Capítulo 38
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– Isso vai ser tão divertido. – Lilu fala animada, enquanto destranca a porta da direita, a que ficava ao lado da porta da biblioteca.
Ontem passei o dia inteiro com Sally, e aprendi coisas que não consigo acreditar até agora. Eram tantos segredos escondidos dentro das paredes da capela, que agora sei que nunca mais vou conseguir olhar para uma igreja do mesmo jeito.
Desde os primórdios, a humanidade esconde tantos segredos aterrorizantes, que quase consigo entender o porquê de esconderem todos.
– Tadã! – Lilu empurra a porta para dentro, e faz um gesto similar à de um mágico quando concretiza um truque. – Espera, vou ligar a luz. – Ela corre para dentro da sala e tudo rapidamente se ilumina.
Estávamos no que parecia ser um refeitório, mas as mesas estavam, propositalmente, afastadas do centro e colocadas nos cantos, deixando o meio da sala vazio.
– Vem ver. – Lilu empurra a porta de qualquer jeito, e segura na minha mão, me obrigando a correr com ela até uma das mesas.
Facas, estacadas, rifles e outras armas que não faço a menor ideia do que são, estávamos todas espalhadas pelas superfícies das mesas.
– Legal, né? Eu pedi que eles preparassem tudo. – Lilu diz, com as mãos na cintura, admirando todos os objetos. – Pego só esse aqui. – A garota de cabelos curtos e loiros, joga um rifle para cima de mim. – Precisa se acostumar.
Paraliso com o objeto em meus braços, não sabendo nem a maneira correta de segurá-lo.
– Você está carregando uma criança, por acaso? – Lilu ri, enquanto pega uma das armas sobre a mesa.
Tento mudar o rifle de posição, mas tenho certeza que ainda parece ridículo nos meus braços.
– Olha só essa maravilha aqui. É um fuzil de balas de prata. É meio antigo, na verdade, muito, mas ainda pode fazer um baita de um buraco na sua cabeça. – Lilu encosta o cano da arma contra a própria cabeça, e depois aponta ela na minha direção.
– O que você está fazendo? – Meu corpo inteiro fica tenso quando Lilu ajeita a arma em frente ao rosto, fechando um dos olhos, parecendo preparada para me acertar.
As batidas do meu coração, martelam nos meus ouvidos.
– Na mira. – Sua voz se torna baixa, e seu dedo vai para perto do gatilho.
Completamente amedrontada, fecho os meus olhos e levanto as mãos - com o rifle - em frente ao rosto, tentando me defender, enquanto grito.
– Pow! – Ela também grita, e depois ri. – Está sem munição. Eles tiraram todas.
Ainda com as batidas martelando nos ouvidos, abro os olhos, vendo Lilu colocar a arma na mesa.
Expiro alto, tentando me acalmar.
– Acho melhor começarmos com uma coisa mais simples ou você vai desmaiar. – Ainda rindo, Lilu pega o rifle de minhas mão, e também coloca na mesa.
Em seguida, ela retira seus sapatos e caminha para o meio do refeitório.
– Agora, quero que você tente me acertar. – Ela diz alto.
– O quê? – Franzo o rosto, a encarando com confusão.
– Eu quero que você me acerte. – Ela diz de forma pausada, com as mãos perto da boca para soar mais alto. – Preciso saber como você é em combate.
Encaro meus dois lados, procurando por uma saída, mas não havia, era apenas eu e a insanidade de Lilu, e sei que ela não vai me deixar sair daqui antes de fazer isso.
Expiro alto pela segunda vez, e caminho receosamente para perto dela.
– Vamos lá, sem medo. Me bata com toda sua força agora.
Encaro aquela garota que era menor que eu, e mais magra também, sabendo que mesmo assim, isso não daria certo.
Procurando por um pingo de coragem, corro para cima de Lilu, tentando atingi-la de qualquer jeito, mas um poderoso chute me golpeia no estômago, me jogando para trás e me impedindo sequer de chegar perto dela.
Respiro com dificuldade quando o ar me falta, e coloco os dois braços contra a barriga, tentando amenizar a dor.
– V-Você é louca? – Pergunto com dificuldade.
– Isso aqui é pra valer. Você não é uma Van Helsing? – Suas sobrancelhas, também, pintadas de loiros, se arqueiam em uma expressão provocativa.
Algo dentro de mim me deixa completamente incomodada com sua atitude e, por isso, me forço a levantar do chão, querendo tentar acertá-la de novo.
Mais uma vez corre em sua direção e, tão rápida quanto os irmãos eram, Lilu gira seu corpo à medida que sua perna se ergue, atingindo o meu rosto com um chute.
De volta ao chão, sinto o sangue encher minha boca, enquanto gemo de dor com os olhos fechados.
– Você é muito previsível, Elena. Não se pode simplesmente atacar alguém, é preciso observar com atenção o corpo e os movimentos que o seu oponente está prestes a fazer. – Sua mão toca as minhas costas, mas uma onda de raiva me faz empurrar seu braço para longe.
Cuspo um pequeno bolo de sangue no chão, e me levanto, indo em direção às mesas e pegando uma das facas sobre ela. E completamente tomada pela raiva, similar ao que senti com Wendy, parto para cima de Lilu, que desvia da primeira investida que dou e, assim, suscetivelmente até que eu consiga arranhar seu rosto com a ponta da faca.
– Ainda não está seguindo as minhas dicas, mas eu gosto dessa nova atitude. – Lilu sorri, enquanto segura meu pulso, que passou rente ao seu rosto que sangrava em um fino e pequeno filete de sangue. – Vamos tentar mais uma vez, e agora, sem a faca. – Lilu puxa o objeto sujo com seu sangue, da minha mão, e o jogo para longe.
Lilu move seu pescoço de um lado para o outro, estalando-o.
– Pense que eu sou um vampiro, e tente me atacar, mas, agora, usando as dicas que eu dei. – A pequena garota, sorri.
Com o corpo dolorido e a respiração instável, encaro apenas seu corpo, o observando com muita atenção.
A minha pele parecia pegar fogo, o calor que emanava dessa capela já estava começando a ficar incômodo, e a adrenalina que corria por minhas veias agora, só aumentava a temperatura.
A sala fica em silêncio, exceto pelo barulho da minha respiração e as batidas que continuavam martelando nos meus ouvidos.
Antes que o sangue escorra para fora da minha boca, o engulo, ignorando o gosto ruim que tinha.
Tento me concentrar o máximo que posso em Lilu, e percebo quando ela apoia o peso do próprio corpo sobre a perna esquerda, mostrando que pretendia deixar a perna direita livre para me acertar. Por isso, corro em direção ao seu lado direito, a impossibilitando de usar seu chute outra vez. Ela tenta girar sua perna para mudar de posição e me acertar, mas me jogo no chão, puxando uma de suas pernas, a fazendo cair; e aproveito desse momento para colocar meu corpo sobre o seu, acertando seu rosto com um soco.
Sua cabeça vira para o lado e seu cabelo cobre parte de seu rosto, ficando com as pontas sujas de sangue quando sua boca começa a sangrar.
– É disso que eu estou falando! – Ela grita, virando sua cabeça em minha direção e sorrindo com os dentes cobertos de sangue.
Aos poucos, a adrenalina começa a sumir do meu corpo, e percebo o que acabei de fazer.
– Meu Deus, você está bem? – Pergunto, saindo de cima do seu corpo.
Lilu levanta seu tronco, dobrando as pernas e se sentando sobre elas, antes de cuspir o sangue no chão.
– Eu estou ótima. – Ela segura nas minhas mãos de forma animada.
Seus lábios estavam pintados de sangue, e a pele ao redor estava um pouco manchada de vermelho também.
***
– Esse foi um ótimo primeiro treino. – Lilu diz, ao mesmo tempo que, se joga no banco de madeira, sentando-se ao meu lado.
– Primeiro? – A encaro atordoada, enquanto pressiono meu próprio casaco, contra meu supercílio, que estava cortado.
Meu corpo inteiro doía, como se eu tivesse levado uma surra e, dessa vez, eu levei mesmo.
– Você ainda é ruim, tem muito o que melhorar. Mas não se preocupe, porque eu vou te ajudar direitinho. – Ela se vira sobre o banco, colocando seus pés para debaixo da mesa, onde as armas ainda estavam. – Acho que podemos voltar pra isso agora. – Ela pega uma das facas, passando os dedos pela lâmina brilhante.
Seu rosto pequeno e delicado, estava com alguns hematomas roxos, mas Lilu não parecia ligar. Nem mesmo a dor a incomodava.
– Uma faca como essa pode até machucar um vampiro, mas será por poucos segundos, até ele se curar. Por isso, costumamos molhar as facas na água benta. – Lilu começa a dizer, ainda mantendo sua atenção na faca.
– Então, isso de água benta não é lenda? – Afasto o casaco do meu supercílio, tocando o machucado com os dedos para saber se já havia parado de sangrar.
– Não. A água benta é criada através de orações feitas por exorcistas e, uma vez abençoada por eles, ela pode queimar muito um vampiro, fazendo sua cicatrização ser um pouco mais demorada.
Assinto, entendendo.
– Eles podem entrar em igrejas? – Pergunto, enquanto volto a pressionar o casaco no meu machucado quando o sinto sagrar de novo.
– Também não. Solo sagrado é restrito pra eles. – Lilu deixa a faca de volta na mesa, e se vira de lado, apoiando um dos braços na mesa, para me encarar. – Armas precisam conter munições de prata, que antes foram abençoadas. Você também pode matar um vampiro do jeito convencional, com uma estaca de madeira no coração. – Ela simula uma golpeada. – Mas só funciona se for a madeira de uma árvore plantada em solo sagrado, ou seja, na igreja.
Agora entendo porquê o Padre me mantém nesse lugar.
– Tem os jeitos mais simples, arrancando o anel do sol, ou queimando eles até que virem pó. Está na bíblia, “tudo caminha para um mesmo lugar; tudo vem do pó e tudo volta ao pó.”
– Mesmo assim, ainda parece difícil. – Confesso em um suspiro.
– E o que não é difícil? – Ela sorri fechado, e me fita com atenção. – Se não formos nós a fazer isso, quem fará pela gente?
