Parte 2
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O mesmo supermercado de sempre, ela e a família nunca haviam comprado em outro e isso era desde que ela se entendia por gente. Ela sabia que hoje quem tomava conta eram os filhos do senhor Cho, e claro, os netos deles, que haviam estudado com %Sunhee% na única escola de Yulha os ajudavam a tomar conta.
— Ryujin! — %Sunhee% parou na porta do supermercado assim que entrou e viu a morena organizando uma prateleira a alguns metros.
Ela virou os olhos na direção do chamado e então arregalou levemente os olhos, depois de um breve instante de surpresa e até espanto, Ryujinsorriu e então caminhou na direção de %Sunhee%. Ainda sorrindo ela abriu os braços, puxando %Sunhee% para um abraço caloroso, pegando a mesma de supetão.
%Sunhee% definitivamente não esperava aquela reação e muito menos aquele abraço tão caloroso por parte de Ryujin, afinal de contas apesar de terem estudado juntas desde o ensino fundamental até o médio, as duas nunca foram melhores amigas.
— Meu Deus, %Sunhee%! — Ryujin afastou-se só o suficiente para olhar o rosto da outra — Olha só pra você! Quanto tempo!
— Pois é… — %Sunhee% sorriu de leve, ainda um pouco surpresa com a recepção — Desde a formatura, eu acho.
— Nossa, tudo isso? Nem parece. — Ryujin soltou uma risadinha e ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Mas o que tá fazendo aqui? Achei que tinha se mudado de vez pra Seul ou alguma cidade grande dessas.
—Morei em Busan nos últimos anos… mas voltei pra cuidar da casa da minha avó — respondeu, abaixando um pouco o tom na última parte. — Ela faleceu no fim do ano passado, e agora a casa ficou comigo.
— Ah… poxa, eu sinto muito. — Ryujin tocou o braço de %Sunhee% com leveza, em sinal de solidariedade. — Sua avó era uma fofa. Lembro dela levando você de lancheira na mão pra escola.
— É… ela era tudo. — %Sunhee% assentiu com um sorriso triste, antes de mudar de assunto. — E você? Tá trabalhando aqui com sua família?
— Sim! Depois que meu pai e meu tio assumiram de vez, eu e minha prima começamos a ajudar mais. É puxado, mas é bom estar por perto, sabe? Yulha pode ser parada, mas tem seu charme.
— Isso com certeza não mudou — %Sunhee% disse, olhando em volta. — O cheiro da padaria ainda é o mesmo.
— O pão de leite continua famoso, se é isso que você quer saber! — Ryujin riu. — Mas vem cá, vai ficar por aqui um tempo ou só tá de passagem?
— Acho que vou ficar… pelo menos por enquanto. Ainda tô decidindo o que fazer com tudo.
Ryujin assentiu, agora mais suave no olhar.
— Bom… se precisar de qualquer coisa, é só aparecer. A gente pode não ter sido super próximas, mas você sabe como Yulha funciona — aqui todo mundo se encontra cedo ou tarde.
%Sunhee% sorriu com mais sinceridade dessa vez.
— Sei sim. Obrigada, Ryujin.
— E aproveita que hoje tem bolinho de arroz recém-feito ali no fundo. Se você não pegar agora, some em dois minutos.
— Bolinho de arroz? Aí sim... — ela respondeu, caminhando para os fundos. — Pelo visto algumas coisas realmente nunca mudam.
🫰🫰🫰
%Sunhee% já havia enchido uma cestinha com o básico: arroz, legumes, chá, um potinho de kimchi e, claro, os bolinhos de arroz que Ryujin havia recomendado. Caminhava devagar pelos corredores do mercado, redescobrindo os produtos, as marcas locais, e até reconhecendo algumas senhoras que ainda faziam compras por ali, como se o tempo tivesse dado apenas um leve salto, e não um pulo de tantos anos.
No caixa, uma adolescente de uniforme vermelho e coque malfeito passou os itens com pressa, mal erguendo os olhos. %Sunhee% pagou, agradeceu e saiu com duas sacolas nas mãos, respirando fundo o ar de fim de tarde, que já começava a esfriar um pouco.
Foi então que ouviu um miado — curto, insistente — vindo de perto das bicicletas encostadas à parede lateral do supermercado.
Ela virou o rosto por instinto, curiosa, e seus olhos se detiveram na silhueta agachada de um homem, vestindo um moletom cinza claro e jeans escuros. Os cabelos castanhos estavam um pouco bagunçados, e ele estendia a mão com calma na direção de um pequeno gato malhado que se escondia sob uma das bicicletas.
— Ei, tá tudo bem… — ele dizia num tom baixo e gentil. — Não precisa fugir de novo.
O coração de %Sunhee% parou por um segundo. Ela reconheceria aquela voz em qualquer lugar.
Ele se virou um pouco ao sentir o olhar dela, e os olhos dos dois se encontraram. O tempo pareceu vacilar, tropeçar. O casaco vermelho não estava ali — mas era como se estivesse.
Ele franziu os olhos por um instante, como se o cérebro tentasse confirmar o que os olhos já sabiam. E então o sorriso nasceu, leve, pequeno, mas real.
Ela ainda segurava as sacolas, os dedos levemente trêmulos.
Ele se levantou devagar, dando uma última olhada no gatinho, que agora lambia a própria pata, mais calmo. Limpou as mãos na calça e se aproximou com passos tranquilos.
— Muito — ela respondeu, ainda um pouco atordoada. — Eu... não esperava te ver aqui.
— Eu podia dizer o mesmo — ele sorriu, e o olhar dele era tão gentil quanto ela lembrava. — Mas, pensando bem… acho que era só uma questão de tempo até a gente se esbarrar de novo. Essa cidade tem o péssimo hábito de juntar as pessoas na hora certa.
— Eu posso… — %Eric% apontou com o queixo para as sacolas nas mãos dela — Levar isso até o seu carro. Se não for incômodo, claro.
%Sunhee% hesitou por um segundo, mas assentiu, entregando uma das sacolas.
— Obrigada. Fica no estacionamento de trás.
Eles começaram a andar lado a lado, sem muita pressa, os passos sincronizados por um silêncio confortável, embora carregado de pensamentos.
— Então… — ele começou, olhando de relance para ela — Tá de volta por um tempo ou…?
— Talvez por mais que isso. Minha avó faleceu no fim do ano passado. Eu voltei pra cuidar da casa, organizar as coisas…
— Sinto muito. Ela era uma mulher incrível — %Eric% disse com sinceridade, e ela notou a leve mudança no tom de voz. — A última vez que a vi, ela ainda estava distribuindo doces pras crianças na frente da escola, como sempre fazia.
%Sunhee% sorriu com os lábios, sem mostrar os dentes, e olhou para o chão por um segundo.
— Nem um pouco. Algumas pessoas parecem não envelhecer de verdade, só se tornam ainda mais elas mesmas.
Ela soltou uma risadinha baixa e depois olhou para ele com uma curiosidade inevitável.
— E você? Tá morando aqui mesmo?
— Desde que terminei a faculdade. Voltei pra trabalhar na clínica veterinária do meu pai. Agora ela é minha, na verdade. — Ele ajeitou a alça da sacola no ombro. — Não é uma vida agitada, mas... gosto da rotina aqui.
— Você sempre gostou de cuidar dos bichos — ela comentou, com um brilho leve no olhar — Lembro de você escondendo aquele filhote de cachorro dentro da sua mochila, na sexta série.
%Eric% riu, balançando a cabeça.
— O Jjangu! Nossa… você lembra disso?
— Como esquecer? Você chorou quando a professora descobriu.
— Ei! — Ele fingiu indignação. — Eu era sensível, ok?
%Sunhee% riu de verdade agora, e por um instante os dois pararam de andar, bem ao lado do carro dela.
— Aqui — ela apontou, destrancando o carro com o controle.
%Eric% colocou a sacola no banco de trás com cuidado, e então se virou para ela, as mãos nos bolsos agora.
— É bom te ver, %Sunhee%. De verdade. Acho que a cidade ficou um pouco mais interessante com você de volta.
Ela sentiu o rosto esquentar, não sabia bem se pelo elogio ou pelo jeito casual com que ele disse aquilo — como se fosse a coisa mais natural do mundo.
— Obrigada… e foi bom te ver também. De verdade.
Por um momento, ficaram apenas ali, parados, como se não soubessem ao certo se deveriam dizer mais alguma coisa ou deixar o tempo falar por eles.
— Você ainda gosta de chá de jujuba? — ele perguntou, quebrando o silêncio com um meio sorriso nostálgico.
— Gosto… — ela respondeu, surpresa pela lembrança. — Por quê?
— A cafeteria da praça ainda serve o mesmo de sempre. Se quiser… posso te pagar uma xícara qualquer dia desses.
%Sunhee% olhou para ele por um momento, o coração batendo um pouco mais forte do que deveria.
Ele se afastou com um aceno leve, voltando em direção à lateral do supermercado, onde o gatinho ainda o esperava.
Ela ficou observando por alguns segundos, antes de entrar no carro com o coração batendo mais devagar… e mais fundo.
Como se uma parte esquecida de si mesma estivesse finalmente encontrando o caminho de volta.
Depois de guardar as compras dentro dos armários e da geladeira %Sunhee% resolveu preparar um almoço bem rápido apenas para não cair morta de fome no chão caso sua pressão baixasse ainda mais.
O cheiro ramen instantâneo que ela preparou invadiu a casa, fazendo com que seu estômago roncasse em resposta, depois de alguns minutos ela pegou a vasilha de plástico com sua preciosa refeição e se sentou no sofá, afundando o corpo nas almofadas com um suspiro satisfeito. Dobrou uma das pernas sobre o assento e deixou a outra esticada no chão, apoiando o potinho quente no colo. Com os hashis em mãos, ela se curvou levemente para frente, soprando o caldo fumegante antes de levar a primeira garfada à boca. O conforto da comida quente contrastava com o cansaço nos músculos — e por alguns minutos, era como se nada mais importasse além daquele sabor simples e familiar.
🫰🫰🫰