Noivado de Conveniência

Escrita porRay Dias
Editada por Natashia Kitamura

Capítulo 5 • Primeira Noite de Verdade

Tempo estimado de leitura: 35 minutos

A noite caiu sobre o sítio como um véu macio, e logo o quintal se iluminou com a fogueira que Seu Anselmo insistira em acender — “porque nada é mais romântico do que fogo crepitando e cheiro de lenha queimando”. A família inteira se ajeitou ao redor, alguns em cadeiras de madeira, outros em banquinhos improvisados, e Camila ainda arrumou um cobertor para cobrir Sofia e Miguel, como se o frio fosse um pretexto perfeito para a aproximação.
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  — Opa! — provocou Caio, com seu sorriso maroto. — Se esquentem bem aí, pombinhos, porque a fogueira não dá conta sozinha.
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  Sofia revirou os olhos, mas não reclamou quando Miguel ajeitou o cobertor sobre os dois. O calor do fogo misturado ao calor do corpo dele a deixou em um misto de desconforto e… segurança.
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  Enquanto alguns assavam marshmallows improvisados em galhos de bambu, Dona Lúcia não parava de lançar olhares cheios de esperança.
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  — Isso sim é união, meus filhos! — disse, batendo palmas quando viu Miguel afastar um fio de cabelo que insistia em cair no rosto de Sofia. — Ele cuida dela, ela cuida dele… É assim que se constrói um futuro!
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  Helena e Vera riram entre si, brindando com taças de vinho como se já estivessem em um casamento.
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  Camila, no entanto, não perdeu a oportunidade de espetar mais um comentário:
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  — É sério, vocês precisam se olhar no espelho. Mal começaram a namorar e já parecem noivos de propaganda de revista de campo.
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  — Revista de campo? — Miguel resmungou, fingindo indignação. — Pelo menos me coloca numa propaganda urbana.
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  — Ah, para, Miguel. — Sofia cutucou o braço dele com o cotovelo, rindo. — Eu acho que você combina com o campo. Meio atrapalhado, mas com potencial.
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  Ele arqueou a sobrancelha, com aquele sorriso torto que sempre a fazia rir, e respondeu:
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  — E você combina comigo?
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  O silêncio que se seguiu foi breve, mas intenso o suficiente para que Sofia engolisse seco. Ela disfarçou, colocando um marshmallow na boca e fingiu que não tinha ouvido a provocação. Mas Miguel percebeu o rubor nas bochechas dela iluminado pelo fogo.
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  Mais tarde, quando a fogueira já estava mais baixa e os mais velhos começaram a se dispersar, Caio puxou um violão de algum canto e começou a dedilhar, criando uma trilha sonora improvisada. Camila, claro, aproveitou o momento para cantarolar “músicas de amor”, olhando diretamente para Sofia e Miguel.
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  — Ah, pronto — resmungou Sofia, rindo nervosa. — Agora a serenata da vergonha.
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  — Vai dizer que não é perfeito? — Miguel inclinou-se para ela, baixinho. — Até parece armação do destino.
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  Eles riram, mas ficaram próximos o bastante para que o riso se transformasse em silêncio confortável. O fogo crepitava, o violão soava ao fundo, e de repente tudo parecia… fácil.
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  Até que Sofia quebrou o silêncio, olhando para o céu estrelado:
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  — Você sabe que… eu não esperava que fosse tão… gostoso, fingir isso com você.
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  Miguel a encarou, surpreso pela sinceridade repentina.
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  — Também não. Achei que ia ser só um teatrinho…
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  Ela desviou o olhar, mordendo o lábio, mas o sorriso denunciava que sentia o mesmo.
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  — Então estamos os dois ferrados. — Sofia brincou, tentando aliviar o peso da confissão.
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  — Ferrados juntos. — Miguel completou, rindo. — O que, convenhamos, não é a pior coisa do mundo.
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  Foi nesse instante que Camila interrompeu, como um cupido barulhento:
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  — Já podem se beijar ou precisam de autorização por escrito da família?
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  Todos riram, inclusive os avós, mas Miguel e Sofia só trocaram um olhar carregado de algo que não ousaram concretizar diante de tanta plateia. Pouco depois, a fogueira foi apagada, as taças recolhidas, e cada um seguiu para o seu quarto. No corredor, já sem ninguém por perto, Miguel segurou a mão de Sofia, com a mesma naturalidade de quem fazia isso há anos.
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  — Sofi… — ele disse, baixo, quase num sussurro. — Acho que… eu gosto disso. De verdade.
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  Ela o encarou, sentindo o coração disparar, e respondeu com um meio sorriso cúmplice:
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  — Eu também, Miguel.
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  Não houve beijo. Não naquela noite. Mas o silêncio cheio de significado entre eles foi mais eloquente do que qualquer palavra.
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N O I V A D O • D E • C O N V E N I Ê N C I A

  O domingo amanheceu preguiçoso no sítio. O cheiro de café fresco e pão de queijo assando invadia os quartos, mas para Miguel e Sofia, arrumar as malas foi quase uma operação de guerra. Não tanto pelo que tinham que levar, e sim pelo que carregavam dentro de si depois da noite da fogueira.
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  Enquanto arrumavam as malas para voltar, os dois já estavam diferentes. Havia cumplicidade no jeito de se ajudar, nos risos abafados ao lembrar dos tropeços da cavalgada, do barro na horta, da fogueira… e um peso doce no ar, como se uma decisão silenciosa tivesse sido tomada: a farsa tinha dado lugar a algo real, e nenhum dos dois parecia disposto a frear isso.
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  Cada peça de roupa dobrada parecia um lembrete silencioso: o que aconteceu entre a gente?
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  — Você tá enrolando demais pra fechar essa mala, Sofi — Miguel comentou, encostado no batente da porta, com os braços cruzados.
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  — Eu não tô enrolando. — Ela se defendeu, sem encará-lo. — Só… tô organizando.
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  Ele riu baixo.
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  — Desde quando você organiza meias por cor?
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  Ela se virou, já de bochechas vermelhas.
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  — Desde que preciso ocupar a mente com qualquer coisa que não seja você.
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  Miguel ficou em silêncio por um segundo, surpreso, até erguer as mãos em rendição.
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  — Ok, ponto pra você. Mas já aviso que não vai funcionar. — E piscou.
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  Antes que Sofia pudesse responder, a voz de Dona Lúcia ecoou do corredor:
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  — Miguel! Sofia! Venham logo pro café, senão vão perder o pão de queijo quentinho!
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  Ambos riram, cúmplices, e o clima foi quebrado.
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  No café da manhã, a mesa estava uma festa. Seus pais e os avós se revezavam em comentários nostálgicos e previsões românticas.
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  — Ah, esses dois me lembram tanto o início do meu casamento com Anselmo — disse Dona Lúcia, emocionada.
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  — É verdade. — Vera completou. — A gente vê que eles nasceram um pro outro. Não precisa ser vidente pra enxergar isso.
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  Camila e Caio, é claro, não deixaram barato.
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  — Tá decidido então — Caio anunciou, com um brinde de suco de laranja. — Ano que vem a gente tá de volta aqui pra comemorar o noivado oficial.
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  — Que oficial, Caio? — Sofia tossiu, quase engasgando. — Vocês estão completamente malucos!
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  — Malucos, não. — Camila sorriu maliciosa. — Apenas visionários.
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  Miguel só observava, comendo devagar, tentando não rir da expressão indignada de Sofia. Mas no fundo, aquele coro de vozes só reforçava o turbilhão dentro dele. Quando finalmente partiram, o carro carregava não só malas e lembranças, mas também novas verdades não ditas. Sofia, no banco do passageiro, olhava a estrada que se desenrolava pela janela, enquanto Miguel mantinha as mãos firmes no volante. O silêncio entre eles não era vazio, era cheio de possibilidades.
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  Até que ela suspirou:
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  — Sabe o que me assusta?
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  — Hm?
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  — Que talvez eles estejam certos.
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  Miguel desviou os olhos da estrada por um segundo só para encará-la, e sorriu de canto.
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  — Sabe o que me assusta?
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  — O quê?
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  — Que eu quero que eles estejam.
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N O I V A D O • D E • C O N V E N I Ê N C I A

  A volta para a cidade foi silenciosa, mas não daquele silêncio constrangedor. Era o tipo de silêncio carregado de lembranças, de olhares que se desviavam rápido demais, de sorrisos contidos.
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  Quando o carro parou no estacionamento do prédio, Miguel desligou o motor, mas não fez menção de sair de imediato. Sofia também não. Ficaram alguns segundos só ouvindo o barulho distante e abafado do trânsito, até que ela quebrou o clima:
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  — Parece que a semana durou um mês.
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  — E ao mesmo tempo passou rápido demais — Miguel respondeu, virando-se para ela. Seus olhos se demoraram nos dela. — Sofi… lembra do que eu disse na fogueira?
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  Ela sorriu de canto, já adivinhando.
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  — Que ia me chamar pra sair quando voltássemos.
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  — Isso. — Ele coçou a nuca, nervoso. — E eu vou. Mas quero que seja do jeito certo, sem pressão… só você e eu.
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  Sofia assentiu devagar, o coração acelerado, e abriu a porta do carro. Caminharam juntos até o hall do prédio, as malas arrastando pelo chão. No elevador, ficaram lado a lado, tão próximos que qualquer movimento parecia carregar eletricidade. Quando chegaram ao corredor, pararam diante de suas portas — uma de frente à outra. Por um instante, nenhum dos dois quis girar a chave.
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  — Boa noite, Sofi. — Miguel falou baixo, quase como se fosse um segredo.
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  Ela sorriu, mordendo o lábio.
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  — Boa noite, Miguel.
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  Demoraram um segundo a mais do que deveriam para se despedir, até finalmente cada um desaparecer para dentro de casa.
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Três dias depois…
  A rotina voltou, mas nada parecia exatamente igual. Sofia estava no apartamento de Camila e girava a xícara de café entre os dedos, distraída, enquanto Camila a encarava com aquele olhar de quem já sabia demais.
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  — Então? — Camila cutucou. — Já rolou o convite? Jantar, cinema, casamento marcado?
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  Sofia bufou.
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  — Não rolou nada. Desde que a gente voltou, não nos vimos. Só umas mensagens rápidas… bom dia, boa noite, como foi o trabalho.
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  — Isso é grave. — Camila fingiu anotar num caderninho imaginário. — “Paciente em negação, claramente apaixonada, mas fingindo que está tudo bem”.
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  Sofia deu uma risada nervosa, apoiando o rosto nas mãos.
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  — Eu não tô em negação! Eu só… tô com medo de que a gente estrague tudo. Foram quatorze anos de amizade, Camila. E agora, depois de um fim de semana, eu não paro de pensar nele de outro jeito.
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  Camila sorriu com ternura.
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  — Sofi, às vezes a gente demora mesmo pra enxergar o óbvio.
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  Sofia levantou os olhos devagar, como se aquilo fosse perigoso demais de encarar.
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  — Mas e se eu estiver confundindo? O que a gente viveu no sítio foi… intenso. Tinha pressão da família, tinha todo mundo olhando. Talvez eu esteja só embarcando numa fantasia.
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  Camila inclinou a cabeça, paciente.
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  — Você se conhece melhor do que ninguém. Me responde: quando ele te olhava, quando te fazia rir, quando te defendia das provocações… você sentiu que era teatro?
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  O silêncio de Sofia foi resposta suficiente. Ela engoliu em seco, apertando a xícara entre as mãos como se fosse uma âncora.
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  — Eu senti… — murmurou, com a voz mais baixa. — Eu senti como se fosse real. Como se eu tivesse me enganado esses anos todos sobre nós dois.
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  Camila se aproximou, apoiando a mão no braço da amiga.
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  — Então não é fantasia, Sofi. Você só tá descobrindo uma nova versão de vocês.
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  Sofia suspirou, olhando para o café já frio.
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  — Eu só não quero perder o Miguel. Se ele não sentir o mesmo, se isso virar um peso… eu não sei se consigo encarar.
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  Camila apertou o braço dela com firmeza, séria.
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  — A única coisa que você não pode fazer é se esconder. Porque, se você fizer isso, vai perder do mesmo jeito. — E com ar de quem sabia os números da mega-sena, Camila ainda finalizou com um encorajamento à amiga: — E se quer saber… Um passarinho me contou que o Miguel está até mais submerso nesse sentimento do que você!
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  Sofia arregalou os olhos de um jeito curioso e apreensivo. Embora queria que Camila estivesse certa, não evitou pensar: se era daquele jeito, porque já haviam se passado três dias e Miguel ainda não a chamara para sair?
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  De outro ponto da cidade, Miguel estava na academia com Caio e enquanto puxava pesos, Miguel suspirava alto o suficiente para incomodar. Caio, ao lado, não perdoava.
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  — Cara, você tá malhando ou encenando novela mexicana?
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  Miguel largou o aparelho e passou a mão no rosto.
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  — Eu disse que ia chamar a Sofi pra sair. Disse com todas as letras. E já se passaram três dias e nada.
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  Caio ergueu a sobrancelha.
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  — Então o que tá esperando? Quer que eu escreva o convite num outdoor na frente do prédio de vocês?
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  Miguel riu, meio sem graça.
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  — Eu só… não quero parecer que tô confundindo as coisas, entende? A gente foi pro sítio como uma mentira, mas lá… não parecia mentira.
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  Caio deu um tapa amigável no ombro dele.
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  — Se não parecia mentira, é porque não era. Só chama logo, cara. Você tem medo de quê?
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  Miguel respirou fundo, encarando o próprio reflexo no espelho da academia.
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  — De perder a amiga que eu mais amo no mundo… e de ganhar a mulher que eu não consigo parar de imaginar.
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  Caio parou, dessa vez sem piada, observando o amigo com seriedade inesperada.
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  — Miguel, você já percebeu que tá se referindo à mesma pessoa, né? A Sofi é a amiga que você ama e a mulher que você deseja. Não tem divisão aí.
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  Miguel passou a mão no cabelo, como se tentasse organizar o próprio caos interno.
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  — E se ela não quiser? E se ela só tiver se deixado levar pelo clima? Pelos olhares da família, pela pressão…
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  Caio bufou, jogando a toalha no banco.
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  — Você me cansa, sabia? — falou em tom leve, mas direto. — Essa mulher passou um fim de semana inteiro com você, enfrentou cavalo, lama, pescaria desastrosa e churrasco com torcida organizada. Se ela não quisesse, não teria te olhado daquele jeito.
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  Miguel baixou os olhos, quase rindo da lembrança.
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  — Aquele jeito…
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  — Isso. — Caio cruzou os braços. — E quer saber? Se você não se mexer, alguém mais vai notar esse jeito também. E aí, meu amigo, vai sobrar pra você só arrependimento.
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  Miguel engoliu seco, como se a possibilidade fosse dolorosa demais para ser considerada.
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  — Então você acha que eu devo…
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  — Eu não acho nada. — Caio cortou. — Eu tenho certeza. Para de tremer e convida logo. Se você continuar nessa enrolação, vou eu mesmo ligar pra ela fingindo ser você.
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  Miguel riu, empurrando o amigo de leve.
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  — Tá, tá… você venceu. Mas dessa vez é sério, Caio. Eu não quero brincar com ela.
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  Caio sorriu, sincero.
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  — Então não brinque. Mostre que é sério.
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N O I V A D O • D E • C O N V E N I Ê N C I A

  O relógio já marcava quase oito da noite quando Sofia saiu do apartamento de Camila, ainda sorrindo das provocações da amiga. A cabeça, porém, latejava com uma mistura de ansiedade e lembranças do sítio.
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  Ao virar o corredor para pegar o elevador, deu de cara com Miguel, suado, camiseta colada ao corpo depois da academia, uma garrafa de água na mão e uma toalha jogada no ombro. Ele também parou, como se tivesse levado um susto agradável.
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  — Sofi? — o tom dele saiu surpreso, mas carregado de uma ponta de alívio. — Você por aqui…
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  Ela arqueou a sobrancelha, segurando a bolsa contra o peito.
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  — Eu moro aqui, Miguel. — respondeu com ironia, mas os olhos não escondiam o brilho divertido. — Ou já esqueceu que a porta da frente é bem ali?
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  Ele riu, passando a mão no cabelo molhado de suor.
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  — Claro que não esqueci. É que… sei lá, fazia uns dias que eu não te via.
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  — Três dias. — ela corrigiu de imediato, antes mesmo de pensar. — Não que eu esteja contando.
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  O silêncio que se seguiu foi preenchido pelo barulho distante do elevador subindo. Eles se olharam por um segundo a mais do que deveriam, como se as palavras não fossem necessárias.
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  Miguel pigarreou, tentando recuperar o controle.
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  — Eu… tava indo pra casa tomar um banho. Academia puxada hoje.
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  — Deu pra perceber. — Sofia riu, os olhos percorrendo a toalha no ombro dele. — Você parece ter lutado contra um caminhão.
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  — E perdido. — ele admitiu, arrancando uma risada dela.
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  Quando o elevador chegou e as portas se abriram, entraram juntos. O espaço pequeno pareceu ainda menor naquela proximidade. Sofia podia sentir o cheiro do desodorante esportivo misturado ao suor fresco, e Miguel, por sua vez, notava o perfume doce e leve que escapava dos cabelos dela. Os dois apertaram o botão quase ao mesmo tempo, as mãos roçando de leve. Um choque elétrico subiu pelo braço de Sofia, e Miguel prendeu a respiração.
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  — Sabe, Sofi… — ele começou, a voz um pouco rouca, como se tivesse decidido algo de última hora. — Eu tô devendo uma coisa pra você.
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  Ela virou o rosto, encarando-o com curiosidade e um sorriso cauteloso.
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  — E o que seria?
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  As portas do elevador se abriram no andar deles. Miguel deu um passo para fora, mas antes que ela saísse também, olhou para trás, diretamente nos olhos dela:
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  — O convite.
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  O coração de Sofia disparou, mas ela disfarçou com uma provocação.
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  — Hm… convite pra quê? Torneio de supino? Aula de abdominal?
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  Ele riu, abrindo a porta do apartamento dele, bem em frente ao dela.
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  — Não. Pra sair comigo. Jantar. Só eu e você. De verdade.
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  Sofia parou diante da porta dela, os dedos brincando com as chaves. Por fora, parecia calma. Por dentro, estava em combustão.
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  — Vou pensar no caso. — disse, tentando soar leve, mas o sorriso que não conseguia esconder a entregava completamente.
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  Miguel encostou no batente da porta, ainda a observando.
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  — Não pense muito, Sofi. Quero você livre no sábado.
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  — Sábado então. — Ela falou corajosa — Devo me vestir para que tipo de evento?
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  — Para um encontro, se possível daqueles que você não espera se despedir na porta de casa, mas que queira convidar o cara para entrar.
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  Sofia perdeu a fala. Era a primeira vez que ela recebia um flerte de verdade do Miguel. Então era daquele jeito ousado que ele falava com as mulheres que estava interessado? Ou ele estava sendo uma versão só para ela? As bochechas coraram e ela soube no momento que a temperatura de sua pele subiu e olhar travesso de Miguel se juntou a um sorriso ladino, ao encará-la. Sofia estava morrendo de vergonha por ser flagrada por ele, ela entrou em casa com o coração acelerado, fechando a porta devagar. Do outro lado do corredor, Miguel encostou a testa na própria porta, sorrindo sozinho.
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  No sábado, pouco antes das sete da noite, Miguel já tinha revisado o espelho do quarto mais vezes do que se orgulharia de admitir. Camisa social azul-marinho, cabelo arrumado, mas não demais. Queria parecer elegante, mas sem forçar. No celular, a mensagem de Sofia ainda estava fixada no topo da tela:
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  Sofia: “Nada de me buscar em casa. Quero te encontrar direto no lugar. Nosso encontro precisa ser diferente de tudo que foi antes.”
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  Ele sorriu sozinho ao reler aquilo pela quarta vez. Ela tinha razão. Se o “namorado de emergência” e o “noivo de conveniência” tinham nascido de improvisos e farsas, o que viria agora precisava nascer da escolha deles.
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  O restaurante escolhido ficava em uma rua tranquila, cheio de plantas na entrada e com ares de segredo guardado. Miguel chegou alguns minutos antes, o coração acelerado, e foi conduzido até a mesa reservada, bem no canto, iluminada apenas por uma vela alta.
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  Quando Sofia entrou, alguns olhares se voltaram para ela. Vestido vermelho, simples, mas que parecia feito sob medida. O cabelo solto, ondulado, caía sobre os ombros, e havia algo nos olhos dela — talvez nervosismo, talvez expectativa — que fez Miguel esquecer completamente de respirar por alguns segundos.
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  Ela se aproximou sorrindo, e ele se levantou de imediato.
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  — Você veio. — disse ele, como se não acreditasse.
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  — Claro que vim. — Sofia respondeu, apoiando a bolsa na cadeira. — Não ia perder a chance de descobrir se você é tão bom num jantar de verdade quanto é fingindo nas reuniões de família.
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  Miguel riu, puxando a cadeira para ela sentar.
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  — Prometo não derrubar vinho nem inventar histórias sobre como você quase me matou na adolescência.
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  — Ei, essa parte era verdade. — ela rebateu, divertida.
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  O garçom se aproximou, mas os dois demoraram para escolher. Passavam mais tempo se olhando, rindo sem motivo, desviando o olhar e voltando em seguida. Quando finalmente pediram — lasanha para ela, nhoque ao molho de gorgonzola para ele —, já estavam mergulhados em uma conversa que parecia ter esperado quatorze anos para acontecer.
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  Falavam de tudo: da viagem, dos olhares suspeitos da família, das piadas de Camila e Caio, e até de pequenas memórias que nunca haviam contado um ao outro. Cada detalhe parecia novo, mesmo que partisse de uma amizade antiga.
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  Em certo momento, Sofia apoiou o cotovelo na mesa e ficou apenas observando Miguel.
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  — Estranho… — murmurou.
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  — O quê? — ele arqueou a sobrancelha.
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  — Você sempre foi meu melhor amigo. Mas, aqui, agora, parece… diferente.
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  Ele inclinou a cabeça, sério por um instante.
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  — Porque é diferente, Sofi. Pela primeira vez, não estamos fingindo nada.
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  Ela sentiu um arrepio, mas antes que pudesse responder, o garçom trouxe os pratos, quebrando a tensão. A noite seguiu entre garfadas, risadas e olhares que diziam mais do que qualquer palavra.
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  Quando a sobremesa chegou — um tiramisù dividido —, Miguel deixou a colher de lado, encarando-a de frente.
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  — Então… posso oficializar que esse foi nosso primeiro encontro de verdade?
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  Sofia fingiu pensar, passando a colher pelo creme doce.
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  — Hm… acho que sim. — ela sorriu, levantando os olhos para ele. — Mas só se você prometer que vai ter o segundo.
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  O sorriso de Miguel foi imediato, genuíno, iluminando o rosto dele.
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  — Prometo.
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  E, pela primeira vez, nenhum dos dois precisou fingir.
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  Depois do jantar, eles saíram do restaurante sem pressa, como se o tempo tivesse decidido andar mais devagar para favorecer aquele instante. A rua estava calma, iluminada por postes antigos, e havia uma praça pequena logo adiante, com árvores e um coreto no centro. O som da água caindo misturava-se ao riso distante de algumas pessoas.
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  — Quer andar um pouco? — Miguel perguntou, oferecendo o braço de forma brincalhona.
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  — Se for só andar… — Sofia arqueou uma sobrancelha, mas aceitou o gesto, entrelaçando o braço no dele.
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  O caminho até a praça foi leve, cada sorriso ou brincadeira vinha acompanhada daquele olhar que terminava sempre um segundo a mais do que deveria. Ao chegarem perto do coreto, Sofia se afastou alguns passos, subindo os degraus para ver a praça um pouco mais alta, enquanto admirava a luz amarela dos postes refletindo nos arbustos floridos da pracinha.
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  — É bonito aqui… — disse, mais para si mesma do que para ele.
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  Miguel a observou em silêncio, como se estivesse vendo-a pela primeira vez. O vestido dela balançava suavemente com a brisa, e havia algo quase cinematográfico na forma como ela girava de leve, olhando em volta.
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  — Você também é. — escapou, antes que pudesse controlar.
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  Sofia parou, surpresa, e virou o rosto para ele.
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  — O quê?
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  Ele deu de ombros, um pouco envergonhado, mas não recuou.
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  — Disse que você é bonita. Aliás, não é novidade, eu sempre te disse isso…
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  Ela mordeu o lábio inferior, disfarçando o sorriso, mas o coração disparava.
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  — Você anda treinando essas falas, Miguel?
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  — Não. — ele riu, se aproximando devagar. — Só tô deixando sair o que ficou preso tempo demais.
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  Os dois ficaram frente a frente, tão perto que podiam sentir a respiração um do outro. Por um instante, parecia que o mundo inteiro tinha parado. Sofia piscou devagar, o olhar descendo para a boca dele.
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  — Então… vai ficar só olhando?
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  Foi a deixa que Miguel precisava. Ele segurou o rosto dela com delicadeza, e o beijo aconteceu como um estalo — intenso, urgente, mas ao mesmo tempo cheio de carinho. O tipo de beijo que não parecia um começo, mas sim algo que já existia e finalmente encontrava seu lugar. Quando se afastaram, ambos estavam sorrindo, respirações aceleradas.
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  — Cinematográfico. — Sofia murmurou, ainda com os olhos fechados.
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  Miguel riu, encostando a testa na dela.
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  — E sem roteiro dessa vez.
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  Eles riram juntos, e o som ecoou pelo ar da noite, selando de vez o que antes era apenas teatro.
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  O beijo na praça foi só o início de uma desventura. Bastou um único beijo livre e sem qualquer encenação ao redor, e Miguel e Sofia não conseguiam mais se soltar. Era como se cada passo fosse puxado por um fio invisível, que insistia em mantê-los próximos. Quando finalmente chamaram um táxi, entraram juntos no banco de trás, e antes mesmo de a porta fechar, as mãos já tinham se encontrado no meio do caminho, entrelaçadas de forma natural.
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  O carro seguiu pela cidade iluminada, mas para eles, parecia que nada existia além daquele contato. Sofia olhava pela janela, o coração disparado, e a cada vez que Miguel apertava levemente seus dedos, uma onda de calor subia pelo corpo dela.
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  Ele também não conseguia parar de sorrir. A cada curva, a cada farol, o pensamento martelava: se eu me inclinar agora, beijo de novo. Mas, como se estivessem em um jogo silencioso, os dois se seguraram, alimentando a expectativa, aumentando o desejo.
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  Quando o carro parou diante do prédio, o silêncio entre eles era elétrico. Miguel pagou a corrida com a mão livre, sem soltar a dela. Subiram os degraus da entrada de forma quase automática, como se a tensão fosse guiando. No elevador, o espaço pequeno e fechado fez a respiração de ambos se tornar audível. Sofia encostou nas costas do espelho, e Miguel, diante dela, parecia lutar com o próprio autocontrole.
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  — Não vai fazer nada? — ela provocou, arqueando uma sobrancelha, a voz baixa, carregada de desafio.
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  Ele riu, passando a mão pelos cabelos, antes de se aproximar de repente.
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  — Você não imagina o quanto eu tô me segurando desde o táxi.
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  A resposta dela foi agarrar a gola da camiseta dele e puxá-lo para um beijo urgente, cheio de riso e pressa. As costas dela batiam de leve contra a parede do elevador, e cada segundo era marcado por beijos que iam de intensos a desajeitados, porque ambos riam no meio, tropeçando no próprio desejo.
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  As portas do elevador se abriram no andar deles com um ding quase inconveniente, mas nem isso os separou de imediato. Miguel só afastou o suficiente para segurar a mão dela de novo, ofegante.
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  — Quer que eu… — ele começou, sem terminar a frase.
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  Sofia sorriu, mordendo o lábio, puxando-o pelo braço para fora do elevador.
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  — Eu quero.
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  Miguel sorriu largamente, porque apesar de entrar no apartamento de Sofia tantas e tantas vezes, daquela era diferente. Apesar de ter dormido no sítio, dividindo uma cama com ela, agora — o que viesse a acontecer — seria diferente. Ele entrou atrás dela, ainda de mãos dadas, e assim que a porta se fechou, Sofia o empurrou suavemente contra ela, como se quisesse selar de vez aquele momento. O beijo veio de novo, quente, faminto, mas com aquela pitada de riso nervoso que só eles dois sabiam produzir.
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  — Eu sempre vi você entrando aqui… — ela disse entre risadas, encostando a testa na dele. — Mas nunca imaginei desse jeito.
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  — Eu já imaginei, confesso. Mas não achei que fosse me sentir tão confortável colando seu corpo no meu. — Miguel deslizou os dedos pela cintura dela, puxando-a mais para perto.
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  Foram andando tropeçando entre beijos pelo corredor do apartamento, derrubando um par de sapatos e quase esbarrando na mesinha da sala. Sofia ria, tentando guiar o caminho, mas Miguel não parecia muito interessado em direção.
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  — Cuidado… — ela tentou avisar, mas já era tarde. Ele topou no tapete e os dois caíram no sofá, um em cima do outro, gargalhando.
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  O riso, porém, logo foi engolido por beijos mais profundos, mais sérios, o tipo de beijo que dizia não tem mais volta. Miguel passou a mão pelo cabelo dela, devagar, como se estivesse decorando cada detalhe. Sofia o olhou, o sorriso cedendo lugar a uma expressão de ternura inesperada.
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  — A gente tá mesmo fazendo isso, né? — ela sussurrou, quase sem fôlego.
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  — Só se você quiser. — ele respondeu, olhando-a nos olhos, sem pressa, como se aquele momento fosse mais importante do que qualquer outra coisa.
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  Ela assentiu, mordendo o lábio, e foi quem puxou a camiseta dele pela barra, revelando o abdômen quente. Miguel riu baixo, ajudando a tirá-la de uma vez, antes de se inclinar de novo sobre ela.
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  A cada peça de roupa que caía pelo caminho até o quarto, parecia que eles iam deixando para trás também anos de amizade platônica, como se abrissem espaço para algo novo. O corpo de Sofia contra o dele era tão familiar e ao mesmo tempo tão surpreendente que Miguel parava por segundos só para encará-la, como se quisesse gravar a cena na memória.
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  Quando finalmente chegaram ao quarto, não havia mais espaço para palavras. Os beijos se tornaram lentos e intensos, as mãos exploravam territórios antes proibidos, e a risada leve dava lugar a suspiros que ecoavam pela escuridão.
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  Foi uma noite de descobertas, de urgência misturada com carinho, de corpos que já se conheciam em todos os detalhes banais do dia a dia, mas que agora se redescobriam de um jeito completamente novo.
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  E, entre beijos e toques, Sofia murmurou contra os lábios dele:
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  — Acho que a gente acabou de estragar a amizade pra sempre…
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  Miguel sorriu, beijando-a com mais intensidade, antes de responder:
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  — Não. A gente acabou de começar outra história.
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Capítulo 5
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