Quadragésimo Segundo Capítulo • Let’s Hurt Tonight
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Jin se juntou aos pais e a irmã na mesa de jantar que ainda não havia sido servido, ele ecoou um
“boa noite”, baixo mas o suficiente para que todos ouvissem. A mãe autorizou que o jantar fosse então posto à mesa e eles começaram a se servir. Jin estava frustrado, a obra em seu apartamento atrasaria mais dez dias. Ele estava louco para voltar para casa. Tudo estava tão caótico em sua mente que ele só queria a paz de morar sozinho de volta.
- Encontrei com o William quando estava chegando! - o pai comentou -
- Mesmo? E como eles estão? - a mãe de Jin questionou curiosa -
- Eles estão melhorando! A filha chegou de viagem recentemente, então eles estão felizes com a volta dela! Bom, a vida voltando a seguir né?
- Que bom! Fico muito feliz! Eles sofreram tanto! Preciso ir lá qualquer dia desses!
- Não precisa, porque eu chamei eles para jantarem aqui amanhã! Preciso que você converse com a Magda para fazer um cardápio especial para o jantar de amanhã!
- Ai que coisa boa! Tá certo então! Eles tem uma filha, você ouviu Jin? Seja gentil, por favor!
Jin arregalou os olhos, não entendendo o pedido da mãe. Ele não era grosseiro com ninguém, bom, a não ser que a pessoa merecesse, é claro!
- E a senhora tá falando isso para mim porque? - ergueu uma sobrancelha -
- Ah! Eu sei quem ela é! A filha deles! Ela é legal! - Eun disse enquanto tomava um gole do suco -
- Então se você conhece ela e acha ela legal, ela provavelmente tem sua idade! - Jin deu de ombros - Então nem vou precisar interagir muito com ela!
- Eu não falei que a conheço ou que sou amiga dela! Disse só que eu sei quem ela é por já ter visto ela aqui e eu a sigo no
instagram, só isso!
- Ela tem quase a sua idade Jin! E ela é muito bonita inclusive! Você pode gostar dela…
Jin levou o garfo à boca com um pedaço da carne, porque diabos o assunto havia virado de rumo daquele jeito?
- Ele pode até gostar dela, mas ela é muito legal para ele! - Eun virou o rosto na direção do irmão - Nem nos seus sonhos mais selvagens você consegue uma garota daquela,
loser!
Jin arregalou os olhos e então chutou a canela da irmã por debaixo da mesa, levemente ofendido, o que ela protestou lhe dando um tapa nas costas. A mãe mandou que eles parassem com aquela briga boba.
Quando se deitou para dormir, fechou os olhos e pediu ao Universo - como fazia todas as noites - que não sonhasse com %Vivian%. O que foi inútil, sonhou com a garota a noite toda.
*************
A mãe bateu na porta do quarto do filho e então a abriu. Jin havia acabado de vestir uma calça jeans creme e os cabelos e peito ainda estavam molhados.
- Você vai jantar conosco não é? - a voz suave da mãe perguntou -
- Vou! É hoje o jantar com os amigos de vocês, não é? Lembro do pai comentar que era hoje… Você pediu que eu participasse, então eu vou ficar!
Eui sorriu e então fechou a porta do quarto do filho dizendo que esperava ele lá na sala. Jin então secou os cabelos com a toalha e então vestiu a blusa de mangas longas azul. Ajeitou os cabelos pretos e então foi para a sala. O pai, vestido elegantemente com uma blusa parecida com a de Jin, só que preta e de gola alta, ofereceu um copo de licor ao filho, que gentilmente recusou, se sentando no sofá.
- Esses amigos de vocês moram aqui no condomínio é? - Jin questionou cruzando as pernas -
- Sim! Moram três casas para frente da nossa! Lembra que eu comentei com você que eles tinham perdido um filho da sua idade? São eles. - Jin ergueu as sobrancelhas e então assentiu -
A campainha da casa tocou e então eles se levantaram, se preparando para receber os vizinhos. Jin abaixou a cabeça para ajustar o cinto e então ouviu os pais cumprimentarem os amigos.
- Oi querida! É %Vivian% não é? - ele ouviu a voz da mãe ecoar pela sala -
%Vivian%? Jin sentiu a cabeça rodar e então ergueu a mesma dando de cara com a mãe segurando as mãos de %Vivian% que ainda não tinha olhado na direção dele.
Era ela! Outra vez, era ela! Ali, diante dos olhos e do coração quebrado dele. Jin se lembrou dela, desesperada no estacionamento do bar onde se reencontraram, gritando para ele que o tal cara da foto não era seu ex namorado e sim seu irmão, que havia morrido…
Ela havia falado a verdade! Pelo menos quanto
àquilo…
Assim que a mãe de Jin soltou as mãos de %Vivian%, ela olhou na direção dele. Os olhos dela se arregalaram fortemente quando os olhos dos dois se encontraram, e ele pôde jurar que eles marejaram. Jin sentiu como se alguém apertasse seu coração com a mão e então voltou a abaixar a cabeça enquanto as mães e pais de ambos ainda se cumprimentavam.
%Vivian% desejou que um buraco se abrisse ali naquela sala e a engolisse. Não esperava rever Seokjin, não tão cedo assim! E, por Deus, eles eram basicamente vizinhos! %Vivian% passou a língua pelos lábios quando a mãe dele voltou a segurar uma das mãos dela.
- Seokjin, Eun! - Eui chamou a atenção dos filhos - Venham cumprimentar as visitas!
Eun foi em direção à %Vivian% e estendeu a mão na direção da mesma que segurou a mão delicada da mais baixa.
- Prazer %Vivian%! Eu assisto todas as suas lives! Te acho demais! - %Vivian% sorriu, sem graça -
Jin, ainda de cabeça baixa, balançou a mesma em negativa. Até a irmã?
- Muito obrigada! Me sinto lisonjeada!
Depois a irmã de Jin cumprimentou o pai e mãe de %Vivian% com outro aperto de mãos. Jin enfim levantou o olhar e a cabeça, engolindo seco, engolindo o choro. Balançou a cabeça positivamente, e sorriu.
Um sorriso falso. Cumprimentou William e Eliana, os pais de %Vivian%, e então ele parou na frente de %Vivian%, e estendeu a mão para ela.
De novo não! Ele pensou… - Muito prazer,
%Vivian%! Sou o Seokjin! - o pomo de Adão dele se moveu com ele engolindo seco outra vez -
%Vivian%, nervosa com toda aquela situação se repetindo outra vez, umedeceu os lábios pintados de vermelho com a língua, e Jin acompanhou o trajeto que a língua dela fez.
- Prazer Seokjin! - ela segurou a mão dele, sentindo todos os músculos travarem -
Que saudade do toque dele! A mão dele soltou a dela rapidamente e %Vivian% desviou o olhar do dele.
Já sentados na mesa de jantar, com Jin bem em frente à ela, os pais começaram uma conversa animada. Até que Si-Woo pai de Jin questionou William como estavam indo os negócios da família, já que ele era dono de uma empresa alimentícia. Claro que Jin não sabia, já que %Vivian% havia dito que o pai era um simples assistente administrativo. %Vivian% nunca gostou muito de dizer o que o pai verdadeiramente fazia, porque bom, tinha medo de parecer metida ou exibida demais. Não se importava com essa coisa de ser rica ou com o status que isso trazia.
Ela sentiu o olhar de Seokjin a penetrar quando o pai comentou sobre a empresa. Droga! Ela queria sumir dali! Doía demais os olhares de julgamento de Jin sobre ela.
- E o Mario, ele ia trabalhar comigo! Estava terminando a pós graduação para assumir a diretoria junto comigo! Mas infelizmente não deu tempo.
Os pais de Seokjin disseram que lamentavam muito a perda do rapaz, e %Vivian% sentiu vontade de chorar.
- E a %Vivian%, faz o que? - a mãe de Jin perguntou -
%Vivian% terminava de mastigar então o pai respondeu por ela.
- %Vivian% é programadora de jogos! Esses jogos online que a juventude toda gosta ai! E aí ela inventou também de fazer essas tais
lives, pra jogar com o povo e testar os jogos que ela faz também! Tá feliz né filha? Com a profissão?
%Vivian% apenas assentiu que sim com a cabeça, sorrindo sem mostrar os dentes. Tinha medo da voz sair falhada.
- Mas dá dinheiro? - Si-Woo perguntou e depois gargalhou -
Seokjin balançou a cabeça, incrédulo com a pergunta do pai.
- Céus! Pai! Que pergunta indelicada! - Jin levou a taça até a boca -
- Falo isso porque o Seokjin é artista plástico, sabe? - Si-Woo colocou a mão sobre um dos ombros de William enquanto balançava a cabeça desgostoso - Pinta uns quadros aí! Faz até exposição, mas não entendo muito bem disso! Não sei como ele sobrevive! Até tentei fazer ele tomar um rumo na vida, e ter uma profissão de gente! Mas não deu certo! Falhei! Pelo menos a Eun quer ser algo na vida! Sonha em ser advogada!
Seokjin tinha os olhos fechados e segurava os talheres com força, as mãos tremiam levemente. %Vivian% sabia o quanto aquilo o machucava, e quando ele abriu os olhos, %Vivian% percebeu a tristeza no olhar dele. Sentiu vontade de abraçá-lo, com força e lhe acariciar os cabelos e dizer á ele que o pai dele era um babaca, mas que ela estava ali e que ele era um artista incrível!
O restante do jantar seguiu com os pais interagindo bastante enquanto eles, os filhos somente comeram. Assim que %Vivian% acabou de beber o líquido de sua taça depositando-a sobre a mesa outra vez, sentiu vontade de ir ao banheiro. A garganta dela tinha um nó. Aquele clima todo doía muito mais do que ela podia imaginar.
- Onde fica o banheiro? Eu posso usar? - ela raspou a garganta para trazer a voz de volta -
Eun então se prontificou a levá-la, mas Jin impediu a irmã segurando-a pelo braço.
- Pode deixar que eu levo ela Eun! Você ainda tá comendo!
O olhar dele não desviava dos olhos dela, que procuravam qualquer canto para olhar que não fossem as pedras pretas de Jin.
Seokjin se levantou, %Vivian% fez o mesmo logo em seguida, sentindo as pernas vacilarem. Jin saiu na frente se certificando que %Vivian% estava logo atrás, com a cabeça baixa. Porque ela não tinha coragem de encará-lo?
%Vivian% adentrou o banheiro e Jin se escorou na parede em frente ao cômodo. A esperaria, ainda tinha muitas coisas entaladas em sua garganta que precisava por para fora. E bom, ele o faria assim que ela saísse do banheiro. %Vivian% lavou as mãos e aproveitou para passar uma aǵua sobre a nuca. Encarou o próprio reflexo no espelho, e sentiu-se estúpida. Porque o destino estava fazendo aquilo com ela? Que castigo era aquele? Abriu a porta do banheiro e deu de cara com Jin escorado na parede com os braços cruzados abaixo do peito. O coração dela quase saltou pela garganta. Ele então ergueu a mão na direção dela, segurando um de seus braços com certa força e então ela foi levada por ele para um quarto, o coração dela agora batia tão rápido que ela achou que daria um enfarte. O que ele estava fazendo?
Assim que adentrou o quarto, e a luz foi acesa, %Vivian% passou os olhos pelo local. A decoração era masculina, com o tema de praia…as paredes eram pintadas em um azul claro e havia vários quadros na parede, uma mesa com um computador, o local era pequeno. Logo ao lado da mesa com o computador havia uma estante com diversos livros e pequenas decorações. Devia ser o quarto dele, ela pensou.
Assim que %Vivian% virou o corpo, lá estava ele parado na porta, fechada do quarto, olhando fixamente para ela. Os dois em silêncio. %Vivian% começa:
- Se você vai brigar comigo de novo, só peço que você fale baixo para não preocupar nossos pais, e eu também peço desculpas por essa situação! Eu não fazia idéia que éramos vizinhos e que nossos pais eram amigos se não eu… - ele a interrompe -
- Eu sinto sua falta! E quando eu digo isso, eu sinto mais ainda a sua falta. Olhando você, agora, eu sinto sua falta! O tempo é tão cruel!
Eu odeio o nós! Agora até olhar um para o outro se tornou difícil!
%Vivian% sentiu os olhos se encherem pesadamente de água. Ele ainda não havia se acalmado. %Vivian% resolveu que deixaria ele falar, ele precisava limpar tudo aquilo de dentro dele, e aí então quem sabe ele poderia em algum momento ouvi-la de verdade!
- Você mudou? Ou eu mudei? Eu odeio até este momento que está passando aqui, agora! Na verdade, acho que mudamos, e acho que é assim que as coisas são! - ele suspirou pesadamente - É, eu te odeio!
%Vivian% fechou os olhos com a força das palavras dele. Não queria chorar, mas ele estava dificultando as coisas sendo tão agressivo daquele jeito outra vez.
- E mesmo assim, não houve um dia em que eu tenha te esquecido. Honestamente? É, eu sinto sua falta. Mas agora eu vou apagar você! Porque isso vai doer menos do que carregar todo esse ressentimento! Sabe %Vivian%? - ele deu dois passos e %Vivian% sentiu os músculos travarem - Sempre achei que amores de verão só aconteciam em filmes. Todo aquele lance de encontrar sua cara metade na viagem, dar o primeiro beijo nessa pessoa no ano novo, passar o resto dos dias juntinho com ela e tudo isso ter sido a melhor parte da viagem...
Mas aí eu encontrei você! %Vivian% sentiu o peito doer e então fechou os olhos, limpando uma lágrima logo em seguida.
- Acho que naquele verão eu te amei mais do que já amei qualquer outra pessoa na minha vida. - foi a vez dele limpar as lágrimas - Eu te levei comigo numa bagagem que ninguém podia roubar, que aeroporto nenhum podia extraviar, que mundo nenhum me tomaria: minha lembrança mais humana e completa de você!
%Vivian% engoliu seco, e respirou bem fundo. Queria muito abraçá-lo. Ainda de olhos fechados ela pode ouvi-lo se aproximar mais dela, que acabou dando alguns passos para trás, instintivamente.
- Eu confiei em você, confiei cegamente e você mentiu olhando nos meus olhos. Eu fui benevolente e não quis deixar as decepções do passado tomarem conta de mim. Então eu confiei, confiei como se nunca tivesse me decepcionado antes, como se nunca tivesse me machucado, e mais uma vez, quebrei a cara. O que mais machuca são as dúvidas que ficam, as perguntas que não param de surgir na minha mente... Será que realmente foi a primeira mentira? E se eu não tivesse descoberto a verdade, quantas vezes mais mentiria pra mim? Isso tortura, me tira a sanidade, me deixa sem rumo. Eu ainda não consigo entender o motivo, e agora, por mais sincera que você seja, eu não vou conseguir acreditar em uma só palavra que sairá da sua boca, não enquanto as últimas palavras que saíram ainda ecoarem na minha mente.
%Vivian% ouviu, calada. Era o melhor naquele momento. O peito dela doía e ela respirava descompassadamente.
- Você não vai falar nada? - %Vivian% abriu os olhos com a voz dele e Jin estava perto demais -
- Não! Vou deixar você falar o que quiser! Vou deixar você tirar essa raiva do seu peito Seokjin! - ela se atreveu a colocar uma das mãos sobre o peito dele - Fala! Fala o que mais você quiser, eu vou ouvir! Vou deixar a sua raiva passar, para aí sim você me ouvir de verdade. A única coisa que eu quero que você saiba agora é que aquele dia, você disse tudo o que queria e foi embora de uma vez, sem olhar pra trás, e eu só queria ter tido a chance de pedir pra você ficar…
- E porque você não pediu? - ele sussurrou sem tirar os olhos dela -
O corpo de %Vivian% se chocou com a estante que havia lá porque Jin a havia encurralado lá. O corpo dos dois colados. Ao sentir um nó na garganta, ele teve de se controlar para não tomá-la nos braços naquele instante, na esperança de poder segurá-la junto de si para sempre. As mãos dele pousaram na cintura dela, o corpo dele voltando a empurrar o dela na estante. Uma das pequenas decorações acabou por cair e %Vivian% se abaixou com o corpo dele ainda colado ao dela, pegando a mesma no ar antes que ela pudesse atingir o chão. Foi nesse momento que Jin viu a pulseira novamente no pulso de %Vivian%. Uma de suas mãos subiu para o lugar, enquanto ele observava a pulseira, agora maior e mais larga ali. Ele se lembra perfeitamente de ter arrebentado ambas, como ela havia recuperado as mesmas?
O olhar dos dois voltou a se encontrar e as testas se encostaram, Jin fechou os olhos e a porta foi aberta por Eun, os dois se afastaram bruscamente.
- Vocês dois sumiram, tá tudo bem? - a irmã de Jin perguntou -
- Tá sim! - Jin raspou a garganta - %Vivian% teve uma queda de pressão, e eu trouxe ela para cá!
- Mas já estou melhor! Vamos voltar né?
Eun passou o olhar por %Vivian% e depois por Jin. Ela assentiu e saiu, deixando a porta aberta.
- Apesar de não gostar eu também sei mentir! Não é só você.
E assim ele saiu do quarto apagando a luz. %Vivian% deixou algumas lágrimas quentes rolarem pela face outra vez.
Assim que ela voltou para sala um pouco depois de Seokjin a mãe a afagou, questionando se estava tudo bem e ela assentiu que sim, havia sido só uma queda de pressão. Depois de comerem a sobremesa, os pais de %Vivian% resolveram voltar para casa e ela agradeceu mentalmente por não ter que ficar mais tempo encarando os olhos raivosos de Jin sobre ela o tempo todo.
Fechou a porta atrás de si e então colocou o pijama. Jin apagou as luzes deixando apenas a do pequeno abajur ligada iluminando o quarto e então se deitou em sua cama. O clima no Rio de Janeiro andava frio nesses últimos dias o que não era muito normal para a cidade então Jin cobriu-se até a cintura. Fechou os olhos e suspirou pesadamente, o corpo todo dele doía. As palavras de %Vivian% ecoavam em sua cabeça e ele sentia o cheiro gostoso dela em suas narinas… Sentia falta dela todos os dias e saber que ela estava ali, há poucos metros de distância dele o torturava. Ele quis beijá-la, sentia saudade do gosto da boca dela. A cabeça e o coração travavam uma guerra! O coração queria ceder e esquecer nem que fosse por segundos tudo o que ela havia feito e então se entregar à ela, e a cabeça dizia para Jin ficar firme e esquecê-la para sempre. É, a noite seria longa!
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