Capítulo 5
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No dia anterior, acabei passando um bom tempo com Jimin e seus irmãos, mas assim que cheguei em casa, acabei dando pela falta de meu celular. Eu sei que, antes de ir, coloquei ele dentro do bolso da minha saia e, provavelmente, ele deve ter caído do bolso enquanto estive sentada na tolha quadriculada durante o piquenique. Sei disso, pois assim que cheguei na loja de vovó hoje, procurei por todos os lugares, mas eu não encontrei.
Disse para Wendy que precisaria ir até à mansão de Jimin pegar meu celular, e minha irmã sugeriu que eu fizesse isso depois que nós duas arrumássemos algumas ervas em seus devidos potes de vidro, assim vovó não suspeitaria de nada.
A manhã foi um pouco mais lenta do que eu gostaria, mas ainda assim foi agradável. Ajeitar as ervas que seriam vendidas era, de certa forma, relaxante. Cada uma delas tinha um aroma único que parecia me acalmar, como uma conexão suave entre o cheiro e o meu corpo. Wendy e eu separamos as folhas moídas em potes com etiquetas, mesmo que não houvesse alguma explicação para que serviam.
Durante a tarde, menos flores e mais ervas foram vendidas. As encomendas para este dia pareciam grandemente numerosas, deixando vovó feliz por tantos clientes. E nós trabalhamos como nunca antes.
Quando cada um dos potes de ervas e buquês de flores em vasos com água já estavam devidamente ajeitados nas prateleiras, estico meus braços para cima, estalando alguns ossos das costas. Suspiro em alívio, retirando meu avental florido. Espio de relance vovó, que foi ajeitar seu jardim, nos fundos, e aproveito do momento para ir falar com Wendy, esta, que tirava o pó das prateleiras do outro lado da loja.
– Preciso ir agora, antes que fique tarde. – Digo, tocando seu ombro de leve.
Wendy para de passar o espanador entre os pequenos potes de vidro e me olha.
– Tudo bem, eu vou terminar aqui e depois vou distrair a vovó. Mas não se esqueça de ser rápida, Elena. Hoje vamos fechar mais cedo, porque a vovó quer nos levar até a capela. – Wendy alerta, em tom baixo, e eu assinto.
– Não vou demorar. – Aceno com a cabeça e me afasto com cuidado, sendo silenciosa para que vovó não escute nada.
Prendo a respiração enquanto ando na ponta dos pés até a porta de entrada, e assim que meus pés tocam o chão de fora da loja, volto a respirar. Espio o interior da loja, vendo Wendy ir até os fundos distrair vovó, e essa era a minha deixa, pois logo depois, corro até a entrada da floresta, passando com pressa pelo caminho que já decorei. Apenas acalmo meus passos quando chego perto da grande macieira, pois sei que aqui já estou um pouco longe, e ninguém me veria.
Como sempre, algumas maçãs e folhas estavam espalhadas pela grama e terra seca, acompanhando a grande sombra da árvore. Procuro o lugar onde ajudei Jimin, e percebo que a marca de sangue que ele deixou já não estava mais ali, decerto, algum dos irmãos deve ter limpado para não assustar quem entrasse na floresta.
Saio dali e entro no caminho fechado de arbustos, sempre seguindo reto. Olho para cima, contemplando o céu ensolarado, mas nem tanto quanto nos outros dias. Os raios de sol brigavam por seu lugar em meio as nuvens que chegavam silenciosamente. Meus olhos ficam como imãs na bela pintura do céu azul de manchas brancas, e por isso, mal percebo quando chego em frente aos portões da mansão onde Jimin morava.
Passo pelos portões abertos, entrando no grande jardim da frente, e não posso deixar de continuar me sentindo surpresa toda vez que vejo a magnitude deste lugar, tudo era impecável. Tudo aqui trazia uma grande sensação de ter sido colocada em outro mundo, dentro de uma história mágica e antiga, em tempos dos quais eu ainda não parecia ter nascido.
– Procurando alguém, Venator? – Uma voz calma e feminina, soa à minha direita, atraindo minha atenção como um entoar do canto de uma sereia.
Pelo canto de olho, vejo uma garota de cabelos em tom púrpura, com camadas claras e algumas mais escuras, um harmonioso degrade de tons. Ela estava sentada sobre a grama bem aparada, com os braços que apoiavam o corpo que se banhava nos raios de sol. Seu pequeno corpo era coberto por um longo vestido preto de alças finas, deixando seus ombros estreitos e clavículas fundas à mostra. Seu rosto era desenhado em traços suaves e delicados, como uma boneca de porcelana com os lábios pintados de vermelho.
De olhos fechados, sua cabeça se vira em minha direção. Ela era silenciosa como uma sombra, eu não fui capaz de perceber sua presença mesmo que estivesse concentrada no céu azul de nuvens brancas.
– Você deve ser a garota que quase matou Jimin. – Seus olhos se abrem lentamente, expondo as duas íris escuras que me observavam com atenção.
Seguro em minhas próprias mãos, desviando o olhar enquanto me sinto sem jeito.
– Como pôde dar uma torta de maçã com Erva-Verde pra ele? Jimin é alérgico a Erva-Verde.
– Erva-Verde? – Volto a encará-la e ela assente.
Posso me lembrar que vovó insistiu que eu colocasse uma pequena pitada de Erva-Verde na torta. Para mim, não fez diferença no gosto, mas para Jimin, aparentemente, foi algo ruim.
– Eu não sabia que ele era alérgico. – Encolho os ombros sobre seu olhar.
Ela sorri.
– Eu sei, não se preocupe. Estava apenas brincando, mas ele realmente é alérgico. Se está procurando por Jimin, ele está lá dentro. – Ela diz e volta a fechar os olhos, aproveitando seu momento ao sol.
Fico parada por alguns segundos, apenas a observando, ainda me sentindo um pouco transtornada com nossa pequena troca de palavras.
– Anda, vá de uma vez. – De olhos fechados, ela faz um gesto com sua mão, me surpreendendo por ainda saber que estou aqui.
Aceno com a cabeça, mesmo que ela não possa me ver, e sigo em frente.
Com o som dos pássaros e do vento, atravesso todo o grande jardim, passando ao lado da fonte, para enfim chegar até a porta de entrada da mansão. Seguro na aldraba de metal e o bato contra a porta, esperando ser atendida, mas ninguém aparece. E em minha terceira e última tentativa, a porta se abre em um ranger, apenas uma pequena fresta, talvez estivesse encostada esse tempo todo.
Receosa sobre entrar ou não, acabo empurrando a porta pesada para dentro, apenas o suficiente para que consiga entrar. Uma vez do lado de dentro, me viro para encostar a porta, e quando volto a me virar para o hall de entrada, encontro o mordomo que vi no jardim na tarde passada, parado a poucos passos de mim.
– Não quis assustá-la, senhorita, esta não foi a minha intenção. – Se me recordo de seu nome, Skull, diz em tom de voz sério, com o rosto impassível.
– Não, tudo bem, eu que acabei entrando sem avisar. É que eu bati na porta de ninguém abriu. – Aponto para trás, tentando me explicar.
– Me perdoe, este é o meu trabalho, dá próxima vez serei mais eficiente. – Ele curva sua cabeça.
– Não precisa se desculpar. Por favor, levante sua cabeça. – Peço, sem jeito em nossa situação.
Skull ergue sua cabeça, assumindo, outra vez, sua postura formal de trabalho.
– Em que posso ajudar a senhorita então? – Seu rosto magro parecia incapaz de expressar qualquer tipo de emoção, ele era como um robô talvez.
– Eu gostaria de falar com o Jimin.
– Suba as escadas da esquerda e entre no corredor pelo mesmo lado. O Senhor Jimin está em seus aposentos. – Skull vira para o lado, liberando minha passagem.
Com um aceno de cabeça, agradeço a ajuda e passo por ele, sentindo o peso de seus olhos sobre minhas costas.
Caminho pelo hall de entrada, até que eu esteja no grande espaço vazio com uma porta ao fundo, duas entradas e duas escadas, uma em cada canto. Olho sobre os ombros, encontrando o hall totalmente vazio. Skull era rápido.
E assim como me foi dito, vou em direção às escadas da esquerda, onde cada degrau era coberto por um tapete vermelho. O corrimão e os balaústres da escada eram pintados em dourado como o reluzir do ouro.
Apoio minha mão sobre o corrimão liso e começo a subir pelos degraus da escada, até que eu alcançasse o topo, onde, ao meu lado esquerdo, havia um corredor, e ao meu lado direito, atravessando um pequeno espaço reto, havia outro corredor, este, que se alcançava através da escada da direita.
Continuo seguindo as instruções de Skull, e entro no corredor da esquerda. Estava um pouco escuro, mas eu conseguia enxergar cinco portas distribuídas pelo corredor, e me pergunto em qual delas Jimin deve estar. E sem uma ajuda, resolvo abrir cada uma das portas, já me desculpando mentalmente pela intromissão.
Paro em frente à primeira porta, ela era de tom vinho-escuro, assim como todas as outras portas. Dou três batidas na porta e ninguém abre, então verifico se a porta estava aberta. Depois de empurrar a maçaneta dourada para baixo, a porta se abre, revelando um ambiente coberto pelo rosa; uma enorme cama ao centro, com um belo dorsal rosa; móveis que pareciam antigos, mas que combinavam perfeitamente com cada arranjo do quarto.
Parada na entrada, volto para trás e fecho a porta, seguindo para a próxima, a que estava ao lado. Outra vez, seguro na maçaneta dourada e a empurro para baixo, relevando, agora, um quarto completamente coberto por brinquedos, com bonecas e carros espalhados por todos os cantos. O tom de bordô estava presente em quase tudo, deixando o quarto um pouco escuro e sombrio por dentro.
Este deveria ser o quarto de Hyun, por isso, é melhor que eu saia logo.
Sem fazer barulho, fecho a porta do segundo quarto, indo para o terceiro, a última porta deste lado do corredor. E se caso este também não fosse o quarto de Jimin, eu apenas me viraria e verificaria as outras duas portas que estavam na parede contrária.
Para minha sorte, a terceira porta já estava entreaberta, então apenas dou algumas batidas de leve, esperando que Jimin aparecesse. Talvez os segundos me consumissem aqui, parada em frente a esta porta que emanava a escuridão do quarto, mas Jimin não me recebeu.
Respiro fundo e, com cuidado, empurro a porta para dentro, revelando o ambiente escuro, onde todas as cortinas estavam fechadas, não me deixando observar com atenção o que havia dentro deste quarto.
A apenas alguns passos para dentro do quarto, me assusto quando sinto meu pulso esquerdo ser agarrado com força e meu corpo ser jogado contra a parede de forma rude e dolorida. Meus olhos se arregalam e minha respiração se torna irregular quando encaro o par de olhos escuros que me fitavam com tanta agressividade.
Meu pulso direito também é agarrado com força, me impossibilitando de sair da pequena prisão que eu entrei.
– Nunca te disseram que não se deve entrar no quarto de alguém sem ser convidada? – A voz grave e grossa como um trovão, sai dos lábios avermelhados do garoto parado à minha frente, o que me fez encolher contra a parede.
– M-Me desculpe, eu só estava procurando o Jimin. – Com as batidas do coração, descompensadas, tento me explicar, na esperança de sair dessa situação.
Meus pulsos são apertados com mais força, até que ardam. Olho para baixo e vejo suas unhas pintadas em preto, fazerem pequenos cortes contra minha pele.
– Esse não é o quarto do Jimin. – O garoto diz entre os dentes, fazendo seu cabelo acinzentado e extremamente liso, balançar perto dos olhos, acompanhando o longo brinco pendurado em sua orelha direita.
Grunho de dor e fecho os olhos por reflexo.
– Você deve ser a humana. – Abro os olhos outra vez, quando escuto sua voz tão perto.
– O quê? – Com a voz falha, pergunto para o garoto, não entendendo o que ele queria.
Seus olhos se estreitam e ele aproxima seu rosto da curva do meu pescoço. Sinto seu nariz tocar minha pele e prendo a respiração, querendo chorar por ser como um coelho indefeso.
O garoto de cabelos quase brancos, afasta seu rosto do meu pescoço, tornando sua expressão ainda mais rígida.
– Não... esse cheiro. – Ele força suas unhas contra os meus pulsos, outra vez.
Me coloco na ponta dos pés, contorcendo meu corpo contra a parede, enquanto os meus olhos ardem.
– O que você está fazendo, Taehyung?! – A voz de Jimin surge junto com o barulho da porta sendo aberta.
Com um olhar sério, que nunca vi antes, Jimin afasta o garoto de perto de mim, em seguida, me puxando para os seus braços.
– Qual o seu problema? Você não consegue ser gentil com ninguém nem por um segundo? – Com a voz alta, Jimin quase grita.
O garoto nos encara com desdém, fazendo um rápido barulho com os lábios.
– Saiam do meu quarto. – Essa é sua resposta rude, antes que ele caminhe até onde estávamos, nos empurrando para fora e fechando a porta em nossas caras com um baque alto.
Jimin suspira.
– Me desculpe por isso, o meu irmão é um pouco... – Jimin começa a dizer, mas não encontra as palavras para terminar.
Ele suspira outra vez.
– O que veio fazer aqui? – Com os olhos amáveis de sempre, ele pergunta.
– Acho que esqueci o meu celular. – Respondo em tom baixo, quase inaudível, enquanto seguro um de meus pulsos, tentando conter a ardência e pulsação.
Os olhos de Jimin acompanham os meus movimentos, e ele não demora ao notar os pequenos cortes em minha pele. Seu olhar amável se torna culpado, e uma expressão melancólica preenche seu rosto.
– Por favor, venha comigo. – Ele pede, indo até à porta do outro lado, que ficava de frente para o quarto que nunca mais quero entrar outra vez.
Jimin abre a porta e espera, com paciência, até que eu entre.
Tons de branco e amarelo saltam meus olhos, tudo muito calmo e sutil, e até poderia trazer um pouco de aconchego.
Parado na entrada do quarto, Jimin pede que sente na grande cama de lençóis claros e o espere. Depois disso, ele volta para o corredor, sumindo. Ele não demora muito, mas é tempo o bastante para que eu aprecie a calmaria neste ambiente.
As longas cortinas brancas balançavam pela fresta aberta da janela, deixando o sol e o vento entrarem. Me sinto tão pequena dentro de um lugar grande como esse; na verdade, me sinto no lugar errado, realmente como se eu estivesse dentro de um livro encantado.
Outra vez, de volta, Jimin encosta na porta e caminha em minha direção com uma caixa quadrada e branca em mãos. Ele se agacha aos meus pés, ficando na altura de meu rosto, e com um semblante sério, ele pega, gentilmente, o meu pulso direito, abrindo a caixa branca e retirando algumas ataduras. Ele enrola sobre os pequenos cortes, o pano fino, que não incomoda, e aos poucos, ganha uma coloração vermelha. Depois, seguindo seus passos anteriores, ele faz o mesmo em meu pulso esquerdo.
– Cuide direito destes machucados. – Jimin pede, enquanto encara as ataduras. – Elena, me desculpe. Você deve estar assustada agora. – Sua voz se torna melancólica, assim como sua expressão de antes.
– Não é culpa sua. Eu já estou melhor. – Forço um sorriso fechado.
– Sua mentira apenas me deixa pior. – Jimin suspira. – Taehyung se tornou um garoto malcriado depois que nossa mãe morreu. Pode não parecer, mas nós somos como melhores amigos, e por isso farei ele se desculpar com você depois. – A expressão de Jimin se torna determinada, e isso me dá vontade de rir por um momento, de certa forma, era um pouco fofo, assim como sua aura.
– Não se preocupe com isso. – Falo sincera.
Não quero ver Taehyung outra vez.
Jimin se levanta, deixando a caixa branca no chão. Ele caminha até um grande guarda-roupas de madeira e abre uma das portas, vasculhando por algo dentro dele, e quando encontra, Jimin se vira em minha direção, mostrando o aparelho em sua mão.
– Você realmente esqueceu aqui, então eu guardei. – Jimin me estende o celular. – Sua mãe ligou muitas vezes, estava quase atendendo para saber se alguma coisa tinha acontecido.
Sorrio, ao encarar o visor do aparelho, vendo sete chamadas perdidas, antes de guardá-lo em meu bolso com segurança.
– Ela é assim mesmo, exagerada. – Suspiro, e me levanto da cama. – Obrigada, Jimin, mas agora eu preciso ir, vou sair mais tarde com a minha avó e minha irmã.
Ele acena e depois me acompanha pela mansão. Jimin até se oferece para me levar até a entrada da floresta, mas acabo recusando sua ajuda e ele parece um pouco triste com isso, talvez se sinta culpado outra vez. No final, ele aceita minha decisão e me deixa na porta de entrada; com breves acenos de mãos, nos despedimos.
Passo pelo jardim, não encontrando mais a garota de cabelo púrpura. Depois, entro no caminho de arbustos e refaço o caminho da floresta, me sentindo completamente esgotada com o meu repentino encontro com Taehyung. Era como se todas as forças do meu corpo fossem arrastadas para fora, enquanto um sentimento angustiante me corroía por dentro, não era algo que eu gostaria de sentir outra vez.
***
Volto para a loja de vovó, e Wendy quase estraga tudo ao gritar por minhas ataduras, tive que dizer a vovó que machuquei os pulsos enquanto tentava cortar alguns espinhos de uma roseira que encontrei aqui por perto. E com uma conversa e explicações duvidosas de minha parte, nós três voltamos para casa. Assim que chegamos, vovó preparou uma pequena pasta de água e Erva-Laranja. Ela espalhou a pasta por todos os cortes em meus pulsos, enrolando novas ataduras por cima, vovó disse que essa erva fará com que meus machucados cicatrizem com mais rapidez.
Quando meus machucados já estão devidamente cuidados, vovó pede para que Wendy e eu nos arrumássemos para visitar a capela de Upiór. Nós duas nunca fomos do tipo religiosas, então levamos algum tempo até que encontrássemos roupas que julgássemos adequadas para esta ocasião.
E com tudo finalmente pronto, nós três seguimos até uma pequena capela de concreto branco, que ficava a pouco menos de dez minutos da casa da vovó. Havia algum movimento na capela, pessoas entravam e saíam, com o grande céu estrelado cobrindo todas as pequenas cabeças curvadas em educação. Upiór estava clara com suas lamparinas, e a lua mostrava o caminho que deveríamos seguir.
O silêncio do lado de dentro da capela indicava o respeito, enquanto muitos estavam sentados nos extensos bancos de madeiras, divididos em duas fileiras, onde, ao meio, era o corredor livre que nos levaria até o altar elevado, perto dos vitrais coloridos.
Vovó nos guiou até a primeira fileira do lado esquerdo, onde encontramos Sebastian sentado no banco, parecendo nos esperar. Ele nos cumprimenta com um breve aceno de cabeça, e vovó pergunta se ele pode nos fazer companhia, enquanto ela iria até o confessionário. Sebastian aceita de bom grado, e vovó diz que não demorará, se levantando logo em seguida e indo até o pequeno armário de madeira, onde ela entra em uma das portas.
Sentada entre Wendy e Sebastian, encaro o altar com velas e uma grande cruz, me sentindo completamente deslocada dentro desta capela, eu nem ao menos sei o que deveria fazer.
– Tudo bem se vocês fingirem que estão rezando. – Sebastian sussurra ao meu lado, e eu o encaro com surpresa. Ele solta uma risada baixa, e logo percebo que ele entendeu minha grande confusão neste lugar.
– Desculpe, não estamos muito acostumadas com isso. – Confesso e encolho os ombros, levando minha mão direita até o pulso esquerdo, onde, através da blusa de mangas longas que uso, posso sentir uma das ataduras.
– Tudo bem, isso é normal. – Sua barba branca, acompanha seu sorriso.
Espio rapidamente minha irmã, que parecia absorta em qualquer detalhe da igreja, talvez alguém tão perdida quanto eu.
– Já faz um tempo desde a última vez que estiveram aqui. – Sebastian inicia uma conversa em tom baixo, e volto a prestar atenção no senhor de roupas simples e cabelos brancos. – Me lembro de sempre ver vocês passeando com Eddie, quando eram menores.
Sorrio fechado, ao ter memórias de meu avô.
– Não sei ao certo por que ficamos tanto tempo sem voltar, mas vovó sempre parecia ocupada. – Comprimo os lábios em uma linha fina, suspirando. – Eu ouvi que Upiór passou por um período ruim, onde acabaram brigando por território, talvez seja por isso que não pudemos voltar antes.
Os olhos de Sebastian se arregalam minimamente.
– A pessoa que lhe disse isso não está muito atualizada. – O homem de cabelos brancos, diz entre um riso baixo.
Franzo meu cenho.
– A briga por territórios já tem quase cem anos.
– O quê?! – Pergunto, confusa e espantada.
– Sim, isso começou a há quase cem anos, Elena.
Mesmo que a capela estivesse em silêncio, eu não podia escutar nada agora, as coisas não pareciam ter sentido. Namjoon contou sobre a morte de seu pai, e Jimin disse que era um adolescente quando isso aconteceu, será que ele se enganou ou eu que entendi as coisas de forma errada? E, se a briga por território não é o motivo de vovó não ter nos deixado voltar para Upiór, o que poderia ser? Quando nosso avô morreu, Wendy e eu fomos proibidas de voltar para Upiór, e depois disso, nunca mais falamos sobre esse assunto.
As coisas estão estranhas e eu nem posso encontrar um motivo. Não entendo e não sei por onde procurar algumas respostas. Sinto que depois de minha conversa com Sebastian, não posso prestar atenção em mais nada, tudo parece distante, enquanto em meus pensamentos, eu tento encontrar uma resposta para todo esse mal-entendido.
Depois que vovó saiu do confessório, ela conversou um pouco com Sebastian, antes que voltássemos para casa. E em todo o caminho de volta, eu sentia minha cabeça martelar em confusão, eu olhava para vovó em busca de uma explicação, e seu doce sorriso parecia me dizer um segredo, algo que estava sendo escondido de mim.
Wendy se tornou como a brisa, apenas seguindo seu caminho, ela não pare ter percebido as mesmas coisas que eu, então, apenas se manteve feliz em respirar o ar gelado do lado de fora.
Assim que meus pés tocaram o chão de madeira da casa de vovó, logo inventei uma desculpa, dizendo que estava cansada e que iria dormir. Deixei Wendy na cozinha com vovó, onde as duas se aprontavam para o jantar. Corri todos os degraus de madeira que rangiam, e fui em direção ao meu quarto, querendo algum tempo comigo mesma, apenas para pensar, pensar e pensar mais um pouco sobre tudo isso.
Quando girei a maçaneta e atravessei a porta, o cheiro doce e vibrante que estava espalhado pelo quarto, atinge cada ponto dos meus sentidos. Olho em volta, encontrando através da luz da janela, o brilho intenso da lua refletido sobre o pequeno vaso de vidro, que abrigava as quatro flores em preto-avermelhado que Wendy colheu. Eu nem pude me lembrar delas, apenas foram deixadas sobre a cômoda marrom e ali ficaram por alguns dias. Todas as suas pétalas estavam como novas, exalando esse inebriante perfume pelo quarto, era algo tão doce que aguçava os meus pensamentos, me fervilhando em lógicas irracionais, me arrastando até uma saída, uma explicação para o que realmente aconteceu há cem anos atrás.
