão que ardia, a sentindo sangrar.
O meu coração se agita mais uma vez quando escuto a porta da sala se abrir. Os mesmos passos pesados ecoam por perto, e prende até mesmo minha respiração para não ser descoberta.
O dono ou dona dos passos, anda para lá e para cá, parecendo mexer e algumas coisas.
— Inferno! Devo ter deixado essa porcaria em outro lugar. — Uma voz masculina, grave e imponente, resmunga do outro lado do armário, seguido por mais passos e o barulho da porta batendo.
Acho que foi embora.
Permaneço por mais alguns segundos em meu esconderijo, para ter certeza que estava sozinha de novo. E quando as batidas do meu coração se acalmam, cuidadosamente começo a abrir a porta dupla do armário. Coloco meus pés para fora, e uso minha mão não machucada para fechar um lado da porta dupla. Meu corpo inteiro paralisa quando o outro lado da porta fecha sozinho, ou melhor, é fechado com força.
— Parece que eu encontrei um pequeno rato no meu navio. — A mesma voz de antes, diz.
Lentamente, viro minha cabeça para o lado, enxergando uma grande silhueta masculina escorada perto do armário onde eu me escondi.
Me levanto em um pulo, e a silhueta se desencosta da parede, abrindo de novo o armário e puxando uma das espadas guardadas lá dentro.
Aflita, corro para perto da mesa, ficando atrás de uma das pontas, de modo que essa mesa ficasse entre mim e a silhueta que empunhava uma espada.
— Quem é você? — A silhueta bate de novo a porta do armário, e se aproxima da outra extremidade da mesa.
— Eu?... Eu me juntei a tripulação ontem. Você deve ser o Capitão, não é? — De maneira nervosa, seguro nas bordas da mesa, apertando-as, fazendo o corte na palma da minha mão pulsar.
— É, você está certa. E estará mais certa ainda quando eu alimentar os tubarões com o seu corpo morto. — Suas palavras fazem um arrepio ruim subir pela minha espinha.
A silhueta do Capitão contorna a mesa, me fazendo correr para direção aposta.
— Você não pode me matar. Eu sou parte da tripulação agora. Isso não é errado? — Quase solto um grito quando ele avança para o lado, me fazendo correr.
— Eu posso fazer o que eu quiser com a minha tripulação. — A silhueta do Capitão empurra a mesa, a jogando no chão, e isso é o bastante para que ele consiga me prender perto da parede, colocando sua espada no meu pescoço.
— Espera! Não me mate! Não faça isso!
— Me dê um bom motivo pra isso. — Ele rosna, empurrando um pouco a lâmina de sua espada contra minha pele, não ao ponto de cortar, mas não era lá a melhor sensação do mundo ter uma espada no pescoço.
— P-Porque... porque... porque se você fizer isso, nunca vai encontrar Atlantis. — Completamente tomada pelo desespero, falo sem nem pensar direito.
Com ele perto o suficiente para que eu sinta sua respiração quente, consigo vislumbrar apenas seus olhos escuros e alguns contornos do seu rosto.
— O que você sabe sobre Atlantis? — Sua voz ainda era cheia de irritação.
— Eu sei que você tem três partes do mapa, e que outro pirata possui mais duas. Esse tipo de notícia corre como o vento. — Engulo em seco, relembrando de todas as coisas que Adam me contava. Ele era um grande entusiasta das histórias dos piratas, por isso, sempre acabava me forçando a ouvir tudo que escutava ou descobria. — Se não me matar, eu te ajudo a encontrar as últimas duas partes do mapa.
O contorno de seus olhos, se estreitam, e a espada se afrouxa em meu pescoço.
— Você sabe onde estão? — Sua respiração quente bate outra vez contra o meu rosto, me deixando mais tensa a cada segundo.
— Sim. — Eu não faço a menor ideia de onde estão as outras partes dessa porcaria de mapa. Mas era mentir ou morrer.
Em um movimento rápido, ele afasta sua espada do meu pescoço, e eu respiro aliviada.
— É bom que você saiba mesmo onde estão, ou eu juro que arranco suas tripas com minhas próprias mãos e depois dou para os peixes. — Ele bufa alto.
— Você tem a minha palavra. — Com isso, eu acabo de afundar o meu próprio barco.
— Qual o seu nome? — Ele se afasta, jogando sua espada no chão.
— Serena.
Ele fica em silêncio por alguns segundos.
— Fora da minha sala agora, Serena. — Não penso muito ao correr em direção à porta, deixando aquela sala escuro o mais rápido que posso. E sem nem olhar para trás, abro o alçapão e desço por ele, voltando para a cozinha.
Agora eu não tinha escolha, eu precisava fugir desse navio o mais rápido possível.