Capítulo 37
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Após revelar minha decisão, descobri que teria que passar uma temporada aqui na capela de Upiór, sobre os cuidados do Padre Abel. Depois de ir até à casa de vovó, minha mãe voltou para buscar Wendy; ela disse que ambas sempre viriam me visitar, e me desejou boa sorte nessa fase que eu estava prestes a iniciar.
Neste novo dia, Padre Abel passou aqui no quarto, pedindo para que eu me aprontasse, pois, segundo ele, eu tinha mais algumas visitas. Ele não me contou nada na noite passada, por isso, pude dormir com um pouco de tranquilidade.
Não estou com meu celular, era proibido aqui, e não tem nenhum relógio por perto, então, não tenho noção de horas, mas sei que já estou há alguns minutos sentada sobre essa pequena cama, esperando o Padre voltar.
Eu estava nervosa, muito ansiosa para saber de quem seria a visita de hoje. Até cogitei na hipótese de ser vovó. Talvez, depois da conversa dela com a minha mãe, ela tenha se arrependido.
As batidas seguintes, na porta, fazem minha ansiedade saltar da cama, assim como eu. Me apresso até à porta, encontrando o Padre do outro lado.
– Vamos? – Ele sorri agradável, com as mãos juntas na frente de sua batina preta com colarinho branco.
Aceno com a cabeça.
Calmamente, o Padre se vira e começa a me guiar, andando a alguns passos de distância. Vamos para a escada e descemos todos os degraus e, em seguida, o Padre vai em direção à porta da esquerda, onde ficava a pequena biblioteca em que Alef estava ontem.
Padre Albert abre a porta e faz um gesto para que eu entre primeiro, e com a ansiedade explodindo, disfarçadamente respiro fundo e entro na sala.
– Olá! – Uma garota de cabelos curtos e loiros, me saúda animadamente.
Ela estava sentada em uma das poltronas que havia na biblioteca, assim como uma outra garota, essa de cabelos levemente azulados e igualmente curtos. E ao meio dessas duas poltronas, de pé, havia uma teceria garota de longos cabelos escuros e ondulados.
– É um prazer finalmente te conhecer. – A garota de cabelos longos e ondulados, sorri, antes de curvar sua cabeça educadamente.
Olho confusa para o Padre, que se aproxima de mim.
– Elena, essa é a sua nova equipe. – O Padre aponta para as três garotas.
– Equipe? – Franzo o cenho.
– Se vai se juntar a nós, precisa de uma equipe, todos devem ter uma. E você, sendo uma Van Helsing, se tornará a líder.
Eu, líder de uma equipe? Isso não parece certo.
– Mas eu não sei nada, Padre. Como é que eu vou ser líder de uma equipe? – Pergunto, um pouco aflita com essa ideia.
– Não se preocupe. Nós estamos aqui pra te ajudar. – A mesma garota de antes fala, enquanto se aproxima.
– Vou deixá-las a sós agora. Você está em ótimas mãos, eu mesmo as selecionei para sua equipe. – O Padre diz, antes de se virar e sair da sala. E a minha vontade era de ir com ele.
Assim que a porta é fechada, o silêncio se instala na sala, me obrigando a encarar as três garotas de novo.
– Imagino que você deva estar nervosa depois de tudo. – A garota de cabelos longos tenta ser o mais gentil que pode em seu tom de voz. – Mas será uma honra pra nós, trabalhar com alguém tão importante como um Van Helsing.
– Um de verdade dessa vez. – A garota de cabelos loiros e curtos praticamente grita, da sua poltrona, recebendo um olhar de desaprovação da garota de cabelos longos.
– Eu sou a Meg, e essa é a Lilu. – A garota de cabelos longos aponta para a garota de cabelos curtos e loiros. – E aquela outra ali, é a Sally. – Por fim, ela me apresenta a única garota que se manteve quieta até agora.
– Posso ver a sua marca? – A tal Lilu se levanta da sua poltrona, com um sorriso animado.
– Não. Nós já conversamos sobre isso. – Meg a repreendeu outra vez.
– Mas eu nunca vi uma. – Lilu cruza os braços, fazendo uma feição emburrada.
– E nem vai ver. – Meg se fica firme em sua repreensão, enquanto Sally apenas observa tudo em silêncio, com um olhar de poucos amigos.
Todas essas garotas não pareciam ser muito mais velhas que eu, e me pergunto o motivo delas estarem aqui agora.
– Nos desculpe, a Lilu é um pouco... incontrolável. – Meg fala, enquanto encara a garota de cabelos curtos, pelo canto de olho. – Toda equipe formada pela igreja ganha o nome de Filhos Da Sombra.
– Legal, né? – Lilu se aproxima, e passa seu braço pelo meu pescoço, se pendurando em mim.
Meg bufa.
– Todas nós estivemos nos preparando até agora, essa também é a nossa primeira vez participando de uma equipe. – Meg explica. – Cada uma de nós se especializou em um tipo de coisa, e agora vamos tentar te ensinar tudo que sabemos. Hoje você vai ficar com a Sally, amanhã com a Lilu e no último dia, comigo.
Sem saber bem o que deveria fazer, apenas assinto.
Meg sorri.
– Bom, agora a Lilu e eu vamos te deixar com a Sally. Nós estaremos por aqui, caso precise de alguma coisa. – Meg diz, e depois puxa Lilu para longe de mim, para que ambas saiam da sala.
Ainda sem jeito, olho para a única garota que sobrou. Claro que eu começaria com a que tem um olhar de quem parece querer me matar.
Em silêncio, ela se levanta da poltrona e caminha para o canto da sala, onde, perto de uma das estantes, estava uma mochila preta, da qual eu não havia percebido até agora.
A garota de cabelos curtos e azulados se senta sobre o carpete vinho, começando a abrir a mochila.
– Você não quer se sentar comigo? – Ela pergunta, sem me olhar.
Sua voz era neutra, mas, leve.
– Tudo bem. – Falo em tom baixo.
Ando para perto e me sento na sua frente. Ela para de mexer na sua mochila e sorri, antes de me encarar através de seus olhos escuros e intimidantes.
– Não precisa ter medo de mim. Você é a líder e eu te respeito. – Ela diz, com uma mão dentro da mochila e a outra fora. – Todas nós somos bem diferentes uma da outra, mas acho que podemos fazer isso, não se preocupe. – Ela volta a mexer na mochila.
– Toda equipe formada pela igreja precisa ter um especialista em ervas e itens místicos, um especialista em armas e um exorcista. E você, sendo uma Van Helsing, além de líder, precisa ser especialista em tudo isso. – Ela fala com tranquilidade, me fazendo arregalar os olhos.
– C-Como eu posso ser uma especialista em tudo isso? Eu não sei nada. – A aflição aparece mais uma vez.
– Você já disse isso. – Sally me encara, de novo. – Nós vamos te ajudar, não precisa se preocupar, eu já disse.
Assinto, em silêncio, e ela fica me fitando por alguns segundos.
– Tem alguma ideia do que eu vou te ensinar hoje? – Ela arqueia uma das suas sobrancelhas muito bem delineadas.
O cabelo curto e azulado, o olhar intimidante, a postura séria, as roupas escuras...
– Exorcismo? – Encolho os ombros, e ela ri.
– Errou. – Sua mão puxa para fora da mochila, algumas vasilhas redondas de barro, e um pequeno socador, iguais aos que haviam na loja de vovó. – Ervas e itens místicos. Exorcismo é com a Meg. Ela entrou para a igreja antes de nós, por isso, teve mais tempo para se preparar, e também, eu não acho que tenha muitas habilidades para exorcismo.
É como sempre dizem, as aparências enganam.
– Algo importante para não esquecer – Sally volta a mexer em sua mochila. – Todas nós, sem exceção, precisamos ser boas em combate, temos que saber nos defender. A Lilu também é muito boa nisso, foi ela quem nos ajudou, apesar de ter se especializado em armamento.
Sally retira dois pequenos livros de sua mochila, também.
– Aqui está o básico que você precisa saber sobre ervas e itens místicos. – Ela coloca sua mão sobre os dois livros empilhados. – Mas sei que você já conhece algumas.
– Sim. – Aceno positivamente com a cabeça.
– O que é isso? – Sally aponta para a atadura na minha mão esquerda.
– Eu machuquei. – Seguro na minha própria mão, de forma involuntária.
– Você não precisa disso, é uma Van Helsing. – Ela puxa minha mão para perto dela, e depois começa a desenrolar a atadura, e me surpreendo ao ver minha mão em perfeito estado, sem qualquer sinal de corte ou cicatriz.
– Mas como? Eu fiz um machucado muito feio aqui. – Aproximo minha mão do rosto, buscando qualquer mísero sinal que me explicasse o que aconteceu.
– Um Van Helsing não é como um humano normal, Elena. Vocês têm uma capacidade de cura muito melhor do que qualquer um de nós. Não é como a de um vampiro, mas, ainda sim, é boa. Provavelmente, em um ou dois dias você poderá se curar de qualquer machucado, não importa a gravidade dele.
A encaro com espanto, completamente atordoada com sua revelação.
– Pelo jeito, ninguém te contou nada mesmo. – Ela faz uma careta, e nega com a cabeça. – Certo, então vamos no começo. – Sally pega um dos livros, e começa a folheá-lo. – Aqui, está vendo. Conhece essa erva? – Ela aponta para a figura de uma folha alaranjada.
– Sim, eu conheço, minha avó vende essa erva na loja dela. Essa erva é pra machucado, não é? – Pergunto.
– Sim. Essa erva, como todas as outras, são ervas com propriedades místicas, algumas criadas pelos Van Helsing e outras pela igreja, há muito tempo atrás. – Seus dedos deslizam por cada escrita abaixo da figura ilustrativa. – A Erva-Laranja serve pra nos dar a mesma vantagem que você tem, uma Van Helsing. Ela acelera nosso processo de cura que, sendo humano, é um pouco lento. Ela cura desde arranhões até machucados internos.
Presto muito atenção em cada palavra. Era complemente diferente redescobrir a utilidade de uma coisa, da qual, eu julgava ser simples.
Sally vira mais uma página.
– Erva-Amarela, essa aqui é pra combater a hipnose dos vampiros. Geralmente, tomamos pra evitar que eles consigam nos hipnotizar, mas em casos onde a pessoa já foi hipnotizada, essa erva pode anular a hipnose.
– Uma pessoa pode ser hipnotizada pra vomitar um determinado tipo de erva? – Pergunto, quando entramos em um assunto do qual tive que lidar nos últimos dias.
Ela arqueia as duas sobrancelhas.
– Do que especificamente estamos falando?
Suspiro alto.
– Minha irmã, ela foi hipnotizada, e toda vez que comia qualquer coisa com Erva-Verde, ela vomitava tudo.
A expressão de Sally fica um pouco séria.
– A Erva-Verde é como um veneno, e se a sua irmã foi hipnotizada, provavelmente algum vampiro fez isso pra poder se alimentar. Se ela vomita essa erva, então a erva não estará circulando no seu sangue, e não afeta o vampiro.
Pelo que os irmãos me disseram, Amia era quem estava se alimentando da Wendy, então foi ela quem fez isso? Mas e se eles estiverem mentindo e também se alimentaram da Wendy? Não posso descartar nenhuma possibilidade.
– Podemos continuar ou tem mais alguma dúvida?
– Pode continuar. – Digo, e ela volta a virar as páginas do livro. – Espere, essa erva aqui, pra que ela serve? – Aponto para uma página, quando o vermelho me salta os olhos.
Estava escrito Erva-Vermelha, e parecia muito com a Erva que Jin usou para fazer um chá quando Jimin passou mal por conta da minha torta de maçã.
– Ah, essa erva é usada pelos vampiros pra combater justamente a Erva-Verde. Se eles passam mal, podem morrer, mas essa erva ajuda. É como se fosse a Erva-Laranja para os humanos.
– Eu já vi ela uma vez, mas tinha um nome diferente, acho que era Erva-De-Sangue.
– Os vampiros costumam chamar ela por esse nome, é a mesma erva.
Descobrir essas pequenas coisas, faz com que tudo passe a ter um sentido ainda maior. Eu consigo entender acontecidos passados de uma forma completamente nova agora.
– Vamos lá, agora eu quero te mostrar uma coisa. – Sally se levanta, e caminha até à porta dos fundos da sala. Ela enfia uma das mãos no bolso de suas calças e retira de lá, uma chave. – Vem aqui.
Curiosa, me levanto e vou para perto dela, que me olha com entusiasmo.
– O Padre me emprestou essa chave hoje. Fiquei muito ansiosa por isso. – Ela diz, e coloca a chave na fechadura da porta velha, demorando alguns segundos para destrancá-la.
Ela empurra a porta para dentro, revelando um cômodo do tamanho de um pequeno closet. Não haviam janelas ou qualquer coisa do tipo, apenas inúmeras lâmpadas no teto, deixando o lugar extremamente iluminado, enquanto o chão era coberto por pequenos vasinhos com o que pareciam plantas de folhas pretas.
Sally entra no cômodo e pega um dos vasinhos.
– Eu nunca tinha visto uma de perto, só nos livros. – Ela encara a planta, com fascínio.
– O que ela faz? – Me aproximo de Sally, encarando as folhas pretas.
– Essa aqui é só uma das ervas mais importantes que existem. – Sally me olha esperta. – Ela quase foi exterminada pelos vampiros, e hoje só é cultivada nas igrejas. O nome é Erva-Negra, e é como se ela pudesse ressuscitar um humano.
– Ressuscitar? – Arregalo os olhos, e Sally assente.
– Você conhece a história da Condessa Meredith? – Sally desvia sua atenção da Erva-Negra por um instante.
Assinto.
– Depois que ela fez o acordo com o dementador, os vampiros comuns passaram a se tornar raros no mundo. Eles eram mais fracos que um vampiro dementer, e você sabe né, existe a seleção natural, e se você não é forte o bastante e não se adapta, você morre. E foi o que aconteceu. Atualmente, o número de vampiros comuns é insignificante.
– Você está dizendo que mais da metade dos vampiros são dementers? – Pergunto, assombrada.
– Isso aí. Praticamente todos são dementers, e um dementer se alimenta de alma, como já sabemos. É muito difícil escapar de um ataque desses, mas se a pessoa escapa, com certeza, deve ter tido pelo menos uma parte da sua alma devorada. E essa plantinha aqui – Sally bate suas unhas contra o vasinho da erva. –, vai te deixar novinho em folha outra vez.
Como era possível? Como isso é possível?
Sally coloca o vasinho que segurava, de volta junto aos outros.
– Vamos deixar elas descansando agora. – Sally apoia uma mão sobre as minhas costas, e me direciona para fora do cômodo, trancando-o ele em seguida. – Impressionante, não é? – Sally pergunta, enquanto tranca a porta do cômodo.
– Até demais. – Confesso, ainda atordoada.
– Por isso escolhi me especializar em ervas e itens místicos. Se você sabe o jeito certo de usá-los, pode fazer um estrago inimaginável em qualquer um, seja criatura sobrenatural ou humano. Isso não nos aproxima um pouco de Deus? – Ela guarda a chave de volta no seu bolso, e me encara.
– E isso não seria blasfêmia?
Sally ri, e aponta com a cabeça para o mesmo lugar que estávamos antes.
