Parte 3
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O miado agudo ecoou nos fundos da casa, fazendo %Sunhee% franzir o cenho num misto de curiosidade e preocupação, deixou o livro que lia de lado e se desfez do cobertor azul que cobria suas pernas e tronco, para então calçar seu chinelo que estava ao lado do sofá. O miado continuava, mas agora parecia mais distante, mais baixo, mais fraco até…
%Sunhee% foi em direção ao quintal, quase como se estivesse sendo guiada pelo miado frágil que lhe invadia os ouvidos. Quando chegou por lá, embaixo da grande árvore de
magnólia, cujas
folhas amareladas começavam a se acumular no chão, mesmo fora da estação das flores…
Estreitou os olhos para tentar enxergar melhor o felino e ao observar a pelagem malhada do bichano, se deu conta que provavelmente era o mesmo gato que %Eric% estava cuidado no estacionamento perto do supermercado da família de Ryujin.
— O que você está fazendo por aqui? — Ela balançou a cabeça em negativa antes de se aproximar lentamente do gato, com cuidado para não assustá-lo ou afastá-lo.
O gatinho, acanhado, acabou se enrolando ainda mais em volta do próprio corpo enquanto miava, parecendo assustado e com muito medo.
%Sunhee% se aproximou com passos lentos, quase silenciosos, o corpo levemente inclinado para frente, como se cada movimento seu precisasse pedir permissão àquele pequeno ser assustado. As folhas secas da magnólia estalavam sob seus pés, mas ela manteve o tom de voz calmo, sussurrando palavras suaves que nem ela sabia direito de onde vinham.
— Ei, tá tudo bem... eu só quero ajudar, tá?
O gato a observava com olhos arregalados, as orelhas levemente abaixadas, pronto para fugir a qualquer sinal brusco. Mas havia algo na voz dela, no jeito contido de se mover, que parecia convencer o bichinho a ficar. Ele soltou um miado mais curto, rouco, quase como se estivesse cansado até de pedir socorro.
%Sunhee% se agachou lentamente, estendendo uma das mãos, mas sem tocá-lo de imediato. Esperou alguns segundos, permitindo que ele sentisse sua presença. Só então, com muito cuidado, aproximou os dedos da cabeça dele, e para sua surpresa, o gatinho não recuou. Apenas tremeu levemente, como se estivesse dividido entre o medo e o alívio.
— Isso... você é corajoso, hein? — murmurou, mais para acalmá-lo do que por esperar resposta.
Quando finalmente conseguiu tocá-lo, percebeu que o corpo do gato estava gelado e um pouco úmido, como se tivesse passado muito tempo ali fora. Foi só então, ao deslizar a mão com gentileza pelas laterais dele, que notou a pata traseira direita encolhida, diferente das outras. Havia um pequeno ferimento, já envolto em sujeira e folhas grudadas, e um pouco de sangue seco endurecia a pelagem em volta.
%Sunhee% prendeu a respiração por um instante, sentindo o peito apertar.
— Ah, pobrezinho... você se machucou mesmo, não foi?
O bichano miou de novo, como se respondesse, e se encolheu ainda mais quando ela passou os dedos ao redor da área ferida.
Com cuidado, ela o recolheu nos braços, mantendo-o firme e protegido contra o peito. O corpinho tremia, mas ele não tentou escapar.
— Tudo bem. Eu sei quem pode te ajudar.
Com o coração acelerado e o olhar firme, ela se levantou devagar e caminhou de volta para dentro da casa, já com um nome girando em sua mente.
🫰🫰🫰
Ela ainda se lembrava onde a clínica ficava, e era muito provável que ainda estivesse no mesmo lugar de sempre. %Eric% sempre adorara animais, desde os mais pequenos e dóceis até os maiores e mais selvagens, provavelmente impulsionado pela presença do pai, já que sempre que possível ele ficava algumas tardes na clínica — que hoje é dele, acompanhando os atendimentos do senhor %Sohn%.
%Sunhee% sorriu ao se lembrar de quando percebeu que realmente estava apaixonada por ele: Foi num dia nublado de outono, na época em que ainda estavam no ensino fundamental. Ela tinha encontrado um passarinho caído no caminho de volta da escola — pequeno, tremendo, com uma das asas dobrada de um jeito estranho. As outras crianças olharam, fizeram careta, e seguiram adiante.
Ele parou ao lado dela, abaixou-se na calçada e observou o passarinho com um olhar sério, mas cheio de cuidado. Não hesitou. Tirou a própria blusa do uniforme — mesmo que ficasse com a camiseta branca manchada por baixo — e usou o tecido como um ninho improvisado. Depois, olhou para ela com aquele jeito calmo e certo de quem sempre soube o que estava fazendo.
— Se a gente correr, ainda dá tempo de levar pra clínica do meu pai — disse ele, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
E correram. Com os tênis sujos, as mochilas balançando nas costas e o coração disparado por motivos diferentes. Ele segurava o passarinho com tanto cuidado, como se fosse de vidro. E quando chegaram lá, ofegantes e suados, o senhor %Sohn% os recebeu com um sorriso, e juntos improvisaram uma pequena caixa com algodão e soro.
%Sunhee% ficou ali, quieta no canto da sala, observando %Eric% acompanhar tudo com olhos atentos e mãos firmes. Ele não desviava o olhar nem por um segundo, como se aquele passarinho tivesse sido confiado a ele pelo universo.
Foi naquele momento, escondida atrás do avental do pai dele e do cheiro forte de desinfetante, que ela soube.
Era amor, ainda que ela não tivesse palavras para aquilo na época.
Agora, tantos anos depois, com um gato machucado no banco de trás do carro e o coração inquieto no peito, ela se perguntava se aquele garoto cuidadoso de então ainda morava por trás do homem que ela acabara de reencontrar.
E de alguma forma, sabia que sim.
🫰🫰🫰