Parte 6
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Acordou às 6h em ponto, sem nem precisar de despertador. Se espreguiçou antes de se sentar na cama, depois ouviu o miado fraquinho vindo da sala e então foi até lá.
Ele estava de pé, próximo a cama dada por %Eric%, a patinha machucada não estava encostada no chão e ele parecia estar com dor e muito incomodado, miou ainda mais alto ao ver %Sunhee%, que se aproximou dele, segurando-o com delicadeza e carinho.
— Ei, ei… tá tudo bem. — %Sunhee% sorriu, falando com suavidade, como vira %Eric% fazer. — Já tô aqui, pequenino.
O bichano miou mais alto ao vê-la se aproximar, e então permitiu que ela o segurasse. Ela o envolveu com cuidado, apoiando o corpinho contra o peito e sentindo o calor frágil dele atravessar o tecido do moletom. Os olhos dela se suavizaram, e o coração apertou só de pensar em como aquele serzinho já dependia tanto dela.
Sentou-se com ele no colo, pegando mentalmente cada uma das instruções que %Eric% lhe havia dado.
“Duas doses por dia. Depois da comida. Se ele resistir, mistura com a pasta de malte…” Lembrou-se da voz dele dizendo isso, com aquele tom tranquilo e certo. E do jeito como ele olhava para o gato — e, por um momento, também para ela — com aquela atenção silenciosa que dizia muito mais do que qualquer palavra.
%Sunhee% colocou o gato sobre a manta estendida no sofá e se levantou para buscar a sacola dos remédios. Ao encontrar o frasco do antibiótico, seus dedos hesitaram por um segundo. O frasco de vidro era pequeno, mas o gesto carregava peso.
Ela preparou a dose como ele ensinou, misturando com um pouco da pasta para disfarçar o gosto. Quando voltou para o sofá, o gatinho ainda a observava, os olhos miúdos mais calmos agora, como se confiasse nela sem reservas.
— Prontinho… só um pouquinho, tá bem? — disse, com a voz quase infantil.
Com paciência, ofereceu a mistura numa seringa, e o gato lambeu aos poucos, sem protestar. Ela sorriu.
— Viu? Você é mais corajoso do que muita gente por aí.
O rosto de %Eric% surgiu de novo em sua mente — o jeito como ele sorriu quando ela disse que se surpreendia em se sentir bem ali.
Ela passou a mão devagar nas costas do gato, tentando se concentrar no presente, mas já sentia que algo em sua rotina havia mudado.
Não era só o bichano que tinha escolhido ficar.
Talvez ela também estivesse, enfim, escolhendo voltar.
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Tomou um café da manhã bem rápido, trocou de roupa e deixou ração para o gatinho, precisava sair de casa e procurar um emprego, se quisesse realmente ficar para valer em Yulha, o dinheiro referente ao acerto do emprego anterior em Busan não duraria para sempre, quiçá mais uns dois meses.
Precisava se virar com o que achasse de emprego por lá, mesmo que ela já soubesse que as opções não seriam muitas: poderia trabalhar do mercado dos pais de Ryujin, como caixa, estoquista, quem sabe ajudar no administrativo, já que era formada exatamente nisso… poderia trabalhar na lojinha de velas da senhora Mirae, ou talvez com o senhor Kim, ajudando-o a fabricar e vender as geleias…
Ou… Será que %Eric% não precisava de uma secretária? Ontem ela não havia visto nenhuma por lá…Não. Ela balançou a cabeça veementemente enquanto conferia se tudo que precisava estava na bolsa, tentando afastar aquela idéia idiota que havia surgido na cabeça.
Deu uma última acariciada na cabeça do gatinho, se despedindo do mesmo e então saiu de casa.
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Dirigiu até a praça principal da cidade, e correu em direção a banca do senhor Jongho para comprar o jornal de classificados de Yulha, ali, as pessoas anunciavam casas à venda ou para alugar, objetos usados que queriam repassar, ofertas especiais dos pequenos comércios, propagandas de eventos locais e, claro…
oportunidades de emprego. Para quem realmente queria saber o que estava acontecendo em Yulha — ou precisava se virar — o jornal de classificados era indispensável.
%Sunhee% pegou o exemplar recém-impresso com as pontas dos dedos ainda mornas, agradeceu ao senhor Jongho com um sorriso e se afastou para se sentar num dos bancos da praça. Abriu o jornal com o cuidado de quem folheava algo muito mais importante do que parecia — e, de certo modo, era mesmo.
Seu futuro podia estar escondido ali, entre letras miúdas, papel amarelado e uma vaga de
“procura-se alguém de confiança”. Virou as páginas com atenção, riscando mentalmente todas as opções que não combinavam com ela — babá de cães em tempo integral (apesar da coincidência recente, não era sua praia), vendedora de trufas artesanais (passava), ajudante em uma pousada afastada da cidade (longe demais).
Mas então, quase no final da seção de “Serviços e Saúde”, uma pequena manchete capturou seu olhar:
“Procura-se auxiliar administrativo para clínica veterinária local.” “
Clínica %Sohn% — experiência básica em organização, agendamento e atendimento ao público. Meio período, possibilidade de efetivação. Início imediato. Interessados entregar currículo pessoalmente.” %Sunhee% congelou por um segundo. O nome da clínica não deixava dúvidas. Era a de %Eric%.
A primeira reação dela foi rir sozinha, baixo, em descrença.
“
Ele postou isso hoje? Ontem?” “
Será que foi antes… ou depois do jantar?” A segunda reação foi mais complexa. Uma mistura de surpresa, hesitação… e uma pontada quase desconfortável de esperança.
Será que ele pensou em mim quando publicou isso? Será que ele estava esperando que eu visse? Ela afastou o jornal devagar e olhou para frente, como se o mundo lá fora pudesse lhe dar alguma resposta imediata. Não deu.
Seu primeiro impulso foi dobrar o jornal, colocar na bolsa e esquecer. Era fácil dizer para si mesma que seria estranho, confuso. Que misturar trabalho com o tipo de reencontro que estavam vivendo era uma péssima ideia.
Mas o segundo impulso… foi o que ficou.
O jornal ainda aberto no colo, os olhos fixos naquele anúncio que parecia ter sido colocado ali só para ela.
“Ele precisa de ajuda. Eu preciso de um emprego.” E por mais que ela tentasse negar, a ideia não parecia mais tão idiota assim.
Dobrou o jornal com cuidado e o guardou na bolsa como se fosse um segredo precioso. Respirou fundo, tentando ignorar a agitação no peito, e se levantou do banco com um único pensamento:
Se é pra tentar, então que seja agora. Seguiu pelas ruas da cidade com passos firmes — ou ao menos tentando parecer firmes — até encontrar uma das poucas casas de impressão e internet que ainda resistiam no centro de Yulha. Era um lugar pequeno, com fachada simples, letreiro azul desbotado e duas janelas protegidas por grades pintadas de branco.
Ao entrar, foi recebida pelo som leve das teclas sendo pressionadas e o chiado baixo de uma impressora em funcionamento. Atrás do balcão, uma garota jovem — provavelmente estudante do ensino médio — levantou os olhos e sorriu.
— Bom dia! Precisa de algo?
— Sim… preciso imprimir um currículo.
— Pode usar o computador da segunda mesa. Se tiver salvo em pendrive, é só conectar.
%Sunhee% assentiu e caminhou até o terminal indicado, sentando-se diante da velha máquina com cadeira de rodinhas. Enquanto conectava o pendrive, sentiu o nervosismo voltar. Aquele currículo estava parado há meses. Era básico, direto, nada impressionante. Mas era honesto.
Abriu o arquivo, revisou rapidamente as informações — formação em Administração, experiência como assistente em um escritório de contabilidade em Busan, algumas habilidades em organização, atendimento e sistemas simples — e clicou em
Imprimir.
O som da impressora cortando o silêncio da lan house foi quase mais alto que o próprio coração dela batendo forte.
Quando pegou a folha quente e recém-impressa, %Sunhee% a encarou por um instante. Era só um pedaço de papel… mas representava tanta coisa.
Coragem. Início. Talvez… reencontro. Saiu da lan house com o currículo dobrado e protegido dentro da bolsa, e seguiu direto pela rua principal até a clínica.
O dia estava ensolarado, mas havia uma brisa fresca que fazia as árvores da praça dançarem levemente. Tudo parecia normal — normal demais para o turbilhão que acontecia dentro dela.
Quando avistou a placa de madeira com o nome
Clínica Veterinária %Sohn%, sentiu o estômago dar um nó.
Parou por um instante diante da porta de vidro.
“E se ele achar que é carência disfarçada de interesse?” E se eu estiver confundindo tudo?” Mas então lembrou do gato dormindo em paz no sofá de casa. Da forma como %Eric% a olhou na noite anterior. E de como ela mesma se sentia… como se estivesse, pela primeira vez em muito tempo, voltando a pertencer a algum lugar.
Com esse pensamento, apertou o currículo contra o peito, respirou fundo, e empurrou a porta.
E o próximo capítulo da história deles estava prestes a começar.
🫰🫰🫰