Parte 7
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Chegou a clínica um tanto quanto nervosa e esfregou as mãos umas nas outras antes de abrir a grande porta de vidro para entrar. %Eric% que estava na recepção, já havia a visto pelo reflexo de vidro e sorriu involuntariamente com a presença dela assim que ela adentrou o espaço.
— Você deve estar enjoado da minha cara já… — %Sunhee% riu e então caminhou até o balcão.
— Porque eu estaria? Nós dois vivíamos grudados durante a infância, e eu posso te garantir que não enjoei de você mesmo quando você insistia em apanhar frutas nos pomares das casas da vizinhança e corríamos para comer na minha casa ou na sua até às nove da noite.
Ela ficou apenas ali, diante dele, ouvindo aquela lembrança escapando de seus lábios com uma naturalidade que doía e aquecia ao mesmo tempo.
Era uma imagem tão viva, tão infantil e doce, que fez o peito dela apertar. Porque havia verdade ali — não só na lembrança, mas na forma como ele a guardava. E, principalmente, na forma como ele a dizia: como se ela ainda fosse parte daquilo. Como se ela ainda fosse parte dele.
Ela piscou algumas vezes, o sorriso enfraquecendo apenas o suficiente para que ele percebesse algo diferente em seu olhar. Não era tristeza. Era… um reconhecimento. Um reencontro interno.
— Eu… — ela começou, ajeitando a alça da bolsa no ombro, tentando manter o tom leve. — Nem sei por que estou surpresa que você lembra disso. Mas estou.
— Eu lembro de muitas coisas — %Eric% respondeu, agora um pouco mais sério, mas ainda sorrindo. — Principalmente das boas.
%Sunhee% sentiu o coração disparar de novo, mas dessa vez, não de nervosismo.
E foi com as mãos um pouco trêmulas — mas decididas — que ela puxou o currículo de dentro da bolsa e o colocou sobre o balcão.
— Eu vim por causa disso.
%Eric% olhou para o papel, depois de volta para ela. E o sorriso que surgiu dessa vez foi mais contido, mas cheio de significado.
— Achei que talvez você viesse.
%Eric% pegou o currículo com cuidado, como se o papel fosse mais importante do que aparentava. Passou os olhos rapidamente pelas informações, mas não demorou muito. A verdade é que ele não precisava do conteúdo para saber que queria %Sunhee% ali.
— Você tem formação em Administração? — ele perguntou, erguendo os olhos para ela com uma expressão de surpresa sincera.
— Tenho. Não é nada muito avançado, mas dá pra quebrar um galho com organização, atendimento, planilhas… essas coisas.
— E o seu último emprego?
— Escritório de contabilidade em Busan. Ficava mais sentada do que qualquer outra coisa, mas aprendi a me virar com clientes difíceis e relatórios mensais. — ela deu um leve sorriso, tentando descontrair.
%Eric% assentiu, ainda analisando mais ela do que o currículo.
— Sabe, eu estava precisando de alguém com exatamente esse perfil. — disse, apoiando os antebraços no balcão. — A clínica tem crescido, e eu não consigo mais dar conta sozinho da parte de marcação de consultas, registros de atendimento, fornecedores… Fora que você viu ontem: a recepção está sempre vazia, e eu fico indo e vindo como um maluco.
— Então você está dizendo que vai me contratar porque sou boa com planilhas… e por pena?
— Pena, não. — ele sorriu, abaixando levemente o tom de voz. — Confiança. E talvez um pouco de memória afetiva também.
Ela soltou uma risadinha curta, desviando o olhar só por um segundo, antes de voltar a encará-lo.
— Então... você vai me contratar mesmo?
— Ainda precisa passar pela entrevista oficial, claro — ele respondeu, fazendo um gesto formal com as mãos, como se estivesse brincando de ser chefe. — Mas considerando que você já me salvou de um ataque de alergia quando tinha nove anos e que cuidou melhor do gato do que muita gente cuidaria de um filho… sim, acho que tenho bons motivos.
%Sunhee% cruzou os braços, fingindo analisar a proposta.
— Ok. Mas eu só aceito se tiver direito a café na recepção e pelo menos uma pausa para alimentar o gato.
— Fechado. — %Eric% estendeu a mão por cima do balcão. — Bem-vinda à Clínica %Sohn%, Srta. %Yoon%.
Ela apertou a mão dele, sentindo aquele calor conhecido, reconfortante e ao mesmo tempo inquietante percorrer seus dedos.
— Obrigada, Sr. %Sohn%. Espero que saiba no que está se metendo.
— Espero mesmo que eu saiba — ele murmurou, mais para si do que para ela, sem soltar a mão de imediato.
E naquela troca de olhares que se prolongou um pouco além do necessário, havia algo mais do que um simples novo emprego.
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%Sunhee% pegou os papéis com as duas mãos, lendo com atenção as cláusulas básicas: carga horária, tarefas previstas, salário modesto — mas justo — e início imediato.
— Você é sempre assim, direto ao ponto? — perguntou enquanto lia, sem erguer os olhos — Me lembro que na escola você procrastinar um pouco…
— Só quando estou prestes a contratar alguém que mexe com minha rotina inteira — ele respondeu com um sorriso no canto dos lábios — Ei! Eu sempre trabalhei muito bem sob pressão e isso virou um hábito, por isso eu procrastinava!
Ela mordeu o interior da bochecha para não sorrir mais do que deveria. Quando terminou de ler, assinou no canto inferior da folha com a mão firme, mas o coração acelerado.
%Eric% pegou os papeis de volta com um aceno de cabeça satisfeito.
— Agora é real. — ela respondeu, encarando a própria assinatura por um segundo antes de ajeitar a bolsa no ombro.
— Oito em ponto — ela confirmou, começando a dar alguns passos em direção à porta.
Antes de sair, virou-se de lado e lançou um último olhar para ele.
— Obrigada, %Eric%. Por confiar em mim.
— Obrigado você, %Sunhee%. Por aparecer.
Ela saiu e o sininho da porta tilintou atrás de si, leve, como uma bênção silenciosa.
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Quando chegou em casa e se jogou no sofá depois de um suspiro baixo, fechou os olhos com força e não conteve o sorriso satisfeito que brotou no rosto, ao se lembrar que agora trabalharia com %Eric%… o gatinho miou tentando subir no sofá, mas sem sucesso.
%Sunhee% então se abaixou para pegá-lo no colo e então começou a conversar com ele:
— Você não faz ideia do que acabou de acontecer — ela começou, passando os dedos devagar pelas orelhinhas dele. — A sua nova mãe aqui… agora tem um emprego. Nada mal, hein?
O bichano miou em resposta, baixinho, como se incentivasse a conversa.
— E não é qualquer emprego… — ela continuou, sorrindo. — Eu vou trabalhar com o %Eric%. É, aquele mesmo. O do casaco vermelho. O das frutas roubadas dos vizinhos. O que quase me beijou no sofá ontem à noite, mas foi interrompido por
você, aliás.
O gato soltou um som curto, quase indignado, e ela riu.
— Não vem bancar o inocente. Eu vi muito bem aquela patinha sabotadora, viu?
Ele se aninhou mais contra ela, ronronando forte, os olhos já começando a se fechar.
— Mas tudo bem. Talvez tenha sido melhor assim. Um quase-beijo dá mais frio na barriga que um beijo de verdade, não dá?
— Você acha que ele ficou feliz de verdade por me ver hoje? Ou foi só gentileza? — Ela mordeu levemente o lábio, pensativa. — Porque eu… eu fiquei. Muito. Mas não quero me enganar.
O gato esfregou o focinho contra o moletom dela como se respondesse com certeza. Ela sorriu.
— Tá bom. Vou confiar em você dessa vez. Mas se ele quebrar meu coração… você vai ter que dividir a cama comigo e me consolar com ronronadas, entendeu?
Outro miado curto, preguiçoso.
%Sunhee% fechou os olhos por um momento, ainda acariciando o gatinho.
Talvez estivesse falando sozinha. Talvez só estivesse se ouvindo pela primeira vez em muito tempo.
Mas ali, com o bichano no colo e o coração leve, ela sentia que estava exatamente onde deveria estar.
E, de algum jeito silencioso, tudo estava começando a fazer sentido outra vez.
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