Capítulo 16
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Com o pé, empurro a porta que deixei encostada quando sai e, desta forma, entro no quarto enquanto equilibro dois pratos, um em cada mão.
— Dana mandou a comida — Anuncio após entrar no quarto e fechar a porta com o pé, de novo.
Jack estava sentada na cama da Dana, encarando a pequena janela redonda no alto da parede de madeira, mesmo que não dê para ver nada além de uma parte do céu. Duque estava deitado em suas pernas dobradas, parecendo bem confortável.
— Você está com essa cara de novo — Digo e me aproximo, sentando perto dela.
Duque ergue sua cabeça peluda e me encara, mas não sai do colo de Jack.
— Que cara? — Lentamente, Jack vira seu rosto em minha direção. Sua feição era desanimada.
— Essa cara que você vem fazendo desde que conheceu o comodoro — Respondo e instantaneamente suas bochechas ruborizam.
— Do que você está falando? — Tentando disfarçar o nervosismo, Jack segura Duque e começa a afagá-lo de um jeito brusco, fazendo Duque resmungar com alguns sons. Acho que ele estava me pedindo ajuda.
Cuidadosamente, coloco os dois pratos com pedaços de carne e pão na cama, depois cruzo os braços.
— Não minta para mim. Foi você mesma que me disse todas aquelas coisas sobre ele. Como alguém se apaixona em apenas uma noite?
Jack para de afagar Duque, paralisando sobre a cama. Suas bochechas ficam ainda mais rubras e sua boca se abre para me responder, mas ela desiste, provavelmente sabendo que seria tolice continuar mentindo.
Ela suspira alto.
— Se você tivesse conversado com ele em meu lugar, ia entender — Sua voz soa um pouco mais baixa, enquanto seus olhos desviam dos meus. — Você acha que ele ficaria contente em me ver outra vez? — Em seguida, ela volta a me encara, cheia de esperanças.
— Se ele te ver outra vez, vai querer te matar — Falo, sincera, sabendo que depois do que fizemos, não só o comodoro, mas toda a guarda do rei devem nos odiar agora.
Seus olhos vão até Duque, em uma expressão completamente tristonha que me deixa um pouco arrependida pelas palavras.
— Se você gosta tanto dele, quando eu nos tirar desse navio, te acompanho até a corte e você poderá se declarar para ele ou qualquer coisa do tipo. Vou te proteger e garantir que ninguém faça nada. E se ele não aceitar seus sentimentos, então eu encontrarei alguém bem melhor para você.
— Está falando sério? — Seus olhos voltam a brilhar instantaneamente.
Assinto e ela sorri por alguns segundos, antes de desviar o olhar mais uma vez, enquanto volta a ficar envergonhada.
— Me diga, Serena, você já se apaixonou antes?
Acho sua expressão engraçada e fofa.
— Não — Respondo, casualmente, e pego um dos pães no prato. O parto no meio e ofereço uma metade para Duque, que vem para o meu colo de bom grado.
— Então nunca beijou ninguém?
Entrego a metade toda de pão para Duque, e encaro Jack.
— Eu já beijei alguém, mas apenas uma vez.
Os olhos de Jack se arregalam e ela se inclina para frente.
— Quem?
— Um amigo meu, o Adam. Não foi nada de mais, eu apenas fiquei curiosa para saber como era, já que a maioria das meninas de onde eu morava, suspiravam pelos cantos todas as vezes que eram beijadas. Então eu apenas pedi para o Adam me beijar.
— E ele te beijou assim?
Assinto de novo.
— O Adam é meio bobo, ele costuma fazer tudo que eu peço. De qualquer forma, ele também estava curioso quanto a isso.
— E como foi? — A voz de Jack se torna tão animada que até Duque a olha, enquanto termina de comer seu pão.
— Estranho — Dou de ombros, me lembrando desse momento. — Talvez eu ache isso porque Adam e eu éramos inexperientes, não sei.
— E você nunca mais teve vontade de repetir?
Aperto os olhos, fitando Jack com bom humor.
— Você está bem empolgada com esse assunto, não é? Aposto que se imagina fazendo isso com o comodoro.
Ela ruboriza, inclinando seu corpo para trás e encolhendo os ombros.
Rio com graça, e enquanto ela se recompunha de sua vergonha, Dana entra pela porta do quarto.
— Ainda não comeram? — Ela pergunta com as mãos na cintura, usando o mesmo tom de voz que uma mãe usa para repreender seus filhos.
— Estávamos conversando e acabamos nos distraindo — Digo.
— E sobre o que estavam conversando? — Dana se senta do meu lado e passa um dos braços por meus ombros, o puxando para perto.
— Nada — Jack responde rápido demais, nervosa e envergonhada.
Rio baixo e encosto minha cabeça no ombro de Dana.
— Sobre como odiamos estar nesse navio infestado de piratas.
— Você deve ser a pessoa que mais abomina isso — Dana comenta e eu balanço minha cabeça em seu ombro, confirmando.
Ela ri nasalada.
— Não sei como você pode ser tão tranquila. Mesmo eu, que estou aqui a alguns meses a mais que Serena, nunca te vi reclamando dos piratas — Jack diz.
— Isso porque estou aqui a tempo o suficiente para entender como um pirata pensa e leva sua vida. Não digo que é certo forçar as pessoas a fazerem parte de sua tripulação, mas eles não são de todo mal, como dizem por aí. Aqueles soldados do rei também fazem coisas abomináveis, a diferença é que eles escondem isso, os piratas não.
Por um segundo, olho para Jack, que desvia o olhar parecendo um pouco sem jeito pelo que escutou.
— Deixe-me pensar... em tripulações piratas, não é permitido mulheres porque dizem que dá azar, mas o Capitão não se importa, mesmo que isso o faça ser mal visto por outros, já que navegar com mulheres ou crianças é contra as regras piratas, tendo como consequência, a morte.
— Ele também costuma dar os animais que são trazidos para famílias de outras cidades, pessoas que irão cuidar realmente deles — Dana faz uma pequena pausa para expirar profundamente. — E o Capitão sempre está ajudando famílias pobres, principalmente as da cidade onde ele cresceu, porque ele também já foi um deles e sabe como é estar na miséria. Mas ninguém fala sobre isso, só dizem que ele é um vagabundo do mar perigoso em um navio pirata.
— Então ele ajuda os pobres para se redimir por matar e saquear? — Comento, sem humor.
— Não é isso que eu estou dizendo, peixinho — Dana ri baixo. — Só entenda que essa é a vida do Capitão, seu pai e seus ancestrais também foram piratas e isso seria inevitável. Se ele tivesse nascido na sua família, por exemplo, teria um futuro diferente, e o mesmo seria com você, caso tivesse nascido em uma família de piratas.
— Você precisa parar de me fazer gostar dos piratas — Resmungo baixo, brincando com as orelhas de Duque, que tentava pegar o outro pão no prato de Jack.
— Tudo bem — Dana ri de novo.
— Toda essa história de vida pirata, me fez lembrar das mulheres do cabaré — Jack fala. — Será que elas estão bem?
Quando retornamos ao navio, depois de resgatarmos os piratas, Jule nos contou que iria se mudar para a França com suas dançarias, já que, com certeza, o comodoro iria caçá-las. Me surpreendi quando Taehyung se desculpou por tê-la metido nessa confusão, mas a mulher apenas riu e disse que era isso que uma família fazia, e que, de qualquer forma, havia algum tempo que ela estava juntando dinheiro e pretendia ir embora da Ilha Suli. Segundo Jule, ela estava cansada de viver perto de pessoas que julgavam e maltratavam suas dançarinas e, aparentemente, na França era muito mais comum e apreciado esse tipo de trabalho.
Jule estava animada, falou que a vida delas, nesse país, mudaria, e assim, suas dançarinas finalmente receberiam o reconhecimento que mereciam. Por isso, Taehyung voltou para Suli e as deixou lá para que pudessem arrumar suas coisas e partir rumo à França.
— Com certeza estão melhores que nós. Elas irão construir uma vida boa em um novo lugar, enquanto nós estamos atrás de um mapa que nem sabemos se existe ou se é apenas uma história de pescador — Respondo, em meio a um suspiro, imaginando como seria quando o navio ancorasse em nossa próxima parada.