Segundo Capítulo • Blood, Sweet and Tears
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Abriu os olhos com dificuldade, a claridade já adentrava o pequeno apartamento. Colocou as mãos sobre o rosto e esfregou as mesmas pelos cabelos negros. Se sentou na beirada da cama, ainda com os olhos semicerrados, pegou o celular na mesa de cabeceira, olhou as horas no relógio. Hoje ele tinha o dia livre, não estava com cabeça para atender ninguém, então pediu à sua secretária que remarcasse todos os pacientes para dali a dois dias.
Eram quase dez da manhã e Suga olhou o lado direito da cama, intacto, com o travesseiro no mesmo lugar e o lençol não muito amassado. Lembrou–se do cheiro do cabelo dela, da maciez de sua pele, da risada gostosa dela, respirou fundo antes de levantar.
Suga se olhou no espelho por alguns segundos antes de começar a escovar os dentes. A rotina da casa havia mudado há uma semana. Uma semana que Charlotte havia deixado o apartamento, uma semana que ele não a via, uma semana que ela não atendia suas ligações ou respondia suas mensagens. Eles haviam brigado outra vez, pelo mesmo motivo de sempre: a frieza de Suga.
Suga saiu de casa ainda aos dezesseis anos, seu pai vivia bêbado 24/7, enquanto a mãe trabalhava dia e noite para conseguir suprir as despesas da casa, e apanhava muito. Aquilo feria Suga de todas as formas possíveis, e ele se sentia impotente. Até que fez dezesseis anos, teve uma briga horrenda com o pai para defender a mãe, e foi expulso do lar. Morou com alguns amigos, até arranjar um emprego temporário e alugar um pequeno quarto.
Ele terminou o ensino médio com muitas dificuldades, depois conseguiu entrar na universidade, e escolheu o curso de fisioterapia. Não tinha uma razão especial, ele só leu que na época os profissionais dessa área estavam em falta e a procura havia aumentado. Queria ganhar dinheiro, queria poder tirar a mãe daquela vida. Pensava nela todos os dias.
Yoongi cresceu num lar desestruturado, onde só presenciou violências e abusos. E depois passou todo o final da adolescência sem ninguém, além de alguns poucos amigos. Toda personalidade dele, havia sido moldada na solidão, ele tinha dificuldade em demonstrar seus sentimentos e simplesmente não sabia como o fazer. Não tinha coragem de fazer terapia ou tratamento, pois detestava ser vulnerável na frente das pessoas, e achava que ninguém tinha nada a ver com seus problemas.
Suga gostava da namorada, era a primeira garota que havia despertado seus sentimentos. E ele a tratava bem, do jeito dele, mas tratava. A namorada sabia que Yoongi havia tido um passado conturbado com a família, mas ele nunca se abria, nunca contava tudo. Aquilo estava cansando Charlotte, até que ela explodiu e decidiu voltar para a casa dos pais.
E Suga estava tentando trazer a namorada de volta, mas até o momento sem sucesso. Abriu o guarda roupas, e pegou a única foto que tinha com a mãe. Ele pensou mais uma vez que gostaria de poder ter feito mais por ela em vida. Agora só restavam os pensamentos e um tracinho de saudade do sorriso tímido da mãe.
***
Vislumbrou a irmã vestida de branco com o jaleco nos braços. %Amanda% pegou a bolsa que estava sobre o sofá e olhou para o irmão. Taehyung, ou V, como os amigos o chamavam, andava preocupado com a irmã. Ela só trabalhava desde que havia se formado, dia e noite. Não tinha tempo para nada, mal comia e estava perdendo peso.
%Amanda% era tudo o que V tinha, ela era a família dele e ele a família dela. Perderam os pais ainda novos, e tiveram que aprender a se virar sozinhos jovens demais. Os dois não tiveram uma juventude normal, eles tiveram que virar adultos muito cedo. E V, se sentia responsável pela irmã, se algo acontecesse com ela, certamente ele se culparia o resto da vida, e não aguentaria.
– Vê se consegue uma folga para esse final de semana. Faz dias que a gente só se vê uma vez. – disse o irmão enquanto lavava as louças.
A irmã se aproximou dele e depositou um beijo delicado na bochecha dele.
– Vou fazer o possível, Tae! – ela piscou – Volto hoje lá pelas duas da manhã.
Ela pegou as chaves do carro e o irmão assentiu com a cabeça, um tanto quanto desgostoso.
Depois que acabou de arrumar a cozinha, ele foi para o escritório. Trabalhava em casa, só ia na empresa quando muito necessário. V é Analista de Sistemas numa empresa que está se expandindo no mercado de tecnologia. Mas na verdade, o que ele queria mesmo era ser chefe de cozinha e ter seu próprio restaurante. Deveria ter escutado %Amanda%:
“faça o que seu coração quer, Tae!” Mas ele preferiu fazer algo que os pais se orgulhassem na época, por isso acabou entrando no curso de Analista de Sistemas, mas um ano depois eles acabaram falecendo num acidente de carro.
Como Taehyung queria que tudo tivesse sido diferente, queria que os pais estivessem vivos, queria ter tido uma vida normal, como todos da sua idade. Queria ter ido a festas, queria ter conhecido muitas pessoas, queria ter viajado. Mas ao contrário disso, ele precisou trabalhar para conseguir manter ele e sua irmã. E com isso, ele virou adulto cedo demais.
***
Vislumbrou o quadro à sua frente. Aquele seria o último e pronto, a exposição poderia ter a data marcada. Continuou olhando o quadro, e pensou em voz alta.
– Quem é você? – ele soltou um suspiro – Por que você aparece todas as noites para mim?
Balançou a cabeça algumas vezes sacudindo os cabelos, pensou que pintando a garota que estava vendo em seus sonhos nos últimos dias pudesse tirá-la de sua cabeça, então ele decidiu finalizar sua exposição com um quadro dela.
Engoliu em seco e viu sua assistente e empresária caminhar até ele.
– Jin? – ela chamou enquanto sorria – E aí? Como estamos com esse último quadro?
– Finalizamos. – ele apontou para o mesmo – Já pode marcar a data da exposição!
Seokjin limpou as mãos com uma toalha, enquanto caminhava para dar uma última verificada nos quadros. A empresária ficou olhando o quadro e pensou que pudesse ser alguma namorada secreta.
– Tá de namoradinha nova? – Serena perguntou divertida. indo atrás de Jin – ele virou–se bruscamente, assustado com a pergunta. De repente a boca secou.
– Claro que não, Serena! É só um quadro! É só um rosto!
Serena balançou a cabeça desconfiada.
– Eu não gostei desse tom de “namoradinha nova”, ficou parecendo que sou galinha, um cara boêmio! – ele lambeu os lábios ainda secos.
– Bom, de fato, galinha você não é, me desculpe! Não foi isso que eu quis dizer, querido! Agora boêmio… – ela pausou.
– Eu não sou boêmio! – ele reclamou fazendo um bico e cruzando os braços como uma criança mimada – Eu aproveito a minha vida, só isso!
Serena concordou e levantou os braços, dando-se por vencida.
Seokjin era formado em Artes, pintava desde criança, como um hobby, mas se apaixonou pelo hobby e decidiu que era aquilo que queria fazer pro resto da vida.
Quando estava na faculdade conheceu o mundo da fotografia, e quando se graduou em Artes, ele fez um curso bem extenso de Fotografia. Se especializou mais um pouco na pintura, trabalhou bastante como fotógrafo e juntou dinheiro.
Queria abrir seu próprio ateliê/estúdio.
E com a ajuda da avó, conseguiu. Os pais não quiseram saber de Jin quando souberam o curso que ele escolhera, o pai queria que ele o substituísse nos negócios da família, a mãe concordava com o marido. Durante os anos da faculdade as brigas dentro de casa eram constantes, mas Jin nunca se deixou abalar. Ele se manteve alegre e otimista como sempre fora. Hoje Jin falava o básico com os pais, estava começando a ser um artista reconhecido, estava sempre fazendo exposições de suas artes, e estava ganhando bem. Ele até chamava os pais para as exposições, mas eles nunca apareciam. Não davam parabéns pro filho, ou um boa sorte. Mas Jin não lutava mais contra aquilo, ele não brigava mais com os pais. E estava focado agora em sua carreira e em descobrir se a garota do quadro existia.
***
Cruzou os braços atrás da cabeça, se espreguiçando na cadeira. Os olhos já estavam começando a arder depois de tanto tempo olhando para a tela do computador. Mas estava decidido a não sair do jornal enquanto não acabasse aquele roteiro.
O celular vibrou na mesinha, e ele sorriu. Leu a mensagem e bateu a mão na testa.
– Meu Deus, eu me esqueci completamente do encontro! Ainda bem que ela também não vai poder! – suspirou aliviado.
A garota havia dito que não poderia comparecer ao encontro por um motivo pessoal, o qual JK não se atreveu a perguntar. Esse era o quinto encontro que eles não conseguiam ir. Era incrível como sempre que eles marcavam acontecia alguma coisa em que um dos dois não comparecia ou não poderia comparecer, cancelando o encontro. Mas Jungkook não desistiria!
Ele andava trabalhando muito, sempre fazendo horas extras e às vezes até trabalhando aos finais de semana. JK era novo, estava recém formado e havia conseguido o emprego dos sonhos, em menos de um ano de formado. Então ele estava se dedicando o máximo possível, para permanecer no cargo e trabalhar com o que gostava. Jungkook sabia que tinha tirado a sorte grande e estava na hora de amadurecer, de ser adulto, afinal de contas ele já tinha vinte e quatro anos. Precisava deixar as brincadeirinhas de lado, precisava parar de procrastinar e de achar que ainda era universitário, agora a vida não é só festa e bebida. Os pais estavam cansados das farras de JK, e de ter que pagar por elas, portanto o pai havia lhe dado um apartamento e dito à ele que teria que se virar para viver. Jungkook ficou desesperado e mal acreditou quando arrumou aquele emprego. Agora era sério, ele precisava levar uma vida de adulto.
***
Ao chegar em casa cumprimentou a mãe com um beijo no rosto e olhou o padrasto largado no sofá com uma cerveja na mão, enquanto a mãe lavava algumas vasilhas. O sangue de Jimin ferveu por dentro das veias. Odiava aquela cena que se repetia todas as noites desde que Jimin se entendía por gente.
– Venha jantar, querido! – a mãe tocou o rosto do filho.
– Eu estou sem fome agora, mas eu janto mais tarde!
– Você é um ingrato mesmo não é, Park Jimin? Sua mãe fez o jantar com todo o carinho para você! Deixe de frescura e coma a comida!
A mãe de Jimin engoliu seco e segurou a mão do filho que direcionou o olhar raivoso na direção do padrasto que permanecia imóvel no sofá. O maxilar de Jimin travou.
– Você não me ouviu dizer que só não vou jantar agora? Mas que mais tarde eu virei? Mãe, eu mesmo esquento a comida e lavo todas as louças, não se preocupe! Eu só preciso de um banho e um descanso, estou sobrecarregado no trabalho.
A mãe assentiu com a cabeça, enquanto o padrasto de Jimin se levantava.
– Vê lá como fala comigo, moleque! Às vezes acho que você se esquece que fui eu quem salvou você e sua mãe daquela favela que vocês moravam! Eu dei tudo para vocês, o mínimo que você deve é respeito, seu moleque!
Jimin fechou os olhos, engoliu em seco o ódio que sentia e cerrou os punhos.
– Eu vou tomar um banho e já desço para comer! – ele sussurrou para mãe.
Bateu a porta do quarto com força e ainda conseguiu ouvir o padrasto resmungar algo. De fato, o padrasto havia dado uma certa dignidade a sua mãe, porém eles pagavam um preço muito caro por isso. Jimin odiava o padrasto e todas humilhações que já havia passado nas mãos do mesmo. Com seu próprio esforço ele passou em um uma prova e ganhou uma bolsa de estudos em uma boa faculdade, se formou em publicidade e estava agora trabalhando na área, seu único objetivo no momento era juntar a maior quantidade de dinheiro que conseguisse para que ele e sua mãe sumissem dali.
***
Questionou ao chefe se seria necessário que ele ficasse por mais algum tempo e o chefe disse que ele estava liberado, e agradeceu à Hoseok pela disponibilidade. O garoto disse que não precisava agradecer e que se necessário, era só avisar.
Fechou a porta da sala do chefe e caminhou até o estacionamento onde estava sua moto. Abriu o guarda volumes e pegou sua bolsa, tirou o jaleco, dobrou cuidadosamente e o guardou dentro da mesma, colocando-a de volta no guarda-volumes. Chovia delicadamente, mas Hoseok não se importou, decidiu que tomaria um pouco de chuva, não era de açúcar, e sentiu que talvez a chuva o fizesse se sentir um pouco mais vivo.
Ao chegar em casa, cumprimentou o pai que estava vendo TV.
– Veio mais cedo hoje, meu filho? – Hoseok assentiu com a cabeça.
– Ainda bem! Hoje eu estou um pouco cansado.
O pai olhou para o filho, e ele realmente parecia estar cansado. O rosto estava pálido, ele havia emagrecido muito. As mãos até tremiam. O pai balançou a cabeça e antes de Hoseok subir as escadas o pai o chamou.
– Por que você não sai com seus amigos no final de semana? – o pai sugeriu.
Hoseok soltou um riso nasalado.
– Quais amigos? – ele deu de ombros – Se esqueceu que não tenho?
O pai percebeu que magoara o filho sem querer.
– Eu tenho colegas no trabalho, pai, não amigos! E eles são todos mais velhos e casados. Posso subir? Quero um banho!
– Claro, meu filho! – o pai assentiu com a cabeça.
Jogou a bolsa em cima da cama, sentou-se na mesma e tirou os sapatos e as meias. Ele realmente estava cansado. Pensou que talvez tivesse sido muito grosso com o pai. Eram só os dois e Hoseok fazia de tudo pelo pai. A mãe o abandonou muito pequeno e ele não tem nenhuma lembrança dela.
Hoseok nunca teve muitos amigos na escola, os garotos e as garotas zombavam dele, especialmente pelo fato de a mãe o ter abandonado. Isso fez com que ele crescesse tímido, inseguro e extremamente fechado. Ele tinha medo de deixar alguém se aproximar e ser só uma brincadeira de mal gosto, tinha medo que pudessem voltar a feri-lo como fizeram durante sua infância e adolescência.
Ele teve um amigo na faculdade, Park Jimin era o nome dele. Mas já fazia anos que não se viam, e Hoseok não sabia mais nada dele. Quando Hoseok era criança, seu pai costuma chamá-lo de J–Hope, porque o filho era a única esperança que ele tinha. Mas ninguém sabia disso, ele gostava do apelido, mas tinha medo que o pai o chamasse assim na frente dos colegas de escola e a zoação aumentasse.
Ele balançou a cabeça afastando os pensamentos daquela época que vez ou outra ainda o assombravam. E entrou no banheiro terminando de se despir lá mesmo. A água quente tocou seu corpo e ele finalmente relaxou o corpo.
***
– Dona Yuna? – a enfermeira chamou – Seu filho está aqui!
Yuna virou o rosto na direção do rapaz, que tinha as mãos no bolso e encarava a mãe com um sorriso que escondia seus olhos.
– Que rapaz mais bonito! Quem é?
O sorriso de Kim Namjoon se desfez na hora e a enfermeira olhou com pesar para o rapaz.
– Sou eu, mãe! – ele se ajoelhou na frente da mãe e segurou uma de suas mãos.
– Ei, não me toque! Eu nem sei quem você é! – ela retirou bruscamente a mão dela da de Namjoon – Saia daqui! Eu não sei quem é você! Meu filho morreu no parto!
Namjoon sentiu os olhos marejarem e abaixou a cabeça, ainda ajoelhado em frente a mãe. Yuna sofria de esquizofrenia, assim que o irmão de Namjoon morreu no parto, ela não suportou e acabou desenvolvendo a doença. Na cabeça de Yuna, Namjoon não existia, ela não tinha nenhuma lembrança dele, apenas do irmão morto. Mesmo assim, Namjoon ia todos os dias ver a mãe. Alguns dias ele entrava e tentava uma aproximação com a mãe, mas eram todos em vão como esse de hoje. Outros dias ele apenas ficava a observando de longe.
Ele amava a mãe, e tinha esperanças de que algum dia ele se lembrasse dele e o amasse de volta.