Capítulo 08
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As palavras, na maioria das vezes barulhos, vinham constantemente da sala, e só assim consegui perceber que o jantar já havia começado.
Ouço sons abafados de choro à distância e sei exatamente de quem está vindo. Bill pode ser outro agora, mas ele ainda é uma parte conhecida de mim. A parte que eu, conscientemente, machuquei.
Persigo Kate até a cozinha, não consigo me mover para longe dela. Tão vulnerável e tão distante em seus pensamentos que nem ao menos consegue sentir minha presença.
– Por que está fazendo isso? – Eu me aproximo dela sussurrando em seu ouvido e a vejo arrepiar-se, não porque sentiu minha presença, mas porque parece ter sentindo frio subitamente. – Me dê uma razão. – Eu peço à ela.
Ela passa as mãos por seus braços tentando de alguma forma aquecê-los, mas para assim que viu os dedos de Bill marcados em sua pele pálida.
– Vamos, Kate, me dê uma razão. – Eu falo um pouco mais alto, mas ela da às costas e começa a caminhar em direção à sala, parando um momento no corredor.
– Você é a razão. – Ela diz levando a mão ao estômago - A razão para que eu consiga aguentar tudo isso. – Continua, e eu imediatamente me dou conta de que não está falando comigo.
Sinto meu estômago embrulhar e caminho em direção à sala, passando por ela sem olhá-la. Tento chegar perto de minha mãe, mas ela também não percebe minha presença. Há pessoas em volta dela, e supostamente falam sobre nós, enquanto por um segundo tenta deixar que tudo pareça estar normal, ignorando o fato de que Bill bateu em Kate.
– Eles não são mais tão iguais. – Mamãe diz a outra mulher que não faço ideia de quem seja embora esteja em minha casa.
– Talvez você não consiga notar, mas para mim eles são exatamente a mesma pessoa. – A mulher exclama como se nos conhecesse.
– Para mim também. – Minha tia fala entrando na conversa. – Sempre os mesmos gostos, as mesmas vontades, os mesmos sonhos.
– Ah, sim, lembro-me como se fosse hoje as brigas assim que acordavam de um mesmo sonho. – Vovó concorda com ambas.
– Sim, vovó tem razão, era inacreditavelmente difícil convencê-los de que era apenas um sonho. – Todas começam a rir, enquanto mamãe se mantém serena por algum motivo; talvez ela saiba mais do que eu presumo.
A história agora lembrada por elas vem à tona em minha cabeça e me questiono se há possibilidade de ter acontecido outra vez.
Bill e eu, presos em um mesmo pesadelo, como bruxas que nos assombravam nos sonhos em nossa infância. Esse agora poderia ser o pior de todos.
Aquele que acabaria com nossos sonos e também com nossas vidas.
Arrastei meus pés lentamente até chegar perto de Kate outra vez. Ironicamente, Bill fez o mesmo, mas agora em silêncio, totalmente diferente de algumas horas atrás. Ele apenas conversa com ela, fazendo pequenos carinhos em seu rosto ou alisando seus cabelos.
Mas, quando ela se afastou, a ilusão de que tudo estava bem foi quebrada outra vez, e então eu me dei conta de que ele estava fazendo aquilo apenas para manter a aparência de casal perfeito na frente de todos.
– Está evitando todo mundo. – Ele diz a ela enquanto acena levemente a cabeça para alguém. – Não foi isso que combinamos.
– Estou com dor de cabeça. – Disse ela.
– Arrependida? – Ele blasfemou e ela imediatamente o olhou.
– Não posso estar arrependida por algo que não fiz.
– Eu adoro isso. – Bill leva sua mão aos cabelos dela, empurrando-os de leve para trás da orelha. – A forma como você mente pra mim. – Ele sussurra aproximando-se de seu ouvido – Até consigo sentir pena.
– Não preciso que sinta pena de mim. – Ela se afasta, mas ele logo a puxa pela cintura, selando seus corpos.
– Bom... Um traço de personalidade. – Ele ri, e subitamente aproxima seus lábios dos dela, depositando pequenos selinhos. - Você é muito tolerante comigo, sabe?
– Eu sei. – Ela responde assustada.
– É uma verdadeira falha de caráter. – Zomba ele.
– Eu nunca disse a você que era perfeita. – Ela o olha estranhando a repentina mudança de humor.
– Eu sei. – Resmungou rindo. – Eu lembro exatamente o que você disse quando nos conhecemos... “Eu nunca mentiria para você, Bill.” – ele enfatizou.
– Eu nunca menti. – Ela tenta lembrá-lo, mas Bill não parece estar disposto a ouvir suas mentiras.
– Você não está feliz, sinto isso há muito tempo.
– Eu não estou. - Disse ela com cuidado. – Não neste momento.
– Posso pedir à ele que a toque de novo, talvez possa sentir-se melhor outra vez. – Ele diz e isso me soa um tanto masoquista. Bom, talvez ele seja... Talvez ambos sejamos.
– Você não vai conseguir. – Ela o olha, enojada - Você está pensando que eu tenho raiva de você, mas não tenho. – Ela o observa com um peso no olhar – Você só está tentando me machucar com isso.
– Você pelo menos o ama? – Ele a solta de repente e Kate desequilibra-se, enquanto procura um apoio qualquer.
– Sim, eu o amo. – Ela fala com plena certeza, e eu a encaro pronto para ouvir o pior.
– Como ama a mim? – Bill a questiona em tom vacilante.
– Amo-o como um irmão. – Ela diz calmamente e eu aproximo-me dela.
Bill sai enfurecido e eu não sei o que fazer. Era isso? Não era? O que ele queria tanto ouvir. Examinei seu rosto procurando sinais de negação, mas não achei nenhum. Levando-me a crer que o que acabara de falar era a mais pura verdade.
Deixando claro, ao menos para mim, que nossa noite não passara de um sonho, um delírio criado por mim e passado inconscientemente para meu irmão.
E este estava sendo o pior momento, porque só agora havia me dado conta de que não poderia voltar atrás e me arrepender do que tinha feito até aqui.
E o tempo infelizmente tornaria isso tudo ainda mais difícil...